Guiné > Bissau > c. 1966/68 > O António Reis e o seu amigo Sherifo
Foto (e legenda): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Postagem publicada na página do Facebook do António Reis, em 10 de fevereiro de 2023, âs 17:15 (que adaptamos para poste da série "Os Nossos Enfermeiros" (`)
Dois meninos, dois amigos, dois destinos
por António Reis
– Não vás embora, cabo Reis! – dizia me o Sherifo, parece que ainda o estou a ouvir...
– Não posso, Sherifo, tenho a família e a Rosa à minha espera!... – respondia eu.
Tinha acabado a minha comissão de dois anos, dividido entre posto de socorros, sala de observações e cirurgia 1, onde ficavam os mais graves à espera de evacuação para a Metrópole.
Passei à civil e a ter um requisito dos pais que tinham filhas para casar, que diziam às filhas:
– Arranja um rapazinho livre da tropa.
Casei, mudei de emprego, fui estudar com vinte e seis anos e melhorei a minha posição na empresa, e segui vida fora sem atropelos, cumprindo as regras como fruto da época, produto do sistema.
O Sherifo chegou lá de helicóptero [ao HM 241], foi apanhado num conflito, e ficou na minha enfermaria, cama 9, sempre de cabeça coberta com um lençol. Aos poucos foi-se descobrindo, aos poucos foi comendo, aos poucos foi-se adaptando.
Recuperado, ficou na enfermaria ajudando, fizemos-lhe uma farda, ficou oficialmente com caserna e refeitório e uns trocos no fim do mês. Vinha comigo até Bissau, com autorização oficial.
Pelas minhas contas ele tinha em 1974, 18/19 anos. Nunca mais soube dele, nunca lhe fiz perguntas, podiam ser melindrosas. Espero que ele não se tenha alistado nas milícias, que era a pior coisa que ele podia fazer.
As milícias eram africanos que lutavam a nosso lado, eram-nos fiéis, não conheciam outra bandeira nem outro hino e que acreditavam estarem certos. Os que não acreditaram nos acordos (acordos estes que eu sempre lhes chamei de má fé), fugiram, os que acreditaram, nem vou falar do que lhes aconteceu, senão amanhã estou a ouvir dizer que a vida é para se viver, e eu vivi-a e sou feliz. Mas sou fruto de uma época e ainda não inventaram um clique que faça esquecer o que eu vi e que não agarrei, mas que nunca me largou.
A verdade deve ser toda contada e não só metade.
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 8 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22080: Os Nossos Enfermeiros (16): O António José Paquete Viegas, da CCS/BCAÇ 1877, que eu conhecia de Faro e reencontrei em Porto Gole (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e Ilha das Galinhas, 1966/68)
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