segunda-feira, 12 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24391: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (36): No Corubal não há ostras (... e muito menos sardinhas de Santo António), mas há coisas que também não há no céu: garoupa do rio (perca do Nilo), lagostins, mexilhão de água doce, crocodilos e hipopótamos, etc.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho... Doces e trágicas memórias, a deste rio... O único e verdadeiro rio da Guiné, já lá dizia o eng. agr. Amílcar Cabral, porque todos os demais são de água salgada, são rias, são braços de mar... É provavelmente o mais belo rio da Guiné, digo eu, que só conheço este, o  Geba, o Mansoa, o Cacine  e mais alguns rios mais pequenos, afluentes...


Um dia destes,  os novos senhores de África decidem construir aqui uma monstruosa barragem, hidroelétrica, à revelia dos verdadeiros interesses do povo guineense... É sonho antigo que vem da independência... E com isso destruir o recurso mais precioso que tem a Guiné-Bissau, para além do seu povo, que é a sua biodiversidade... Não sei se este projeto tem viabilidade (do ponto de vista técnico, financeiro, económico, ambiental e político)... Mas já vimos tanto coisa, em todo o lado (a começar pelo nosso país)...

Ah!, mas Bissau, continua nas "trevas", sem eletricidade, a não ser a de geradores... Hoje põe-se cada vez mas em causa o recuros às barragens hidroelétricas que tem um período de vida útil de 100 anos e um impacto ambiental produtal...

Enfim, o que eu quero sublinhar é que  sem biodiversidade não há futuro, não há desenvolvimento sustentado e partilhado, não há esperança... Oxalá que este  projeto nunca se chegue a concretizar, no Corubal... 

Para bem da Guiné-Bissau e de todos nós, incluindo o povo chinês cujo dinheiro está a ser fortemente investido em África, e não só... Porque a terra não nos pertence, é a nossa casa comum, e temos a obrigação de a deixar, melhor, mais habitável e sustentável, aos que hão-de vir depois de nós, os nossos filhos, netos e bisnetos, europeus, africanos, asiáticos, americanos, australianos...

Também me parece que há hoje  um sério risco de "pesca selvagem" no Rio Corubal, a avaliar pelas fotos de alguns "sites" de caça e pesca, internacionais, que promovem, descaradamente, quase pornograficamente, o saque dos recursos piscícolas do Rio Corubal...

O mar da minha terra também era rico de vida marinha, lançavam-se cem covos, apanhavam-se cem lagostas. E pescador que não apanhasse à linha uma garoupa do seu tamanho era uma merda de pescador... Estou a falar de há 60/70 anos atrás... Hoje até a sardinha foge de nós... En Peniche o número de traineiras deve ter sido reduzido na ordem das 80 para 10... O atum desapareceu do mediterrâneo. E, claro, do Algarve. E as ostras estão a regrssar, lentamente, depois da poluição dos estuários dos nossos rios, o Tejo, o Sado,a ria de Aveiro...

No passado, nunca aprendemos com os erros uns dos outros... Tem sido a ganância de uns poucos que nos empobrece e mata  a todos... Aqui, e em toda a parte... Infelizmente a Guiné-Bissau é um dos países mais ameaçados do mundo, em consequência das alterações climáticas... Não sei se os nossos bisnetos poderão chegar a  conhecer o Rio Corubal, os rápidos do Saltinho e de Cusselinta (e não "Cussilinta", como já tenho visto grafado...) ou o arquipélago dos Bijagós...  

Todavia, a consciência ecológica está a chegar também à Guiné-Bissau: o povo bijagó, por exemplo, está-se a mobilizar para defender e proteger os seus recursos marinhos e florestais, sem os quais corre o risco de perder o seu modo de vida e a sua forte identidade cultural... E são as mulheres que lideram essa luta... Vejam aqui o sítio da ONGD, de base comunitária, Tiniguena. (LG)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau".

1. Pois é, no Corubal não há ostras, dizem camaradas que conhecem bem o sítio, o Saltinho, Cusselinta,  o Corubal, a Guiné-Bissau, do Paulo Santiago ao Zé Teixeira (*)... E agora o Patricio Ribeiro vem dar a confirmação definitiva. Vamos publicar na sua série "Bom dia, desde Bissau" (**).

Mail de hoje, 12 de maio de 2023, às 11:07.

Bom dia, amigos.

Não há ostras no Corubal.

Faço caça submarina no Corubal, desde há mais de 30 anos.

Hoje há ostras que são levadas para todos os locais da Guiné, são arrancadas do tarrafe ou das rochas, mas sempre na água salgada.

Pode-se comer as que são apanhadas no rio de Susana e levadas para o Saltinho. Este ano, comi algumas vezes em Varela, as que são apanhadas em Catão ou Iale.

No rio, há diversos peixes, o mais interessante é a garoupa do rio (perca do Nilo) que chegam algumas aos 10 kg.

Há lagostins, mexilhão de água doce, crocodilos e hipopótamos, etc.

