Texto seleccionado e enviado por A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967):
A jornalista Diana Andringa esteve na Guiné em 1995, em trabalho profissional, e passou por Geba. Sobre essa passagem escreveu no jornal Público, de 10 de Junho de 1995, o texto que vos vou mostrar, com a sua autorização (até me pediu que lhe enviasse o cópia, que já não possui o original). Vai também um croqui do monumento a que ela se refere. Em 1998, quando lá estive também verifiquei que o monoumento estava destruído, com muita pena minha.
Geba, 1995, por Diana Adringa
Mortos. Estes nomes não podem ser senão de mortos. Guimarães, ...ndo Fernandes. Carlos A. Peixoto. ...ul C. Ferreira, ...ostinho Câmara, ...o Alves Aguiar, ...ime M.N. Estevão, ...sé A. V. Sousa, ...tónio D. Gomes.
Tudo em redor, aliás, fala de morte. As paredes em derrocada do que terá sido um quartel português. As viaturas a apodrecer sob o intenso sol africano. Os cacos de garrafas de cerveja. (Bebidas para enganar o medo? Suspensas por arame para, tinindo umas contra as outra, despertar os que dormissem ainda?).
E esta pedra caída, tumular.
Vivos, apenas os meninos que se cutucam, sorrindo, a olhar para nós, estranhos fotógrafos deste cemitério de metal e pedra.
A outra pedra, de pé, tem nomes de cidades, vilas, aldeias: Lisboa. S. Tirso. Moçâmedes. Alcobaça. Madeira. (Nas ilhas não haverá também povoações?) Ponte de Lima. Vila Nova de Ourem. Vila Pouca de Aguiar. Bissau. O tempo, ou a guerra, quebrou-lhe a parte de cima, e agora é uma pirâmide truncada, rasgada do lado direito, onde se inscrevem as primeiras letras dos postos, ou dos nomes, dos naturais dessas terras, que presumimos mortos.
De novo a primeira pedra, a que jaz por terra. A frente dos nomes dos que se presumem ter morrido, inscrevem-se o que supomos serem as datas dessas mortes: 1967, 1968. A última, na pedra, não em tempo, sobressalta-me: 21 de Agosto de 1967. Fiz vinte anos nesse dia. Nesse mesmo dia morreu António D. Gomes. Teria feito, sequer, os vinte anos?
Lembro-me de ter feito vinte anos. Das prendas dos meus pais. E pergunto-me como terão os pais do soldado António D. Gomes suportado a morte do seu filho. Se terão chegado um dia a conhecer este local onde uma pedra caída por terra assinala a data em que o perderam.
"Nós enterramos os nossos mortos nas nossas aldeias, ao lado das nossas casas... Os portugueses deveriam ter, também, um lugar para honrar os seus mortos, os que morreram aqui, durante a guerra", dissera-me, algumas horas antes, um antigo adversário. Aqui. Tão longe de casa, tão longe dos seus. Longe de mais para que possam trazer-lhes flores, arranjar-lhes as campas, preservar-lhes a memória.
Olho de novo as pedras, tentando compreender como se juntavam. Será a que jaz por terra a continuação da outra? Releio as terras e os nomes. Câmara pode ser da Madeira... Será mesmo? Sim. Lá estão em frente de Madeira o posto, sold., e as primeiras letras do seu nome: Ag...-
Agora cada morto tem o posto e a terra onde nasceu, excepto o primeiro, que parece ser de Lisboa, mas cujo posto e nome próprio se perderam, e João Alves Aguiar, de Ponte de Lima, a que o tempo corroeu o posto. Dois alferes, um furriel, sete soldados. Em cima, fragmentado, aquilo que parece a indicação do regimento a que pertenciam: ...RAL-1. ...Combate.
Postas assim as duas pedras em conjunto, apercebo-me de que o soldado que morreu no dia dos meus vinte anos era de Bissau, e de certa forma isso tranquiliza-me, porque não está, afinal, tão longe de casa- como se isso tivesse alguma importância depois de se estar morto, como se me tivesse contagiado essa lista de terras inscrita sobre a pedra, ou outras, sobre outras pedras encontradas ao longo da viagem, onde outros soldados, cabos, furriéis, escreveram como se a naturalidade fosse a sua primeira identificação e a mais forte, o nome da terra natal, primeiro, e só depois o posto, o nome, a data em que escreviam, por vezes uma frase de desesperança, algo como "até quando Deus quiser" — como que temendo que esse "até" fosse curtíssimo, coisa de poucas horas, minutos, talvez, e houvesse que inscrever urgentemente, sobre esses caminhos, placas, pontes, esse sinal de vida e de memória.
Parece estranho que alguém possa ter tido medo aqui, neste local tão calmo, com o tempo suspenso e o silêncio apenas cortado pelo ruído persistente das cigarras. É difícil imaginar, enquanto os meninos se agrupam à nossa volta, curiosos do que fazemos e olhamos, que em tempos houve aqui tiros e gemidos — e homens cumprindo a triste tarefa de escrever sobre estas pedras os nomes dos companheiros mortos.
Um pouco mais adiante, numa das paredes que ainda se mantêm de pé, alguém desenhou um rinoceronte e um leão. Tê-los-á visto realmente? Tê-los-á imaginado? Em frente, sobre uma paisagem aparentemente urbana de prédios e chaminés, voa uma ave. Uma gaivota? Uma pomba? Um símbolo de paz? Um piscar de olho a esse adversário que, a todo o momento, lembrava que a sua luta era "contra o colonialismo português e não contra o povo de Portugal"? E que, muito antes de disparar o primeiro tiro, advertira: "A via pela qual vai ser feita a liquidação total do colonialismo português na Guiné-Bissau e em Cabo Verde depende exclusivamente do colonialismo português. (...) Ainda não é tarde para proceder à liquidação pacífica da dominação colonial portuguesa nas nossas terras. A menos que o Governo português queira arrastar o povo de Portugal para o desastre de uma guerra colonial."
"O desastre de uma guerra colonial". Legenda para fotografia de pedras com listas de mortos, veículos destruídos, quartéis em derrocada — e, contrastando, os sorrisos dos meninos a dar-nos as boas-vindas.
Todos os anos, pelo 10 de Junho — esse dia que o regime colonial-fascista celebrava como Dia da Raça, e em que condecorava, no Terreiro do Paço, os pais, as viúvas e os órfãos dos militares caídos em combate —, ressuscitam algumas vozes saudosas do Império, a criticar a descolonizaçáo e a independência das ex-colónias portuguesas. Fazem-no, muitas vezes, usando a memória dos soldados mortos na guerra colonial. Escamoteando sempre que essas mortes se deveram, exclusivamente, à intransigência de um regime incapaz de compreender a inevitabilidade das independências, e à teimosia de um homem que, nunca tendo posto um pé em África, cuidava saber, bem melhor do que eles, o que melhor convinha aos africanos.
Releio a lista de mortos sobre a pedra e pergunto-me se, vinte anos depois, não será tempo de aceitar, claramente, que foram esses os únicos responsáveis dessas mortes... ».
Diana Andringa. Público. 10 e Junho de 1995.
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 23 de junho de 2005
quarta-feira, 22 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P72: Contuboel, Sonaco, Gabu (Humberto Reis)
Diz-nos o Humberto Reis, em mensagem enviada hoje, e a propósito do texto que inserimos ontem sobre o fanado em Geba, nos finais do Séc. XIX:
"Existe, pelo menos em 1969, uma localidade chamada Sonaco, a leste de Contuboel. Era um local sem quaisquer problemas e onde fui 2, ou 3, vezes em passeio, no tempo em que a CCaç 12 esteve em Contuboel [de 2 de Junho a 18 de Julho de 1969, na fase de instrução de especialidade dos nossos soldados africanos].
"É mais perto de Bafatá do que de Nova Lamego (Gabu), a velha Lamego conheci eu em 68 [onde tirei a especialidade de operações especiais].
Um abraço a todos.
Humberto Reis
Notas de Luís Graça:
No mapa da Guiné-Bissau, da Travelpost.com, aparece Contuboel como Contuba El (julgo ser gralha). Sonaco não consegui descobrir neste mapa (não vem na lista das povoações da Guiné-Bissau, tal como não vem Geba).
No Multimap.com podem ver a localização de Nova Lamego (ou Gabu). Este mapa tem um zoom que vai até à escala de 1:200.000. Há diversos mapas locais da Guiné-Bissau disponíveis na página Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (1). Entre eles está Contuba El (a nossa Contuboel).
A localização destas povoações, que formam um um triângulo (Contuboel, Sonaco, Gabu) está bem bem visível no mapa da Guiné-Bissau, que consta da página da OMS . Nesse mapa, também são bem visíveis outras localidades da Zona Leste, que temos aqui falado, ou onde estivemos, ou por onde passámos, tais como Bambadinca, Xime, Xitole, Galomaru, Geba, Bafatá, etc.
Quando estive em Contuboel, com o Humberto Reis e o resto da malta da CCAÇ 12, não cheguei ir a Sonaco. Tal como não fui mais longe. Pelo menos não tenho ideia.Contuboel era, isso, sim, uma região paradisíaca naquele tempo...
"Existe, pelo menos em 1969, uma localidade chamada Sonaco, a leste de Contuboel. Era um local sem quaisquer problemas e onde fui 2, ou 3, vezes em passeio, no tempo em que a CCaç 12 esteve em Contuboel [de 2 de Junho a 18 de Julho de 1969, na fase de instrução de especialidade dos nossos soldados africanos].
"É mais perto de Bafatá do que de Nova Lamego (Gabu), a velha Lamego conheci eu em 68 [onde tirei a especialidade de operações especiais].
Um abraço a todos.
Humberto Reis
Notas de Luís Graça:
No mapa da Guiné-Bissau, da Travelpost.com, aparece Contuboel como Contuba El (julgo ser gralha). Sonaco não consegui descobrir neste mapa (não vem na lista das povoações da Guiné-Bissau, tal como não vem Geba).
No Multimap.com podem ver a localização de Nova Lamego (ou Gabu). Este mapa tem um zoom que vai até à escala de 1:200.000. Há diversos mapas locais da Guiné-Bissau disponíveis na página Luís Graça & Camaradas > Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (1). Entre eles está Contuba El (a nossa Contuboel).
A localização destas povoações, que formam um um triângulo (Contuboel, Sonaco, Gabu) está bem bem visível no mapa da Guiné-Bissau, que consta da página da OMS . Nesse mapa, também são bem visíveis outras localidades da Zona Leste, que temos aqui falado, ou onde estivemos, ou por onde passámos, tais como Bambadinca, Xime, Xitole, Galomaru, Geba, Bafatá, etc.
Quando estive em Contuboel, com o Humberto Reis e o resto da malta da CCAÇ 12, não cheguei ir a Sonaco. Tal como não fui mais longe. Pelo menos não tenho ideia.Contuboel era, isso, sim, uma região paradisíaca naquele tempo...
terça-feira, 21 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P71: Antologia (3): Sócio-antropologia da família e da mulher em Geba, nos finais do Séc. XIX (Marques Lopes)
Textos seleccionado e enviados por Marques Lopes (que foi alferes miliciano da CART 1690, em 1967, em Geba):
1. A circuncisão e a família em Geba, por Marcelino Costa Ribeiro (1885)
Há um péssimo costume gentílico inveterado no povo do presídio de Geba, o qual consiste em determinado tempo aplicar a circuncisão a ambos os sexos, operação a que em Geba dão o nome de fanado.
Esta operação, apesar de ser simples, carece de algum cuidado, e não é só empregada pelos selvagens, mas também por muitos da praça de Geba, que infelizmente têm o nome de cristãos e civilizados.
Na actualidade aquele costume está mais em uso entre as supostas donzelas, vulgo bajudas, de 12 a 26 anos, do que entre os mancebos, devido talvez à luz da civilização, que vai pouco a pouco penetrando nas camadas sociais, e que se prega na boa escola confiada ao digno missionário e pároco distinto, o sr. Luiz Baptista do Rosário e Sousa.
Infelizmente as bajudas não têm quem lhes ensine as boas doutrinas, adoptadas na lei de 1809, porque as suas amas, vulgo mestral, passaram pelo mesmo caminho, e deixam que as suas educandas sigam à risca as leis gentílicas, adoptadas pela nobre universidade de Sonaco (1) , aonde vão instruir-se.
Quem conhece Geba a fundo, e está em dia com os péssimos costumes ali adoptados, sente logo a diferença no número da população que reside no presídio, sem que ninguém lhe diga nada; esta diferença é sempre notável nos princípios de Dezembro, época em que as supostas donzelas vão para diferentes povoados perto do presídio, sujeitarem-se à circuncisão.
Algumas a quem os pais impedem a ida, lamentam a sua sorte, metem empenhos, e quando não conseguem a licença de se irem circuncidar, fogem aos pais, e vão para o sítio aonde está constituída a liga, sujeitar-se à operação ; evitando por este modo que amanhã sejam consideradas na alta sociedade de Geba como olmo (não circuncidadas). Eis aí a maneira como são educadas em Geba muitas, a maior parte, das raparigas oriundas daquele presídio, e filhas de pais da classe de grumetes (2).
Agora direi alguma cousa acerca dos mesmos grumetes, explicando a maneira como eles adquirem numerosos filhos e constituem família, sem serem muitos deles verdadeiros pais. É costume e uso inveterado entre os grumetes no presídio de Geba, terem 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 mulheres. A mais antiga em casa é sempre tida como dona da mesma, e poucas vezes se ausenta ; as outras quase nunca param em casa, vão para Fulacunda (3) (pequena povoação dos gentios fulas) fazer negócio, e aí se conservam.
Estas mulheres, chegando a Fulacunda ao mesmo tempo que se ocupam da venda de sal, tabaco e outros artigos que levam para os gentios, vendem-se também a si mesmas. No fim de alguns anos, algumas voltam à praça com 2 filhos, outras com 3, outras com 4, outras com 5, os quais, longe de serem mal recebidos em casa dos supostos pais, são tratados por estes como verdadeiros filhos!
Aqueles pequenos crescendo, começam a apelidar-se com o mesmo apelido; se os supostos pais se chamam Sambú, todos se apelidam Sambú, e se forem tio-Chico, todos seguem o mesmo, etc. No recenseamento que se fez em Geba no ano de 1882, notei na relação dos recenseados alguns grumetes com 15 filhos, outros com 19, outros com 21, etc. Explica-se pela circunstância que acima mencionei.
Marcelino da Costa Ribeiro (Geba—Guiné), in Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro. 1885.277-278.
Notas de Marques Lopes:
(1) Será Sonaco na zona de Gabu? É que também há Sonaco, no Senegal, perto de Barro, e de que já vos falei (ML).
(2) Os grumetes eram africanos que, vivendo nas povoações luso-africanas e adoptando com grande liberdade os hábitos cristãos e os modos lusitanizados de ser, operavam como remadores, construtores e pilotos de barcos, carregadores e auxiliares no comércio. Como categoria sociológica, eles desempenhavam um papel chave no frágil compromisso em que a sociedade crioula se fundava, sendo os intermediários que faziam a delicada mediação nos relacionamentos entre a minoria de comerciantes europeus e luso-africanos e os régulos das sociedades tradicionais africanas que produziam bens para exportação (Wilson Trajano Filho, da Universidade de Brasília, in Outros Rumores de Identidade na Guiné-Bissau).
(3) Há uma tabanca Fulacunda, na zona de Geba; há outra Fulacunda na zona de Buba; e há também uma Fulacunda na Casamanse, Senegal (ML).
Observações de L.G.:
Sobre a polémica cerimónia do fanado, vd. o meu post, de 4 de Maio de 2005 >
Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina)
2. Beldades de Geba, por Costa Pessoa (1882)
Quando saí de Lisboa em Outubro de 1879 com direcção á Guiné portuguesa, julgava, senão impossível, pelo menos difícil encontrar indivíduos da raça preta que me parecessem bonitos; mas logo que cheguei a Bolama e Bissau desenganei-me e muito mais depois que, navegando no rio Geba, vim parar à povoação deste nome.
É realmente interessante ver chegar a este presídio todos os dias grandes ranchos de fulas, fulas-forras e mandigas (mouras) dentre as quais aparecem tipos tão bonitos e regulares, que muitas damas da nossa terra invejariam (salvo a cor).
Principalmente dentre as fulas-forras, tribo de cor bronzeada, aparecem raparigas de rosto comprido, nariz aquilino, pequeno, lábios delgados, olhos vivos, apresentando um conjunto agradável e simpático.
O seu vestuário é o mais simples possível, consiste unicamente em um pano de algodão de 0,5m de largura, algumas vezes enfeitado com contas, que passam à volta da cintura. No pescoço e tornozelos trazem também muitos fios de contas e nos pulsos quantidade de manilhas. Do cabelo fazem um penteado em forma de barco com a quilha para cima, que vai desde o alto da cabeça até à nuca, deixando áà volta na testa e nas fontes pequenas tranças a que prendem fios de comas com moedas de prata nas extremidades.
Deu-se um dia comigo um caso engraçado : Estando eu sentado à porta de um negociante deste presídio, vi chegar um rancho de fulas que vinham fazer o seu negócio. E entre elas havia uma que sobressaía mais do que qualquer outra por ser mais bela e vir mais enfeitada. Chamei-a : ela aproximou-se e comecei então a examiná-la sem que ela a isso se opusesse; porém uma rapariga cristã, que se achava entre elas, diz-lhe :
— Repara que isto não é homem, é um boneco de molas movido por aquele (designando o negociante).
A fula retorquiu-lhe :
— Não, ele fala, tem olhos e cabelo.
— Tudo é postiço, e não diz coisa que se entenda, respondeu a cristã. Tu percebes alguma cousa do que ele diz ? Já viste homem tão branco ? (Eu era o único europeu que então me adiava em Geba, mas em Portugal não passava por ser dos mais brancos).
A esta última quartada fugiu a rapariga. Não se aproximou mais de mim, e hoje seguem todas aquele exemplo.
Costa Pessoa (Geba — Guiné), in Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro. 1882. 27/28
1. A circuncisão e a família em Geba, por Marcelino Costa Ribeiro (1885)
Há um péssimo costume gentílico inveterado no povo do presídio de Geba, o qual consiste em determinado tempo aplicar a circuncisão a ambos os sexos, operação a que em Geba dão o nome de fanado.
Esta operação, apesar de ser simples, carece de algum cuidado, e não é só empregada pelos selvagens, mas também por muitos da praça de Geba, que infelizmente têm o nome de cristãos e civilizados.
Na actualidade aquele costume está mais em uso entre as supostas donzelas, vulgo bajudas, de 12 a 26 anos, do que entre os mancebos, devido talvez à luz da civilização, que vai pouco a pouco penetrando nas camadas sociais, e que se prega na boa escola confiada ao digno missionário e pároco distinto, o sr. Luiz Baptista do Rosário e Sousa.
Infelizmente as bajudas não têm quem lhes ensine as boas doutrinas, adoptadas na lei de 1809, porque as suas amas, vulgo mestral, passaram pelo mesmo caminho, e deixam que as suas educandas sigam à risca as leis gentílicas, adoptadas pela nobre universidade de Sonaco (1) , aonde vão instruir-se.
Quem conhece Geba a fundo, e está em dia com os péssimos costumes ali adoptados, sente logo a diferença no número da população que reside no presídio, sem que ninguém lhe diga nada; esta diferença é sempre notável nos princípios de Dezembro, época em que as supostas donzelas vão para diferentes povoados perto do presídio, sujeitarem-se à circuncisão.
Algumas a quem os pais impedem a ida, lamentam a sua sorte, metem empenhos, e quando não conseguem a licença de se irem circuncidar, fogem aos pais, e vão para o sítio aonde está constituída a liga, sujeitar-se à operação ; evitando por este modo que amanhã sejam consideradas na alta sociedade de Geba como olmo (não circuncidadas). Eis aí a maneira como são educadas em Geba muitas, a maior parte, das raparigas oriundas daquele presídio, e filhas de pais da classe de grumetes (2).
Agora direi alguma cousa acerca dos mesmos grumetes, explicando a maneira como eles adquirem numerosos filhos e constituem família, sem serem muitos deles verdadeiros pais. É costume e uso inveterado entre os grumetes no presídio de Geba, terem 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 mulheres. A mais antiga em casa é sempre tida como dona da mesma, e poucas vezes se ausenta ; as outras quase nunca param em casa, vão para Fulacunda (3) (pequena povoação dos gentios fulas) fazer negócio, e aí se conservam.
Estas mulheres, chegando a Fulacunda ao mesmo tempo que se ocupam da venda de sal, tabaco e outros artigos que levam para os gentios, vendem-se também a si mesmas. No fim de alguns anos, algumas voltam à praça com 2 filhos, outras com 3, outras com 4, outras com 5, os quais, longe de serem mal recebidos em casa dos supostos pais, são tratados por estes como verdadeiros filhos!
