quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23022: A nossa guerra em números (14): Até 1966, as despesas com o transporte, até Lisboa, de uma urna de chumbo com os restos mortais de um militar, a suportar pela família, variavam entre 10 e 15 contos, conforme a província (Angola, Guiné ou Moçambique)





Telegrama, assinado pelo Comandante do DGA (Depósito Geral de Adidos, quartel da Ajuda, Lisboa), com data de 27 de novembro de 1962:

"6797 - E informo foi recebida comunicação Angola informando ser possível  traslação Metrópole restos mortais seu esposo 2.º sargento Justino Teixeira Mota. Caso deseje informar urgentemente este Depósito e depositar dez contos ou indicar  fiador idóneo. Comandante DGA.".

O 2.º Sargento de Transmissões  Justino Teixeira da Mota tinha embarcado no navio Vera Cruz, com destino a Angola, em 12 de Agosto de 1961, integrado na CCAÇ Esp. 266. Era casado, pai de um menino com dois meses de vida (o António) e de uma menina um pouco mais velha. A família vivia em Avintes, V. N. Gaia. Quis o destino que, num acidente de viação, em 18 de Outubro de 1962, perto de Maquela do Zombo, perdesse a vida. Em resposta ao telegrama do DGA, a família pediu, em 28/12/1962, que não se efectuasse a transladação dos restos mortais, certamente pro carência económica. Em 1962, 10 contos equivaleria, a preços de hoje, a 4.318,49 € (conversor da Pordata).

Fonte: Poste P2651 (*)


1. Um dos capítulos mais pungentes da guerra de África ou guerra colonial, para além das baixas por morte (em combate, acidente ou doença), era a transladação (ou trasladação), o transporte dos restos mortais dos militares, sepultados em África para os cemitérios das suas terras natais.

Só com a utlização de urnas de chumbo, começou a ser possível a transladação para a Metrópole, embora a expensas da família. 

Até 1966, as despesas com o transporte, até Lisboa, de um urna de chumbo com os restos mortais de um militar, a suportar pela família, variavam entre 10 e 15 contos, conforme a província (Angola, Guiné ou Moçambique). A preços atuais, seria qualquer coisa como 3.687,81 € e 5.531,72 €, respeticamente (de acordo com o conversor da Pordata).  Estas quantias eram incomportáveis para a generalidade das famílias portuguesas de então.

Com o Regulamento de Transladações, publicado em 2 de março de 1967, o transporte dos corpos dos militares falecidos em África passou a ser assegurado pelo Estado, utilizando-se então o sistema de transportes militares. 

Como este era moroso, havia famílias que preferiam optar pelas carreiras áereas regulares, neste caso a TAP: em 1967, os encargos para as famílias era de 5.250$00, 10.580$00 e 2.180$00, a partir de Angola, Moçambioque e Guiné, respetivamente. (**) 

A preços de hoje, esses valores supra corresponderiam a 1.852,73 €, 3.733,69 € e 769,32 €, respetivamente. 

Não temos dados sobre o número de transladações efetuadas antes e depois de 1967.

Fonte: Adapt. de Pedro Marquês de Sousa - "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pág. 320

6 comentários:

Eduardo Estrela disse...

Não há palavras para descrever a vergonhosa postura do poder político da época, relativamente aos militares caídos no início dos conflitos com a guerrilha. Felizmente que alguém com bom senso rectificou mais tarde esta monstruosa situação. A vivos dava-se transporte. A mortos, a família que arcasse com o pagamento.
Eduardo Estrela

Valdemar Silva disse...

Estrela, coitada da esposa do 2º. Sargento.
Aquela 'havemos de chorar os mortos se os vivos os não merecerem' (1963) eram lágrimas de crocodilo... e continua a guerra e continuam os mortos.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

É bom que documentos como este cínico, desumano e atroz telegrama sejam divulgados.... Repare-se que se tratava de um militar do quadro, ao que tudo indica.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Leia-se o belíssimo texto que o Carlos Vinhal escreveu a propósito deste caso
. Ao fim de 35 anos de "luta incessante", o filho, António Teixeira da Mota", que andou nos Pupilos do Exército, conseguiu a trasladação dos restos mortais do seu adorado pai, para a sua terra, no concelho de Amarante. Uma história comovente, com final feliz.

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

A questão da transferência dos mortos não necessitava ter sido levantada, antes deveria ter sido resolvida logo desde o início da guerra. Canalhamente e farisaicamente não o foi e não tenho conhecimento de que este tenha sido um motivo para discórdia adentro das fileiras e com o "Poder Político". A guerra começou em 1961 e só em 1967 o assunto ficou(?) regulamentado. Outra canalhice. Levar 6 anos de guerra a resolver uma questão como esta, quando se sabe que uma grande parte dos mortos eram metropolitanos ou insulares confirma-nos a ideia de que até com os mortos o "regime" queria poupar dinheiro...
E depois ainda há quem o defenda...

Um ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

"Aos vivos dava-se transporte", dizes bem Eduardo Estrela...O Estado tinha-se que preocupar com isso, com a sua deslocação para o teatro de operações... Mesmo que fossem como "gado vivo", nos porões dos navios...

Com os mortos, não se perdia tempo e dinheiro com a sua transladação... Passava-se a "bola" para as famílias... Hoje achamos chocante, no passado quase todos se resignaram... LG