quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26280: Humor de caserna (88): Será que no Pu...erto, no Natal de 2024, ainda se fala "grosso" como no nosso tempo da tropa ? Aqui vai um excerto do "dicionário Lisboa-Porto" (com a devida vénia ao doutor José João Almeida, da Universidade do Minho, autor desse livro meritório e patriótico , que é o "Dicionário de Calão e Expressões Idiomáticas", Lx., Guerra e Paz, 2019, 192 pp.)

1. Na Guiné toda malta do Sul (genericamente, os "mouros") achavam piada aos nossos camaradas do "Pu...erto" e arredores, o mesmo era dizer do Norte.  

Nesse tempo viajava-se pouco. Afinal, quem tinha carro ? E graveto ? E estaleca ? E namorada a 300 km de distância ? 

A malta só se conhecia quando havia guerra, e os do Sul iam pró Norte e os do Norte pró Sul... Era preciso a tropa (e a guerra) para uns e outros começarem  a gostar-se mutuamente, a namorar-se (salvo seja!), a casar e a misturar os genes... 

A emigração também foi um bom laboratório para a miscegenação: uns e outros encontravam-se em Paris, Luxemburgo, Estrasburgo, Toulouse, Lyon, Bruxelas, Toronto, Nova Jérsia, etc. 

E antes disso a CP - Caminhos de Ferro de Portugal... Aponta aí a CP, que uniu o Norte e o Sul, o litoral e o interior...Os gaj0s de Baião iam p'ró Barreiro e os da Fuseta para o Pocinho... Factores, manobradores, um ou outro maquinista, chefe de estação, revisor, inspetor, etc.

E, não sejamos injustos, o Movimento Nacional Feminino e os milhões de madrinhas de guerra que a "Cilinha" arranjou para os nossos bravos do Ultramar...600 milhões de cartas e aerograms baralharam línguas, corações, SPM, topónimos, rua, largos, praças, pracetas, lugares, casaism aldeias, vilas, cidades... E às tantas eles elas já trocavam os pés pelas mãos, e os vês pelos bês...E as alftacinhas passaram a amar o Porto que os primos e amigos, com dor de corno, diziam que era uma cidade de granito, escura, austera, suja e fria...

De facto, até então, até à tropa, até ao grande êxodo rural, até à emigração, à CP e a à Cilinha,  quem é que, do Sul, sabia onde ficava a Pasteleira e a Ribeira?!... E os gajos do Norte ainda não tinham o mapa do Google, nem muito menos GPS,  para descobrir a localização do Casal Ventoso ou de Alfama ou de Cacilhas... 

Resultado: o desconhecimento mútuo era atroz, alfacinhas e tripeiros falavam sozinhos quando, de repente, embarcaram nos T/T Niassa, Uíge, Ana Malfada, etc.,  a caminho da Guiné... E viram-se à brocha, de G3 em punho contra as Kalash do 'Nino'...

Mas uma vez lá, aprenderam a falar crioulo, p0nto de partida para começarem a entender-se minimamente... embora com recurso, de vez em quando, ao "Dicionário de calão e expressões idiomáticas" (Lisboa, Editora Guerra e Paz, 2019, 192 pp),  do José João Almeida, da Universidade do Minho, finalmente editado em livro, uma obra meritória e patriótica, que há 50/60 anos ou mais deveria já a ser livro obrigatório na Academia Militar, bem como nos centros de instrução militar...

Em formato digital, em pdf, a obra está também disponível (para os falantes, estudiosos e curiosos) em:

Almeida, José João - Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas (recolha de José João Almeida,. Universidade do Minho. 2024, 287 pp.
Disponível em https://natura.di.uminho.pt/~jj/pln/calao/dicionario.pdf
 

2. E aqui vai um "cheirinho", uma "prendinha e Natal", tudo "por  mor" da melhoria da comunicação Norte-Sul e vice-versa... Excerto pp. 84.

dicionário Lisboa Porto

Lisboa: 

– Não tenho a certeza se vai ser possível!

 Porto: 

Nem que tu te f*das!

Lisboa: 

 – A sério? E incrível! Diria mesmo impressionante!

 Porto: 

– P*ta que o p*riu!

Lisboa: 

– Claro que isso não me preocupa!

Porto: 

Tou-me a c*g*r e a andar!

 Lisboa: 

Eu não estava envolvido nesse projeto!

 Porto: 

Mas que c*r*lho é que eu tenho a ver com essa m*rda?

 Lisboa: 

Interessante, hein?

 Porto: 

F*da-se!

 Lisboa: 

Será difícil concretizar a tarefa no tempo estipulado!

 Porto: 

Não vai dar nem que me f*da todo!

Lisboa:  

– Precisamos melhorar a comunicação interna!

Porto:

 – P*ta de m*rda!... Não há nenhum c*ralho que me responda???

 Lisboa: 

Talvez eu possa trabalhar até mais tarde!

 Porto:

 – E no c*?... Não queres levar no c* também???!!!

 Lisboa: 

Não está familiarizado com o problema!

 Porto:

 Cala-te, c*r*lho!

Lisboa: 

– Desculpe!

Porto:

 – Vai pá p*ta que te p*riu!

 Lisboa: 

 Desculpe, senhor!

 Porto: 

Vai pá p*ta que te p*riu, seu p*neleiro!

 Lisboa: 

Acho que não posso ajudar!

Porto:

 – F*de-te praí sozinho!

 Lisboa:

 Adoro desafios!

Porto:

 –  P*ta trabalhinho de c*rno!

  Lisboa:

 Finalmente reconheceram a tua competência!

