1. Na Guiné toda malta do Sul (genericamente, os "mouros") achavam piada aos nossos camaradas do "Pu...erto" e arredores, o mesmo era dizer do Norte.
Nesse tempo viajava-se pouco. Afinal, quem tinha carro ? E graveto ? E estaleca ? E namorada a 300 km de distância ?
A malta só se conhecia quando havia guerra, e os do Sul iam pró Norte e os do Norte pró Sul... Era preciso a tropa (e a guerra) para uns e outros começarem a gostar-se mutuamente, a namorar-se (salvo seja!), a casar e a misturar os genes...
A emigração também foi um bom laboratório para a miscegenação: uns e outros encontravam-se em Paris, Luxemburgo, Estrasburgo, Toulouse, Lyon, Bruxelas, Toronto, Nova Jérsia, etc.
E antes disso a CP - Caminhos de Ferro de Portugal... Aponta aí a CP, que uniu o Norte e o Sul, o litoral e o interior...Os gaj0s de Baião iam p'ró Barreiro e os da Fuseta para o Pocinho... Factores, manobradores, um ou outro maquinista, chefe de estação, revisor, inspetor, etc.
E, não sejamos injustos, o Movimento Nacional Feminino e os milhões de madrinhas de guerra que a "Cilinha" arranjou para os nossos bravos do Ultramar...600 milhões de cartas e aerograms baralharam línguas, corações, SPM, topónimos, rua, largos, praças, pracetas, lugares, casaism aldeias, vilas, cidades... E às tantas eles elas já trocavam os pés pelas mãos, e os vês pelos bês...E as alftacinhas passaram a amar o Porto que os primos e amigos, com dor de corno, diziam que era uma cidade de granito, escura, austera, suja e fria...
De facto, até então, até à tropa, até ao grande êxodo rural, até à emigração, à CP e a à Cilinha, quem é que, do Sul, sabia onde ficava a Pasteleira e a Ribeira?!... E os gajos do Norte ainda não tinham o mapa do Google, nem muito menos GPS, para descobrir a localização do Casal Ventoso ou de Alfama ou de Cacilhas...
Resultado: o desconhecimento mútuo era atroz, alfacinhas e tripeiros falavam sozinhos quando, de repente, embarcaram nos T/T Niassa, Uíge, Ana Malfada, etc., a caminho da Guiné... E viram-se à brocha, de G3 em punho contra as Kalash do 'Nino'...
Mas uma vez lá, aprenderam a falar crioulo, p0nto de partida para começarem a entender-se minimamente... embora com recurso, de vez em quando, ao "Dicionário de calão e expressões idiomáticas" (Lisboa, Editora Guerra e Paz, 2019, 192 pp), do José João Almeida, da Universidade do Minho, finalmente editado em livro, uma obra meritória e patriótica, que há 50/60 anos ou mais deveria já a ser livro obrigatório na Academia Militar, bem como nos centros de instrução militar...
Em formato digital, em pdf, a obra está também disponível (para os falantes, estudiosos e curiosos) em:
2. E aqui vai um "cheirinho", uma "prendinha e Natal", tudo "por mor" da melhoria da comunicação Norte-Sul e vice-versa... Excerto pp. 84.
dicionário Lisboa Porto
Lisboa:
– Não tenho a certeza se vai ser possível!
Porto:
–Nem que tu te f*das!
Lisboa:
– A sério? E incrível! Diria mesmo impressionante!
Porto:
– P*ta que o p*riu!
Lisboa:
– Claro que isso não me preocupa!
Porto:
– Tou-me a c*g*r e a andar!
Lisboa:
–Eu não estava envolvido nesse projeto!
Porto:
–Mas que c*r*lho é que eu tenho a ver com essa m*rda?
Lisboa:
–Interessante, hein?
Porto:
–F*da-se!
Lisboa:
–Será difícil concretizar a tarefa no tempo estipulado!
Porto:
–Não vai dar nem que me f*da todo!
Lisboa:
– Precisamos melhorar a comunicação interna!
Porto:
– P*ta de m*rda!... Não há nenhum c*ralho que me responda???
Lisboa:
–Talvez eu possa trabalhar até mais tarde!
Porto:
– E no c*?... Não queres levar no c* também???!!!
Lisboa:
–Não está familiarizado com o problema!
Porto:
–Cala-te, c*r*lho!
Lisboa:
– Desculpe!
Porto:
– Vai pá p*ta que te p*riu!
Lisboa:
– Desculpe, senhor!
Porto:
–Vai pá p*ta que te p*riu, seu p*neleiro!
Lisboa:
–Acho que não posso ajudar!
Porto:
– F*de-te praí sozinho!
Lisboa:
–Adoro desafios!
Porto:
– P*ta trabalhinho de c*rno!
Lisboa:
–Finalmente reconheceram a tua competência!
Porto:
–Foste ao c* a quem?
Lisboa:
–É necessário um treino para o pessoal antes de
ligarem a máquina!
Porto:
– Vou partir os c*rnos a quem mexer nesta m*rda!
Lisboa:
– Eles não ficaram satisfeitos com o resultado do
trabalho!
Porto:
– Bando de filhos da p*ta!
