terça-feira, 19 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23441: O consulado do general Bettencourt Rodrigues (3): Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, com vista ao reforço da defesa das áreas urbanas e suburbanas de Bissau


Guiné > Bissau > Bissalanca > Base Aérea 12 > s/d. 



1. A terceira (e última, no ano de 1973) directiva do novo Com-Chefe, gen Bettencourt Rodrigues (*), é a Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. 

É também um sinal dos tempos.  Bissau está ao alcance dos foguetões 122 mm e vulnerável a eventuais acções de sabotagem e terrorismo urbano (como virá acontecer, já em 1974, com o rebentamento de engenhos explosivos num café de Bissau, em 26 de fevereiro,  que provocou 1 morto e a sabotagem no próprio QG/CTIG, em 22 de fevereiro, onde parte do edifício principal foi destruída, numa acão reivindicada pelas (ou atribuída às) Brigadas Revolucionárias. O perímetro da base aérea nº 12, e o aeroporto  de Bissalanca também  também podia estar sujeito à infiltração de um furtivo apontador de Strela...

Por outro lado, a  CECA (2015, pág. 12) recorda que já em 1971 se registaram dois factos graves e/ou preocupantes:

(i)  em fevereiro, "2 aviões MiG-17 com as cores da República da Guiné, tripulados por argelinos, sobrevoaram Bissau, tendo continuado a verificar-se, posteriormente, acções várias de violação do espaço aéreo por helis e aviões não identificados";

(ii) e em 9 de junho, "o PAIGC levou a efeito o primeiro ataque a Bissau e a diversos aquartelamentos das proximidades, provocando num deles um número significativo de baixas".
 
Ainda segundo a mesma fonte, mas já em 1972, explodiram três engenhos explosivos, durante a noite, em locais diferentes da cidade de Bissau, capital do território,  "o que indiciava propósitos de terrorismo urbano". Nestes engenhos foram utilizados espoletas de efeito retardado MUV-2 (CECA, 2015, pág. 121).

Não em Bissau, mas na segunda maior cidade, Bafatá, o PAIGC em 8 de janeiro de 1972 levara a cabo  "um aparatoso ataque", com foguetões 122 mm (CECA, 2015, pág. 121).  

Destaca-se também, nesse ano, em 9 de março, "a flagelação ao topo norte da Base Aérea de Bissau, no dia 9 de Março, fazendo uso de lança-granadas foguete RPG-7".
 
Num dos últimos discursos que proferiu antes de ser assassinado, em Conacri, em 20 de janeiro de 1973, Amílcar Cabral "referiu a necessidade de intensificar a guerrilha
em todas as frentes e nos centros urbanos, com base numa organização clandestina, sabotando meios, destruindo instalações e causando o maior número de baixas na retaguarda, e que, no novo ano, seriam utilizados novas armas e meios mais poderosos." (CECA; 2015, pág. 239). 

E como é sabido em março desse ano entram em acção os mísseis terra-ar Strela...
 
2. Directiva "Guarda Matutina", de 17Dez73, sem número. Excertos:

"1. SITUAÇÃO

a. Inimigo

A área de Bissau, com toda a sua infraestrutura civil e militar, constitui o objectivo principal do lN.

Nas áreas urbanas e suburbanas destacam-se, como pontos sensíveis a acções de sabotagem lN:
  •  as instalações da SACOR; 
  • a Central Elevatória da Mãe de Água;
  • o Centro Emissor de Brá; e
  • a Central Eléctrica (Av. Brasil).

b. Forças Amigas

A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da 7ª CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.

Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.

c. Reforços e cedências

(1) Reforços

O COMBIS passa a ser reforçado com a Companhia de Milícias Urbana.

2. MISSÃO

As Forças Armadas colaboram na defesa dos pontos sensíveis das áreas urbana e suburbana de Bissau, ficando a seu cargo a defesa das instalações da Central Eléctrica (Av. Brasil), da Central Elevatória da Mãe de Água e do Centro de Brá.

3. EXECUÇÃO

a. Conceito da Manobra

Tendo em consideração a localização dos referidos pontos sensíveis em relação às áreas de responsabilidade do COMBIS, é minha intenção defender a central Eléctrica (Av. Brasil), a Central Elevatória da Mãe de Água e o Centro Emissor de Brá, com meios do COMBIS reforçados com a Companhia de Milícias Urbana.

b. COMBIS (Comando de Agrupamento de Bissau)
  • Garante a segurança imediata da Central Eléctrica (Av. Brasil);
  • Garante a segurança imediata da central Elevatória da Mãe de Água;
  • Garante a segurança imediata do Centro Emissor de Brá. [... ]"

Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 293-294 (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]
___________

Nota do editor:

Postes anteriores da série:


8 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Esta directiva foi emitida já depois de eu ter regressado.
Ela prova a intensificação da guerrilha urbana que eu sempre esperei que se efectivasse.
Reparem na situação da PSP. A PSP, pelos vistos não estava em condições de desempenhar a sua missão. Não se entende porque é que não houve mobilizações daquela força para o policiamento de Bissau, já que a necessidade de uma força de polícia urbana é patente. E a PIDE, onde estava e o que fazia? Resultados? O COMBIS reforçado com uma Comp. Milícia Urbana? Nunca tinha ouvido falar de uma "Comp. Milícia Urbana". Donde vinha? Como se formou e por quem? Quem a enquadrava?

