Quatro fotogramas do vídeo do Jorge Cabral (Lisboa, 1944 - Cascais, 2021), de apresentação do vol I de livro de contos, "Estórias Cabralianas", em Lisboa, no Jardim Constantino, em 29 de outubro de 2021.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
1. No próximo dia 28, quarta feira, vai fazer dois anos que o nosso "alfero Cabral" deixou o palco da vida. A sua morte foi chorada por alguns dos seus camaradas e amigos e sobretudo por muitas das suas amigas, suas antigas alunas, a maior parte hoje profissionais de serviço social nas mais diversas instituições e organizações.
Estava eu há dias no IPO de Lisboa â espera de uma consulta de hematologia, e lembrei-me dele. Deu-me uma enorme saudade do "alfero Cabral". Um cancro do pulmão matou-o cedo de mais, aos 77 anos. Para quem amava a vida, o palco da vida, a grande comédia da vida, deixou-nos, no blogue e em livro, alguns das suas deliciosas "short-stories", que durante anos nos fizeram rir, chorar de rir, recordar, sonhar e... pensar. Ele era mestre na arte do pícaro, do burlesco, do brejeiro, do humor de caserna.. sem deixar de ser uma pessoa de grande sensibilidade e humanidade.
Não me canso de revisitar as "estórias cabrlianas" (temos cerca de uma centena publicadas no blogue). Pena é que um prometido e anunciado segundo volume nunca tenha chegado a sair. (Tudo se precipitou com a sua morte e a doença do seu editor.)
Temos, isso, sim, um vídeo, espantoso, com a apresentação, feita pelo autor em pessoa, do primeiro volume das "Estórias Cabralianas", no Jardim Constantino. em 29 de outubro de 2020, ainda em plena pandemia...
O vídeo continua, felizmente, disponível na sua página do Facebook (Jorge Almeia Cabral). Com a duração de 17' 27'' teve até à data cerca de 600 "gostos", 280 comentários e 8,7 mil visalizações: clicar aqui na página do Facebook do Jorge Cabral. (O vídeo começa com um excerto da canção "Pedaço de Céu"... Com a devida vénia à grande artista que é a Mafalda Veiga).
Durante a pandemia (e agravamento da sua doença), eu falava com ele, ao telefone, de vez em quando, e a última vez a escassas semanas antes de morrer, ao findar do ano de 2021.
Era um homem tímido, que se refugiava na ironia fina, no humor picaresco, e até no "non-sense"... Nunca usava o palavrão, a graça nele era utilização do segundo sentido, da linguagem figurada...
Nesta quadra natalícia, e na véspera do 2º aniversário da sua morte, recordo aqui, com muita saudade a sua figura, e republico um dos seus micro-contos,
Recorde- se que, na Guiné, ele foi alf mil at art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71),
Dele escrevi, no dia em que morreu (*):
(...) "De resto, ele nunca escondeu que tinha um 'grãozinho de loucura', coisa que fazia parte dos genes dos ilustres Cabrais, mas sempre modesto, definia-se como simples 'escrivinhador'... Pessoalmente, considerei-o como um dos melhores escritores do 'teatro do absurdo da guerra' que nos calhou em sorte. Ninguém poderá falar do nosso quotidiano, nos quartéis do mato, na Guiné, de 1961 a 1974, sem evocar a figura do 'alfero Cabral'.
"Mais do que ninguém ele soube dar-nos (ou devolver-nos) o seu/nosso lado mais solar, alegre, romântico, maroto, brejeiro, provocador, irreverente, desconcertante, descomplexado, histriónico, humorístico, burlesco, pícaresco, saudavelmente louco, da nossa geração, o lado próprio próprio dos verdes anos (contrabalançando o outro lado mais negro da nossa história de vida, quando os gerontocratas da Pátria nos mandaram para a guerra: afinal, são jovens que matam e morrem nas guerras)...
"Enfim, para o 'alfero Cabral' a guerra não foi só 'sangue, suor e lágrimas« (Curiosamente, poucos sabem que ele tinha passado, se bem que efemeramente, também pelo Colégio Militar, foi uma das "ratas" de 1955...).
"Mestre do microconto, da 'short story', senhor de uma ironia fina, foi responsável por alguns dos melhores postes que aqui fomos publicando, entre 2006 e 2016. E, como eu já lembrei, é pena que os os 'periquitos' da Tabanca Grande, os que entraram mais recentemente, não o conhecessem. De facto, de há meia dúzia de anos a esta parte, tinham vindo tinho a rarear as "estórias cabralianas", série que chegou quase à centena de postes."! (...)
Nesta quadra natalícia, e na véspera do 2º aniversário da sua morten (**), recordo aqui, com muita saudade a sua figura, e republico um dos seus maravilhosos micro-contos.