Lisboa:
– Por favor, refaça o trabalho!
Porto:
–Enfia essa m*rda no c*, está uma bela m*rda!
Lisboa:
– Precisamos reforçar nosso programa de treino!
Porto:
– Se sei quem foi o filho da p*ta que fez isso...!
◦ Lisboa:
–E necessário melhorarmos nossos índices de produtividade!
Porto:
–E se fossem bater a p*nheta pró meio da rua???!!!
Lisboa:
–Que pena. Teremos outra não conformidade!
Porto:
–C*r*lho! vai sair c*g*da outra vez!
Lisboa:
–Vamos negociar o projecto com mais determinação!
Porto:
–Vou enfiar isto pela goela abaixo desses filhos da p*ta!
Lisboa:
–Desculpe, eu poderia ter avisado!
Porto:
–Eu sabia que ia dar m*rda!
Lisboa:
–Os índices de produtividade da empresa estão a apresentar uma queda sensível!
Porto:
–Esta m*rda tá a ir pró c*r*lho!
Lisboa:
–Esse projecto não vai gerar o retorno previsto!
Porto:
– Tá tudo f*dido!
(Seleção, Revisão / fixação de texto, asteriscos, negritos, itálicos: LG)
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Nota do editor:
Último poste da série > 17 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26274: Humor de caserna (87): A virilidade lusitana: das bagas do Sambaro ao estoicismo do Sousa (Jorge Cabral, 1944-2021)
6 comentários:
Caros amig ou Portoos,
Estou muito surpreendido, pois ca pra mim, nao havia Lisboa ou Porto, a linguagem da tropa , pelo menos, era tudo a mesma 'm...da".
Cherno AB
Só isso?
Até somos bem educados.
Acho que quando era miúdo falava-se bem pior.
Oh tempo volta pra trás...
VT.
Ahahahah
Passados 36 anos de ter saído de Afife, e com a idade de 11 anos ter chegado a Lisboa, já pouco falava com sotaque minhoto, o "sãoe" e vem vez de "som" é que nunca saiu.
E em 1992 eu a minha mãe fotos de viagem de camioneta Lisboa-Caminha.
Chegados ao Porto levamos logo com uma visita ao motorista com um "são horas de chegar c*r*lho" . Depois , num café em Afife tive de chamar à atenção de um tipo com "fale bem, não vê que está aqui uma senhora de idade", ficou calado e admirado como a dona do café.
Para mim a máxima dos palavrões do norte é aquele da mãe a chamar pelo filho "anda cá filho da p*ta".
Valdemar Queiroz
Não é uma questão de "educação", "boa ou má educação"... Estamos a falar de "cultura popular urbana", há também um calão lisboeta (o do fado, por exemplo)... Não comparo, não meço, não faço juizos de valor, limitei-me a transcrever um excerto de um linguista, um académico, que tem mais de três mil e tal entradas do nosso calão e das nossas expressões idiomáticas... O calão foi faz parte da nossa identidade como portugueses (e não apenas "tripeiros" ou "alfacinhas")... Há sentimentos e emoções fortes que não são fáceis de expressar sem recurso ao calão...O calão faz bem à nossa saúde mental, mesmo que possa eventualmente ofender quem nos ouve...Eu não dizia "asneiras", aprendi-as na tropa e na guerra... E ainda hoje as uso...e preciso de as dizer, em certas ocasiões...
Não é uma questão de "educação", "boa ou má educação"... Estamos a falar de "cultura popular urbana", há também um calão lisboeta (o do fado, por exemplo)... Não comparo, não meço, não faço juizos de valor, limitei-me a transcrever um excerto do livro de um linguista, um académico, que tem mais de três mil e tal entradas do nosso calão e das nossas expressões idiomáticas...
O calão foi faz parte da nossa identidade como portugueses (e não apenas "tripeiros" ou "alfacinhas")... Há sentimentos e emoções fortes que não são fáceis de expressar sem recurso ao calão... (O que é que um gajo há de dizer quando, a pregar um prego, dá uma martelada no dedo ?!... P*rra, f*da-se!...)
O calão faz bem à nossa saúde mental, mesmo que possa eventualmente ofender quem nos ouve...Eu não dizia "asneiras", aprendi-as na tropa e na guerra... E ainda hoje as uso...e preciso de as dizer, em certas ocasiões...Não para agridir ninguém em concreto, mas para manifestar a minha raiva, por exemplo.
A Alice esteve na construção do Parque Nacional do Gerês, no final dos anos 60... E no contacto com a população local, era frequente ouvir estas expressões, "com a sua licença, o porco, com a sua licença, a lavagem do porco, com a sua licença, a merda das galinhas...". E depois quando as mulheres se referiam aos filhos, era de "racha pessegueiro": "a filha da puta da canalha"...
Agora, é verdade, Cherno, na tropa e depois da Guiné, éramos todos "nortenhos"... Mas a minha mãe, que era "moura", nunca dizia asneiras: torneava-as, com eufemismos: "ah, a tua irmã, quando veio do Norte, disse 'Torres' (p*rra), "Carvalho" (c*r*lho), disse "Afonso" (f*da-se)"...
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