Aqueles pequenos crescendo, começam a apelidar-se com o mesmo apelido; se os supostos pais se chamam Sambú, todos se apelidam Sambú, e se forem tio-Chico, todos seguem o mesmo, etc. No recenseamento que se fez em Geba no ano de 1882, notei na relação dos recenseados alguns grumetes com 15 filhos, outros com 19, outros com 21, etc. Explica-se pela circunstância que acima mencionei.
Marcelino da Costa Ribeiro (Geba—Guiné), in Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro. 1885.277-278.
Notas de Marques Lopes:
(1) Será Sonaco na zona de Gabu? É que também há Sonaco, no Senegal, perto de Barro, e de que já vos falei (ML).
(2) Os grumetes eram africanos que, vivendo nas povoações luso-africanas e adoptando com grande liberdade os hábitos cristãos e os modos lusitanizados de ser, operavam como remadores, construtores e pilotos de barcos, carregadores e auxiliares no comércio. Como categoria sociológica, eles desempenhavam um papel chave no frágil compromisso em que a sociedade crioula se fundava, sendo os intermediários que faziam a delicada mediação nos relacionamentos entre a minoria de comerciantes europeus e luso-africanos e os régulos das sociedades tradicionais africanas que produziam bens para exportação (Wilson Trajano Filho, da Universidade de Brasília, in Outros Rumores de Identidade na Guiné-Bissau).
(3) Há uma tabanca Fulacunda, na zona de Geba; há outra Fulacunda na zona de Buba; e há também uma Fulacunda na Casamanse, Senegal (ML).
Observações de L.G.:
Sobre a polémica cerimónia do fanado, vd. o meu post, de 4 de Maio de 2005 >
Guiné 69/71 - XII: O silêncio dos tugas face à MGF (Mutilação Genital Feminina)
2. Beldades de Geba, por Costa Pessoa (1882)
Quando saí de Lisboa em Outubro de 1879 com direcção á Guiné portuguesa, julgava, senão impossível, pelo menos difícil encontrar indivíduos da raça preta que me parecessem bonitos; mas logo que cheguei a Bolama e Bissau desenganei-me e muito mais depois que, navegando no rio Geba, vim parar à povoação deste nome.
É realmente interessante ver chegar a este presídio todos os dias grandes ranchos de fulas, fulas-forras e mandigas (mouras) dentre as quais aparecem tipos tão bonitos e regulares, que muitas damas da nossa terra invejariam (salvo a cor).
Principalmente dentre as fulas-forras, tribo de cor bronzeada, aparecem raparigas de rosto comprido, nariz aquilino, pequeno, lábios delgados, olhos vivos, apresentando um conjunto agradável e simpático.
O seu vestuário é o mais simples possível, consiste unicamente em um pano de algodão de 0,5m de largura, algumas vezes enfeitado com contas, que passam à volta da cintura. No pescoço e tornozelos trazem também muitos fios de contas e nos pulsos quantidade de manilhas. Do cabelo fazem um penteado em forma de barco com a quilha para cima, que vai desde o alto da cabeça até à nuca, deixando áà volta na testa e nas fontes pequenas tranças a que prendem fios de comas com moedas de prata nas extremidades.
Deu-se um dia comigo um caso engraçado : Estando eu sentado à porta de um negociante deste presídio, vi chegar um rancho de fulas que vinham fazer o seu negócio. E entre elas havia uma que sobressaía mais do que qualquer outra por ser mais bela e vir mais enfeitada. Chamei-a : ela aproximou-se e comecei então a examiná-la sem que ela a isso se opusesse; porém uma rapariga cristã, que se achava entre elas, diz-lhe :
— Repara que isto não é homem, é um boneco de molas movido por aquele (designando o negociante).
A fula retorquiu-lhe :
— Não, ele fala, tem olhos e cabelo.
— Tudo é postiço, e não diz coisa que se entenda, respondeu a cristã. Tu percebes alguma cousa do que ele diz ? Já viste homem tão branco ? (Eu era o único europeu que então me adiava em Geba, mas em Portugal não passava por ser dos mais brancos).
A esta última quartada fugiu a rapariga. Não se aproximou mais de mim, e hoje seguem todas aquele exemplo.
Costa Pessoa (Geba — Guiné), in Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro. 1882. 27/28
Guiné 63/74 - P70: Por uma boa causa, a Plataforma Bafatá... (David Guimarães)
1. 21 de Junho de 2005.
Meus caros senhores,
Sou jornalista e estou a preparar um trabalho sobre a arquitectura nos países lusófonos, incluindo a componente de restauração do património histórico e cultural, que está a ser feito ao abrigo da cooperação com Portugal. Este trabalho inclui a campanha da Plataforma Bafatá para a recuperação da cidade.
Tendo visto as vossas imagens venho por este pedir a permissão do autor David Guimarães para a sua publicação na revista Espaço África.
Aguardo a autorização do(s) autor(es) por esta via. Com os meus cumprimentos
João Carlos
2. A resposta do nosso David Guimarães não se fez esperar:
"Amigo João Carlos, esteja à vontade, pode utilizar as minhas fotigrafias. Querendo lhas enviarei.
Gostava de ter essa revista. Tenho mais fotografias de Bafatá" .
3. Como vêem, os nossos escritos e as nosssas fotos podem servir uma boa causa...
Meus caros senhores,
Sou jornalista e estou a preparar um trabalho sobre a arquitectura nos países lusófonos, incluindo a componente de restauração do património histórico e cultural, que está a ser feito ao abrigo da cooperação com Portugal. Este trabalho inclui a campanha da Plataforma Bafatá para a recuperação da cidade.
Tendo visto as vossas imagens venho por este pedir a permissão do autor David Guimarães para a sua publicação na revista Espaço África.
Aguardo a autorização do(s) autor(es) por esta via. Com os meus cumprimentos
João Carlos
2. A resposta do nosso David Guimarães não se fez esperar:
"Amigo João Carlos, esteja à vontade, pode utilizar as minhas fotigrafias. Querendo lhas enviarei.
Gostava de ter essa revista. Tenho mais fotografias de Bafatá" .
3. Como vêem, os nossos escritos e as nosssas fotos podem servir uma boa causa...
Guiné 63/74 - P69: Fotomemória(s) (A. Marques Lopes)
[O Alferes miliciano Lopes, da CCAÇ 3, em Barro, 1968, com o seu guarda-costas.© Marques Lopes]
Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968):
1. Caros amigos:
Tenho-vos enchido de imagens e fotografias, porque achei que são importantes para dizer da nossa história vivida.
Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968):
1. Caros amigos:
Tenho-vos enchido de imagens e fotografias, porque achei que são importantes para dizer da nossa história vivida.
Mas também porque sinto alguma dificuldade em pôr por escrito essa vida. Por um lado, o receio de envolver nela os seus intervenientes de uma maneira que a forte impressão em mim existente possa retratar, se calhar, não da forma mais justa; por outro lado, e influenciando ainda o aspecto anterior, a perplexidade que esses acontecimentos tão próximos ainda (nunca despegaram...) e sempre presentes continuam a provocar no meu espírito.
Durante muito tempo tenho hesitado entre a narrativa histórica dos acontecimentos que me atormentam e um qualquer tipo de alegoria, ou ficção, que deles poderia tirar.
Em qualquer dos casos, nunca foi minha intenção enveredar pelo tom épico, patrioteiro, ou pelo panegírico a oragos guerreiros. Os dados já estão lançados e a minha constante vivência dos factos permite-me avaliá-los com realismo, com prospectiva e com alguma contrição. A temeridade não me falta, mas tenho também um maior grau de experiência, o que me permite escolher melhor os modos de actuação.
Mas creio, ao mesmo tempo, que a verdade é, sem dúvida, mais forte que quaisquer algemas. Não há prisão nem violência que possam banir tudo o que de verdade existe; não há perseguição que apague a evidência; não há acção presente que possa negar existência à sua causa passada.
Bem, isto é conversa. O que vos quero efectivamente dizer é que mostrei as minhas fotografias de Barro, as que vocês conhecem, a uma amiga muito chegada e lhe pedi para fazer um comentário sobre elas. Ela esteve de acordo que eu vos desse conhecimento desse comentário e é este que eu peço que leiam. Ela não quis que eu dissesse o nome dela, porque é uma pessoa muito envergonhada. Ei-lo:
2. «Não se pode possuir a realidade, mas pode possuir-se (e ser-se possuído por) imagens" (Susan Sontag).
"Fotografar é o acto pelo qual o fotógrafo capta um momento. Neste caso, o fotógrafo que faz a fotografia (porque não a tira, não é roubada, ela é antes um acto de colaboração) foi-o a pedido dos fotografados. O seu objectivo era obter um registo duma vivência única e ao mesmo tempo diversa para cada um dos elementos do grupo. A vivência de uma presença na guerra, numa terra distante, na Guiné, com aquele grupo unido por secretos laços de camaradagem.
"E porque se trata de uma relação única, aquela fotografia é um marco e também uma marca. Ela está ali a consubstanciar todos as pormenores do momento: o número de pessoas, aqueles mesmos, não outros quaisquer, aquele lugar, as sensações, os sentimentos, as emoções, o silêncio.
"Ela está ali há mais de 30 anos, testemunho vivo, porque todos os testemunhos são vivos apesar daquelas imagens petrificadas pelo tempo, mas reveladoras, prenhes de uma vivência, uma voz que se agiganta quando se folheia o álbum:
- Este era um grupo muito especial. Éramos um alferes, dois furriéis, um cabo e seis soldados. Costumávamos fazer incursões no Senegal, para, nas aldeias, roubar vacas para comer.
"Havia essa necessidade, vital como a de comer, de, no futuro, disso fazer prova à memória, por vezes traiçoeira. Mas também de possuir, em substância, aqueles momentos fugazes, de secretos laços de camaradagem. É como olhar-se no espelho e observar-se ali com os outros. Ali estou eu. Ali, naquele lugar concreto, aquela figura. Eu que não me posso ver, que só me construo por e na relação com os outros, que só me observo de dentro para fora. A fotografia é o espelho, dá-me a minha imagem com os outros, reflecte-me, constrói-me uma figura. E ao vê-la, por alastramento, eu acrescento-lhe o conteúdo, impregno-a dos sentimentos e emoções que são o lastro da minha memória.
"É esta relação dialéctica entre a fotografia e o fotografado, mais tarde observador também, que dá significado à fotografia, que a faz pulsar, mesmo que aparentemente morta, num vaivém entre um passado que foi presente e um presente que foi futuro, numa atmosfera irreal.
"E ali estão todos, na pose que idealizaram para ficarem fixados naquele presente e serem transportados ao futuro. De acordo com a hierarquia, o alferes no eixo vertical central, em posição de destaque, em pé. Em volta, descendo na hierarquia, os furriéis e, alargando-se para o eixo horizontal, mais igualitário, os soldados, formando uma pirâmide de base alargada [refere-se à fotografia em que estou com os Jagudis]. O grupo ocupa toda a fotografia. É um grande plano. O que importa para a memória do futuro, lá longe, no continente, é o grupo, a sua ligação, as suas recordações. A fotografia é assim a reificação duma relação estatificada, com aquelas pessoas, num determinado tempo (1968) num determinado local, em Barro, quase esquecida no mato, na guerra colonial, na Guiné. Ao fixar aquele momento, o fotografado, por acção do fotógrafo, quis construir um monumento que vencesse o esquecimento.
"Na sociedade de consumo, as fotografias consubstanciam a massificação dos heróis: do herói individual, de cada momento, de cada vivência única, das vivências únicas que se multiplicam e que, por serem únicas, necessitam de registo. A sua multiplicação permanente toma-as fugidias e por isso urgentes de memória. Todo o acto na vida do indivíduo se inflaccionou em rito de passagem. É o nascimento, a saída da maternidade, a 1ª mamada, o 1º banho, a 1ª papa, o 1° mês o 2°mês, do 1º dente, o 1º passeio, o 1º brinquedo, o brinquedo preferido. São tantos os momentos a registar, são tantos os marcos a assinalar! Tudo se esvai a uma velocidade impossível de estancar. A falta de tempo para agarrar o momento erige um único em monumento. Agarra-se pela fotografia. Pretende arrumar-se a memória. Quando dele necessitarmos, está à nossa disposição, arquivado no álbum para nos aclarar a memória.
"A linha de montagem da produção não o é só para a mercadoria, é também para a memória. Por todo o lado, em qualquer ocasião, por mais banal que nos pareça, a câmara lá está, pronta a produzir memória. É só carregar no botão.
"Também aquele foi único. Único para cada um dos protagonistas. A câmara imortalizou-o. O futuro seria de ausência. É a nostalgia dessa ausência o que reúne aquele grupo de homens, com ar sério, solene, numa postura de alguma descontracção física, mas de preocupação interior. Nas suas mentes perpassam imagens de separação. Os olhares estão distantes, evitam o confronto com a câmara, como que a recusar um certo mergulhar no seu interior, o desvendar do que lhes vai na alma. Ou evitam o confronto com o futuro, consigo próprios, quando observadores da fotografia. A recusa é esquiva, fugidia. No entanto, ali ficou, consubstanciada. Só dois olhares enfrentam, com frontalidade, essa incógnita.
"No limite esquerdo, uma cabeça, quase invisível, espreita. O seu corpo, bem visível, parece nem lhe pertencer, tal é a preocupação de evitar o confronto com a câmara. Aliás, toda aquela área quase parece tentar escapar-se da fotografia. Os tronco que constituem a paliçada como que se sobrepõem aos soldados, tomado-os ainda mais reduzidos. No limite direito, pelo contrário, o alferes em pé, isolado, quase que constitui uma outra unidade significante. Há uma distância física que o separa dos restantes. Não é muita. Possivelmente a câmara não lhe deu tempo de ajustar a pose. Por outro lado sente-se um certo desprendimento, algum desinteresse. Este espaço visível poderá ser o reflexo duma demarcação territorial psíquica, de um menor envolvimento.
"Um outro elemento que nos salta à vista é o facto de os únicos três brancos do grupo, o alferes e os dois furriéis, se encontrarem todos em posição de destaque, o que corresponde à realidade hierárquica. A incorporação no exército traduzia-se num rendimento muito acima da média. Os autóctones, dada a situação de guerra, tinham poucas oportunidades de trabalho, ainda por cima bem remunerado, ali tão longe da capital, nas aldeias praticamente perdidas na mata. A guerrilha, bem armada, e também com o apoio da população e até de alguns militares incorporados, conseguia um equilíbrio de forças, muitas vezes instável, que levou ao reconhecimento, por parte das chefias portuguesas, de que aquela guerra era um beco sem saída.
"Quando, em 1998, o nosso fotógrafo volta à Guiné para agarrar um pouco dessa vida perdida no mato, aos 20 anos, e também para arrumar as ideias sobre o livro que iniciou sobre a sua experiência na guerra, lá estava o mesmo chefe de tabanca, agora com 80 anos, forte como um baluarte na sua coerência, outrora apoiante da guerrilha e do PAIGC, gerindo diplomaticamente a amizade com o militar para mais facilmente jogar o xadrez da revolução, agora o ancião, o conselheiro, o sábio, de alguma forma amargurado com os trilhos perdidos após a independência.
"E este encontro foi o reviver duma relação de amizade urdida em muitos meses de comunhão de um espaço, sedimentada por uma identidade de valores que, afinal, estavam dos dois lados naquela guerra, sem sentido também para muitos daqueles que a faziam.
"Guerra que está presente em todas as fotografias. Pressentimo-la pelas fardas, a paliçada, as armas. Mas neste caso a exibição da metralhadora e do morteiro é como que uma espécie de encenação. Ela não me puxa pelo fio das minhas lembranças. O ar despreocupado dos fotografados dá-nos a ideia de que tudo é uma brincadeira e possivelmente em muitos dos momentos assim teve que ser encarada aquela situação de pressão psicológica extrema. A brincadeira com a função de descomprimir, fazer esquecer, para se aguentar a tensão dos momentos de violentação que eram os ataques, e as mortes daí decorrentes.
"Fotografias que me despoletaram a recordação de guerra, a real, não a da História ou das histórias, a guerra dos homens concretos, aquela que nós sentimos, que conhecemos, quando para isso estamos maduros. Até lá, há todo um caminho a percorrer, de muita surdez, ou falta de vista, incompreensão. Porque compreender é ligar, envolver, tomar para nós. E só quando somos capazes de pegar nessa realidade do outro, amassá-la com a nossa, deixar levedar como o pão, é que então estamos capazes de entendimento, de compreensão. Processo difícil, longo, que necessita de um grande esforço de deslocação, de descentração, sem no entanto se perder o Norte, a nossa bússola, a nossa identidade, os princípios, os valores, corporizados fundamentalmente no respeito pelo Outro.
"A conjugação do olhar directo com a fuga do olhar, as fisionomias sérias, o olhar carregado, os traços bem marcados do soldado negro, sentado, são sinais de dúvida, de incerteza. As imagens da minha infância agigantam-se. Aos meus ouvidos, o ressoar de Angola é nossa ao som abafado de botas a marchar em sintonia.
"Guerra era aquele som, misturado com mensagens de Natal na rádio e na televisão, e os navios apinhados de homens a largar o cais e muitas mãos no ar a acenar, e o filho daquela vizinha da minha avó que veio fechado num caixão, tinha eu 15 anos. Ele que nunca tinha saído da aldeia, aos 20 anos atravessou o mar, cruzou os continentes, em busca da morte, lá tão longe. Veio fechado num caixão e nunca mais ninguém o pôde ver. Essa, a ideia que me ficou da morte. Um caixão fechado, misterioso, e a repetição até ao infinito daquele marchar de botas, acompanhado de Angola é nossa.
"Na minha cabeça as ideias misturavam-se e assentavam todas naquele bocadinho de mapa, com palmeiras, umas bolas maiores e outras mais pequenas a assinalar as cidades, com mulheres negras com os filhos às costas. E o meu receio era que a guerra saltasse daquele mapa para este outro mapa onde eu estava. Guerra era ainda aquela voz que mais tarde aprendi que era do Salazar. E era só a voz a encher a rádio, que as palavras não tinham para mim sentido.
"A guerra preencheu o imaginário da minha infância. Mas a guerra só a vi, alguns anos mais tarde. Já não era a guerra da minha infância, quase invisível, de palavras sem sentido. Era a guerra de corpos calcinados, ou feitos em pedaços, de olhos secos raiados de revolta, de silêncios perfurantes como lanças. Era mais uma guerra, absurda, devastadora, única, pelos meios cada vez mais refinados, sempre igual, repetida, pelos efeitos de aniquilação. A geografia desta guerra era outra, as razões sempre as mesmas: impedir que o Outro fosse Outro, cada um conjugando as suas razões.
"E a nossa guerra, aquela onde os mortos eram invisíveis, mostrou o seu rosto, pelas mãos da Liberdade. Nessa altura, as fotografias dos horrores deste povo de brandos costumes invadiram-me a retina: corpos despedaçados, cabeças penduradas em paus. Aquela guerra queria dar testemunho de que a morte se pode fazer com as próprias mãos, com prazer ou com raiva, ou com tudo à mistura. Porque a guerra é uma fábrica de morte. A sua essência é o paradoxo EU-VIDA, OUTRO-MORTE.
"Foi esse paradoxo que acompanhou o nosso herói nesta guerra. As recordações escorrem-lhe destas fotografias e à mente vêm as visões malditas, enterradas, bem fundo:
- Numa busca a uma escola, fui obrigado a matar a professora. Num gesto rápido apontou-me a metralhadora. Não tive outra alternativa [a minha amiga refere-se ao que lhe contei da Operação Inquietar II: vd. meu texto, de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II ]
"O silêncio pesou. A morte concreta, uma vontade que conjuga a morte porque quer conjugar a vida, a própria. No teatro de guerra, as cenas sucediam-se. A morte, sempre presente como ideia pairando, era uma realidade, mas aquela morte era um produto do seu disparo.
"E muitos mortos aconteceram, fruto de conjugações absurdas. Perdidos no mato, estão os espíritos dos que não queriam morrer, aos 20 anos, ou até mais novos, se pensarmos nos guerrilheiros, ou mais velhos, que importa. Fundo, nas consciências de cada um, continuam a fazer a guerra, a guerra mais difícil de vencer.
"É preciso não calar os espíritos, dar-lhes voz, ouvir as suas razões. É urgente pôr tudo no seu lugar. Fazer regressar os mortos à sua terra, num caixão selado, não dá aos mortos o seu lugar. O seu lugar é nas palavras. Escritas, sulcando o papel. É a catarse. Reproduzidas. Lidas. Regressando à consciência. É a renúncia. Derramada num livro que está em construção para que os mortos ocupem o seu devido lugar."