Ora esclareçam-me...
Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O pano já era curto e cheio de remendos. Também fiquei banhado com essa ideia da CMU - Companhia de Milícia Urbana. Foi uma forma expedita, penso eu, de o Governador-Geral, que se preocupava muito com o problema do desemprego crónico dos jovens, de competir com o PAIGC no recrutamento da malta do Pilão...

António J. P. Costa disse...

E os soldados do recrutamento local a prestarem serviço na PSP?
Nunca tinha ouvido falar disso. Seria para implantar ou sou para se ir implantando à boa maneira portuguesa? E os graduados da PSP quem eram?
A CECA não esclarece estas questões o que quer dizer que estávamos, de facto, a chegar a uma situação de impossibilidade. Nunca soube de militares de qualquer origem que viessem da metrópole, ou mesmo de quartéis do mato para a PSP.
E depois digam-me que "tava na maula"...

Um Ab.
António J. P. Costa

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Especialmente devido aos comentários que as descrevem, esta Composição e Articulação das Forças é (no mínimo) surrealista. Faço apelo aos camaradas "mais recentes" para que digam se tinham conhecimento da possibilidade da sua constituição deste sistema de forças.

b. Forças Amigas

A PSP tem tido o encargo da defesa dos pontos sensíveis referidos. Porém, a partir de Novembro de 1973, os guardas europeus da T" CMP - Companhia Móvel de Polícia são, na sua quase totalidade, soldados no cumprimento do serviço militar obrigatório, com pouca idade, experiência e prática de serviço.

Este facto, aliado à fraca capacidade de enquadramento, tornam impossível à PSP continuar a garantir satisfatoriamente a segurança e defesa de todos os pontos sensíveis.

c. Reforços e cedências

(1) Reforços

O COMBIS passa a ser reforçado com a Companhia de Milícias Urbana.

As missões atribuídas ao AGRBIS revelam que a protecção de pontos importantes na área de Bissau tinha de ser feita pelas unidades militares.

Um Ab.
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, isto parece ser um atestado de incompetência passado à PSP e à instrução que era ministrada aos seus guardas (e aos seus graduados)...

Não encontro, nos livros da CECA, qualquer referência a esta 7ª Companhia Móvel de Polícia que existiria em Bissau a partir de novembro de 1973...

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

A PSP tinha, realmente, uma "Companhia Móvel" cujo número, composição e efectivo não conheço.Já existia em 1968. Conheci um dos comandantes (oficial do Exército) em 1971/72, cujo nome esqueci. Sei que tinha pessoal ido da "Metrópole", e também o teria do recrutamento local. Julgo que o trânsito (por exemplo, no cruzamento do Benfica) era regulado por polícias do recrutamento da PU. Tenho ideia de que o "depósito de água" era vigiado por polícias, mas não sei como nem quantos.

Só um eventual arquivo da PSP poderá dar uma ideia destas questões.

Um Ab.
António J. P. Costa

António J. P. Costa disse...

Olá Camarada
Enviei um mail ao serviço de Rel. Públicas da PSP para obter informações sobre o dispositivo em Bissau.
Um Ab.
TZ

Victor Costa disse...

Camaradas,
No mês de Julho de 1974 iniciamos uma operação contínua de controlo e revista de todas as viaturas e civis que entravam e saiam de Bissau, em que todas as viaturas eram obrigadas a parar. Instalamos uma tenda de campanha junto à Base Aérea nº 12 em Bissalanca precisamente ao lado dos caças G 91. Esta operação contava além da secção que eu comandava, também com a participação de 2 elementos da Polícia de Segurança Pública de Bissau. Num desses dias um condutor civil cabo-verdiano que circulava na direcção Bissau-Safim não parou à nossa ordem e abalroou um elemento nativo da P.S.P. Imediatamente corremos para o condutor da viatura e dei-lhe ordem para sair com as mãos bem levantadas. Começou a gesticular, eu puxei a culatra atrás e dei-lhe ordem de prisão, entretanto o outro elemento da P.S.P. aproximou-se e meteu-lhe as algemas. Chamamos a ambulância e a ramona e lá seguiram os dois para Bissau. No dia seguinte comuniquei para a P.S.P., para saber do estado de saúde do agente, mas tinha falecido de noite. Nunca mais soube o que aconteceu ao preso, nem se houve posterior investigação, eu limitei-me a fazer o relatório, julgo que esta operação não durou mais de 10 dias.
Entretanto a C.Caç. 4541/72 com o fim da comissão regressa à Metrópole e eu em Setembro sou colocado na CCS do QG em Bissau até ao meu regresso em Outubro de 1974. Bissau foi uma cidade segura durante todo o tempo que lá estive quer antes quer depois do 25 de Abril. Constava no entanto no Q.G. que durante o mês de Setembro existiram alguns problemas entre alguns elementos da nossa tropa pelo controle das meninas do Pilão, mas que não tinha nada a ver com segurança. Tratava-se de meia dúzia de individuos que denegriam a imagem das NT. Estes problemas também já existiram aqui e estão ligados ao ambiente da noite.
Um abraço,
Victor Costa Ex.Fur.Mil.Inf.