Caldas da Rainha > RI 5 > 1968 > O futuro furriel miliciano David Guimarães, de minas e armadilhas [CARt 2716, Xitole, 1970/72], está a tocar viola, rodeado de camaradas que estavam a fazer a recruta no CSM - Curso de Sargentos Milicianos. Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Joaquim Araújo Cunha (assinalado com um círculo a vermelho).... Era de minhoto, de Barcelos. Viria a morrer em combate, no subsector do Xime, no decurso da Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime, que integrava o BART 2917, chegado há poucos meses ao Setor L1 (Bambadinca).
Em tempos fomos contactados por uma sobrinha do Cunha, que nos deixou este comentário no poste P9863, de 8 de maio de 2012 (mas, lamentavelmente, não temos o seu email ou o seu nº de telemóvel):
"Sou Sobrinha do Fur Mil Joaquim de Araújo Cunha. Apesar da mágoa, a minha mãe gostou muito de ler estas palavras e perceber que era acarinhado pelos colegas. Temos, ainda, guardadas todas a fotografias pelo que teremos todo o gosto em as partilhar. Obrigada. Cumprimentos para todos". .11 de março de 2015 às 22:14.
Choro para uma morte anunciada!
Em memória de todas as vítimas
a salada de atum, cebola e tomate,
e o copo de vinho verde tinto
que partilhas connosco,
que não sabes que vais morrer,
à hora marcada,
Um, dois, três, quatro, cinco, seis homens
às 8h50,
pode vir a morrer, camaradas,
na próxima hora!,
em noite de romaria!
Camaradas,
porque há sempre uma hora para morrer.
De um tiro no coração,
de um roquetada,
de uma mina antipessoal,
acabado de sair da Academia Militar,
que se recusa a sair com os seus homens
para a Ponta do Inglês…
E o safado do segundo comandante do batalhão
que lhe manda dizer, alto e som,
pelo altifalante da parada:
"O nosso capitão vai e torna a ir,
nem que seja a reboque de uma GMC!"...
Esquecer a Guiné, camarada,
por esta noite
que estão aqui à volta desta mesa tosca,
O sabor a sangue e a merda
que a vida aqui tem,
aos vinte e poucos verdes anos,
a merda da Guiné,
a merda verde rubra do Xime,
a merda que te cobre o corpo e a alma,
é muito mais do que a merda toda,
das bolanhas, das lalas e do tarrafo
do Geba e do Corubal!
Podes lavar-te todos os dias,
à hora aprazada,
que essa merda nunca mais te sai,
Podes até trocar de camuflado,
essa merda que te vai matar,
está te entranhada,
Quem foi o idiota que disse
e que a terra da tua pátria te seria leve ?!
Meu pobre camarada,
que pedaço de inferno foi este
que nos coube em vida,
nesta terra?!
(i) Da CCS/BART 2917, ao serviço da CCAÇ 12: guia e picador Seco Camará, assalariado, trabalhando sobretudo com a CCAÇ 12; está sepultado em Nova Lamego:
(ii) Da CART 2715 / BART 2917 (Xime, 1970/72):
- Furriel Mil Mec Auto Joaquim Araújo Cunha, nº mec 14138068; sepultado em Barcelos;
- 1º Cabo Atirador José Manuel Ribeiro, nº mec 18849069; sepultado em Lousada.
- Soldado Atirador Fernando Soares, nº mec 06638369; sepultado em Fafe;
- Soldado Atirador Manuel Silva Monteiro, nº mec 17554169; sepultado em em Condeixa-a-Nova;
- Soldado Atirador Rufino Correia Oliveira, nº mec 17563169; sepultado em Oliveira de Azeméis...
Dos feridos graves (9), helievacuados em Madina Colhido, não temos infelizmente registo dos seus nomes, tirando o sold Sajuma Jaló (apontador de bazuca do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, onde eu ia integrado, como comandante de secção).
"O ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r (!) que incidiram sobre a antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (1° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola-metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores." (Fonte: poste P1318).
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 27 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16765: Manuscrito(s) (Luís Graça) (102): Para ti, camarada, que ainda não sabes que vais morrer, às 8h50 da madrugada do dia 26 de novembro de 1970...
(**) Último poste da série de 17 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23792: Efemérides (376): Inauguração de um Monumento aos Combatentes do Ultramar de Vitorino das Donas (Ponte de Lima), realizada no dia 12 de Novembro (António Mário Leitão, ex-Fur Mil)
(***) Vd. poste de 27 de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22756: O nosso blogue por descritores (5): duas dezenas de referências à "Op Abencerragem Candente" (subsetor do Xime, 25-26 de novembro de 1970: um banho de sangue, com 6 mortos e 9 feridos grave, do lado das NT )
6 comentários:
E em memória de todos os que caíram em nome duma causa tenebrosa e irracional, nos matos e bolanhas da Guiné que trazemos na alma.
Belo poema Luís!
Palavras soldados, contra a indiferença e a memória curta, a mesquinhez e hipocrisia dos que nos têm tratado com desdém e continuam a ignorar-nos a nós os europeus e pior, muito pior, os camaradas africanos.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
Obrigado, Eduardo, meu camarada da CCAÇ 14. És sempre bem aparecido. Luis
Luís
Que escrito. Caminhei na estrada para a Ponta do Inglês e assisti às evacuações em Madina. Pareceu-me que senti o cheiro da pólvora e do sangue, dos nossos camaradas.
Como é possível 52 anos depois sentir que ainda sofres.
Um abraço solidário de camaradagem
António Duarte
cart 3493 e ccaç 12 de dez 71 a jan 74
Luís :
Um poema que diz tudo o mais que o relato não diz, que fala em mais do que números. Do relato depreende-se que morreram seis camaradas nossos na verdura da vida, ao serviço dos desígnios pátrios. O poema reconduz-nos ao sofrimento que precedia os momentos piores, nos dias em que se pensava qual de nós se despediria da vida.
Um grande abraço.
Obrigado Luís pelo poema. Confesso que, apesar da idade, ainda somos capazes de nos emocionar pelos amigos e camaradas perdidos na guerra. Fizeste com que me emocionasse, quer pelo relato, quer pelo poema. Obrigado e não esqueceremos aqueles que, tão na flor da idade, morreram. Abraço. Luís Dias
Caro Luís
Comovente.
A dor, a raiva, até a perplexidade pela circunstância do pequeno lapso de tempo que decorre entre o convívio da madrugada e momento fatal, tudo isso está noo poema.
Hélder Sousa
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