3. Já disse à minha amiga que me identifico completamente com a análise que ela fez. Os meus agradecimentos.
Um grande abraço para vocês do Marques Lopes.
Em qualquer dos casos, nunca foi minha intenção enveredar pelo tom épico, patrioteiro, ou pelo panegírico a oragos guerreiros. Os dados já estão lançados e a minha constante vivência dos factos permite-me avaliá-los com realismo, com prospectiva e com alguma contrição. A temeridade não me falta, mas tenho também um maior grau de experiência, o que me permite escolher melhor os modos de actuação.
Mas creio, ao mesmo tempo, que a verdade é, sem dúvida, mais forte que quaisquer algemas. Não há prisão nem violência que possam banir tudo o que de verdade existe; não há perseguição que apague a evidência; não há acção presente que possa negar existência à sua causa passada.
Bem, isto é conversa. O que vos quero efectivamente dizer é que mostrei as minhas fotografias de Barro, as que vocês conhecem, a uma amiga muito chegada e lhe pedi para fazer um comentário sobre elas. Ela esteve de acordo que eu vos desse conhecimento desse comentário e é este que eu peço que leiam. Ela não quis que eu dissesse o nome dela, porque é uma pessoa muito envergonhada. Ei-lo:
2. «Não se pode possuir a realidade, mas pode possuir-se (e ser-se possuído por) imagens" (Susan Sontag).
"Fotografar é o acto pelo qual o fotógrafo capta um momento. Neste caso, o fotógrafo que faz a fotografia (porque não a tira, não é roubada, ela é antes um acto de colaboração) foi-o a pedido dos fotografados. O seu objectivo era obter um registo duma vivência única e ao mesmo tempo diversa para cada um dos elementos do grupo. A vivência de uma presença na guerra, numa terra distante, na Guiné, com aquele grupo unido por secretos laços de camaradagem.
"E porque se trata de uma relação única, aquela fotografia é um marco e também uma marca. Ela está ali a consubstanciar todos as pormenores do momento: o número de pessoas, aqueles mesmos, não outros quaisquer, aquele lugar, as sensações, os sentimentos, as emoções, o silêncio.
"Ela está ali há mais de 30 anos, testemunho vivo, porque todos os testemunhos são vivos apesar daquelas imagens petrificadas pelo tempo, mas reveladoras, prenhes de uma vivência, uma voz que se agiganta quando se folheia o álbum:
- Este era um grupo muito especial. Éramos um alferes, dois furriéis, um cabo e seis soldados. Costumávamos fazer incursões no Senegal, para, nas aldeias, roubar vacas para comer.
"Havia essa necessidade, vital como a de comer, de, no futuro, disso fazer prova à memória, por vezes traiçoeira. Mas também de possuir, em substância, aqueles momentos fugazes, de secretos laços de camaradagem. É como olhar-se no espelho e observar-se ali com os outros. Ali estou eu. Ali, naquele lugar concreto, aquela figura. Eu que não me posso ver, que só me construo por e na relação com os outros, que só me observo de dentro para fora. A fotografia é o espelho, dá-me a minha imagem com os outros, reflecte-me, constrói-me uma figura. E ao vê-la, por alastramento, eu acrescento-lhe o conteúdo, impregno-a dos sentimentos e emoções que são o lastro da minha memória.
"É esta relação dialéctica entre a fotografia e o fotografado, mais tarde observador também, que dá significado à fotografia, que a faz pulsar, mesmo que aparentemente morta, num vaivém entre um passado que foi presente e um presente que foi futuro, numa atmosfera irreal.
"E ali estão todos, na pose que idealizaram para ficarem fixados naquele presente e serem transportados ao futuro. De acordo com a hierarquia, o alferes no eixo vertical central, em posição de destaque, em pé. Em volta, descendo na hierarquia, os furriéis e, alargando-se para o eixo horizontal, mais igualitário, os soldados, formando uma pirâmide de base alargada [refere-se à fotografia em que estou com os Jagudis]. O grupo ocupa toda a fotografia. É um grande plano. O que importa para a memória do futuro, lá longe, no continente, é o grupo, a sua ligação, as suas recordações. A fotografia é assim a reificação duma relação estatificada, com aquelas pessoas, num determinado tempo (1968) num determinado local, em Barro, quase esquecida no mato, na guerra colonial, na Guiné. Ao fixar aquele momento, o fotografado, por acção do fotógrafo, quis construir um monumento que vencesse o esquecimento.
"Na sociedade de consumo, as fotografias consubstanciam a massificação dos heróis: do herói individual, de cada momento, de cada vivência única, das vivências únicas que se multiplicam e que, por serem únicas, necessitam de registo. A sua multiplicação permanente toma-as fugidias e por isso urgentes de memória. Todo o acto na vida do indivíduo se inflaccionou em rito de passagem. É o nascimento, a saída da maternidade, a 1ª mamada, o 1º banho, a 1ª papa, o 1° mês o 2°mês, do 1º dente, o 1º passeio, o 1º brinquedo, o brinquedo preferido. São tantos os momentos a registar, são tantos os marcos a assinalar! Tudo se esvai a uma velocidade impossível de estancar. A falta de tempo para agarrar o momento erige um único em monumento. Agarra-se pela fotografia. Pretende arrumar-se a memória. Quando dele necessitarmos, está à nossa disposição, arquivado no álbum para nos aclarar a memória.
"A linha de montagem da produção não o é só para a mercadoria, é também para a memória. Por todo o lado, em qualquer ocasião, por mais banal que nos pareça, a câmara lá está, pronta a produzir memória. É só carregar no botão.
"Também aquele foi único. Único para cada um dos protagonistas. A câmara imortalizou-o. O futuro seria de ausência. É a nostalgia dessa ausência o que reúne aquele grupo de homens, com ar sério, solene, numa postura de alguma descontracção física, mas de preocupação interior. Nas suas mentes perpassam imagens de separação. Os olhares estão distantes, evitam o confronto com a câmara, como que a recusar um certo mergulhar no seu interior, o desvendar do que lhes vai na alma. Ou evitam o confronto com o futuro, consigo próprios, quando observadores da fotografia. A recusa é esquiva, fugidia. No entanto, ali ficou, consubstanciada. Só dois olhares enfrentam, com frontalidade, essa incógnita.
"No limite esquerdo, uma cabeça, quase invisível, espreita. O seu corpo, bem visível, parece nem lhe pertencer, tal é a preocupação de evitar o confronto com a câmara. Aliás, toda aquela área quase parece tentar escapar-se da fotografia. Os tronco que constituem a paliçada como que se sobrepõem aos soldados, tomado-os ainda mais reduzidos. No limite direito, pelo contrário, o alferes em pé, isolado, quase que constitui uma outra unidade significante. Há uma distância física que o separa dos restantes. Não é muita. Possivelmente a câmara não lhe deu tempo de ajustar a pose. Por outro lado sente-se um certo desprendimento, algum desinteresse. Este espaço visível poderá ser o reflexo duma demarcação territorial psíquica, de um menor envolvimento.
"Um outro elemento que nos salta à vista é o facto de os únicos três brancos do grupo, o alferes e os dois furriéis, se encontrarem todos em posição de destaque, o que corresponde à realidade hierárquica. A incorporação no exército traduzia-se num rendimento muito acima da média. Os autóctones, dada a situação de guerra, tinham poucas oportunidades de trabalho, ainda por cima bem remunerado, ali tão longe da capital, nas aldeias praticamente perdidas na mata. A guerrilha, bem armada, e também com o apoio da população e até de alguns militares incorporados, conseguia um equilíbrio de forças, muitas vezes instável, que levou ao reconhecimento, por parte das chefias portuguesas, de que aquela guerra era um beco sem saída.
"Quando, em 1998, o nosso fotógrafo volta à Guiné para agarrar um pouco dessa vida perdida no mato, aos 20 anos, e também para arrumar as ideias sobre o livro que iniciou sobre a sua experiência na guerra, lá estava o mesmo chefe de tabanca, agora com 80 anos, forte como um baluarte na sua coerência, outrora apoiante da guerrilha e do PAIGC, gerindo diplomaticamente a amizade com o militar para mais facilmente jogar o xadrez da revolução, agora o ancião, o conselheiro, o sábio, de alguma forma amargurado com os trilhos perdidos após a independência.
"E este encontro foi o reviver duma relação de amizade urdida em muitos meses de comunhão de um espaço, sedimentada por uma identidade de valores que, afinal, estavam dos dois lados naquela guerra, sem sentido também para muitos daqueles que a faziam.
"Guerra que está presente em todas as fotografias. Pressentimo-la pelas fardas, a paliçada, as armas. Mas neste caso a exibição da metralhadora e do morteiro é como que uma espécie de encenação. Ela não me puxa pelo fio das minhas lembranças. O ar despreocupado dos fotografados dá-nos a ideia de que tudo é uma brincadeira e possivelmente em muitos dos momentos assim teve que ser encarada aquela situação de pressão psicológica extrema. A brincadeira com a função de descomprimir, fazer esquecer, para se aguentar a tensão dos momentos de violentação que eram os ataques, e as mortes daí decorrentes.
"Fotografias que me despoletaram a recordação de guerra, a real, não a da História ou das histórias, a guerra dos homens concretos, aquela que nós sentimos, que conhecemos, quando para isso estamos maduros. Até lá, há todo um caminho a percorrer, de muita surdez, ou falta de vista, incompreensão. Porque compreender é ligar, envolver, tomar para nós. E só quando somos capazes de pegar nessa realidade do outro, amassá-la com a nossa, deixar levedar como o pão, é que então estamos capazes de entendimento, de compreensão. Processo difícil, longo, que necessita de um grande esforço de deslocação, de descentração, sem no entanto se perder o Norte, a nossa bússola, a nossa identidade, os princípios, os valores, corporizados fundamentalmente no respeito pelo Outro.
"A conjugação do olhar directo com a fuga do olhar, as fisionomias sérias, o olhar carregado, os traços bem marcados do soldado negro, sentado, são sinais de dúvida, de incerteza. As imagens da minha infância agigantam-se. Aos meus ouvidos, o ressoar de Angola é nossa ao som abafado de botas a marchar em sintonia.
"Guerra era aquele som, misturado com mensagens de Natal na rádio e na televisão, e os navios apinhados de homens a largar o cais e muitas mãos no ar a acenar, e o filho daquela vizinha da minha avó que veio fechado num caixão, tinha eu 15 anos. Ele que nunca tinha saído da aldeia, aos 20 anos atravessou o mar, cruzou os continentes, em busca da morte, lá tão longe. Veio fechado num caixão e nunca mais ninguém o pôde ver. Essa, a ideia que me ficou da morte. Um caixão fechado, misterioso, e a repetição até ao infinito daquele marchar de botas, acompanhado de Angola é nossa.
"Na minha cabeça as ideias misturavam-se e assentavam todas naquele bocadinho de mapa, com palmeiras, umas bolas maiores e outras mais pequenas a assinalar as cidades, com mulheres negras com os filhos às costas. E o meu receio era que a guerra saltasse daquele mapa para este outro mapa onde eu estava. Guerra era ainda aquela voz que mais tarde aprendi que era do Salazar. E era só a voz a encher a rádio, que as palavras não tinham para mim sentido.
"A guerra preencheu o imaginário da minha infância. Mas a guerra só a vi, alguns anos mais tarde. Já não era a guerra da minha infância, quase invisível, de palavras sem sentido. Era a guerra de corpos calcinados, ou feitos em pedaços, de olhos secos raiados de revolta, de silêncios perfurantes como lanças. Era mais uma guerra, absurda, devastadora, única, pelos meios cada vez mais refinados, sempre igual, repetida, pelos efeitos de aniquilação. A geografia desta guerra era outra, as razões sempre as mesmas: impedir que o Outro fosse Outro, cada um conjugando as suas razões.
"E a nossa guerra, aquela onde os mortos eram invisíveis, mostrou o seu rosto, pelas mãos da Liberdade. Nessa altura, as fotografias dos horrores deste povo de brandos costumes invadiram-me a retina: corpos despedaçados, cabeças penduradas em paus. Aquela guerra queria dar testemunho de que a morte se pode fazer com as próprias mãos, com prazer ou com raiva, ou com tudo à mistura. Porque a guerra é uma fábrica de morte. A sua essência é o paradoxo EU-VIDA, OUTRO-MORTE.
"Foi esse paradoxo que acompanhou o nosso herói nesta guerra. As recordações escorrem-lhe destas fotografias e à mente vêm as visões malditas, enterradas, bem fundo:
- Numa busca a uma escola, fui obrigado a matar a professora. Num gesto rápido apontou-me a metralhadora. Não tive outra alternativa [a minha amiga refere-se ao que lhe contei da Operação Inquietar II: vd. meu texto, de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLIX: Samba Culo II ]
"O silêncio pesou. A morte concreta, uma vontade que conjuga a morte porque quer conjugar a vida, a própria. No teatro de guerra, as cenas sucediam-se. A morte, sempre presente como ideia pairando, era uma realidade, mas aquela morte era um produto do seu disparo.
"E muitos mortos aconteceram, fruto de conjugações absurdas. Perdidos no mato, estão os espíritos dos que não queriam morrer, aos 20 anos, ou até mais novos, se pensarmos nos guerrilheiros, ou mais velhos, que importa. Fundo, nas consciências de cada um, continuam a fazer a guerra, a guerra mais difícil de vencer.
"É preciso não calar os espíritos, dar-lhes voz, ouvir as suas razões. É urgente pôr tudo no seu lugar. Fazer regressar os mortos à sua terra, num caixão selado, não dá aos mortos o seu lugar. O seu lugar é nas palavras. Escritas, sulcando o papel. É a catarse. Reproduzidas. Lidas. Regressando à consciência. É a renúncia. Derramada num livro que está em construção para que os mortos ocupem o seu devido lugar."
3. Já disse à minha amiga que me identifico completamente com a análise que ela fez. Os meus agradecimentos.
Um grande abraço para vocês do Marques Lopes.
segunda-feira, 20 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P68: Convívios: Encontro do pessoal da CART 1690 (Geba, 1967/69) (Marques Lopes)
Texto do A. Marques Lopes:
No dia 18 de Junho, como já vos tinha anunciado, houve um encontro dos elementos que estiveram na Guiné integrando a CART1690, de 1967 a 1969. Para já, a referência ao sítio maravilhoso onde estivemos, na zona de Sever do Vouga, no restaurante O Júnior. Na ida para lá, a floresta circundante do rio Vouga fez-nos lembrar as matas da Guiné... Saudades!
Já não estiveram muitos: fomos 40, com os familiares estavam 92 pessoas. Estiveram os furriéis Silva, Vasconcelos, Salvado, Pombeiro... os furriéis Vitor e Bicho já morreram... o furriel Rafael, que já não estava bom da bola, não foi porque está pior... o furriel Marcelo também não foi, e tem ido poucas vezes, e falámos sobre isso... o furriel Ribeiro também não foi, mas nunca tem ido, e perguntámo-nos porquê (talvez vos conte, um dia)...
O segundo-sargento Bajouco morreu-lhe a mulher... o primeiro-sargento também lhe morreu a mulher (já é a terceira que lhe morre - nenhuma o aguenta, dissemos nós...)... os cabos Costa e Sousa também já morreram... esteve o cabo Castro, DFA, também por ser passado da bola. Estiveram os alferes Reis e Moreira, que estiveram na companhia até ao fim, e os alferes Lopes e Maçarico, que foram feridos e evacuados, mas que se mantêm em contacto com a companhia... não esteve o alferes Fernandes, que ainda está na Guiné, "desaparecido em campanha", nem o alferes Peixoto, que "apareceu" na metrópole metido num saco de plástico entre quatro tábuas.
Esteve o capitão Santos Luís (agora coronel, reformado), que veio do batalhão de Bafatá para substituir durante uns tempos o capitão Guimarães quando ele morreu na estrada para Banjara (vd meu texto, de 31 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara) e esteve o capitão miliciano Carlos Manuel Ferreira que ficou, depois, até ao fim com a CART 1690.
Esteve o furriel Lume, que veio propositadamente da Madeira (pronunciem o "u" como deve ser, à madeirense) e que teceu elogios ao Alberto João... mas todos se riram ne mesma.
E esteve o Malan Baldé, que esteve na Companhia de Milícia 3 e foi ferido em Sinchã Jobel, em 19 de Dezembro de 1967, na operação Invisível (vd. o meu texto, de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII ). Mora em S. Domingos de Rana, perto de Carcavelos... Perguntei-lhe:
-Malan, entraste no arrastão?...
- Eu?! Eu não, eu até trabalho numa empresa de segurança! - Conhece outros que moram naquelas zonas. Um dia qualquer vou aparecer po lá. E hei-de enviar-vos uma fotgrafia que tirámos.
O meu amigo alferes Reis, agora um fundamentalista médico veterinário,que me diz sempre, quando me vê comer um belo bife de vaca, que não toca na carne das vacas há muito tempo porque são umas malucas, deu-me mais alguma fotografias de Banjara, que também vos enviarei depois.
Falámos de nós todos, falámos de tudo aquilo que vos tenho contado, falei-lhes deste blogue, e garantimos que estaríamos novamente juntos no próximo ano. E que traríamos outros que não estiveram. Pessoalmente, vou-me empenhar em trazer o furriel Ribeiro.
Vou conseguir mais coisas da CART 1690. Depois digo-vos.
Abraço. Marques Lopes
No dia 18 de Junho, como já vos tinha anunciado, houve um encontro dos elementos que estiveram na Guiné integrando a CART1690, de 1967 a 1969. Para já, a referência ao sítio maravilhoso onde estivemos, na zona de Sever do Vouga, no restaurante O Júnior. Na ida para lá, a floresta circundante do rio Vouga fez-nos lembrar as matas da Guiné... Saudades!
Já não estiveram muitos: fomos 40, com os familiares estavam 92 pessoas. Estiveram os furriéis Silva, Vasconcelos, Salvado, Pombeiro... os furriéis Vitor e Bicho já morreram... o furriel Rafael, que já não estava bom da bola, não foi porque está pior... o furriel Marcelo também não foi, e tem ido poucas vezes, e falámos sobre isso... o furriel Ribeiro também não foi, mas nunca tem ido, e perguntámo-nos porquê (talvez vos conte, um dia)...
O segundo-sargento Bajouco morreu-lhe a mulher... o primeiro-sargento também lhe morreu a mulher (já é a terceira que lhe morre - nenhuma o aguenta, dissemos nós...)... os cabos Costa e Sousa também já morreram... esteve o cabo Castro, DFA, também por ser passado da bola. Estiveram os alferes Reis e Moreira, que estiveram na companhia até ao fim, e os alferes Lopes e Maçarico, que foram feridos e evacuados, mas que se mantêm em contacto com a companhia... não esteve o alferes Fernandes, que ainda está na Guiné, "desaparecido em campanha", nem o alferes Peixoto, que "apareceu" na metrópole metido num saco de plástico entre quatro tábuas.
Esteve o capitão Santos Luís (agora coronel, reformado), que veio do batalhão de Bafatá para substituir durante uns tempos o capitão Guimarães quando ele morreu na estrada para Banjara (vd meu texto, de 31 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIII: A morte no caminho para Banjara) e esteve o capitão miliciano Carlos Manuel Ferreira que ficou, depois, até ao fim com a CART 1690.
Esteve o furriel Lume, que veio propositadamente da Madeira (pronunciem o "u" como deve ser, à madeirense) e que teceu elogios ao Alberto João... mas todos se riram ne mesma.
E esteve o Malan Baldé, que esteve na Companhia de Milícia 3 e foi ferido em Sinchã Jobel, em 19 de Dezembro de 1967, na operação Invisível (vd. o meu texto, de 7 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XLV: Sinchã Jobel VII ). Mora em S. Domingos de Rana, perto de Carcavelos... Perguntei-lhe:
-Malan, entraste no arrastão?...
- Eu?! Eu não, eu até trabalho numa empresa de segurança! - Conhece outros que moram naquelas zonas. Um dia qualquer vou aparecer po lá. E hei-de enviar-vos uma fotgrafia que tirámos.
O meu amigo alferes Reis, agora um fundamentalista médico veterinário,que me diz sempre, quando me vê comer um belo bife de vaca, que não toca na carne das vacas há muito tempo porque são umas malucas, deu-me mais alguma fotografias de Banjara, que também vos enviarei depois.
Falámos de nós todos, falámos de tudo aquilo que vos tenho contado, falei-lhes deste blogue, e garantimos que estaríamos novamente juntos no próximo ano. E que traríamos outros que não estiveram. Pessoalmente, vou-me empenhar em trazer o furriel Ribeiro.
