Queridos amigos,
Ando a folhear cartapácios com uma literatura de mansidão informativa, já não se fala na crise europeia, aquelas guerras que fizeram abrandar os mercados coloniais, a documentação de Cabo Verde está polarizada nas questões de saúde pública e as notícias do Governador da Guiné muito tranquilizadoras, não há uma só referência ao que se passa no Forreá, absolutamente não há uma menção do cerco francês ao Casamansa, o que predomina são as questões da febre amarela, da cólera, de quem chega ao hospital ou se cura ou morre ou continua em tratamento. As tensões que se observam que se transmitem para a cidade da Praia têm a ver com o Churo ou com Geba. E não quero enfastiar o leitor com nomeações, autorizações para repouso numa das ilhas cabo-verdianas a quem está em serviço na Guiné, e não deixa de surpreender a publicação de listas dos degredados que arribam à região, ladrões, homicidas, desobedientes, muitos deles irão parar às praças e presídios da Costa da Guiné, já falta pouco para se tornar na Província da Guiné Portuguesa.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos de 1873 e 1874) (19)
Mário Beja Santos
Não deixo de me surpreender pela completa falta de notícias sobre todos os acontecimentos que se estão a passar no Casamansa, neste período em análise, as notícias do Governador da Guiné são as tensões no Churo, quanto ao mais a Guiné para estar numa perfeita normalidade. Folheando o Boletim Official, o tema nevrálgico são os problemas de saúde pública que existem em Cabo Verde, é impressionante o número de relatórios minuciosos que se vão emitindo com enorme regularidade, as informações sobre saúde quanto à Guiné são lacónicas, até parece que tudo estava bem com exceção de casos de febre amarela, malária, sífilis, varíola, tuberculose pulmonar e muito mais. A parte não oficial tende a crescer, então as páginas de necrologia, assumem uma escrita ultrarromântica. E pela primeira vez vejo a lista dos degredados que chegam à Província, do roubo à facada assassina há de tudo, são degredados e em muitos casos irão para as praças e presídios.
Continuamos em 1873. No Boletim n.º 23, de 7 de junho, publica-se o extrato das notícias recebidas do distrito da Guiné Portuguesa, vieram pela escuna Vila de Mindelo. O estado sanitário e alimentício da Guiné era regular, o comércio pouco animado no decorrer de maio, não se tinham registado alterações na segurança pública, à exceção de Cacheu, onde alguns gentios da tribo de Churo haviam disparado uns tiros contra os baluartes da praça. As autoridades tinham suspendido as relações com aquela tribo. Sabia-se, porém, que o régulo respetivo fazia diligências junto de outros que connosco mantêm boas relações para que servissem de medianeiros em ajustes de paz com a praça; contava-se que em breve essas boas relações seriam retomadas, pelo que o Governo do distrito deixou em Cacheu as coisas bem-dispostas e instruções convenientemente dadas, aguardando um bom desfecho. No mês de fevereiro próximo deve estar pronto para embarcar em Cacheu o carregamento de madeiras que dali irá seguir para o arsenal da Marinha de Lisboa. E ainda se dá informações relativas aos réditos alfandegários dos últimos meses.