Infelizmente a praia de Cusselinta, um dos paraísos da Guiné, está cheia de redes de pesca. São instaladas todo o ano, sem as levantar, apanham tudo, inclusivamente a mim ... não era habitual, dizem que são de estrangeiros.

Passei muitos fins de semana em Coli (no projeto de investigação de árvores de fruto), a 12 km de Aldeia Formosa, também a trabalhar.

Dali muitas vezes saíamos para uma ilha no meio do rio, que está registada em nome da nossa amiga Isabel Levy, local em que o nosso amigo Pepito tinha o prazer de levar os amigos, subíamos o rio 30 minutos de barco e ali acampávamos numa praia de areia, no meio da floresta, com todo o tipo de animais.

Só que os tempos mudam, agora há na zona, além de pedreiras de pedras duralite, a desmatação de milhares de hectares para a plantação de frutos tropicais !!!

Para os amigos, informo que cheguei agora para comer as sardinhas de Sto. António e só depois vou para o leitão. (**)

Abraço

Patricio Ribeiro | impar_bissau@hotmail.com
___________

Notas do editor:


Vd. também 3 de julho de  2015 > Guiné 63/74 - P14829: Memória dos lugares (301): Rio Corubal: Já o atravessei a nado, duas vezes, com óculos e barbatanas, vasculhando o fundo, junto à jangada do Ché Ché, de tão má memória... (Patrício Ribeiro, Bissau)

4 comentários:

Anónimo disse...

Eduardo Estrela (by email)
12 junho 2023 12:26

Olá Patrício,l bom dia!

Obrigado pelos esclarecimentos prestados.

Havendo lagostins, mexilhão e amêijoas de água doce, não se entende a razão da natureza não produzir ostras.

Assunto para os biólogos.

Um forte abraço e boas sardinhas e leitão.

Eduardo Estrela

Anónimo disse...

Herculano Prado (by email)

12 jun 2023 12:40

Bom dia, caros ex-combatentes

Vejo que o meu diário transcendeu o âmbito inicialmente previsto, o que me deixa feliz. Quando o elaborei, destinava-se a um grupo restrito e foi feito procurando transmitir as realidades com que me deparei com a subjetividade que sempre existe.

A minha experiência da Guiné está referida no diário e, no que diz respeito às ostras, desconheço de onde vinham, mas uma coisa é certa, onde as íamos comer seria no Clube de Caça do Saltinho, antiga messe de oficiais, segundo me foi relatado pelo Camilo e pelo saudoso Xico Allen (faleceu em 2022). Também estranhei que no Corubal houvesse ostras, mas a confusão resulta do local onde as íamos degustar, porque, de facto, famosas são as ostras da Guiné. Contudo, penso que o local onde seriam apanhadas, não seria longe do Saltinho. As minhas desculpas pela “calinada”, que o Camilo deveria ter corrigido...

Tivemos muita pena de não as comer, porque estava tudo programado pelo Camilo e, quando chegámos ao Saltinho, fomos informados de que as marés não permitiram apanhá-las. Se são assim tão boas, temos que lá voltar. Mas já não será com o amigo Xico Allen. Paz à sua alma!

Um abraço de um camarada que, apesar de ter estado numa zona de 100%, durante 27 meses (Fingoé, Zambué/Zumbo, Moçambique), não viveu as situações extremas pelas quais a maioria de vós passou.

Herculano Prado, ex-furriel miliciano

Valdemar Silva disse...

Bem, haver ostras no Saltinho com rio de rápidos e praia/piscina era o que faltava (que guerra ah!ah!ah!).

Pudera, o Patrício não quer outra vida.

Julgo que as ostras precisam de água salgada/salobra para se reproduzir.
Uma curiosidade das ostras é a formação das pérolas. Trata-se de uma armadilha para apanhar os parasitas intrusos. A ostra localiza no intruso e depois forma uma bolha com um liquido que se transforma em madrepérola ficando o parasita preso lá dentro, formando uma pérola.

Mesmo com o passo trocado, agora marchavam umas ostras mesmo com o passo trocado
Saúde da boa
Valdemar Queiroz

paulo santiago disse...

O sonho de uma barragem,já vem de longe,já era falado há cinquenta anos quando tinha morança junto do Corubal.
Eu,não sou engenheiro civil,pouco percebo de barragens,mas...supondo uma barragem no Saltinho,há que perguntar:onde localizar a albufeira para alimentar uma tal estrutura?

O Patrício fala em lagostins.Comi alguns no Saltinho,apanhados a montante da "ponte submersível" trabalhosos de apanhar por falta de redes apropriadas.Havia lá um bote P5 (no tempo da CCaç 2701) e nalgumas noites,três militares,um ao remo,outro com uma lanterna,outro com uma catana,e estava preparada a equipa de caça aos lagostins.A luz da lanterna atraía os crustáceos que vinham à superfície onde levavam uma catanada que os cortava ao meio.Tinham bom tamanho,mas a captura não era prática.

Abraços