Vou conseguir mais coisas da CART 1690. Depois digo-vos.
Abraço. Marques Lopes
Guiné 63/74 - P67: A vida dos prisioneiros portugueses em Conacri (Marques Lopes)
Texto do A. Marques Lopes:
Amigos e camaradas: Sobre a fotografia de prisioneiros a jogar à bola em Conacri [ver texto de Luís Graça > Guiné 69/71 - LXIV: Tão (ini)(a)migos que nós fomos! , com data de ontem] , é natural que algum seja da CART 1690, pois eram os que estavam lá em maior número. No entanto, é difícil distingui-los nessa fotografia.
Para saberem o que foi a vida deles em cativeiro leiam o livro Memórias de Um Prisioneiro de Guerra, publicado pela editora Campo das Letras, Porto, em Outubro de 2003 (é o número 9 da colecção Campo da Memória). O seu autor é o ex-alferes miliciano António Júlio Rosa (agora professor de Educação Física), que foi aprisionado pelo PAIGC na zona de Tite, no dia 1 de Fevereiro de 1968.
Lá esteve até ao dia da libertação, na sequência da Op Mar Verde. É um relato simples, sem literatura. Vale a pena ler, sobretudo nós que compreendemos tudo aquilo.
Abraços. Marques Lopes
Post scriptum - Sobre os motivos que o levaram a escrever o livro, diz o autor: "
"Os motivos que me levaram a escrever este livro foram, acima de tudo, transmitir as experiências e os factos vividos durante a minha juventude e, em particular, o sofrimento duma guerra colonial de má memória.
"É um livro que escrevo a partir do que a memória guardou para dá-lo a conhecer aos meus contemporâneos e vindouros. Foram momentos notoriamente difíceis que, muitas vezes, revivo quando encontro velhos amigos, ou me encontro só, ou mesmo antes de adormecer.
"Os factos que vou apresentar reportam-se ao período compreendido entre Janeiro de 1967 e o final de Dezembro de 1970 [Guiné-Bissau e Guiné Conakry]. António Júlio Rosa".
Amigos e camaradas: Sobre a fotografia de prisioneiros a jogar à bola em Conacri [ver texto de Luís Graça > Guiné 69/71 - LXIV: Tão (ini)(a)migos que nós fomos! , com data de ontem] , é natural que algum seja da CART 1690, pois eram os que estavam lá em maior número. No entanto, é difícil distingui-los nessa fotografia.
Para saberem o que foi a vida deles em cativeiro leiam o livro Memórias de Um Prisioneiro de Guerra, publicado pela editora Campo das Letras, Porto, em Outubro de 2003 (é o número 9 da colecção Campo da Memória). O seu autor é o ex-alferes miliciano António Júlio Rosa (agora professor de Educação Física), que foi aprisionado pelo PAIGC na zona de Tite, no dia 1 de Fevereiro de 1968.
Lá esteve até ao dia da libertação, na sequência da Op Mar Verde. É um relato simples, sem literatura. Vale a pena ler, sobretudo nós que compreendemos tudo aquilo.
Abraços. Marques Lopes
Post scriptum - Sobre os motivos que o levaram a escrever o livro, diz o autor: "
"Os motivos que me levaram a escrever este livro foram, acima de tudo, transmitir as experiências e os factos vividos durante a minha juventude e, em particular, o sofrimento duma guerra colonial de má memória.
"É um livro que escrevo a partir do que a memória guardou para dá-lo a conhecer aos meus contemporâneos e vindouros. Foram momentos notoriamente difíceis que, muitas vezes, revivo quando encontro velhos amigos, ou me encontro só, ou mesmo antes de adormecer.
"Os factos que vou apresentar reportam-se ao período compreendido entre Janeiro de 1967 e o final de Dezembro de 1970 [Guiné-Bissau e Guiné Conakry]. António Júlio Rosa".
Guiné 63/74 - P66: Vasculhando os meus papéis (Marques Lopes)
Mensagem do A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 198):
Caros amigos:
Vasculhando os meus apontamentos, tirados sempre que me foi possível, tenho que:
1. Entre 24 de Dezembro de 1971 e 28 de Março de 1974, esteve em Barro a CCAÇ 3519 (a CCAÇ 3 já estava em Binta), da qual faziam parte: (i) o capitão miliciano Rui Fradique Ribeiro Rodrigues de Almeida, de Leiria; (ii) o furriel miliciano Alberto Sá Moreira, de Ermesinde; e (iii) o alferes miliciano José da Rocha Teixeira, de Castelo de Paiva.
2 - Em 26 de Outubro de 1971 houve um ataque a Cantacunda, tendo o IN ultrapassado a primeira fileira de arame farpado (já estava melhor pelos vistos...); tropa de Geba (não sei qual era a companhia) foi em auxílio e sofreu uma emboscada no caminho, com feridos; no dia seguinte, a 27 de Outubro, uma força de Bafatá, composta pelo EREC 2640 e elementos do BART2920, saíu para ajudar e foi também emboscada na estrada para Cantacunda, tendo sofrido 7 mortos e 14 feridos, entre eles o soldado Manuel de Oliveira Figueiras, de Barcelos.
Se alguém conhecer [ex-combatentes destas unidaes], ou tiver hipóteses de os contactar , seria óptimo, pois muita coisa terão também de contar.
Um abraço. Marques Lopes
Caros amigos:
Vasculhando os meus apontamentos, tirados sempre que me foi possível, tenho que:
1. Entre 24 de Dezembro de 1971 e 28 de Março de 1974, esteve em Barro a CCAÇ 3519 (a CCAÇ 3 já estava em Binta), da qual faziam parte: (i) o capitão miliciano Rui Fradique Ribeiro Rodrigues de Almeida, de Leiria; (ii) o furriel miliciano Alberto Sá Moreira, de Ermesinde; e (iii) o alferes miliciano José da Rocha Teixeira, de Castelo de Paiva.
2 - Em 26 de Outubro de 1971 houve um ataque a Cantacunda, tendo o IN ultrapassado a primeira fileira de arame farpado (já estava melhor pelos vistos...); tropa de Geba (não sei qual era a companhia) foi em auxílio e sofreu uma emboscada no caminho, com feridos; no dia seguinte, a 27 de Outubro, uma força de Bafatá, composta pelo EREC 2640 e elementos do BART2920, saíu para ajudar e foi também emboscada na estrada para Cantacunda, tendo sofrido 7 mortos e 14 feridos, entre eles o soldado Manuel de Oliveira Figueiras, de Barcelos.
Se alguém conhecer [ex-combatentes destas unidaes], ou tiver hipóteses de os contactar , seria óptimo, pois muita coisa terão também de contar.
Um abraço. Marques Lopes
domingo, 19 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P65: Os momentos do fim (Junho de 1974)...
O Américo Marques, de Viana do Castelo, mandou-nos uma mensagem, tocante, sobre os "momentos do fim", quando a partir de Junho de 1974 os guerrilheiros do PAIGC começaram a aparecer no destacamento de Cansissé, oferecendo a paz... Não foi fácil para a população local (fulas e mandingas) e para alguns soldados como o Américo Marques. De repente, os inimigos de ontem, os turras, passavam a ser os amigos e até os irmãos de hoje.
Imagino que deve ter sido um momento muito difícil, daqueles em que a gente fica com um nó apertado na garganta… Vou publicar esta nota, no nosso blogue, mais as fotos, na esperança de que o Américo um dia destes arranje fôlego, coragem e inspiração para dar um testemunho mais extenso e profundo sobre o momento do hastear da bandeira da nova Guiné-Bissau a que ele assistiu… Enfim, se ele achar que vale a pena… Eu pessoalmente acho que vale a pena. O Américo, que regressou a Portugal em Stemebro de 1974, estava no sítio certo, no momento certo, para a nos dar conta do fim do império...
"Eu sou dos últimos guerreiros do Império. Meio guerreiro, pois não acabei a Comissão e ainda participei na troca de bandeiras. A minha ignorância e o meu patriotismo fizeram-me sentir uma tristeza... ainda mais triste.
"Era Transmissões de Infantaria, Formado no BC 5, Campolide [ Lisboa ]. Formei Batalhão em RAL 5, Penafiel. Embarquei no N/M Niassa em Junho de 1973, na companhia de um BCAÇ de Tomar, mais duas Companhias recebidas no Funchal. Pertenci à 3ª CART do BART 6523, aquartelado em Nova Lamego.
"Estive os 17 meses em Cansissé: um destacamento (com 25 soldados) que estava à distância de 1 hora, a pé (claro), da margem direita do Rio Corubal. Quem fosse de Bafatá para Nova Lamego, virava à direita por uma picada, situada mais ou menos a meio do trajecto.
"Sou de Viana do Castelo e amigão do Sousa Castro e do Luis Carvalhido que me recebeu no Xime, em trânsito para Nova Lamego [Gabu]. Era eu um coitado dum periquito; e o Luís não me ofereceu uma bazuca, levou-me a ver um buracão feito por uma. Perdi logo a sede. Espero que as fotos sejam mais um tijolo... para construir a historia das Dores e Agonias que estão aqui e agora. Sendo ao mesmos tempo Pedaços de Vida, que se me ofereceu (como se fossem mais uns Castelos) aquela Bandeira; muito amada e que aquece mais que mil vulcões. Um Alfa Bravo".
Imagino que deve ter sido um momento muito difícil, daqueles em que a gente fica com um nó apertado na garganta… Vou publicar esta nota, no nosso blogue, mais as fotos, na esperança de que o Américo um dia destes arranje fôlego, coragem e inspiração para dar um testemunho mais extenso e profundo sobre o momento do hastear da bandeira da nova Guiné-Bissau a que ele assistiu… Enfim, se ele achar que vale a pena… Eu pessoalmente acho que vale a pena. O Américo, que regressou a Portugal em Stemebro de 1974, estava no sítio certo, no momento certo, para a nos dar conta do fim do império...
"Eu sou dos últimos guerreiros do Império. Meio guerreiro, pois não acabei a Comissão e ainda participei na troca de bandeiras. A minha ignorância e o meu patriotismo fizeram-me sentir uma tristeza... ainda mais triste.
"Era Transmissões de Infantaria, Formado no BC 5, Campolide [ Lisboa ]. Formei Batalhão em RAL 5, Penafiel. Embarquei no N/M Niassa em Junho de 1973, na companhia de um BCAÇ de Tomar, mais duas Companhias recebidas no Funchal. Pertenci à 3ª CART do BART 6523, aquartelado em Nova Lamego.
"Estive os 17 meses em Cansissé: um destacamento (com 25 soldados) que estava à distância de 1 hora, a pé (claro), da margem direita do Rio Corubal. Quem fosse de Bafatá para Nova Lamego, virava à direita por uma picada, situada mais ou menos a meio do trajecto.
"Sou de Viana do Castelo e amigão do Sousa Castro e do Luis Carvalhido que me recebeu no Xime, em trânsito para Nova Lamego [Gabu]. Era eu um coitado dum periquito; e o Luís não me ofereceu uma bazuca, levou-me a ver um buracão feito por uma. Perdi logo a sede. Espero que as fotos sejam mais um tijolo... para construir a historia das Dores e Agonias que estão aqui e agora. Sendo ao mesmos tempo Pedaços de Vida, que se me ofereceu (como se fossem mais uns Castelos) aquela Bandeira; muito amada e que aquece mais que mil vulcões. Um Alfa Bravo".
Guiné 63/74 - P64: Tão (ini)(a)migos que nós fomos! A propósito do álbum fotográfico pessoal de Amílcar Cabral (Luís Graça)
1. O sítio da Fundação Mário Soares merece uma visita demorada. Mais: deve ser acrescentado à nossa lista de favoritos. Por muitas razões, e muito em especial pela qualidade e originalidade da documentação que disponibiliza, de interesse histórico e cultural.
De as entre as várias iniciativas desta Fundação que são de destacar, temos o Arquivo & Biblioteca.
O Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares disponibiliza, por exemplo, para visualização (não dá para fazer download), mais de um milhar de fotos do arquivo pessoal de Amilcar Cabral. Segundo a explicação que é dada, "em 1999, a Fundação Mário Soares, com a colaboração da Dra. Iva Cabral, procedeu à recolha de centenas de fotografias respeitantes a Amílcar Cabral e à luta de libertação nacional que se encontravam em iminente perigo de destruição". Muitas delas eram inéditas.
É grato registar que "todo esse importante espólio fotográfico foi objecto de tratamento e reprodução fotográfica e digital", tendo sido a partir de Janeiro de 2003, "gradualmente disponibilizado na Internet, ao mesmo tempo que se prossegue à sua descrição e classificação".
As fotos estão organizadas por conjuntos de 10, num total de 119. Não se perecebe, no entanto, qual foi o critério de ordenação. Aparentemente, não há nenhuma ordem lógica ou cronológica na organização do álbum. A pesquisa, no entanto, pode ser feita por temas ou palava-chave.
Infelizmente, muitas vezes não é indicado o local (nem a data) onde foram tiradas muitas das fotos, nas zonas libertadas ou nas frentes de combate... Presumo que uma boa parte tenham sido tiradas em bases mais recuadas e mais seguras do PAIGC: Ziguinchor, por exemplo (51/119). Tenho dificuldade em reconhecer os sítios por onde passei, de 1969 a 1971, com os meus camaradas da CCAÇ 12: por exemplo, a região do Xime e do Xitole que o PAIGC considerava como "zona libertada".
Há fotos de Cacine, em reuniões do PAIGC com a população (45/119). Há fotos de Cheche e do Rio Cheche (96/119), e até de um cemitério em Cheche (87/119). Mas em muitos casos a legenda limita-se apenas a indicar que a foto foi tirada no "interior da Guiné".
Há, por exemplo, uma foto do hastear da bandeira do PAIGC, com um poster do Amílcar Cabral, em Guileje (30/119). Essa foto só pode ser posterior ao abandono do aquartelamento pelas NT em 1973. Há também uma que parece ser de Gandembel, a crer na legenda que o fotógrafo terá escrito no verso do original (59/119).
Há outra, com elementos mais explícitos, que tem como legenda: "Quartel português da Companhia de Caçadores 3477, ocupado pelas forças do PAIGC; distinguindo-se além das insígnias da Companhia, uma imagem religiosa" (parece ser a imagem de Nossa de Senhora de Fátima, de pé, no parapeito de uma janela) (58/119).
Há muitas fotos de Cabral com dirigentes e combatentes do PAIGC (por exemplo, 50/119), ou de dirigentes, sozinhos ou em grupo. Dos operacionais, destaco a título exemplificativo os nomes de: Nino Vieira (10/119; 81/119), Kecuta Mané (8/119), André Gomes (10/119), Umaru Djaló (2/119), Malan Sanhá (3/119), Francisco Mendes (25/119), Otto Schacht (4/119 e 7/119), Arafan Mané (49/119), Quemo Mané (72/119).
Honório Chantre aparece numa foto mais recente (1974), tal como Manuel dos Santos (Manecas), confraternizando com tropas portuguesas já depois do 25 de Abril de 1974 (77/119) Há também retratos de Manecas em 1973 e 1970 (77/119). E ainda em 1972 (67/119).
Nas outras fotos (34/119) aparecem prisioneiros portugueses "a conviver" com guerrilheiros, disputando uma partida de futebol (34/119). Há retratos de militares portugueses, prisioneiros ou desertores (44/119). Ou ainda de militares portugueses a serem entregues à Cruz Vermelha, no Senegal (61/119).
Numa dessas fotos, por exemplo, vê-se um grupo de cinco prisioneiros portugueses, a jogar futebol, descalços,em Conacri, num espaço murado (18/119).
Pergunto ao Marques Lopes se não serão alguns dos nossos 11 camaradas da CART 1690 (Geba), que desapareceram na noite de 10 para 11 de Abril de 1968, no ataque e assalto do IN ao destacamento de Catacunda ?
Há também fotos de aeronaves portuguessas destruídas (49/119) ou de veículos apreendidos: Por exemplo, um veículo blindado do Batalhão de Cavalaria 311 ("Os Pipas") (17/119) e, mais à frente, de um jipe do mesmo batalhão (103/119) e uma Fox 3115 (MG-34-69); uma Berliet destruída por uma mina (MG-61-01) (35/119); uma vitura abandonada numa picada (64/119); armamento capturado (36/119). Há uma ou outra foto de aquartelamentos portugês. Há uma, por exemplo, que é referida como "quartel português destruído" (48/119) ou "saqueado" (103/119). Nunca é referido o tempo e o lugar (68/119).
Já agora seria interessante saber se alguém conheceu este azarado Batalhão de Cavalaria 311, "Os Pipas", onde esteve e em que época...
Há muitas fotos de grupos de combatentes, empunhando armas, em desfile, em acções de formação e treino (33/119; 38/119), em marcha ou coluna (39/1119; 40/119; 55/119), a pôr ou a levantar minas (32/119; 41/119), cambando um rio (26/119)ou cozinhando no mato (72/119) mas muito poucas tiradas debaixo de fogo, ou em popsição de combate, as verdadeiras "fotos de guerra" (56/119; 68/119; 91/119; 92/119).
O papel das mulheres na luta de libertação, como enfermeiras, professoras, carregadoras de material, milícias, etc., também está bem documentado (27/119; 75/119), bem como a relação da guerrilha com a população (93/119; 98/119).
É claro que também há fotos de "informação e propaganda", destinadas a consumo interno e externo, e nomeadamente dos países amigos do PAIGC (ex-União Soviética, República Popular da China, Cuba, Argélia, Suécia...)e para a opinião pública internacional.
Muitas das fotos são do início da luta armada: por exemplo, tomada da Ilha do Komo (52/119) ou congresso de Cassacá (50/119). Grande parte das fotos de Cabral estão relacionadas com a sua actividade política internacional e diplomática. Por exemplo, Amílcar Cabral com Fidel Castro (76/119), ou com dirigentes de outros movimentos de libertação (Angola, Moçambique).
Mas há também bastantes imagens da actividade do líder histórico do PAIGC, em visita ao interior da Guiné ou nas bases do PAIGC: por exemplo, com Nino Vieira e Constantino Teixeira (105/119). Uma das mais emblemáticas e mais conhecidas é a do líder do PAIGC atravessando um rio, de canoa, de pé, juntamente com Constantinto Teixeira, outros guerrilheiros e uma mulher (104/119).
2. Em resumo, peço aos amigos e camaradas da Guiné para visitarem, com tempo e vagar, esta pagína da Fundação, e verem com mais atenção e detalhe este ábum de fotografias que pertenciam ao arquivo pessoal do grande dirigente político Amílcar Cabral, de quem é bom lembrar que sempre disse que não combatia contra o povo português mas sim contra o regime político de António Salazar e de Marcelo Caetano.
De as entre as várias iniciativas desta Fundação que são de destacar, temos o Arquivo & Biblioteca.
O Arquivo & Biblioteca da Fundação Mário Soares disponibiliza, por exemplo, para visualização (não dá para fazer download), mais de um milhar de fotos do arquivo pessoal de Amilcar Cabral. Segundo a explicação que é dada, "em 1999, a Fundação Mário Soares, com a colaboração da Dra. Iva Cabral, procedeu à recolha de centenas de fotografias respeitantes a Amílcar Cabral e à luta de libertação nacional que se encontravam em iminente perigo de destruição". Muitas delas eram inéditas.
É grato registar que "todo esse importante espólio fotográfico foi objecto de tratamento e reprodução fotográfica e digital", tendo sido a partir de Janeiro de 2003, "gradualmente disponibilizado na Internet, ao mesmo tempo que se prossegue à sua descrição e classificação".
As fotos estão organizadas por conjuntos de 10, num total de 119. Não se perecebe, no entanto, qual foi o critério de ordenação. Aparentemente, não há nenhuma ordem lógica ou cronológica na organização do álbum. A pesquisa, no entanto, pode ser feita por temas ou palava-chave.
Infelizmente, muitas vezes não é indicado o local (nem a data) onde foram tiradas muitas das fotos, nas zonas libertadas ou nas frentes de combate... Presumo que uma boa parte tenham sido tiradas em bases mais recuadas e mais seguras do PAIGC: Ziguinchor, por exemplo (51/119). Tenho dificuldade em reconhecer os sítios por onde passei, de 1969 a 1971, com os meus camaradas da CCAÇ 12: por exemplo, a região do Xime e do Xitole que o PAIGC considerava como "zona libertada".
Há fotos de Cacine, em reuniões do PAIGC com a população (45/119). Há fotos de Cheche e do Rio Cheche (96/119), e até de um cemitério em Cheche (87/119). Mas em muitos casos a legenda limita-se apenas a indicar que a foto foi tirada no "interior da Guiné".