 Porto: 

Foste ao c* a quem?

Lisboa: 

É necessário um treino para o pessoal antes de ligarem a máquina!

Porto: 

– Vou partir os c*rnos a quem mexer nesta m*rda!

Lisboa: 

– Eles não ficaram satisfeitos com o resultado do trabalho!

Porto: 

– Bando de filhos da p*ta!

Lisboa: 

– Por favor, refaça o trabalho!

Porto: 

Enfia  essa m*rda no c*, está uma bela m*rda!

Lisboa: 

– Precisamos reforçar nosso programa de treino!

Porto: 

– Se sei quem foi o filho da p*ta que fez isso...!

◦ Lisboa: 

E necessário melhorarmos nossos índices de produtividade!

Porto: 

E se fossem bater a p*nheta pró meio da rua???!!!

 Lisboa: 

Que pena. Teremos outra não conformidade!

Porto: 

C*r*lho! vai sair c*g*da outra vez!

Lisboa: 

Vamos negociar o projecto com mais determinação!

Porto: 

Vou enfiar isto pela goela abaixo desses filhos da p*ta!

Lisboa: 

Desculpe, eu poderia ter avisado!

Porto: 

Eu sabia que ia dar m*rda!

Lisboa: 

Os índices de produtividade da empresa estão a apresentar uma queda sensível!

Porto: 

Esta m*rda tá a ir pró c*r*lho!

Lisboa: 

Esse projecto não vai gerar o retorno previsto!

Porto: 

 Tá tudo f*dido!

(Seleção, Revisão / fixação de texto, asteriscos, negritos, itálicos: LG)


___________________

Nota do editor:

Último poste da série > 17 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26274: Humor de caserna (87): A virilidade lusitana: das bagas do Sambaro ao estoicismo do Sousa (Jorge Cabral, 1944-2021)

6 comentários:

Anónimo disse...

Caros amig ou Portoos,

Estou muito surpreendido, pois ca pra mim, nao havia Lisboa ou Porto, a linguagem da tropa , pelo menos, era tudo a mesma 'm...da".

Cherno AB

Anónimo disse...

Só isso?
Até somos bem educados.
Acho que quando era miúdo falava-se bem pior.
Oh tempo volta pra trás...
VT.

Valdemar Silva disse...

Ahahahah
Passados 36 anos de ter saído de Afife, e com a idade de 11 anos ter chegado a Lisboa, já pouco falava com sotaque minhoto, o "sãoe" e vem vez de "som" é que nunca saiu.
E em 1992 eu a minha mãe fotos de viagem de camioneta Lisboa-Caminha.
Chegados ao Porto levamos logo com uma visita ao motorista com um "são horas de chegar c*r*lho" . Depois , num café em Afife tive de chamar à atenção de um tipo com "fale bem, não vê que está aqui uma senhora de idade", ficou calado e admirado como a dona do café.
Para mim a máxima dos palavrões do norte é aquele da mãe a chamar pelo filho "anda cá filho da p*ta".
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não é uma questão de "educação", "boa ou má educação"... Estamos a falar de "cultura popular urbana", há também um calão lisboeta (o do fado, por exemplo)... Não comparo, não meço, não faço juizos de valor, limitei-me a transcrever um excerto de um linguista, um académico, que tem mais de três mil e tal entradas do nosso calão e das nossas expressões idiomáticas... O calão foi faz parte da nossa identidade como portugueses (e não apenas "tripeiros" ou "alfacinhas")... Há sentimentos e emoções fortes que não são fáceis de expressar sem recurso ao calão...O calão faz bem à nossa saúde mental, mesmo que possa eventualmente ofender quem nos ouve...Eu não dizia "asneiras", aprendi-as na tropa e na guerra... E ainda hoje as uso...e preciso de as dizer, em certas ocasiões...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não é uma questão de "educação", "boa ou má educação"... Estamos a falar de "cultura popular urbana", há também um calão lisboeta (o do fado, por exemplo)... Não comparo, não meço, não faço juizos de valor, limitei-me a transcrever um excerto do livro de um linguista, um académico, que tem mais de três mil e tal entradas do nosso calão e das nossas expressões idiomáticas...

O calão foi faz parte da nossa identidade como portugueses (e não apenas "tripeiros" ou "alfacinhas")... Há sentimentos e emoções fortes que não são fáceis de expressar sem recurso ao calão... (O que é que um gajo há de dizer quando, a pregar um prego, dá uma martelada no dedo ?!... P*rra, f*da-se!...)

O calão faz bem à nossa saúde mental, mesmo que possa eventualmente ofender quem nos ouve...Eu não dizia "asneiras", aprendi-as na tropa e na guerra... E ainda hoje as uso...e preciso de as dizer, em certas ocasiões...Não para agridir ninguém em concreto, mas para manifestar a minha raiva, por exemplo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A Alice esteve na construção do Parque Nacional do Gerês, no final dos anos 60... E no contacto com a população local, era frequente ouvir estas expressões, "com a sua licença, o porco, com a sua licença, a lavagem do porco, com a sua licença, a merda das galinhas...". E depois quando as mulheres se referiam aos filhos, era de "racha pessegueiro": "a filha da puta da canalha"...

Agora, é verdade, Cherno, na tropa e depois da Guiné, éramos todos "nortenhos"... Mas a minha mãe, que era "moura", nunca dizia asneiras: torneava-as, com eufemismos: "ah, a tua irmã, quando veio do Norte, disse 'Torres' (p*rra), "Carvalho" (c*r*lho), disse "Afonso" (f*da-se)"...