Guiné > Zona Leste > Região de Baftá Sector L1 (Bambadinca) > Regulado do Cuor > Missirá > 1969 > Aqui esteve destacado, em 1970/712, o seu Pel Caç Nat 63, com os nossos dois tabanqueiros, que a morte já levou, o alf mil art Jorge Cabral (1944-2021), natural de Lisboa, e o fur mil art António Branquinho (1947-2023), nascido em Vila Nova de Foz Coa.
Entre 1971 e 1974, os Pel Caç Nat 52, 54 e 63 passaram "rotativamente" por vários aquartelamentos e destacamentos do Sector L1: Bambadinca, Fá, Missirá, Mato Cão, ponte do rio Udunduma , Enxalé, etc. O Jorge Cabral foi substituído, no comamdo do Pel Caç Nat
63, em 1 de julho de 1971, pelo alf mil at Manuel David Coelho (oriundo da CART 2714 / BART 2917).
Durante o percurso íamos passando por locais paradisíacos, com palmeiras, mangueiros, outras árvores exóticas e pequenos cursos de água. Se não houvesse guerra e tivesse dinheiro, não me importava de construir uma vivenda num daqueles locais. Maldita guerra!
Ia eu nestas cogitações, quando me dá uma valente dor de barriga. Desta situação avisei o Jorge Cabral, como comandante do Pel Caç Nat 63, informando-o que iria sair do trilho para fazer uma necessidade fisiológica.
Como seria de esperar, gerou-se uma certa confusão. Após a acalmia das “tropas” e de se averiguar a situação, constatou-se que tinha rebentado uma mina (reforçada com granada de canhão sem recuo), na retaguarda da coluna. Tendo esta provocando dois mortos e vários feridos, uns graves e outros leves.
Perante esta situação, via rádio, pediu-se a evacuação dos elementos atingidos pelos estilhaços da mina. De imediato procedeu-se à organização da segurança a prestar aos meios aéreos.
– Não levamos os mortos!
Perante as suas atitudes drásticas, quanto ao meu pedido “passei-me”. De modo bastante drástico e enervado, empunhei a G3 em riste, puxei a culatra atrás e vociferei:
– Levais os mortos ou… dou-vos um tiro nos c….!
Como seria óbvio, eu não daria nenhum tiro, era só “ronco”. Uma coisa é certa – levaram também os mortos.
Em consequência de todas estas peripécias, não mais me lembrei da dor de barriga. Lembrei-me, sim, ao regressarmos a Missirá de beber não sei quantas “bazucas” para matar a sede.
2. Comentário do editor LG:
Dos 8 comentários ao poste P7291 (**), escolhi três, mais pertinentes:
(i) Luís Graça;
(...) Ora aqui está uma boa questão a pôr às nossas queridas camaradas enfermeiras paraquedistas... Por que é que elas se recusavam a levar os mortos? Eram elas ou eram eles, os homens da FAP, os pilotos e os melec?
Seguramente que havia "instruções de cima"... O custo de um heli era equivalente a 15 contos, na época, por HORA!, ou seja o vencimento (mensal) de dois alferes, se não mais, ou o pré (mensal) de 25 soldados de 2ª classe (leia-se: do recrutamento local, sem a 3ª classe da instrução primária)...
De facto, a mão de obra do exército, a tropa-macaca (sem ofensa para ninguém...), era muito mais "barata"...
No mato, para transportar, a pé, um morto, até ao aquartelamento mais próximo ou à estrada mais próxima (onde pudessem chegar as nossas viaturas) era preciso "mobilizar" um grupo de combate (30 homens) que se ia revesando... Era a tarefa mais penosa (física e psicologicamente falando) que nos podia caber, transportar, ao sol ou à chuva, um camaradda morto, em maca improvisada com paus de arbustos, impermeáveis e lianas...
Esse "calvário" está magistralmente descrito no livro do Amor Pires Mota, que eu li de um trago, a "Estranha Noiva de Guerra"...
16 de novembro de 2010 às 13:32
(ii) José Corceiro:
Numa narração que hoje escrevi para o blogue, que oportunamente irei enviar, durante uma emboscada tombaram no mato dois militares, também houve feridos. Pediram-se evacuações de heli, mas os mortos não foram no heli, ainda que não pertencessem à CCAÇ 5, foram em viatura para Canjadude, onde foram amortalhados.
É lógico, neste caso, se fosse só uma questão económica, teria sido mais vantajoso transportá-los no heli, a partir do local onde tombaram. Porque teve que vir meio aéreo, a Canjadude, trazer duas urnas. Posteriormente voltou a vir meio aéreo para levá-los já nos caixões, creio que para o local onde estava sediada a companhia à qual eles pertenciam. Eram duma companhia de “Paras”.
Interpreto a recusa de transportar mortos nos helis, por uma questão de utilidade e eficácia, porque durante o percurso do transporte dos feridos e mortos, poder-se-ia dar a coincidência de na mesma rota, aparecerem mais feridos e neste caso a lotação dum morto poderia impedir a evacuação dum ferido.
16 de novembro de 2010 às 22:20
(iii) Jorge Cabral:
Olá, Branquinho! Foi mesmo assim que aconteceu no dia 22 de Junho de 1971, na área de Salá (****). Eu já passara os 24 meses, mas ainda havia de lá voltar a 14 de Julho, quando o Pelotão já não se encontrava em Missirá. Os mortos foram Cherno Sanhá e Sambaro Embaló, ambos do Pel Caç Nat 54. (...)
17 de novembro de 2010 às 09:48
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(*) Vd. poste de 11 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24389: In Memoriam (479): António Branquinho (1947-2023), ex-fur mil, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, set/69 - out/71)... Nosso tabanqueiro desde 24/9/2010, era irmão do advogado e escritor Alberto Branquinho, também ele membro da nossa Tabanca Grande
3 comentários:
O Branquinho era a delicadeza em pessoa... mas nesta situção (que eu também conheci bem, de ter que levar os mortos às costas ou de padiola improvisada), vieram ao de cima os genes dos seus antepassados castrejos...
Ele não disse, como diria um mouro de Lisboa: "Vocês levam um tiro na cabeça..."... Ele disse: "Levais um tiro nos c...!" -.. Quem falava assim era de Foz de Coa, caramba!
Quem seria as enfermeiras paraquedistas que estavam de serviço nestes dois helis, em 22 de junho de 1971, na picada de Missirá - Sancorlã - Salá, de triste memória ? Serã que não ganharam para o susto ou pensaram: "Olha, mais um apanhado do clima!"...
O Branquinho fala em "mais dois grupos de combate"...Além dos Pel Caç Nat 63 e 54, deveria ser mais um pelotão de milícias...
O Cuor não era para "brancos", devem ter pensado os senhores do BART 2917...
A propósito do Branquinho ter perdido a vontade de baixar as calças com toda aquela confusão, lembro-me muito bem que em Jolmete fora do arame farpado nunca tive necessidade de baixar as calças. Vidas passadas.
Manuel Carvalho
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