Estórias cabralianas > Onde mora o Natal?
por Jorge Cabral
Também houve Natal em Missirá naquele ano de 1970. Na consoada, os onze brancos e o puto Sitafá, que vivia connosco. Todos iam lembrando outros Natais.
Dizia um:
– Na minha terra…
E acrescentava outro:
– A minha Mãe fazia…
E a mesa por encanto encheu-se. Rabanadas, filhós, arroz doce, aletria... Juro que vi e até saboreei.
Eis quando o Sitafá interrogou:
– Onde mora o Natal?
Ninguém lhe respondeu... mas eu ainda vou a tempo:
– Está cá dentro, se calhar é um neurónio. E sabes, Sitafá, neurónios, já perdi muitos, mas não quero perder este. Porque Natal, Natal, só existe quando mora no mais fundo de nós.
Jorge Cabral
______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste 28 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22852: In Memoriam (421): Jorge Pedro de Almeida Cabral (Lisboa, 1944- Cascais, 2021), ex-al mil at art, cmd Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71), advogado, professor de direito penal no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, nosso colaborador permanente e autor da impagável série "Estórias cabralianas" (de que se publicaram cerca de uma centena de postes)
(**) Último post da série > 17 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24966: Efemérides (422): A minha despedida da Guiné faz hoje, dia 15 de Dezembro, cinquenta anos (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Comando)
6 comentários:
"Cabral só há um,o de Missirá e mais nenhum"
Saudades.
Cada vez que aqui vem qualquer escrito sobre o Alfero Cabral, lembro-me sempre do meu Cmdt de Pelotão Alfares Pina Cabral, Alfero Cabral para os soldados fulas da minha CART11.
Depois apareceu este Alfero Cabral e realmente só há um o de Missirá e mais nenhum.
Na imagem aparece o Alfero Cabral na apresentação do seu livro no Jardim Constantino, com a estátua do Prometeu em fundo. Esta estátua de Prometeu é de autoria de Francisco dos Santos que foi um dos principais escultores da estátua do Marquês de Pombal, em Lisboa.
O Jardim Constantino foi o local de brincadeiras de minha meninice, que embora com 12 anos já trabalhasse ainda gostava de brincar.
Na estátua, Prometeu aparece com uma pequena mulher em ferro que desaparecia constantemente.
Não sei a razão da escolha do Alfero Cabral para apresentação do seu último livro, talvez, como Prometeu, tivesse a intensão do roubar fogo para fazer o homem de barro.
Valdemar Queiroz
É nosso dever procurar manter e fazer perdurar as memórias dos nossos camaradas.
O Jorge Cabral, particularmente na figura do "Alfero Cabral", deixa-nos sempre uma recordação de duplo sentido, o do sorriso quando lemos ou recordamos as suas "estórias" e o da tristeza pelo fim inexorável.
Por um conjunto de circunstâncias acabei por algumas vezes interagir com o Jorge e realmente a simplicidade, a sobriedade no trato, procurar ser discreto, estava lá com ele, juntamente com a amizade sem reservas.
Numa vez contou-me que também conhecia Vila Franca relativamente bem, já que por lá tinha andado quando o seu pai por lá esteve destacado em serviço.
Em relação ao Jardim Constantino não penso haver nada de "conspirativo", apenas vivia ali mesmo e era um local que habitualmente frequentava. Foi lá que também fui para obter uma assinatura no livro que adquiri.
"Festas Felizes"....
Hélder Sousa
A escolha do Jardim Constantino foi devido ser um lugar conhecido e que ele frequentava desde criança, e a pandemia que o impediu de fazer um lançamento com pompa e circunstância foi lá numa papelaria que adquiri o seu livro e ele o autografou onde tirei duas fotos com ele que guardo como recordação. O alfero Cabral fica na história tal como outros cabrais deste nosso Portugal.
Zé Colaço, manda-me uma dessas fotos, com o Cabral, para a gente publicar. Boas festas. Luis
Zé Colaço
Se alfero Cabral frequentava a Jardim Constantino desde criança, e como éramos da mesma idade muito provavelmente jogamos à bola no largo do jardim, calhando até com o Vitor Damas que também por lá aparecia.
A papelaria é ao lado do Café 'Joaninha', que as senhoras iam à noite beber café para verem televisão.
Ele também deveria ser do tempo da Conchita e da Prieta filhas do Diamantino Viseu que brincavam connosco e falavam mexicano. Diamantino Viseu que nos oferecia gravatas fininhas e que não conseguiu fazer uma chicuelina na Av. de Berna morrendo atropelado.
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
Enviar um comentário