Há, por exemplo, uma foto do hastear da bandeira do PAIGC, com um poster do Amílcar Cabral, em Guileje (30/119). Essa foto só pode ser posterior ao abandono do aquartelamento pelas NT em 1973. Há também uma que parece ser de Gandembel, a crer na legenda que o fotógrafo terá escrito no verso do original (59/119).
Há outra, com elementos mais explícitos, que tem como legenda: "Quartel português da Companhia de Caçadores 3477, ocupado pelas forças do PAIGC; distinguindo-se além das insígnias da Companhia, uma imagem religiosa" (parece ser a imagem de Nossa de Senhora de Fátima, de pé, no parapeito de uma janela) (58/119).
Há muitas fotos de Cabral com dirigentes e combatentes do PAIGC (por exemplo, 50/119), ou de dirigentes, sozinhos ou em grupo. Dos operacionais, destaco a título exemplificativo os nomes de: Nino Vieira (10/119; 81/119), Kecuta Mané (8/119), André Gomes (10/119), Umaru Djaló (2/119), Malan Sanhá (3/119), Francisco Mendes (25/119), Otto Schacht (4/119 e 7/119), Arafan Mané (49/119), Quemo Mané (72/119).
Honório Chantre aparece numa foto mais recente (1974), tal como Manuel dos Santos (Manecas), confraternizando com tropas portuguesas já depois do 25 de Abril de 1974 (77/119) Há também retratos de Manecas em 1973 e 1970 (77/119). E ainda em 1972 (67/119).
Nas outras fotos (34/119) aparecem prisioneiros portugueses "a conviver" com guerrilheiros, disputando uma partida de futebol (34/119). Há retratos de militares portugueses, prisioneiros ou desertores (44/119). Ou ainda de militares portugueses a serem entregues à Cruz Vermelha, no Senegal (61/119).
Numa dessas fotos, por exemplo, vê-se um grupo de cinco prisioneiros portugueses, a jogar futebol, descalços,em Conacri, num espaço murado (18/119).
Pergunto ao Marques Lopes se não serão alguns dos nossos 11 camaradas da CART 1690 (Geba), que desapareceram na noite de 10 para 11 de Abril de 1968, no ataque e assalto do IN ao destacamento de Catacunda ?
Há também fotos de aeronaves portuguessas destruídas (49/119) ou de veículos apreendidos: Por exemplo, um veículo blindado do Batalhão de Cavalaria 311 ("Os Pipas") (17/119) e, mais à frente, de um jipe do mesmo batalhão (103/119) e uma Fox 3115 (MG-34-69); uma Berliet destruída por uma mina (MG-61-01) (35/119); uma vitura abandonada numa picada (64/119); armamento capturado (36/119). Há uma ou outra foto de aquartelamentos portugês. Há uma, por exemplo, que é referida como "quartel português destruído" (48/119) ou "saqueado" (103/119). Nunca é referido o tempo e o lugar (68/119).
Já agora seria interessante saber se alguém conheceu este azarado Batalhão de Cavalaria 311, "Os Pipas", onde esteve e em que época...
Há muitas fotos de grupos de combatentes, empunhando armas, em desfile, em acções de formação e treino (33/119; 38/119), em marcha ou coluna (39/1119; 40/119; 55/119), a pôr ou a levantar minas (32/119; 41/119), cambando um rio (26/119)ou cozinhando no mato (72/119) mas muito poucas tiradas debaixo de fogo, ou em popsição de combate, as verdadeiras "fotos de guerra" (56/119; 68/119; 91/119; 92/119).
O papel das mulheres na luta de libertação, como enfermeiras, professoras, carregadoras de material, milícias, etc., também está bem documentado (27/119; 75/119), bem como a relação da guerrilha com a população (93/119; 98/119).
É claro que também há fotos de "informação e propaganda", destinadas a consumo interno e externo, e nomeadamente dos países amigos do PAIGC (ex-União Soviética, República Popular da China, Cuba, Argélia, Suécia...)e para a opinião pública internacional.
Muitas das fotos são do início da luta armada: por exemplo, tomada da Ilha do Komo (52/119) ou congresso de Cassacá (50/119). Grande parte das fotos de Cabral estão relacionadas com a sua actividade política internacional e diplomática. Por exemplo, Amílcar Cabral com Fidel Castro (76/119), ou com dirigentes de outros movimentos de libertação (Angola, Moçambique).
Mas há também bastantes imagens da actividade do líder histórico do PAIGC, em visita ao interior da Guiné ou nas bases do PAIGC: por exemplo, com Nino Vieira e Constantino Teixeira (105/119). Uma das mais emblemáticas e mais conhecidas é a do líder do PAIGC atravessando um rio, de canoa, de pé, juntamente com Constantinto Teixeira, outros guerrilheiros e uma mulher (104/119).
2. Em resumo, peço aos amigos e camaradas da Guiné para visitarem, com tempo e vagar, esta pagína da Fundação, e verem com mais atenção e detalhe este ábum de fotografias que pertenciam ao arquivo pessoal do grande dirigente político Amílcar Cabral, de quem é bom lembrar que sempre disse que não combatia contra o povo português mas sim contra o regime político de António Salazar e de Marcelo Caetano.
sexta-feira, 17 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P63: Tertúlia dos ex-combatentes (Luís Graça)
16 de Junho de 2005. Amigos e camaradas:
Vejam a nossa lista de contactos. É uma lista aberta. Podem propor novos nomes. Façam o favor de conferir e corrigir eventuais erros e omissões. Há dados incompletos.
Penso que devemos, por razões óbvias, limitar esta lista aos ex-combatentes da Guiné, que estiveram no TO (Teatro de Operações) da Guiné entre 1963 e 1974, num lado e noutro da barricada...
Seria giro encontrarmos gente do PAIGC que andou na mata... Talvez o J.C. Mussá Biaí nos possa ajudar. O estatuto dele não o mesmo que o nosso, era djubi do Xime, andava na escola em 1972... Mas pode e deve figurar na nossa lista de e-mails, se ele assim o desejar…
Porquê só a Guiné, e não tamabém Angola e Moçambique ? A malta da Guiné tem mais afinidades uns com os outros, porque quase toda a gente passou pelos mesmos sítios. Ou pelo menos há lugares que são conhecidos de todos... A Guiné é do tamanho do Alentejo. Foi um osso duro de roer, para todos os combatentes, os nossos e os do PAIGC. Infelizmente os caminhos da indepencência foram tortuosos. Hoje a Guioné-Bissau corre um sério risco de desaparecer como Estado, como Nação e como país independente... Cabe-nos também ajudar o povo guineense a encontrar os caminhos da esperança...
PS – Há um certo risco de publicarmos uma lista como esta na Net... Os nossos endereços podem vir parar a bases de dados comerciais e é bem possível que passem a receber mais lixo... As chamadas mensagens SPAM.. Algumas podem trazer vírus...
É preciso ter cuidado e não abrir tudo... Suspeitem inclusive de endereços de e-mail vossos conhecidos mas com subjects (assuntos) do tipo: Hi, hello, morto, Documento, Excel file, Obrigado...
A regra é: nunca abrir algo suspeito e eliminar a mensagem em caso de dúvida... E, é claro, reforçar a segurança informática... Isto é como as putas das bailarinas que mataram e feriram gravemente muitos camaradas nossos. E que continuam a matar e a ferir a população da Guiné, Angola, Moçambique, embora a situação da Guiné seja melhor do que a dos outros dois países.
Vejam ainda a este respeito as instruções de um operador como Clix:
Alertas Clix > Como se pode proteger dos vírus?
1. Não abra ficheiros anexos a emails de fonte desconhecida ou duvidosa.
2. Não abra ficheiros anexos a emails, excepto, se sabe do que se trata, mesmo que estes sejam enviados por amigos ou alguém que conhece. Alguns vírus podem replicar-se e propagar-se através do email. Mais vale ir pelo seguro do que arrepender-se mais tarde, por isso confirme com a pessoa que lhe enviou o email em caso de dúvida.
3. Não abra ficheiros anexos a emails se o título da mensagem é suspeito. Caso necessite de abrir os ficheiros, guarde-os sempre no seu disco rígido antes de os abrir.
4. Apague emails não solicitados. Não reencaminhe ou responda a qualquer um deles. Este tipo de email é considerado spam, ou seja, são mensagens não solicitadas e intrusivas que afectam a rede.
5. Não faça o download de ficheiros de desconhecidos.
6. Tenha ...
Para saber mais > Clix > Segurança > Mais...
Vejam a nossa lista de contactos. É uma lista aberta. Podem propor novos nomes. Façam o favor de conferir e corrigir eventuais erros e omissões. Há dados incompletos.
Penso que devemos, por razões óbvias, limitar esta lista aos ex-combatentes da Guiné, que estiveram no TO (Teatro de Operações) da Guiné entre 1963 e 1974, num lado e noutro da barricada...
Seria giro encontrarmos gente do PAIGC que andou na mata... Talvez o J.C. Mussá Biaí nos possa ajudar. O estatuto dele não o mesmo que o nosso, era djubi do Xime, andava na escola em 1972... Mas pode e deve figurar na nossa lista de e-mails, se ele assim o desejar…
Porquê só a Guiné, e não tamabém Angola e Moçambique ? A malta da Guiné tem mais afinidades uns com os outros, porque quase toda a gente passou pelos mesmos sítios. Ou pelo menos há lugares que são conhecidos de todos... A Guiné é do tamanho do Alentejo. Foi um osso duro de roer, para todos os combatentes, os nossos e os do PAIGC. Infelizmente os caminhos da indepencência foram tortuosos. Hoje a Guioné-Bissau corre um sério risco de desaparecer como Estado, como Nação e como país independente... Cabe-nos também ajudar o povo guineense a encontrar os caminhos da esperança...
PS – Há um certo risco de publicarmos uma lista como esta na Net... Os nossos endereços podem vir parar a bases de dados comerciais e é bem possível que passem a receber mais lixo... As chamadas mensagens SPAM.. Algumas podem trazer vírus...
É preciso ter cuidado e não abrir tudo... Suspeitem inclusive de endereços de e-mail vossos conhecidos mas com subjects (assuntos) do tipo: Hi, hello, morto, Documento, Excel file, Obrigado...
A regra é: nunca abrir algo suspeito e eliminar a mensagem em caso de dúvida... E, é claro, reforçar a segurança informática... Isto é como as putas das bailarinas que mataram e feriram gravemente muitos camaradas nossos. E que continuam a matar e a ferir a população da Guiné, Angola, Moçambique, embora a situação da Guiné seja melhor do que a dos outros dois países.
Vejam ainda a este respeito as instruções de um operador como Clix:
Alertas Clix > Como se pode proteger dos vírus?
1. Não abra ficheiros anexos a emails de fonte desconhecida ou duvidosa.
2. Não abra ficheiros anexos a emails, excepto, se sabe do que se trata, mesmo que estes sejam enviados por amigos ou alguém que conhece. Alguns vírus podem replicar-se e propagar-se através do email. Mais vale ir pelo seguro do que arrepender-se mais tarde, por isso confirme com a pessoa que lhe enviou o email em caso de dúvida.
3. Não abra ficheiros anexos a emails se o título da mensagem é suspeito. Caso necessite de abrir os ficheiros, guarde-os sempre no seu disco rígido antes de os abrir.
4. Apague emails não solicitados. Não reencaminhe ou responda a qualquer um deles. Este tipo de email é considerado spam, ou seja, são mensagens não solicitadas e intrusivas que afectam a rede.
5. Não faça o download de ficheiros de desconhecidos.
6. Tenha ...
Para saber mais > Clix > Segurança > Mais...
Guiné 63/74 - P62: Op Noite das Facas Longas (Humberto Reis)
Mais de trinta anos depois, a verdade histórica é reposta, vindo ao de cima como o azeite. Diz o Ranger da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71), com a coragem e a frontalidade que já lhe conhecíamos desde os idos tempos da guerra colonial:
"O cão, que dormia à porta do nosso quarto, era o Chichas, alcunha vinda do 2º sargento corneteiro do BCAÇ 2852, que também era o Chichas. O condutor do jipe nessa Noite das Facas Longas era o major de operações do BART 2917 (o tal que mandou ir para lá a mulher quando se casou) e o assassino fui eu.
Sem mais comentários.
Um abraço.
Humberto".
"O cão, que dormia à porta do nosso quarto, era o Chichas, alcunha vinda do 2º sargento corneteiro do BCAÇ 2852, que também era o Chichas. O condutor do jipe nessa Noite das Facas Longas era o major de operações do BART 2917 (o tal que mandou ir para lá a mulher quando se casou) e o assassino fui eu.
Sem mais comentários.
Um abraço.
Humberto".
Guiné 63/74 - P61: Antigos combatentes do PAIGC, procuram-se!
Vários camaradas têm escrito que as nossas estórias (em rigor não pretendemos fazer a História com H grande, mas apenas contar estórias...) estão necessariamente incompletas: de facto, falta-nos o ponto de vista do guerrilheiro do PAIGC, do combatente que, de kalash ou de costureirinha nas mãos, ou de RPG ao ombro, combateu contra os tugas, do outro lado do capim, do arame farpado, da picada, da bolanha ou do rio...
1. O tom (e o desafio) já tinha sido dado pelo Sousa de Castro que, em 23 de Março de 2005, mandou a seguinte mensagem ao webmaster do Portal Guine-Bissau.com
"Antes de mais, uma abraço para todos os Guineenses e o desejo de uma Páscoa Feliz. Estive na guerra colonial, de Janeiro de 1972 a Abril de 1974, na zona leste, mais precisamente no Xime, conhecem? Interesso-me pelo bem estar de todo povo da Guiné, peço-vos para que façam um esforço para conquistar a paz definitivamente. Bem hajam".
2. A resposta veio no dia a seguir (26 de Março de 2005):
Amigo Sousa: Muito agradecidos pela sua visita ao nosso site.
"Agradecemos as suas palavras e desejamos o melhor para você e a sua família e muita prosperidade para o estimado Portugal que, apesar dessa maldita guerra, segue latindo nos corações de todos os guineenses. Segue vivo através dos idiomas português e crioulo e segue crescendo como um laço entre todos os que temos o idioma luso por oficial.
"Aproveito a ocasião para informar-lhe que estamos empenhados na reconstrução da história daqueles anos. Se você decidir escrever as suas memórias sejam quais sejam as suas críticas, pensamentos... e por muito crus que eles sejam, nós estaríamos imensamente honrados de receber essas memórias. Se, por outra parte, você nunca pensou em escrevê-las talvez seja o momento. Seria o seu contributo ao nosso povo.
"Se, pelo contrário, o senhor conhece pessoas que tenham memórias desses anos, estaríamos muito agradecidos pela informação. Os nossos cumprimentos".
O webmaster do Portal Guine-Bissau.com
3. O Castro pegou na ideia e vem desafiar-nos (16 de Junho de 2005):
"Caros amigos. Como podem verificar, também os nossos amigos da Guiné estão empenhados em reconstruir a história referente aos anos de guerra. Pode ser que também apareçam ex-combatentes do PAIGC interessados em nos contar histórias relacionadas com a guerrilha. O Luis Graça, numa das suas mensagens, referiu isto mesmo. Seria muito interessante!... Que é que acham? O Graça como é um expert em matéria de informática, pode dar andamento a este projecto. Grande abraço para todos incluindo também, todos os Guineenses. Sousa de Castro".
4. O Afonso de Sousa veio logo concordar:
"Como interessante seria se, ao contarmos esta ou aquela estória em que nos confrontámos com o IN (em situação de ataque ou de defesa), ouvissemos, sobre esses mesmos confrontos, o relato do nosso opositor. Seria quase inédito!
"Isso mais valorizaria este trabalho, estas memórias de guerra".
5. Já hoje (17 de Junho de 2005) eu, Luís Graça, tinha mandado a seguinte mensagem à malta da nossa tertúlia:
"Amigos e camaradas: Este repto do Castro, secundado pelo Afonso, é mesmo para levar a sério...Toca a descobrir os ex-combatentes do outro lado. O Marques Lopes já o fez: em 1998, quando voltou à Guiné, teve oportunidade de conhecer o Comandante Gazela e de falar com ele…Pessoalmente, também vou tentar localizar antigos combatentes do Sector L1 / Zona Leste da Guiné (Região do Xitole, para o PAIGC)... A tarefa não é fácil e o tempo está contra nós. Um abraço. Luís".
6. Acabo entretanto de receber ideias e sugestões do nosso operacional do Geba e de Barro, A. Marques Lopes:
"Estou completamente de acordo com esta ideia de os ex-combatentes do outro lado também nos dizerem da sua experiência, das sua vivências, das suas história dos confrontos que tivemos. Seria um elemento importantíssimo para a nossa própria compreensão daquilo em que andámos metidos (em que nos meteram).
"Não são nossos inimigos, já não são o IN...fomos actores de uma mesma tragédia (ou opera buffa?...). Eu, pessoalmente, estou muito interessado em ouvir o que me dizem os combatentes do PAIGC de Sinchã Jobel sobre aquelas operações de que vos dei relatório. A visão de quem fez os relatórios é uma, a deles pode ser diferente ou acrescentar mais alguma coisa. Isto em termos de pesquisa da verdade. Mas o principal é conseguir que aqueles que não estão contra agora se encontrem para delinearem mutuamente a explicação daquilo que os fez estar contra outrora.
"Já falei com o Comandante Gazela, mas em circunstâncias um bocado apressadas e não deu para muita conversa. Mas estou a pensar voltar à Guiné, talvez em Janeiro do próximo ano, e falar mais calmamente com o Gazela e com o Lúcio Soares, os homens de Sinchã Jobel.
"Tenho também outro projecto: um dia destes vou até ao bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa, onde sei já que há alguns elementos da CCAÇ3 e, eventualmente, outros elementos que foram do PAIGC durante a guerra (o bairro é problemático, como o é o do Cerco do Porto, por exemplo, mas não é tal e qual como a comunicação social faz levar a pensar... já lá estive uma vez, e sei que há bons e maus como em todo o lado).
"Para quem tem, além das recordações da guerra que não pode esquecer, um grande amor pela Guiné, como é o meu caso e o vosso, não tenho dúvidas que isso seria uma forma de fortalecer essa ligação com uma terra e um povo que não nos saiem do coração. Nunca mais esquecerei a forma amiga e a simpatia com que fui recebido em 1998, quando lá estive, e visitei várias tabancas por onde tinha andado também nos tempos da guerra, apesar daquilo que nela fiz (ou fizeram que eu fizesse). O povo da Guiné é um povo amigo, merecedor do nosso respeito e de todo o esforço, que estiver ao nosso alcance, claro, para que seja feliz e seja aceite por todos.
Abraços. Marques Lopes.
6. O Guimarães também acaba de opinar sobre o assunto. Espero que toda esta conversa seja frutífera. Venham lá os depoimentos e os documentos (fotos, etc.) dos nossos amigos, ex-combatentes do PAIGC.
"Esta ideia é genial e aconselhável - assim a guerra seria contada na íntegra. Não nos interessa as razões políticas em si e porque se desenrolou, mas sim a forma como se desenrolou...
"O povo da Guiné, sou testemunha disso, é encantador. Em Bambadinca, em 2001 um homem grande pedia-nos: "Voltem para cá". Por onde passei eu, e os meus companheiros de viagem, toda a gente nos abraçava...
"Vi nos CD da visita daqueles camaradas, em 2000 à Guiné, o comandante de Bambadinca; em 2001, quando lá estive, tinha mudado.... Mas ele mesmo o fez questão em nos facilitar a visita ao aquartelamento...
"Boa ideia essa, teremos contudo que encontrar esses ex-combatentes em Portugal. Pena que um deles regressou agora mesmo à Guiné: o Nino Vieira, que vivia em [Vila Nova de ]Gaia... Ele era comandante de sector e actuou muito na zona L1. Aliás ele mesmo confirmou isso ao Capitão Miliciano que comandou a CART 2716.
"Marques Lopes, quem me dera voltar lá já contigo, era óptimo. Procura ir em Novembro pois que ainda apanharás a luxuriante paisagem verdejante. Terei que lá voltar também, como e quando não sei ... Abraços. Guimarães".
7. O Castro foi mais longe e quis dar o exemplo. Acaba de mandar esta mensagem ao seu amigo desconhecido do Portal Guine-Bissau.com:
"Amigos e camaradas da Guiné-Bissau, desejo de todo coração que as vossas eleições sejam livres e transparentes e faço votos para que a vossa (nossa) terra progrida livremente. Um dia irei visitar vosso País. Abram o nosso Blogue-fora-nada e têm aí algum material relacionado com a guerra colonial. Aguardamos também histórias vossas sobre a guerra colonial; seria muito interessante compararmos as nossas e as vossas histórias. Grande abraço para todos. Bem hajam. Sousa de Castro".
