Vários camaradas têm escrito que as nossas estórias (em rigor não pretendemos fazer a História com H grande, mas apenas contar estórias...) estão necessariamente incompletas: de facto, falta-nos o ponto de vista do guerrilheiro do PAIGC, do combatente que, de kalash ou de costureirinha nas mãos, ou de RPG ao ombro, combateu contra os tugas, do outro lado do capim, do arame farpado, da picada, da bolanha ou do rio...
1. O tom (e o desafio) já tinha sido dado pelo Sousa de Castro que, em 23 de Março de 2005, mandou a seguinte mensagem ao webmaster do Portal Guine-Bissau.com
"Antes de mais, uma abraço para todos os Guineenses e o desejo de uma Páscoa Feliz. Estive na guerra colonial, de Janeiro de 1972 a Abril de 1974, na zona leste, mais precisamente no Xime, conhecem? Interesso-me pelo bem estar de todo povo da Guiné, peço-vos para que façam um esforço para conquistar a paz definitivamente. Bem hajam".
2. A resposta veio no dia a seguir (26 de Março de 2005):
Amigo Sousa: Muito agradecidos pela sua visita ao nosso site.
"Agradecemos as suas palavras e desejamos o melhor para você e a sua família e muita prosperidade para o estimado Portugal que, apesar dessa maldita guerra, segue latindo nos corações de todos os guineenses. Segue vivo através dos idiomas português e crioulo e segue crescendo como um laço entre todos os que temos o idioma luso por oficial.
"Aproveito a ocasião para informar-lhe que estamos empenhados na reconstrução da história daqueles anos. Se você decidir escrever as suas memórias sejam quais sejam as suas críticas, pensamentos... e por muito crus que eles sejam, nós estaríamos imensamente honrados de receber essas memórias. Se, por outra parte, você nunca pensou em escrevê-las talvez seja o momento. Seria o seu contributo ao nosso povo.
"Se, pelo contrário, o senhor conhece pessoas que tenham memórias desses anos, estaríamos muito agradecidos pela informação. Os nossos cumprimentos".
O webmaster do Portal Guine-Bissau.com
3. O Castro pegou na ideia e vem desafiar-nos (16 de Junho de 2005):
"Caros amigos. Como podem verificar, também os nossos amigos da Guiné estão empenhados em reconstruir a história referente aos anos de guerra. Pode ser que também apareçam ex-combatentes do PAIGC interessados em nos contar histórias relacionadas com a guerrilha. O Luis Graça, numa das suas mensagens, referiu isto mesmo. Seria muito interessante!... Que é que acham? O Graça como é um expert em matéria de informática, pode dar andamento a este projecto. Grande abraço para todos incluindo também, todos os Guineenses. Sousa de Castro".
4. O Afonso de Sousa veio logo concordar:
"Como interessante seria se, ao contarmos esta ou aquela estória em que nos confrontámos com o IN (em situação de ataque ou de defesa), ouvissemos, sobre esses mesmos confrontos, o relato do nosso opositor. Seria quase inédito!
"Isso mais valorizaria este trabalho, estas memórias de guerra".
5. Já hoje (17 de Junho de 2005) eu, Luís Graça, tinha mandado a seguinte mensagem à malta da nossa tertúlia:
"Amigos e camaradas: Este repto do Castro, secundado pelo Afonso, é mesmo para levar a sério...Toca a descobrir os ex-combatentes do outro lado. O Marques Lopes já o fez: em 1998, quando voltou à Guiné, teve oportunidade de conhecer o Comandante Gazela e de falar com ele…Pessoalmente, também vou tentar localizar antigos combatentes do Sector L1 / Zona Leste da Guiné (Região do Xitole, para o PAIGC)... A tarefa não é fácil e o tempo está contra nós. Um abraço. Luís".
6. Acabo entretanto de receber ideias e sugestões do nosso operacional do Geba e de Barro, A. Marques Lopes:
"Estou completamente de acordo com esta ideia de os ex-combatentes do outro lado também nos dizerem da sua experiência, das sua vivências, das suas história dos confrontos que tivemos. Seria um elemento importantíssimo para a nossa própria compreensão daquilo em que andámos metidos (em que nos meteram).
