1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2023:
Queridos amigos,
A singularidade da iniciativa do sócio Ferreira de Almeida deixa bem claro que a colónia da Guiné era uma ilustre desconhecida, o seu pedido de subsídio inclui uma embarcação a que hoje se pode chamar navio hidrográfico, a equipa da missão incluiria gente preparada para proceder ao levantamento da carta hidrográfica da costa e da região insular adjacente, isto numa primeira fase, seguir-se-ia a carta hidrográfica de todos os cursos de água, o reconhecimento geodésico, o inventário populacional, o inventário agrícola, o conhecimento e a descrição das colónias agrícolas e a tal sugestão, que me parece originalíssima para o tempo, de promover o comércio através do mostruário de amostras e lotes dos artigos do comércio local, para comerciante e consumidor verem. Não encontro sequência favorável para este pedido de subsídio. O dito levantamento hidrográfico conhecerá a sua expressão mais séria com a missão geoidrográfica da Guiné, isto a despeito de um conjunto de levantamentos que foram efetuados por imposição da delimitação de fronteiras. Não é por acaso que iremos seguidamente falar numa narrativa assombrosa que é a viagem à Guiné portuguesa contada por um tenente da Armada Real que andou na delimitação das fronteiras com colegas franceses. O texto é um verdadeiro achado, é incompreensível como não foi reeditado, faz parte dos injustamente esquecidos.
Um abraço do
Mário
Pedido de subsídio para uma exploração geográfica e comercial à Guiné, 1877 (2)
Mário Beja Santos
Dando voltas à cabeça de papeis votados ao esquecimento e alusivos às preocupações dos sócios da Sociedade de Geografia de Lisboa, no seu período iniciático, quanto ao conhecimento da Guiné, com auxílio da respetiva bibliotecária, dou-vos conta de um documento intitulado Pareceres N.º 3 da Comissão Portuguesa de Exploração e Civilização de África, desta instituição, com data de 19 de novembro de 1877, encontra-se um pedido de autorização assinado pelo sócio Ferreira de Almeida para subsidiar uma exploração geográfica e social à Guiné Portuguesa, estou certo e seguro de que não vou desapontar ninguém quanto ao teor do documento.
A singularidade da proposta do sócio Ferreira de Almeida é o modo como apresenta e contextualiza a Guiné e as suas potencialidade, relevando igualmente o profundo desconhecimento existente sobre as gentes, a natureza do território, o modo de introduzir comércio efetivamente português, era sabido que este comércio guineense estava dominado por mercadores estrangeiros, daí o seu pedido de uma subscrição para explorações geográficas, a sugestão (diga-se de passagem bastante original) de se criar em Lisboa um depósito de géneros da Guiné que funcionasse como mostruário de comerciantes e consumidores.
E escreve:
“A respeito do pessoal para a exploração que julgamos dever fazer-se, pareceu-nos dever coordenar as disposições legislativas que em casos semelhantes têm sido aplicadas. Skyring deixou com a vida o seu nome a uma ponta Sul do Casamansa (foi exatamente aqui que se encontraram Senghor e Spínola, em 1972) por ter sido morto pelos naturais quando estudava aquela faixa da costa; factos semelhantes, as vantagens concedidas à expedição da Zambézia e as das Comissões de Obras Públicas de Angola e Moçambique, sendo como é a Guiné mais inóspita a todos os respeitos do que aquelas regiões justificam as vantagens a que se propõem para o pessoal.
A respeito do material, há apenas um artigo e seus dependentes poderá avolumar a despesa, e é este a do vapor para o serviço hidrográfico; como, porém, ele poderá ficar depois servindo na marinha de guerra para a polícia daquela região onde raramente aparece a força armada naval, pode considerar-se por este motivo de uma necessidade tão instante que até aquela despesa deve separar-se da verba destinada à exposição para se considerar com incluída no artigo que no orçamento geral do Estado tem o título de ‘Nova Construções’”.
E Ferreira de Almeida escreve um esboço sobre o que entender de vir ser a exposição científico-comercial da Senegâmbia portuguesa:
“Como fins: levantamento da carta hidrográfica da costa e da região insular adjacente (sondagens, verificação e retificação dos roteiros); carta hidrográfica de todos os cursos de água, rios ou braços de mar – até seis pés de profundidade; reconhecimento geodésico do país; reconhecimento geral da população (espécies, usos e costumes); reconhecimento agrícola (natureza e produção dos géneros; consumo local e exportação; processos agrícolas); descrição espacial e planta das localidades próprias para o estabelecimento de colónias agrícolas; comércio em geral, seu desenvolvimento, natureza e condições; promover o comércio com a metrópole coma aquisição e remessa de amostras e lotes de artigos de comércio local, permutados com os nacionais e acompanhando-os de relatórios circunstanciais de todas as condições de renumeração.
Como pessoal: três oficiais de marinha, um maquinista de terceira classe, um facultativo, um enfermeiro, cabos-marinheiros, praças de marinhagem, pretos (contratados em Cabo Verde), um desenhador e um escrevente.