8. Sigam o exemplo do Sousa de Castro e de mim próprio, mandando mensagens para o Livro de visitas do portal Guine-Bissau.com. Assunto: Antigos combatentes do PAIGC, procuram-se!
1. O tom (e o desafio) já tinha sido dado pelo Sousa de Castro que, em 23 de Março de 2005, mandou a seguinte mensagem ao webmaster do Portal Guine-Bissau.com
"Antes de mais, uma abraço para todos os Guineenses e o desejo de uma Páscoa Feliz. Estive na guerra colonial, de Janeiro de 1972 a Abril de 1974, na zona leste, mais precisamente no Xime, conhecem? Interesso-me pelo bem estar de todo povo da Guiné, peço-vos para que façam um esforço para conquistar a paz definitivamente. Bem hajam".
2. A resposta veio no dia a seguir (26 de Março de 2005):
Amigo Sousa: Muito agradecidos pela sua visita ao nosso site.
"Agradecemos as suas palavras e desejamos o melhor para você e a sua família e muita prosperidade para o estimado Portugal que, apesar dessa maldita guerra, segue latindo nos corações de todos os guineenses. Segue vivo através dos idiomas português e crioulo e segue crescendo como um laço entre todos os que temos o idioma luso por oficial.
"Aproveito a ocasião para informar-lhe que estamos empenhados na reconstrução da história daqueles anos. Se você decidir escrever as suas memórias sejam quais sejam as suas críticas, pensamentos... e por muito crus que eles sejam, nós estaríamos imensamente honrados de receber essas memórias. Se, por outra parte, você nunca pensou em escrevê-las talvez seja o momento. Seria o seu contributo ao nosso povo.
"Se, pelo contrário, o senhor conhece pessoas que tenham memórias desses anos, estaríamos muito agradecidos pela informação. Os nossos cumprimentos".
O webmaster do Portal Guine-Bissau.com
3. O Castro pegou na ideia e vem desafiar-nos (16 de Junho de 2005):
"Caros amigos. Como podem verificar, também os nossos amigos da Guiné estão empenhados em reconstruir a história referente aos anos de guerra. Pode ser que também apareçam ex-combatentes do PAIGC interessados em nos contar histórias relacionadas com a guerrilha. O Luis Graça, numa das suas mensagens, referiu isto mesmo. Seria muito interessante!... Que é que acham? O Graça como é um expert em matéria de informática, pode dar andamento a este projecto. Grande abraço para todos incluindo também, todos os Guineenses. Sousa de Castro".
4. O Afonso de Sousa veio logo concordar:
"Como interessante seria se, ao contarmos esta ou aquela estória em que nos confrontámos com o IN (em situação de ataque ou de defesa), ouvissemos, sobre esses mesmos confrontos, o relato do nosso opositor. Seria quase inédito!
"Isso mais valorizaria este trabalho, estas memórias de guerra".
5. Já hoje (17 de Junho de 2005) eu, Luís Graça, tinha mandado a seguinte mensagem à malta da nossa tertúlia:
"Amigos e camaradas: Este repto do Castro, secundado pelo Afonso, é mesmo para levar a sério...Toca a descobrir os ex-combatentes do outro lado. O Marques Lopes já o fez: em 1998, quando voltou à Guiné, teve oportunidade de conhecer o Comandante Gazela e de falar com ele…Pessoalmente, também vou tentar localizar antigos combatentes do Sector L1 / Zona Leste da Guiné (Região do Xitole, para o PAIGC)... A tarefa não é fácil e o tempo está contra nós. Um abraço. Luís".
6. Acabo entretanto de receber ideias e sugestões do nosso operacional do Geba e de Barro, A. Marques Lopes:
"Estou completamente de acordo com esta ideia de os ex-combatentes do outro lado também nos dizerem da sua experiência, das sua vivências, das suas história dos confrontos que tivemos. Seria um elemento importantíssimo para a nossa própria compreensão daquilo em que andámos metidos (em que nos meteram).
"Não são nossos inimigos, já não são o IN...fomos actores de uma mesma tragédia (ou opera buffa?...). Eu, pessoalmente, estou muito interessado em ouvir o que me dizem os combatentes do PAIGC de Sinchã Jobel sobre aquelas operações de que vos dei relatório. A visão de quem fez os relatórios é uma, a deles pode ser diferente ou acrescentar mais alguma coisa. Isto em termos de pesquisa da verdade. Mas o principal é conseguir que aqueles que não estão contra agora se encontrem para delinearem mutuamente a explicação daquilo que os fez estar contra outrora.
"Já falei com o Comandante Gazela, mas em circunstâncias um bocado apressadas e não deu para muita conversa. Mas estou a pensar voltar à Guiné, talvez em Janeiro do próximo ano, e falar mais calmamente com o Gazela e com o Lúcio Soares, os homens de Sinchã Jobel.
"Tenho também outro projecto: um dia destes vou até ao bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa, onde sei já que há alguns elementos da CCAÇ3 e, eventualmente, outros elementos que foram do PAIGC durante a guerra (o bairro é problemático, como o é o do Cerco do Porto, por exemplo, mas não é tal e qual como a comunicação social faz levar a pensar... já lá estive uma vez, e sei que há bons e maus como em todo o lado).
"Para quem tem, além das recordações da guerra que não pode esquecer, um grande amor pela Guiné, como é o meu caso e o vosso, não tenho dúvidas que isso seria uma forma de fortalecer essa ligação com uma terra e um povo que não nos saiem do coração. Nunca mais esquecerei a forma amiga e a simpatia com que fui recebido em 1998, quando lá estive, e visitei várias tabancas por onde tinha andado também nos tempos da guerra, apesar daquilo que nela fiz (ou fizeram que eu fizesse). O povo da Guiné é um povo amigo, merecedor do nosso respeito e de todo o esforço, que estiver ao nosso alcance, claro, para que seja feliz e seja aceite por todos.
Abraços. Marques Lopes.
6. O Guimarães também acaba de opinar sobre o assunto. Espero que toda esta conversa seja frutífera. Venham lá os depoimentos e os documentos (fotos, etc.) dos nossos amigos, ex-combatentes do PAIGC.
"Esta ideia é genial e aconselhável - assim a guerra seria contada na íntegra. Não nos interessa as razões políticas em si e porque se desenrolou, mas sim a forma como se desenrolou...
"O povo da Guiné, sou testemunha disso, é encantador. Em Bambadinca, em 2001 um homem grande pedia-nos: "Voltem para cá". Por onde passei eu, e os meus companheiros de viagem, toda a gente nos abraçava...
"Vi nos CD da visita daqueles camaradas, em 2000 à Guiné, o comandante de Bambadinca; em 2001, quando lá estive, tinha mudado.... Mas ele mesmo o fez questão em nos facilitar a visita ao aquartelamento...
"Boa ideia essa, teremos contudo que encontrar esses ex-combatentes em Portugal. Pena que um deles regressou agora mesmo à Guiné: o Nino Vieira, que vivia em [Vila Nova de ]Gaia... Ele era comandante de sector e actuou muito na zona L1. Aliás ele mesmo confirmou isso ao Capitão Miliciano que comandou a CART 2716.
"Marques Lopes, quem me dera voltar lá já contigo, era óptimo. Procura ir em Novembro pois que ainda apanharás a luxuriante paisagem verdejante. Terei que lá voltar também, como e quando não sei ... Abraços. Guimarães".
7. O Castro foi mais longe e quis dar o exemplo. Acaba de mandar esta mensagem ao seu amigo desconhecido do Portal Guine-Bissau.com:
"Amigos e camaradas da Guiné-Bissau, desejo de todo coração que as vossas eleições sejam livres e transparentes e faço votos para que a vossa (nossa) terra progrida livremente. Um dia irei visitar vosso País. Abram o nosso Blogue-fora-nada e têm aí algum material relacionado com a guerra colonial. Aguardamos também histórias vossas sobre a guerra colonial; seria muito interessante compararmos as nossas e as vossas histórias. Grande abraço para todos. Bem hajam. Sousa de Castro".
8. Sigam o exemplo do Sousa de Castro e de mim próprio, mandando mensagens para o Livro de visitas do portal Guine-Bissau.com. Assunto: Antigos combatentes do PAIGC, procuram-se!
quinta-feira, 16 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P60: Cabral ka mori? (Luís Graça)
Guiné-Bissau > Bafatá > 2001: Busto do fundador do PAIGC, Engº. Amílcar Cabral (Bafatá, 1924 - Conacri, 1973). A velha cidade colonial de Bafatá está muita degradada. © David J. Guimarães.
1. "África, 30 anos depois" é um excelente documento, publicado pela revista semanal Visão, que acompanha a sua edição de 16 de Junho (240 pp, 14.9 euros). O pretexto é o de revisitar as ex-colónias portuguesas (Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe), trinta anos depois da sua independência. A não perder.
2. No que diz respeito à Guiné-Bissau, há várias (excelentes) reportagens assinadas por Pedro Rosa Mendes: (i) Guiné-Bissau: Cabral morreu (pp. 146-153); (ii) Guiné-Bissau: 'um país de traições' (pp. 154-155); e (iii) Guiné-Bissau: Braima, o menino de Amílcar (pp. 156-159). A introduação e a cronografia é de Luís Almeida Martins e a fotografia de Luís Barra.
É um olhar extremamente lúcido, cruel e quiçá desesperado sobre a herança de Cabral. A conclusão (brutal) é que Cabral morreu, contrariamente ao slogan repetido até à exaustão, pela propaganda oficial e pelos ex-combatentes e militanets do PAIGC, de que Cabral ka mori (Cabral não morreu).
A conclusão do jornalista e escritor é que Cabral definitivamente. Morreu duas vezes: fisicamente (assassinado em 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, às mãos de jagunços do próprio PAIGC); e depois politica, ideologica e espiritualmente, ao longo destes trinta e tal anos de independência em que o próprio PAIGC e a elite guineense entraram num processo de autofagia. A sua cidade-natal e a sua casa estão votadas ao abandono.
Há, no entanto, algum branqueamento das razões profundas por que a Guiné-Bissau não conseguiu erigir-se em verdadeiro Estado moderno e sobretudo na Nação com que sonhou Amílcar Cabral. A nossa quota-parte de responsabilidade (histórica) é posta entre parêntesis. A nossa, de portugueses e de ocidentais.
De qualquer modo o propósito do balanço era outro: o que fizeram os africanos, e neste caso concreto, os guinéus, com o poder que conquistaram, duramente, heroicamente ? Há sempre o risco de etnocentrismo neste tipo de jornalismo de investigação, pese embora a superior qualidade da observação, da efabulação e da escrita de Pedro Rosa Mendes, o talentoso escritor de A Baía dos Tigres (Lisboa: D. Quixote, 1999), romance já traduzido em mais de duas dezenas de línguas.
Recorde-se que o livro de estreia do jovem Pedro Rosa Mendes, então com 31 anos, é uma mistura de livro de viagens e de ficção. Em 4 meses, o autor fez 10 mil quilómetros, viajando por terra, de Angola à Contracosta, e seguindo o mesmo percurso encetado há mais de um século por Roberto Ivens e Brito Capelo. O livro obteve o Prémio Pen Club 2000.
.
Fonte: Visão.online.pt (16.06.2005)
1. "África, 30 anos depois" é um excelente documento, publicado pela revista semanal Visão, que acompanha a sua edição de 16 de Junho (240 pp, 14.9 euros). O pretexto é o de revisitar as ex-colónias portuguesas (Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe), trinta anos depois da sua independência. A não perder.
2. No que diz respeito à Guiné-Bissau, há várias (excelentes) reportagens assinadas por Pedro Rosa Mendes: (i) Guiné-Bissau: Cabral morreu (pp. 146-153); (ii) Guiné-Bissau: 'um país de traições' (pp. 154-155); e (iii) Guiné-Bissau: Braima, o menino de Amílcar (pp. 156-159). A introduação e a cronografia é de Luís Almeida Martins e a fotografia de Luís Barra.
É um olhar extremamente lúcido, cruel e quiçá desesperado sobre a herança de Cabral. A conclusão (brutal) é que Cabral morreu, contrariamente ao slogan repetido até à exaustão, pela propaganda oficial e pelos ex-combatentes e militanets do PAIGC, de que Cabral ka mori (Cabral não morreu).
A conclusão do jornalista e escritor é que Cabral definitivamente. Morreu duas vezes: fisicamente (assassinado em 20 de Janeiro de 1973, em Conacri, às mãos de jagunços do próprio PAIGC); e depois politica, ideologica e espiritualmente, ao longo destes trinta e tal anos de independência em que o próprio PAIGC e a elite guineense entraram num processo de autofagia. A sua cidade-natal e a sua casa estão votadas ao abandono.
Há, no entanto, algum branqueamento das razões profundas por que a Guiné-Bissau não conseguiu erigir-se em verdadeiro Estado moderno e sobretudo na Nação com que sonhou Amílcar Cabral. A nossa quota-parte de responsabilidade (histórica) é posta entre parêntesis. A nossa, de portugueses e de ocidentais.
De qualquer modo o propósito do balanço era outro: o que fizeram os africanos, e neste caso concreto, os guinéus, com o poder que conquistaram, duramente, heroicamente ? Há sempre o risco de etnocentrismo neste tipo de jornalismo de investigação, pese embora a superior qualidade da observação, da efabulação e da escrita de Pedro Rosa Mendes, o talentoso escritor de A Baía dos Tigres (Lisboa: D. Quixote, 1999), romance já traduzido em mais de duas dezenas de línguas.
Recorde-se que o livro de estreia do jovem Pedro Rosa Mendes, então com 31 anos, é uma mistura de livro de viagens e de ficção. Em 4 meses, o autor fez 10 mil quilómetros, viajando por terra, de Angola à Contracosta, e seguindo o mesmo percurso encetado há mais de um século por Roberto Ivens e Brito Capelo. O livro obteve o Prémio Pen Club 2000.
.
Fonte: Visão.online.pt (16.06.2005)
Guiné 63/74 - P59: Esquecer a Guiné...por uma noite! (Luís Graça)
Excertos do Diário de um Tuga. L.G.
Bambadinca,13.2.1971
Esquecer a Guiné
Esquecer a Guiné... por uma noite!
As bombas de napalm
Carbonizando cada quadrado de vida,
Lá longe, em Sinchã Jobel,
Na ZI do Com-Chefe (1).
As insónias às três da manhã,
A hora mortal da madrugada.
Os famélicos cães vadios africanos
Que um dia abatemos a tiro,
Um a um,
Depois de loucas correrias de jipe
À volta da parada.
Uma a um,
Às tantas da madrugada.
Com tiros de pistola Walther na cabeça.
Sem dó nem piedade.
Pela simples razão
De não nos deixavam dormir.
A mim, a ti, ao major.
Chamei-lhe a Operação
Da Noite das Facas Longas.
Esquecer a Guiné... por uma noite!
A matilha de bulldogs (ou cães grandes) (2)
Gozando as delícias do sistema
No ar condicionado de Bissau.
O pobre do Pastilhas (3)
Que, à hora do lusco-fusco,
Se torna um animal acossado pelo medo,
Rondando os abrigos subterrâneos.
Os olhos de gazela morta
Dos putos
Que andam à cata de comida
Nos bidões do lixo da tropa.
A bela futa-fula (4)
Fugida do harém
Do cornudo comandante de milícias.
Os milhões de unidades de penicilina
Que um gajo paga
Em troca do corpo quente de uma bajuda (5)
Que fode com um batalhão inteiro.
Os páras (6)
Que matam à queima roupa,
E ainda se dão ao luxo
De contar os impates,
Fotografar
E armadilhar os cadáveres do IN.
A histeria do Major Eléctrico (7):
"Ah, se sto fosse uma fábrica,
Seus sacanas!...
Eu despedia-vos a todos,
Cambada de malandros!"...
(Referia-se ao meu grupo de nharros
Que abriam trincheiras
No perímetro do aquartelamento de Bambadinca.
De tronco nu.
Com cinquenta graus ao sol
E 100% de humidade!...
Para o filho da puta
Poder dormir descansado,
À noite, na cama,
Sem o pesadelo de um turra
A entrar-lhe pelo quarto adentro,
Armado de Kalashnikov!).
Esquecer a Guiné... por uma noite!
O Escriturário que toca acordeão
E faz tatuagens
Em troca de umas bazucas(8).
O terror das crianças balantas (9),
Nascidas no mato (10),
Ao ouvirem pela primeira vez
O roncar das GMC (11).
O soro correndo nas veias exangues,
Aos borbotões,
Enquanto a gente aguarda a evacuação Y
E o helicóptero
Com um anjo salvador, lá dentro,
Que tem um rosto de mulher (12).
A Jocasta que vem reclamar os seus filhos,
Os feridos, não os mortos.
O médico que manda receitar Valium 10
Para os cacimbados (13)
E aspirina
Para os pretos.
As lâminas de aço dos rockets (14),
Esventrando os corpos.
O braço decepado, com a tatuagem
Em que ainda se podia ler
... Amor de mãe.
O nosso cabo, casado e pai de filhos,
Que há meses enfia no bucho,
Ao mato-bicho,
Uma bazuca e uma banana
Com a secreta esperança de,
Um dias destes,
Ainda poder ser evacuado a tempo,
Para Lisboa
Com uma hepatite qualquer
(A, B, C ou Z, tanto faz).
E quanto mais amarelo melhor,
Desde que apanhes uma doença,
Transmissível,
Infecto-contagiosa,
Irreversível,
Horrível,
Daquelas que vêm no cardápio
Dos serviços de saúde militar.
Que o hospital militar
De doenças infecto-contagiosas,
Em Lisboa,
E coisa boa,
É a melhor estância de férias do mundo!,
Garante o safado
Do nosso cabo enfermeiro Faleiro,
Num postal ilustrado da capital do Império.
Foi a nossa primeira baixa oficial,
Se não me engano.
Um herói, pouco ortodoxo,
Vítima da hepatite!
Esquecer a Guiné... por uma noite!
O sabor a sangue e a merda
Que a vida aqui tem,
Aos vinte e três anos.
A merda da Guiné.
A merda que te cobre o corpo e a alma.
É mais do que a merda toda
Das bolanhas, das lalas e do tarrafo.
Podes lavar-te todos os dias
Que essa merda
Nunca mais te sai.
Nunca mais te sairá do corpo e da alma.
Mas aos catorze anos
Tu já sabias desta guerra;
Aos dezasseis, que não havia escapatória;
E, aos dezoito,
Que já estavas apanhado na rede
Como um cão...
Tudo somado vais fazer
Trinta e três meses (!)
De vida militar
(Vinte e dois na Guiné!),
Se é que chegas são e salvo
Ao próximo mês de Março
De mil novecentos
E setenta e um.
E que até lá chega finalmente,
O teu salvador,
O teu periquito (15),
O desgraçado que te vem render.
Esquece a Guiné, meu tuga.
A guerra.
A aprendizagem da morte.
A inocência
Que se perde para sempre
Ao ver morrer pela primeira vez
Um homem,
Ao nosso lado.
E a fria e calculista resignação
Com que se juntam e amortalham
Os cadáveres seguintes.
Os restos dos cadáveres humanos.
Descansa em paz,
Ieró Jaló,
Soldado atirador nº 812117869,
Da 3ª secção do 1º Grupo de Combate
Da CCAÇ 2590
(Mais tarde CCAÇ 12).
Descansa em paz, djubi,
Debaixo do poilão da tua tabanca,
No chão fula....
Belíssimo poilão
De uma triste tabanca fula,
Cercada de arame farpado,
Trincheiras e valas de abrigo.
Oito de Setembro
De mil novecentos
E sessenta e nove.
Região do Xime.
Operação Pato Rufia.
Morreste em linha.
Organizado.
No assalto a um aquartelamento do IN.
Estupidamente.
Morto por um dilagrama.
Por um dos nossos.
Um dilagrama nosso
Que explodiu na tua cara.
Nunca soube a tua idade.
Mas eu levei-te a enterrar
Na tua aldeia.
Com honras militares,
Tiros de salva,
Discursos patrioterios
E a bandeira verde-rubra
Dos tugas
Por cima do teu caixão.
Chorei por ti,
Que morreste a meu lado,
E que levavas um prisioneiro,
O Malan Mané,
Que também ficou gravemente ferido.
Tu, que não eras meu irmão.
Nem grande nem pequeno.
Nem tinhas a mesma cor de pele.
Nem a mesma religião.
Nem a mesma língua.
Nem a mesma pátria.
Nem o mesmo continente.
Eras apenas um soldado-atirador
De 2ª classe.
Não eras turra, eras uma nharro.
Mas, para mim, eras apenas um homem.
O que primeiro que vi morrer a meu lado.
De morte matada.
Nunca mais chorei por mais ninguém.
Chorei por ti, Ieró Jaló.