O Boletim n.º 21, de 14 de junho, dá a informação de que o Governador Geral autorizou a construção de uma cadeia civil na vila de S. José de Bissau. Pelo Boletim n.º 29, de 19 de julho, o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira, informa o Governador Geral, enviou-lhe notícias pelo palhabote Furão: bom estado sanitário do distrito, é satisfatório o estado alimentício em todos os pontos, o comércio considera-se frouxo devido à falta de navios com sortimentos. A estação chuvosa tem sido regular, e se assim continuar prevêem-se boas colheitas. A tranquilidade pública não tem sofrido alteração em todo os distrito, o Governador junta cópias de informações que vieram de Cacheu e de Farim, eram ocorrências que deviam chegar ao conhecimento do Governador Geral. Assim, a administração do concelho de Cacheu esclarece que a comissão nomeada para tratar da paz com o gentio de Churo tem a expetativa que a reunião se realizará em breve. O chefe do presídio de Farim, Pedro Pereira Barreto, vem notificar que ali foram gentes do rei falar com ele, após debate disseram que a razão se achava do lado da parte portuguesa e prometeram fazer com que os Mouros em questão entregassem a nossa gente que eles haviam aprisionado, e nessa reunião eles entregaram um rapazinho que tinha sido presenteado ao rei local. O chefe do presídio respondeu a estes delegados do rei que lhes dissesse que enquanto não fossem restituídos todos os que tinham sido capturados, o régulo seria o único responsável. Dois dias depois, chegaram os homens grandes daquele território, mandados pelo seu rei para visitar o presídio. Também há notícia da administração do concelho de Cacheu, ele informa que duas das tribos do Churo têm guerreado ali entre si e que tem havido mortes de ambas as partes e que brevemente virão à praça para pedir a paz.
O Boletim n.º 34, de 23 de agosto, insere mais um extrato de notícias oficiais, estas recebidas da Guiné pelo palhabote Africano. Em síntese, em todo o distrito reinava a paz e tranquilidade pública, só nas vizinhanças do presídio de Geba uns gentios Fulas tinham agredido algumas mulheres e crianças das famílias Mandingas que ali residiam. O chefe do presídio havia mandado emissários ao régulo Donhá, que tem a soberania pelo território em que está situado no presídio, a pedir satisfação pelos insultos praticados pela sua gente para com os habitantes do presídio que vivem sob a proteção da bandeira portuguesa. O régulo recebeu prontamente os emissários, a quem deu satisfação cabal, mandando imediatamente matar o principal criminoso.
E assim chegamos a 1874 e, no Boletim n.º 6, de 7 de fevereiro, do título “Da Ordem à Força Armada de Janeiro”, é de destacar: tendo o capitão Manuel dos Santos Oliveira incumbido pelo Governado da Guiné Portuguesa de capturar os criminosos que no presídio de Farim praticaram atos de barbaridade contra alguns habitantes daquele presídio: manda Sua Excelência o Governador Geral louvar o mencionado capitão, pela bravura e zelo com que se houve no desempenho daquela missão.
No Boletim 17, de 25 de abril, vão notícias para a cidade da Praia no palhabote Experiência, comunica-se que o estado sanitário do distrito é bom, que é lisonjeiro o estado alimentício nos concelhos dependentes da Guiné; o comércio de Bissau e de Cacheu anda frouxo, muito animado anda o de Bolama, onde no mês de fevereiro último entraram no seu porto oito navios estrangeiros, sendo quatro franceses, um americano, dois austríacos e um italiano. Continuava a colheita da mancarra, suponha-se que a sua exportação iria atingir 800 mil busheles (medida que está hoje em desuso). O preço deste produto ainda se conservava na razão de 360 réis o bushel. A colheita de arroz, conquanto não fosse muito importante, não há receio que falte para o consumo. A tranquilidade pública não tem sido alterada salvo entre algumas tribos gentílicas, quem assina é o Governador da Guiné, António José Cabral Vieira.
Suplemento ao Boletim n.º 7, 15 de fevereiro de 1873, notícia do falecimento da Imperatriz do Brasil, avó do rei D. Luís
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796
(continua)
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Notas do editor
Vd. poste de 30 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25896: Notas de leitura (1722): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1873) (18) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 2 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25904: Notas de leitura (1723): Breve história da evangelização da Guiné (3) (Mário Beja Santos)
3 comentários:
navios austríacos ??
Valdemar Queiroz
Sim. Nesse tempo a Áustria tinha saída para dois mares. Um Ab. António J. P. Costa
Certo, o Império Austro-Húngaro com portos no Adriático/Mediterrâneo.
Abraço
Valdemar Queiroz
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