Vantagens a conceder de quem vai na missão exploratória: promoção de acordo com a lei; tempo de serviço em conformidade com a legislação de 1844; que aos oficiais seja abonado desde o dia de partida o mesmo vencimento que percebem os encarregados de serviço de obras-públicas, de idêntica graduação em Angola e Moçambique.
Quanto a matéria especial: barcos a vapor, escaler, barco de borracha, uma coleção de instrumentos hidrográficos, máquina fotográfica, câmara escura, barraca de campanha, camas de campanha, metralhadora, peça de desembarque (de 0,04), carabinas para bala explosiva, carabinas Linder Barnet, revolveres, machados, etc.”
Desconhece-se o que foi decidido sobre esta missão, até agora não foi dado encontrar documentação probatória da sua realização. Mas se era de missão científica que Ferreira de Almeida tão ardorosamente propunha ainda na década de 1870, essa oportunidade chegou com a primeira missão da delimitação das possessões franco-portuguesas na costa ocidental de África, há um documento publicado no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 8.ª série, números 11 e 12, 1888-1889, um documento que considero injustamente esquecido e que se intitula “Viagem à Guiné Portuguesa” por E. J. da Costa Oliveira, oficial da Armada Real, comissário do governo para a delimitação das possessões, em consonância com a convenção luso-francesa de 12 de maio de 1886. Este tenente da Armada Real revelou-se um ás na observação e tece considerações políticas, antropológicas, etnográficas de altíssimo valor.
Largo Honório Pereira Barreto, freguesia do Beato
Gravura da época sobre povos da Senegâmbia
Indumentárias do povo da Gâmbia, 1823
Zulos, Kaffirs, Bechuana, Senegâmbia, gravura antiga
____________Nota do editor
Último poste da série de 20 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24981: Historiografia da presença portuguesa em África (400): Pedido de subsídio para uma exploração geográfica e comercial à Guiné, 1877 (1) (Mário Beja Santos)
9 comentários:
Olá Camaradas
Honório Barreto é guineense e deve ser homenageado pelos seus compatriotas. Não há motivo para que tal não suceda dada a sua actuação como governador. Porque será que tem uma rua com o seu nome em Portugal?
Ora expliquem...
Um Ab.
António J. P. Costa
Interessantes revelações, que provam à evidência, como foi tardia, difícil e insuficiente a colonização da Guiné, que não terá ido além de 1 século.
Que se deixe de falar e escrever em 5 séculos de colonização da Guiné.
Outra informação que me tocou e retive: o local, a sul de Casamansa, (Ponta Skyring) onde em 1972, Spínola se encontrou com Senghor, tendo em vista conversações com Amílcar Cabral.
Quem sabe se não foi este um dos motivos (conversações para alcançar a paz) que ditou a decisão de assassinar A.Cabral, em 20 de janeiro de 1973, (dia em que aterrei pela primeira vez na Guiné) por quem não estava mesmo nada interessado nos bons resultados dessas conversações.
António Costa
Honório Barreto foi administrador colonial e governador do Cacheu, em meados do séc. XIX (1840/50)
Existe um Largo em Lisboa e uma Rua no Porto com o nome dele.
Valdemar Queiroz
Marcelo Rebelo de Sousa é cidadão português e tem nome de rua em Bissau
Eduardo Estrela
Olá Camaradas
Até posso concordar que Honório Barreto tenha nome de rua no meu país.
Mas gostava de saber onde é que é a rua com o seu nome na Guiné.
Claro que, como habitualmente digo, eu não tenho nada com isso. Eu até só estrangeiro. Mas sei que o Honório chegou a comprar terrenos ao Senegal e a oferecê-los à coroa portuguesa. Deve ser aqui que está a sua "traição".
António J. P. Costa
A praça Honório Barreto em Bissau com uma bela estátua sobre um grande pedestal-, foi substituída logo nos primeiros dias por praça Ché Guevara.
Que felicidade!
A peanha , penso que ficou vazia, por muitos anos e bons.
Por que não compartilhar as coisas boas da nossa história comum ?
A propósito, faz parte da biografia de Honório Barreto, filho de D. Rosa Alvarenga, a D. Rosa do Cacheu, proprietária de plantações e a maior negociante de escravos da Guiné:
"Em 1857, Barreto cede à coroa portuguesa um território na região dos felupes de Varela que era sua propriedade particular. Em muitas ocasiões este nativo dava lições de patriotismo aos que iam da Metrópole."
Evidentemente quem ia da metrópole não tinha propriedades na Guiné.
Valdemar Queiroz
Por que não compartilhar as coisas "boas" da nossa história comum ? Coisas boas? Neste caso quais? Que temos nós, portugueses, com o modo como a Guiné trata o Honório Barreto? Donde vêm as coisas boas. Só os guineenses sabem o que fazer!...
Um Ab.
António J. P. Costa
Enviar um comentário