De raiva.
Esquecer, ao menos por uma noite...
Se há uma via de libertação
É através do álcool
Que climatiza os pesadelos
Dos homens que nasceram meninos,
Que não nasceram soldados.
Entre duas bebedeiras e um duche
Ganha-se tempo,
Enquanto os obuses (16) batem os trilhos
Das matas do Xime
E o quarteleiro abre os caixotes de munições
Para a operação
Do dia seguinte...
O capim.
O capim alto.
A seara da savana arbustiva.
O sangue.
O capim pisado e empapado de sangue
Na mata.
Os panfletos de acção psicológica
Que não chegaram ao seu destinatário.
Espalhados pelo pânico de uma emboscada.
Um velho recorte de jornal,
Encontrado num acampamento do IN,
Com a fotografia de Che Guevara
Na Guiné em 1965.
A propaganda revolucionária.
Multiplicar as Guinés e os Vietnames.
Um lenço de pescoço,
Desbotado, pelo sol, no ramo de uma árvore.
Um homem, um picador (17),
Que se desintegrou com uma mina à cabeça.
Uma mina anticarro.
Sobrou o lenço, vermelho,
Que ficou pendurado no alto de uma árvore.
Na estrada para Mansambo.
Eu costumava olhar para o teu lenço,
Picador e guia das nossas tropas,
Sempre que fazia segurança
Às colunas de reabastecimento
Que se dirigiam a Mansambo, Xitole e Saltinho.
Nunca soube o teu nome.
Nunca perguntei pelo teu nome.
Nunca me interessei por saber o teu nome.
Sei apenas que nesse dia
Ias ganhar manga de patacão (18)
Por detectares e desmontares
Uma mina anticarro.
Esquecer a Guiné... por umas horas!
O jogo da roleta russa de ir e voltar,
De Bambandica ao Xime.
Numa lata de uma autometralhadora Daimler.
Só tu e o condutor.
Desenfiados.
Mais o Tchombé,
A mascote da companhia, o puto.
Sem escolta nem picagem.
Sem conhecimento de ninguém.
Só para ires beber uma cerveja.
Só para matares o tédio.
Só para desafiares o medo.
Ou para exorcizares os teus fantasmas.
Por pura estupidez.
Ou por simples bravata.
Esquecer a Guiné...
O Básico (19)
Que tem alucinações
E vê elefantes à noite
Junto ao arame farpado.
A história que te contaram,
Do tipo de Guileje (20)
Que deu em doido,
A pescar peixes dentro de uma tina.
O proxeneta do Vermelhinha (21)
Que comprou uma bajuda
E pô-la a render.
As alfaces que crescem, viçosas,
No antigo cemitério (22) de Bambadinca.
O furriel felupe (23), caçador de cabeças.
O Uloma, coma s trinta e tal cabeças,
Conservadas em frascos de álcool.
O negócio que o nosso barbeiro e fotógrafo fez
Com a horrível foto de uma cabeça,
Cortada à catana.
A cabeça de um pobre camponês
Que lavrava a sua lala.
No sítio errado, à hora errada.
A derradeira salada de atum, cebola e tomate
E o derradeiro copo de vinho verde
Que se partilha com um camarada e um amigo.
Um homem que vai morrer.
À hor marcada.
Dentro de três ou quatro horas.
Em vinte e seis de Novembro
De mil novecentos e setenta.
Qualquer um de nós,
Que está aqui à volta da mesa,
Pode vir a morrer
Na próxima hora.
Na próxima operação.
Por que há sempre uma hora
Para morrer.
De um tiro no coração,
De um roquetada,
De uma mina antipessoal,
Da explosão de uma granada de morteiro...
O jovem capitão de artilharia,
Vinte e quatro anos,
Acabado de sair da Academia Militar,
Que se recusa a sair com os seus homens
Para a Ponta do Inglês (24),
[Depois do desastre
De 26 de Novembro de 1970] (25).
O filho da puta do segundo comandante
Que lhe manda dizer, alto e som:
"O nosso capitão vai e torna a ir,
Nem que seja a reboque de uma GMC!"...
Meu Deus,
Que pedaço de inferno foi este
Que me coube em vida, na terra ?
__________
Notas (L.G. / Lisboa. 25 de Abril de 2005):
(1) Sinchã Jobel, Zona de intervenção do Comandante-Chefe, a norte do Rio Geba, sob controlo da guerrilha (ou IN, abreviatura de inimigo)
(2) Designação depreciativa do pessoal militar afecto ao Comandante-Chefe, em Bissau.
(3) Referência à figura do enfermeiro militar.
(4) Uma das etnias da Guiné, aparentada com os fulas. Em geral, as mulheres futa-fulas eram de uma grande beleza.
(5) Rapariga, mulher solteira (por oposição a mulher grande, casada).
(6) Diminuitivo de tropas paraquedistas
(7) Alcunha de um célebre major, segundo comandante do Batalhão sedeado em Bambadinca (BCAÇ 2852, 1968/70) (se a memória me não falha).
(8) Garrafa de cerveja de litro. A sua forma cónica na parte superior sugeria uma granada de RPG (bazuca).
(9) Uma das principais etnias da Guiné de onde eram recrutados muitos dos combatentes do PAIGC.
(10) Em linguagem de caserna, mato significava território fora do controlo das NT (nossas tropas). Também possou a quer dizer "muito", "bué"...
(11) Viaturas de transporte militar, de fabrico norte-americano (General Motors Company), de grande potência e de elevado consumo de combustível.
(12) Enfermeira paraquedista.
(13) Vítimas do stresse de guerra. Também conhecidos por "cacimbados" "apanhados do clima". O termo stresse ainda não fazia parte, na época, do nosso vocabulário (e muito menos a expressão stresse pós-traumático de guerra).
(14) Granadas-foguetes. Os RPG (rocket-propelled grenades), de fabrico russo ou chinês, eram uma das armas mais timídas pelas NT, em situações de combate como as emboscadas.
(15) Alusão à farda, novinha em folha, dos novatos que nos vinham render (A generalidade dos quadros da CCAÇ 12 eram de origem metropolitana e de rendição individual).
(16) Fogo de artilharia lançado a partir dos aquartelamentos das NT (ou unidades de quadrícula). Em geral os obuses eram de calibre 105 mm (de 140 mm, os de maior alcance).
(17) O picador tinha a difícil tarefa de detectar minas (antipessoais ou anticarro) nos trilhos e nos caminhos utilizados pelas NT. Não havia detectores de minas com sensores electrónicos. Apenas um pau com um prego de ferro aguçado na extremidade. Os picadores, tal como os guias, pertenciam, em geral, às milícias africanas. A sua taxa de mortalidade era altíssima.
(18) Muito (manga) dinheiro (patacão).
(19) Soldado afecto apenas às actividades de apoio logístico (por ex., cozinha, faxina), por oposição ao operacional (soldado-atirador).
(20) Tristemente famoso aquartelamento no sul, junto à fronteira com a Guiné-Conacri, que acabaria por ser evacuado e abandonado pelas NT, tal como Gadamael, em meados de 1973. Já no meu tempo estes dois nomes eram míticos, a par de Madina do Boé, entretanto abandonada.
(21) Soldado que era especialista em jogar à vermelhinha (jogo de azar, com três cartas).
(22) Alusão a uma vala comum do cemitério do posto administrativo de Bambadinca onde terá havido muitas execuções sumárias, de balantas, beafadas e outros, no início da guerra (1963/64, segundo relatos dos mais velhos dos meus insuspeitos soldados fulas).
(23) Felupe, uma das muitas etnias da Guiné, da zona de Constava-se, no meu tempo, que os felupes ainda praticavam a necrofagia, uma forma de canibalismo ritual. Este tristemente famoso furriel (Uloma, de seu nome, se a memória me não falha) pertencia à 1ª Companhia de Comandos Africanos.
(24) Local sito na confluência dos Rios Geba e Corubal, na região do Xime.
(25) Referência ao Capitão da CART 2714 (unidade de quadrícula do Xime, envolvida na trágica Op Abencerragem Candente).
Post scriptum
Amigos e camaradas:
Já tinha publicado isto em 25 de Abril último… Mas agora republico-o, com alterações. Há dados novos, como por exemplo, a chegada do nosso camarada A. Marques Lopes… Como vêem, a famigerada Sinchã Jobel do Alferes Lopes (CART 1690, Geba, 1967) era terra de ninguém no nosso tempo... Três anos depois de ele ter passado uma noite, perdido, na toca do lobo (Operação Jigajoga. 24 de Junho de 1967).
Alguns de vocês vão-se reconhecer neste texto, escrito já quase no final da minha/nossa comissão, em Fevereiro de 1971... O Humberto Reis e o Tony Levezinho vão, decerto, rever-se nesta espécie de poema e reconhecer tipos e lugares... A começar pela Op Noite das Facas Longas cuja missão era abater todos os cães de Bambadinca até o desgraçado do nosso animal de estimação (esqueci-me do nome do bicho)... Embora eu não tenha dado um tiro, confesso que ia no jipe com os executantes do massacre... Os malditos cães, esfomeados, não nos deixavam dormir... Como vêem, o stresse físico e psíquico era muito e desta vez deu-nos para isto...
Mas podia ter acontecido um outro Wiriamu (o massacre perpretado pelas NT, em Moçambique, em 1973, contra a população da aldeia de Wiriamu), é assim muitas vezes que acontecem estas coisas no teatro de operações...
Felizmente que sempre fomos militares correctos e ponderados (refiro-me aos quadros e soldados das CCAÇ 12, no período de 1969/71). Tirando este gesto de crueldade para com os pobres dos animais, julgo que nenhum de nós tem a consciência pesada, como tuga, como homem, como militar...
O Humberto e o Tony vão de certo reconhecer o Vemelhinha, o Fotógrafo, o Básico, o Pastilhas, o Cabo Faleiro, o Escriturário do acordeão e das tatuagens, o Iero Jaló (o nosso primeiro morto, se bem que eu não refira o apontador do dilagrama que o matou e que era um dos nossos...), o jovem Capitão do Xime, o 2º comandante (esse mesmo de outras merdas grossas, como a do macaréu, em que morreram três camaradas no Geba, referidas pelo Sousa de Castro e pelo Luís Carvalhido…).. Mas havia outras figuras que ainda hoje figuram no meu museu dos horrores e da comédia humana: o Major Eléctrico, o Furriel Felupe Uloma, e outras personagens trágico-cómicas que eu refiro no texto...
De qualquer modo, façam como eu: esqueçam a Guiné...por uma noite!
quarta-feira, 15 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P58: Homenagem a três homens excepcionais que partiram (Marques Lopes)
Texto de A. Marques Lopes, ex-alferes miliciano da CART 1690 (Geba, 1967) e da CCAÇ 3 (Barro, 1968):
Caros amigos:
Permitam-me que deixe aqui, perante vós, a minha homenagem, consideração e admiração, bem como a saudade, sentidas por três homens excepcionais que partiram: Vasco Gonçalves, Eugénio de Andrade e Álvaro Cunhal.
Conheci os três em circunstâncias diferentes, mas guardo de todos a melhor recordação. Tive o privilégio de conhecer Eugénio de Andrade quando tive, mais de uma vez, de me deslocar a sua casa para com ele tratar de livros (fui um dos fundadores da editora portuense Campo das Letras); foi um homem de grande simpatia e amabilidade e um poeta dos maiores.
Conheci Vasco Gonçalves nos idos tempos da revolução, dei o seu nome ao meu filho, que nasceu em Junho de 1975, e ele deu-me a honra de o receber em sua casa; foi um revolucionário convicto, um homem sincero e honesto com um coração bom onde todos cabiam.
Conheci Álvaro Cunhal em certas situações durante o período revolucionário; uma inteligência excepcional, de uma objectividade e coerência como poucos, um revolucionário convicto e amigo do povo português.
Três perdas grandes, que quero lembrar, no dia em que o último foi a enterrar. A memória deles ficará, com toda a certeza, ligada àquilo que somos, ao país que queremos construir.
Grande abraço.
Marques Lopes
Caros amigos:
Permitam-me que deixe aqui, perante vós, a minha homenagem, consideração e admiração, bem como a saudade, sentidas por três homens excepcionais que partiram: Vasco Gonçalves, Eugénio de Andrade e Álvaro Cunhal.
Conheci os três em circunstâncias diferentes, mas guardo de todos a melhor recordação. Tive o privilégio de conhecer Eugénio de Andrade quando tive, mais de uma vez, de me deslocar a sua casa para com ele tratar de livros (fui um dos fundadores da editora portuense Campo das Letras); foi um homem de grande simpatia e amabilidade e um poeta dos maiores.
Conheci Vasco Gonçalves nos idos tempos da revolução, dei o seu nome ao meu filho, que nasceu em Junho de 1975, e ele deu-me a honra de o receber em sua casa; foi um revolucionário convicto, um homem sincero e honesto com um coração bom onde todos cabiam.
Conheci Álvaro Cunhal em certas situações durante o período revolucionário; uma inteligência excepcional, de uma objectividade e coerência como poucos, um revolucionário convicto e amigo do povo português.
Três perdas grandes, que quero lembrar, no dia em que o último foi a enterrar. A memória deles ficará, com toda a certeza, ligada àquilo que somos, ao país que queremos construir.
Grande abraço.
Marques Lopes
Guiné 63/74 - P57: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça)
Excertos do diário de um tuga. L.G.
Bambadinca. 1 de Dezembro de 1969
Registam-se agora as temperaturas mais baixas do ano nestas paragens tropicais. Eu próprio não imaginaria que iria tiritar de frio nesta terra, emboscado, à noite, com os meus homens, sob um temperatura de 15º.
À noite, os africanos acendem fogueiras à porta ou no interior das suas pobres tabancas de colmo. A chuva dá lugar ao cacimbo. É o início da estação seca.
Entretanto, os negros islamizados (fulas, futa-fulas, mandingas, beafadas...) acabaram de celebrar o Ramadã. Um mês de jejum e oração culmina na grande festa colectiva em que o batque é a expressão viva do ritmo interior, da alegria física e do sentido lúdico do homem africano. Reconheço que não foi um mês fácil para os meus soldados.
Bambadinca. 10 de Janeiro de 1970
O Cherno Rachid é a autoridade máxima do Islão na Guiné. De etnia futa-fula, vive em Aldeia Formosa [Quebo], rodeado duma auréola de lenda e santidade: a sua simples presença, asseguram os meus soldados, faz malograr qualquer ataque dos guerrilheiros àquela povoação onde aliás esta sedeado urn batalhão, e os seus mezinhos (amuletos ou talismãs) imunizam os homens-grandes, quer dizer, aqueles que praticam os preceitos do Alcorão, contra as balas do inimigo.
0 ascendente que ele tem sobre a população islamizada da Guiné, confere uma dimensão política à sua personalidade de mauro (sábio). E o general Spínola reconhece-o, chegando ao ponto de ir expressamente a Aldeia Formosa para visitar o Cherno Rachid e consultá-lo sobre problemas que obviamente nada terão a ver com a exegese do Déftere (Alcorão).
Pode dizer-se que ele é o chefe ideológico (e não apenas religioso e espiritual) da casta feudal que se aliou ao colonialismo português contra o movimento nacionalista de libertação.
Tive hoje, aliás, a oportunidade de conhecer pessoalmente o Cherno Rachid e constatar o seu carisma e o poder de atracção que ele exerce sobre os africanos islamizados. Esteve vários dias em Bambadinca, de visita ao chão fula. Com avioneta ou helicóptero, às ordens, claro!
Sentado numa esteira, de pernas trançadas, recebia nos seus aposentos privativos os fiéis que, descalços como na mesquita, o iam cumprimentar, trazendo-lhe presentes, sobretudo em dinheiro (às vezes mesmo somas importantes!) em troca duma oração, dum conselho ou dum objecto cabalístico.
Como seria de esperar, o Cherno Rachid, acompanhado da sua comitiva de servos e discípulos, foi depois por seu turno apresentar cumprimentos às autoridades militares locais (comando do batalhão)... Noblesse oblige!
Post scriptum
Lisboa, 16 de Junho de 2005
Amigos e camaradas:
Nunca fui a Aldeia Formosa (aliás, Quebo, para os guinéus). No nosso tempo não dava para fazer ecoturismo, como vocês muito bem sabem... Mesmo assim cheguei a conhecer o famoso Cherno Rachid, de acordo com os papéis que desenterrei do baú…
Falei pelo telefone com o José Carlos Mussá Biai… Tem estado fora, a fazer trabalho de campo. Ele trabalha em cartografia, no Instituto Geográfico Português. Teve irmãos na tropa em Farim. Vai mandar-nos documentação para a nossa página. Já falou com o seu professor do Xime, o Carvalhido da Ponte. Mas nunca mais teve notícias dos outros professores que vieram a seguir, o furriel Osório da CCAÇ 12 (que estava no Xime em 1973) e da esposa. Alguém tem notícias desta malta ?
O José Carlos, o djubi do Xime (como lhe chama carinhosamente o Sousa de Castro), e que é mandinga pelo lado do pai, diz-me que cherno em fula quer dizer tio… Eu tinha ideia que cherno era o termo usado para designar um chefe religioso muçulmano… Mas a verdade é que há nomes próprios, fulas, que começam por Cherno: nós próprios, na CCAÇ 12 (1969/71), tínhamos dois soldados de nome Cherno Baldé…
Em conclusão, o Cherno Rachid, de Quebo (que já deve ter morrido, pela ordem natural das coisas,não me tendo constado que tivesse tido problemas com as novas autoridades saídas da independência, apesar de não gozar das simpatias do PAIGC), não era mais do que o Tio Rachid...
Bambadinca. 1 de Dezembro de 1969
Registam-se agora as temperaturas mais baixas do ano nestas paragens tropicais. Eu próprio não imaginaria que iria tiritar de frio nesta terra, emboscado, à noite, com os meus homens, sob um temperatura de 15º.
À noite, os africanos acendem fogueiras à porta ou no interior das suas pobres tabancas de colmo. A chuva dá lugar ao cacimbo. É o início da estação seca.
Entretanto, os negros islamizados (fulas, futa-fulas, mandingas, beafadas...) acabaram de celebrar o Ramadã. Um mês de jejum e oração culmina na grande festa colectiva em que o batque é a expressão viva do ritmo interior, da alegria física e do sentido lúdico do homem africano. Reconheço que não foi um mês fácil para os meus soldados.
Bambadinca. 10 de Janeiro de 1970
O Cherno Rachid é a autoridade máxima do Islão na Guiné. De etnia futa-fula, vive em Aldeia Formosa [Quebo], rodeado duma auréola de lenda e santidade: a sua simples presença, asseguram os meus soldados, faz malograr qualquer ataque dos guerrilheiros àquela povoação onde aliás esta sedeado urn batalhão, e os seus mezinhos (amuletos ou talismãs) imunizam os homens-grandes, quer dizer, aqueles que praticam os preceitos do Alcorão, contra as balas do inimigo.
0 ascendente que ele tem sobre a população islamizada da Guiné, confere uma dimensão política à sua personalidade de mauro (sábio). E o general Spínola reconhece-o, chegando ao ponto de ir expressamente a Aldeia Formosa para visitar o Cherno Rachid e consultá-lo sobre problemas que obviamente nada terão a ver com a exegese do Déftere (Alcorão).
Pode dizer-se que ele é o chefe ideológico (e não apenas religioso e espiritual) da casta feudal que se aliou ao colonialismo português contra o movimento nacionalista de libertação.
Tive hoje, aliás, a oportunidade de conhecer pessoalmente o Cherno Rachid e constatar o seu carisma e o poder de atracção que ele exerce sobre os africanos islamizados. Esteve vários dias em Bambadinca, de visita ao chão fula. Com avioneta ou helicóptero, às ordens, claro!
Sentado numa esteira, de pernas trançadas, recebia nos seus aposentos privativos os fiéis que, descalços como na mesquita, o iam cumprimentar, trazendo-lhe presentes, sobretudo em dinheiro (às vezes mesmo somas importantes!) em troca duma oração, dum conselho ou dum objecto cabalístico.
Como seria de esperar, o Cherno Rachid, acompanhado da sua comitiva de servos e discípulos, foi depois por seu turno apresentar cumprimentos às autoridades militares locais (comando do batalhão)... Noblesse oblige!
Post scriptum
Lisboa, 16 de Junho de 2005
Amigos e camaradas:
Nunca fui a Aldeia Formosa (aliás, Quebo, para os guinéus). No nosso tempo não dava para fazer ecoturismo, como vocês muito bem sabem... Mesmo assim cheguei a conhecer o famoso Cherno Rachid, de acordo com os papéis que desenterrei do baú…
Falei pelo telefone com o José Carlos Mussá Biai… Tem estado fora, a fazer trabalho de campo. Ele trabalha em cartografia, no Instituto Geográfico Português. Teve irmãos na tropa em Farim. Vai mandar-nos documentação para a nossa página. Já falou com o seu professor do Xime, o Carvalhido da Ponte. Mas nunca mais teve notícias dos outros professores que vieram a seguir, o furriel Osório da CCAÇ 12 (que estava no Xime em 1973) e da esposa. Alguém tem notícias desta malta ?