"Não são nossos inimigos, já não são o IN...fomos actores de uma mesma tragédia (ou opera buffa?...). Eu, pessoalmente, estou muito interessado em ouvir o que me dizem os combatentes do PAIGC de Sinchã Jobel sobre aquelas operações de que vos dei relatório. A visão de quem fez os relatórios é uma, a deles pode ser diferente ou acrescentar mais alguma coisa. Isto em termos de pesquisa da verdade. Mas o principal é conseguir que aqueles que não estão contra agora se encontrem para delinearem mutuamente a explicação daquilo que os fez estar contra outrora.
"Já falei com o Comandante Gazela, mas em circunstâncias um bocado apressadas e não deu para muita conversa. Mas estou a pensar voltar à Guiné, talvez em Janeiro do próximo ano, e falar mais calmamente com o Gazela e com o Lúcio Soares, os homens de Sinchã Jobel.
"Tenho também outro projecto: um dia destes vou até ao bairro da Cova da Moura, nos arredores de Lisboa, onde sei já que há alguns elementos da CCAÇ3 e, eventualmente, outros elementos que foram do PAIGC durante a guerra (o bairro é problemático, como o é o do Cerco do Porto, por exemplo, mas não é tal e qual como a comunicação social faz levar a pensar... já lá estive uma vez, e sei que há bons e maus como em todo o lado).
"Para quem tem, além das recordações da guerra que não pode esquecer, um grande amor pela Guiné, como é o meu caso e o vosso, não tenho dúvidas que isso seria uma forma de fortalecer essa ligação com uma terra e um povo que não nos saiem do coração. Nunca mais esquecerei a forma amiga e a simpatia com que fui recebido em 1998, quando lá estive, e visitei várias tabancas por onde tinha andado também nos tempos da guerra, apesar daquilo que nela fiz (ou fizeram que eu fizesse). O povo da Guiné é um povo amigo, merecedor do nosso respeito e de todo o esforço, que estiver ao nosso alcance, claro, para que seja feliz e seja aceite por todos.
Abraços. Marques Lopes.
6. O Guimarães também acaba de opinar sobre o assunto. Espero que toda esta conversa seja frutífera. Venham lá os depoimentos e os documentos (fotos, etc.) dos nossos amigos, ex-combatentes do PAIGC.
"Esta ideia é genial e aconselhável - assim a guerra seria contada na íntegra. Não nos interessa as razões políticas em si e porque se desenrolou, mas sim a forma como se desenrolou...
"O povo da Guiné, sou testemunha disso, é encantador. Em Bambadinca, em 2001 um homem grande pedia-nos: "Voltem para cá". Por onde passei eu, e os meus companheiros de viagem, toda a gente nos abraçava...
"Vi nos CD da visita daqueles camaradas, em 2000 à Guiné, o comandante de Bambadinca; em 2001, quando lá estive, tinha mudado.... Mas ele mesmo o fez questão em nos facilitar a visita ao aquartelamento...
"Boa ideia essa, teremos contudo que encontrar esses ex-combatentes em Portugal. Pena que um deles regressou agora mesmo à Guiné: o Nino Vieira, que vivia em [Vila Nova de ]Gaia... Ele era comandante de sector e actuou muito na zona L1. Aliás ele mesmo confirmou isso ao Capitão Miliciano que comandou a CART 2716.
"Marques Lopes, quem me dera voltar lá já contigo, era óptimo. Procura ir em Novembro pois que ainda apanharás a luxuriante paisagem verdejante. Terei que lá voltar também, como e quando não sei ... Abraços. Guimarães".
7. O Castro foi mais longe e quis dar o exemplo. Acaba de mandar esta mensagem ao seu amigo desconhecido do Portal Guine-Bissau.com:
"Amigos e camaradas da Guiné-Bissau, desejo de todo coração que as vossas eleições sejam livres e transparentes e faço votos para que a vossa (nossa) terra progrida livremente. Um dia irei visitar vosso País. Abram o nosso Blogue-fora-nada e têm aí algum material relacionado com a guerra colonial. Aguardamos também histórias vossas sobre a guerra colonial; seria muito interessante compararmos as nossas e as vossas histórias. Grande abraço para todos. Bem hajam. Sousa de Castro".
8. Sigam o exemplo do Sousa de Castro e de mim próprio, mandando mensagens para o Livro de visitas do portal Guine-Bissau.com. Assunto: Antigos combatentes do PAIGC, procuram-se!
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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