O José Carlos, o djubi do Xime (como lhe chama carinhosamente o Sousa de Castro), e que é mandinga pelo lado do pai, diz-me que cherno em fula quer dizer tio… Eu tinha ideia que cherno era o termo usado para designar um chefe religioso muçulmano… Mas a verdade é que há nomes próprios, fulas, que começam por Cherno: nós próprios, na CCAÇ 12 (1969/71), tínhamos dois soldados de nome Cherno Baldé…
Em conclusão, o Cherno Rachid, de Quebo (que já deve ter morrido, pela ordem natural das coisas,não me tendo constado que tivesse tido problemas com as novas autoridades saídas da independência, apesar de não gozar das simpatias do PAIGC), não era mais do que o Tio Rachid...
Guiné 63/74 - P56: Notícias da CCAÇ 12 (Xime, 1973/74)
1. Pergunta o Luís Carvalhido (CCS/BART 3873, Bambadinca, 1972/74):
9 de Junho de 2005:
" (...) uma vez que temos aqui gente da CCAÇ 12, será que alguém se lembra do Furriel Alfredo Guerreiro e do Furriel Domingos? O baixinho e o lavrador respectivamente? Um Vianense e outro (como se chama um natural de Leiria?) Leiriense?
Um dia conto um episódio que passei com o Domingos, quando descemos o Geba de zebro, numa operação de busca, que passou pelo Mato Cão, até que fomos apanhados pelo macaréu. [Este episódio já foi evocado pelo Sousa de Castro, em 22 de Abril de 2005].
2. Responde o Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71):
14 de Junho de 2005:
Luís Carvalhido: No tempo em que estive na CCAÇ 12, até Março de 1971, não existia lá nenhum furriel miliciano com esses nomes, Alfredo Guerreiro ou Domingos. Havia da zona de Leiria, mais propriamente dos Pousos, um Fur Mil Arlindo Teixeira Roda, que agora vive em Setúbal, onde é, ou foi, professor numa das escolas secundárias. É o que posso ajudar, em relação a esse tempo.
3. Nova pergunta do Luís Carvalhido:
15 de Junho de 2005:
Caro Humberto Reis: Estiveste lá no tempo daquele capitão que andava sempre com um pingalim e a quem, creio, chamavam de Salta-me a Tampa? Penso que se chamava Bordalo e esteve a liderar o processo pós-25 de Abril no BC 9 em Viana do Castelo.
Quanto ao Furriel Guerreiro, era um homem muito baixinho de quem os africanos (lembras-te do Suleimane Baldé, aquele fula magrinho, todo gingão ?) diziam que em combate nunca se aninhava porque as balas passavam por cima.
Quanto ao Domingos, apenas me lembro que comandou uma operação de má memória (fomos apanhados pelo Macaréu) e na qual eu participei. Lembra-me que lhe passei o rádio para ele falar com o major de operações, que estava muito preocupado em saber se tínhamos metido o motor do zebro dentro de bordo e que nem sequer perguntou se tínhamos alguma baixa. A resposta do Domingos (se calhar ele já nem se lembra dela, eu nunca mais a esqueci) não a vou publicitar porque faria corar o mais desavergonhado de todos nós.
4. Resposta do Humberto Reis:
Luís Carvalhido, Bom Dia!
O capitão da CCAÇ 12, no meu tempo, Maio de 69 a Março 71, era o Carlos Alberto Machado de Brito, que em Janeiro de 71 foi promovido a major.
Esses dois furriéis, Guerreiro e Domingos, já não são do meu tempo.
Os únicos capitães que conheci antes e depois do 25 de Abril foram o Delgado da Fonseca que era o comandante da companhia de instrução de Rangers no CIOE de Lamego, em Outubro de 68 e, mais tarde, o Vasco Lourenço, nas Caldas, enquanto dei lá uma recruta ao CSM, de Janeiro a Março de 69, e que não acabei pois fui mobilizado pelo RI 2 e apresentei-me em Santa Margarida. Em 24 de Maio marchei para Lisboa onde embarquei num Cruzeiro de Luxo a bordo do Niassa para uma férias em regime de TI + (quer dizer Tudo Incluído + Porrada) num destino paradisíaco conhecido como Guiné.
Enfim, Recordar É Viver!
Um abraço.
Humberto Reis
9 de Junho de 2005:
" (...) uma vez que temos aqui gente da CCAÇ 12, será que alguém se lembra do Furriel Alfredo Guerreiro e do Furriel Domingos? O baixinho e o lavrador respectivamente? Um Vianense e outro (como se chama um natural de Leiria?) Leiriense?
Um dia conto um episódio que passei com o Domingos, quando descemos o Geba de zebro, numa operação de busca, que passou pelo Mato Cão, até que fomos apanhados pelo macaréu. [Este episódio já foi evocado pelo Sousa de Castro, em 22 de Abril de 2005].
2. Responde o Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71):
14 de Junho de 2005:
Luís Carvalhido: No tempo em que estive na CCAÇ 12, até Março de 1971, não existia lá nenhum furriel miliciano com esses nomes, Alfredo Guerreiro ou Domingos. Havia da zona de Leiria, mais propriamente dos Pousos, um Fur Mil Arlindo Teixeira Roda, que agora vive em Setúbal, onde é, ou foi, professor numa das escolas secundárias. É o que posso ajudar, em relação a esse tempo.
3. Nova pergunta do Luís Carvalhido:
15 de Junho de 2005:
Caro Humberto Reis: Estiveste lá no tempo daquele capitão que andava sempre com um pingalim e a quem, creio, chamavam de Salta-me a Tampa? Penso que se chamava Bordalo e esteve a liderar o processo pós-25 de Abril no BC 9 em Viana do Castelo.
Quanto ao Furriel Guerreiro, era um homem muito baixinho de quem os africanos (lembras-te do Suleimane Baldé, aquele fula magrinho, todo gingão ?) diziam que em combate nunca se aninhava porque as balas passavam por cima.
Quanto ao Domingos, apenas me lembro que comandou uma operação de má memória (fomos apanhados pelo Macaréu) e na qual eu participei. Lembra-me que lhe passei o rádio para ele falar com o major de operações, que estava muito preocupado em saber se tínhamos metido o motor do zebro dentro de bordo e que nem sequer perguntou se tínhamos alguma baixa. A resposta do Domingos (se calhar ele já nem se lembra dela, eu nunca mais a esqueci) não a vou publicitar porque faria corar o mais desavergonhado de todos nós.
4. Resposta do Humberto Reis:
Luís Carvalhido, Bom Dia!
O capitão da CCAÇ 12, no meu tempo, Maio de 69 a Março 71, era o Carlos Alberto Machado de Brito, que em Janeiro de 71 foi promovido a major.
Esses dois furriéis, Guerreiro e Domingos, já não são do meu tempo.
Os únicos capitães que conheci antes e depois do 25 de Abril foram o Delgado da Fonseca que era o comandante da companhia de instrução de Rangers no CIOE de Lamego, em Outubro de 68 e, mais tarde, o Vasco Lourenço, nas Caldas, enquanto dei lá uma recruta ao CSM, de Janeiro a Março de 69, e que não acabei pois fui mobilizado pelo RI 2 e apresentei-me em Santa Margarida. Em 24 de Maio marchei para Lisboa onde embarquei num Cruzeiro de Luxo a bordo do Niassa para uma férias em regime de TI + (quer dizer Tudo Incluído + Porrada) num destino paradisíaco conhecido como Guiné.
Enfim, Recordar É Viver!
Um abraço.
Humberto Reis
segunda-feira, 13 de junho de 2005
Guiné 63/74 - P55: Notícias do Cacheu (1)
1. Tertúlia de ex-combatentes da Guiné, que até agora só inclui malta de 1967 a 1974... Mas a guerra começou bem antes: Janeiro de 1963, oficialmente. De qualquer modo, actualizem, por favor, a vossa base de dados:
Afonso M.F. Sousa (Maceda, Ovar)
- Ex-furriel miliciano, de transmissões, da CART 2412 (Agosto de 1968 / Maio de 1970);
- Esteve em Bigene, Binta, Guidage e Barro.
Um pelotão da CCAÇ 3 (onde também esteve, em 1968, o nosso camarada A. Marques Lopes) reforçou a CART 2412, quando esta se instalou em Guidage. Esse pelotão era comandado pelo Alferes Gonçalves.
Esta CART 2412 integrava-se no COP3 (comando do Major Correia de Campos, em Bigene).
O COP 3 constituia uma quadrícula militar de vários agrupamentos a norte do rio Cacheu, entre Barro, a Oeste, e Guidage (Farim), a Nordeste. Comportava unidades do Exército e da Marinha, estas estabelecidas na base fluvial de Ganturé (Fuzileiros navais, sob o comando de Alpoim Calvão), junto ao Rio Cacheu, cujo ancoradouro dá saída para Bigene (2,8 Km, para Norte).
O COP 3 tinha por missão fundamental a eliminação ou amputação dos corredores entre a faixa fronteiriça do Senegal e as densas (e quase impenetráveis) matas do Óio, em cujo coração se situava a base do PAIGC, de Morés.
Afonso M. F. Sousa
2. Correspondência entre o Afonso M.F. Soua e o A. Marques Lopes:
8 de Junho de 2005:
Caríssimo Coronel A Marques Lopes: Foi por uma lista na Net que localizei o Alferes Gonçalves. Como se referia à CCAÇ 3, contactei-o telefonicamente, para lhe perguntar se conhecia Guidage.
Surpreendentemente a resposta dele foi esta: acompanhei a vossa companhia (CART 2412) no trajecto Binta-Guidage, quando vocês se deslocaram para lá pela primeira vez. Comandava um pelotão da CCAÇ3 que ficou em Guidage como reforço da vossa CART.
Eu (talvez pelos 37 anos que decorreram ?!) não estou a ver a cara dele, mas o facto é que ele e eu estivemos na mesma coluna, rumo a Guidage (1968). Ainda fomos surpreendidos a pouco mais do meio do trajecto, no sítio do Cufeu, por tiros sentidos na floresta de uma e da outra banda do caminho.
Ele sabe da história da perda do nosso comandante (o Capitão Miliciano António Dias Lopes), logo nos primeiros dias, naquela terra de fronteira com o Senegal. Logo no início aterrou lá de surpresa o Spínola. Depois da rápida formatura na exígua parada, saíram-lhe estas palavras dirigidas ao capitão: "O senhor é indigno de estar à frente destes militares...o senhor prepare-se e vai já comigo para Bissau"
Viria a ser castigado com despromoção (tenente) e eventualmente com outras consequências que não conheci. Isto resultou do envio, por um soldado, de um aerograma para o General Spínola, queixando-se que estavam a passar fome, visto que o capitão se esquecera de solicitar o reabastecimento. O que valia eram as minúsculas galinhas que comprávamos na tabanca.
Por acaso ainda me lembro que, após o destroçar, de forma menos formal o General Spínola me perguntou:
- Meu militar, precisa alguma coisa para transmissões ?
Ao que eu lhe respondi:
- Precisamos de substituir a antena, meu General.
Passados uns dias essa antena lá apareceu.
2. Resposta do A. Marques Lopes, na mesmam data:
Amigo Afonso Sousa: Já deve ser a não sei quantas vezes que digo isto, mas vou voltar a repetir: é mesmo muito pequenino este nosso mundo (e há-de ser mais pequeno cada vez que um de nós morrer).
Através do contacto que me deste, falei com o Alferes Gonçalves e conheci-lhe logo a voz: é mesmo esse que esteve comigo em Barro. Contou-me que o General Spinola, em certa altura, decidiu que os metropolitanos deveriam estar dois anos na CCAÇ 3, como nas outras companhias. Foi o que sucedeu com ele, que tinha vindo da metrópole directamente para lá.
Diz que vem frequentemente ao Porto e combinámos já um encontro. Falou-me de outros que eu também lá conheci e que tinham feito um encontro no dia 28 de Maio passado!!... Cheguei à conclusão que tenho de ver os programas de chacha da televisão: é que deram notícia num deles, em rodapé, da realização desse encontro.
Falou-me [também] do furriel Folha, que eu bem conheci, e que mora em Matosinhos, afinal perto de mim. Vou-me encontrar com ele na segunda-feira próxima. E o Folha disse-me que há vários soldados da CCAÇ 3 que estão em Portugal! Fantástico!!! Obrigado, grande amigo, por me encontrares esta ponta que já tinha perdido!
Quanto a Barro, é como dizes: há todos esses edifícios, mas uns destruídos e outros abandonados. Só de um deles saíu um indivíduo vestido à ocidental e que se juntou a mim e ao meu acompanhante, quando lá estive em 1998. Era um funcionário governamental. Deu-me ideia que esse foi aproveitado, creio que era o da secretaria, os outros não só não tinham sido aproveitados como a população de Barro continuava nas suas moranças, deles afastada.
Infelizmente, caro amigo, constatei com pesar que a população de Barro vivia muito pior do que quando lá estava a CCAÇ 3. Retrocesso, portanto. Se calhar, fizeram manga de ronco quando o Ansumane Mané se rebelou... E agora? Estarão diferentes? Continuo a pensar que não, infelizmente.
Quanto ao Cacuto , a conversa era simples:
- Cacuto, com qual vais dormir esta noite?... Então e as outras, como é que é?...
Tu e os outros camaradas acabem com o coronel. Óscar Kilo? Não faz sentido.
Um abraço. A. Marques Lopes
4. Nova mensagem do Afonso Sousa, a quem agradeço por nos trazer mais um amigo e camarada para a nossa tertúlia, o ex- Alferes Miliciano Gonçalves, da CCAÇ 3 (telefone nº 259 326 426, telemóvel > 914 200 318):
9 de Junho de 2005:
Caro amigo António M. Lopes: O Alferes Gonçalves não tem ligação por e-mail, mas ficou de me ligar para nos fornecer o endereço de e-mail de um sobrinho, que nos servirá transitoriamente.
Podemos servir-nos da sua frescura de memória para recolhermos alguns relatos e testemunhos da sua permanência naquelas paragens difíceis de Guidage (tabanca isolada, no risco de fronteira com o Senegal).
Afonso M.F. Sousa (Maceda, Ovar)
- Ex-furriel miliciano, de transmissões, da CART 2412 (Agosto de 1968 / Maio de 1970);
- Esteve em Bigene, Binta, Guidage e Barro.
Um pelotão da CCAÇ 3 (onde também esteve, em 1968, o nosso camarada A. Marques Lopes) reforçou a CART 2412, quando esta se instalou em Guidage. Esse pelotão era comandado pelo Alferes Gonçalves.
Esta CART 2412 integrava-se no COP3 (comando do Major Correia de Campos, em Bigene).
O COP 3 constituia uma quadrícula militar de vários agrupamentos a norte do rio Cacheu, entre Barro, a Oeste, e Guidage (Farim), a Nordeste. Comportava unidades do Exército e da Marinha, estas estabelecidas na base fluvial de Ganturé (Fuzileiros navais, sob o comando de Alpoim Calvão), junto ao Rio Cacheu, cujo ancoradouro dá saída para Bigene (2,8 Km, para Norte).
O COP 3 tinha por missão fundamental a eliminação ou amputação dos corredores entre a faixa fronteiriça do Senegal e as densas (e quase impenetráveis) matas do Óio, em cujo coração se situava a base do PAIGC, de Morés.
Afonso M. F. Sousa
2. Correspondência entre o Afonso M.F. Soua e o A. Marques Lopes:
8 de Junho de 2005:
Caríssimo Coronel A Marques Lopes: Foi por uma lista na Net que localizei o Alferes Gonçalves. Como se referia à CCAÇ 3, contactei-o telefonicamente, para lhe perguntar se conhecia Guidage.
Surpreendentemente a resposta dele foi esta: acompanhei a vossa companhia (CART 2412) no trajecto Binta-Guidage, quando vocês se deslocaram para lá pela primeira vez. Comandava um pelotão da CCAÇ3 que ficou em Guidage como reforço da vossa CART.
Eu (talvez pelos 37 anos que decorreram ?!) não estou a ver a cara dele, mas o facto é que ele e eu estivemos na mesma coluna, rumo a Guidage (1968). Ainda fomos surpreendidos a pouco mais do meio do trajecto, no sítio do Cufeu, por tiros sentidos na floresta de uma e da outra banda do caminho.
Ele sabe da história da perda do nosso comandante (o Capitão Miliciano António Dias Lopes), logo nos primeiros dias, naquela terra de fronteira com o Senegal. Logo no início aterrou lá de surpresa o Spínola. Depois da rápida formatura na exígua parada, saíram-lhe estas palavras dirigidas ao capitão: "O senhor é indigno de estar à frente destes militares...o senhor prepare-se e vai já comigo para Bissau"
Viria a ser castigado com despromoção (tenente) e eventualmente com outras consequências que não conheci. Isto resultou do envio, por um soldado, de um aerograma para o General Spínola, queixando-se que estavam a passar fome, visto que o capitão se esquecera de solicitar o reabastecimento. O que valia eram as minúsculas galinhas que comprávamos na tabanca.
Por acaso ainda me lembro que, após o destroçar, de forma menos formal o General Spínola me perguntou:
- Meu militar, precisa alguma coisa para transmissões ?
Ao que eu lhe respondi:
- Precisamos de substituir a antena, meu General.
Passados uns dias essa antena lá apareceu.
2. Resposta do A. Marques Lopes, na mesmam data:
Amigo Afonso Sousa: Já deve ser a não sei quantas vezes que digo isto, mas vou voltar a repetir: é mesmo muito pequenino este nosso mundo (e há-de ser mais pequeno cada vez que um de nós morrer).
Através do contacto que me deste, falei com o Alferes Gonçalves e conheci-lhe logo a voz: é mesmo esse que esteve comigo em Barro. Contou-me que o General Spinola, em certa altura, decidiu que os metropolitanos deveriam estar dois anos na CCAÇ 3, como nas outras companhias. Foi o que sucedeu com ele, que tinha vindo da metrópole directamente para lá.
Diz que vem frequentemente ao Porto e combinámos já um encontro. Falou-me de outros que eu também lá conheci e que tinham feito um encontro no dia 28 de Maio passado!!... Cheguei à conclusão que tenho de ver os programas de chacha da televisão: é que deram notícia num deles, em rodapé, da realização desse encontro.
Falou-me [também] do furriel Folha, que eu bem conheci, e que mora em Matosinhos, afinal perto de mim. Vou-me encontrar com ele na segunda-feira próxima. E o Folha disse-me que há vários soldados da CCAÇ 3 que estão em Portugal! Fantástico!!! Obrigado, grande amigo, por me encontrares esta ponta que já tinha perdido!
Quanto a Barro, é como dizes: há todos esses edifícios, mas uns destruídos e outros abandonados. Só de um deles saíu um indivíduo vestido à ocidental e que se juntou a mim e ao meu acompanhante, quando lá estive em 1998. Era um funcionário governamental. Deu-me ideia que esse foi aproveitado, creio que era o da secretaria, os outros não só não tinham sido aproveitados como a população de Barro continuava nas suas moranças, deles afastada.
Infelizmente, caro amigo, constatei com pesar que a população de Barro vivia muito pior do que quando lá estava a CCAÇ 3. Retrocesso, portanto. Se calhar, fizeram manga de ronco quando o Ansumane Mané se rebelou... E agora? Estarão diferentes? Continuo a pensar que não, infelizmente.
Quanto ao Cacuto , a conversa era simples:
- Cacuto, com qual vais dormir esta noite?... Então e as outras, como é que é?...
Tu e os outros camaradas acabem com o coronel. Óscar Kilo? Não faz sentido.
Um abraço. A. Marques Lopes
4. Nova mensagem do Afonso Sousa, a quem agradeço por nos trazer mais um amigo e camarada para a nossa tertúlia, o ex- Alferes Miliciano Gonçalves, da CCAÇ 3 (telefone nº 259 326 426, telemóvel > 914 200 318):
9 de Junho de 2005:
Caro amigo António M. Lopes: O Alferes Gonçalves não tem ligação por e-mail, mas ficou de me ligar para nos fornecer o endereço de e-mail de um sobrinho, que nos servirá transitoriamente.
Podemos servir-nos da sua frescura de memória para recolhermos alguns relatos e testemunhos da sua permanência naquelas paragens difíceis de Guidage (tabanca isolada, no risco de fronteira com o Senegal).
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