Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 6 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1253: O obus 14 de Bedanda (Albano Costa)
Vendo esta imagem mais em pormenor, é de notar a inconsciência e a imprevidência dos nossos bravos artilheiros: nem sequer usavam tampões de protecção contra o ruído, se é que eles existiam na época... A solução expedita era, para alguns, tapar os ouvidos com os dedos das mãos... Hoje muito provavelmente terão problemas de audição, nalguns casos agravados pelo ruído no local de trabalho... (LG)
Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 (1971/72) > Vista aérea da tabanca e aquartelamento.
Fotos: © Albano Costa (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Mensagem do Albano Costa (CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74), enviada em 18 de Outubro de 2006:
Caro Luís Graça:
Chegaram à minha posse duas fotos de Bedanda, entregues por um amigo meu que esteve na Guiné em 1970/72. Estou a enviar-tas para teres mais material fotográfico sobre Bedanda, e alimentares o nosso blogue, sempre que precisares...
Um abraço,
Albano Costa
Comentário de L.G.:
Obrigado, Albano. És uma verdadeira formiguinha, uma abelha-operária da nossa colmeia... Obrigado pelo teu gesto. Agradece ao teu amigo: é pena não saber o nome dele. Agradeço-te também o envio recente, por mão do Carlos Vinhal, de mais um CD-ROM com fotos do Hugo (Guiné, Abril de 2006) e de cópia do vídeo, com a reportagem da vossa viagem de Novembro de 2000 (duração: cerca de seis horas).
__________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 6 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1155: Álbum fotográfico (Hugo Moura Ferreira) (1): Bedanda, CCAÇ 6, 1970: O Obus 14 contra o foguete Katiusha
Guiné 63/74 - P1252: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (19): O Soldadinho de Fogo em Missirá
Foto: © A. Marques Lopes / Luís Graça (2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Texto enviado pelo Beja Santos, com data de 18 de Outubro último. Continuação da publicação das suas memórias, como alferes miliciano, comandante do Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1).
O Soldadinho de Fogo
por Beja Santos
Há dias, num enterro de um familiar muito querido, conversando com o meu sobrinho Rodolfo, falei-lhe do projecto da Operação Macaréu à Vista. Em dado momento, ele disse-me:
-Lembro-me muito bem que o tio me enviou o esboço da sua peça de teatro O Soldadinho de Fogo. Se não se recorda do que me enviou, faço-lhe chegar uma cópia. O tio fazia teatro infantil e prometeu-me que me mandava da Guiné uma peça original. Gostei muito da sua ideia. Acho que tinha cabimento fazer-lhe uma referência, pois eu recebi alguns meses depois de o tio lá estar a sua carta.
Iluminou-se o espírito. Quando comecei a trabalhar nos serviços mecanográficos da Previdência Social, conheci o Fernando Antão que colaborava muito com o Teatro do Gerifalto. O Antão era o grande mobilizador das nossas festas de Natal e logo em 1964 fiz de S. José, desempenho que bisei nos dois anos seguintes. Entrava em cena de burel e barbas postiças, e dizia coisas como esta:
-Maria, tão calada na noite fechada, será este o caminho para Belém?.
O grupo de teatro amador foi tão bem sucedido que começámos a colaborar em festas de solidariedade para angariar fundos. Foi nessas deambulações que me ocorreu um remake à volta do Soldadinho de Chumbo, de Hans Christian Andersen. A ida para a Guiné despoletou o meu alter ego para um final apropriado às circunstâncias. Para quem vivia enfronhado com travessias do Geba para ir buscar cebolas, arroz e chouriço, desesperava com falta de armamento e munições, tinha que levar a Binta ao médico para lhe prescrever anovulatórios, tinha a tropa arrasada por patrulhamentos diários em Mato de Cão e vivia as inclemências da época das chuvas, a prenda para o sobrinho Rodolfo justifica-se plenamente ser aqui evocada. Vamos ao texto enviado:
Prólogo
A mãe sobe ao sótão onde estão os brinquedos. o seu olhar vagueia pelo amontoado da traquitana e a sua expressão ganha determinação, quanto às escolhas dos brinquedos já sem préstimo que vai oferecer aos meninos do orfanato. E numa cesta vai metendo um peão, bonecas de trapos, camiões e bolas. Ouve-se a voz do pai que surge na cena com ar de atarefado a dizer que é necessário partir com urgência. O estado de espírito da mãe reflecte-se na resposta, pedindo-lhe para partilhar a alegria que reside naquele sótão cheio de reminiscências da infância. O pai cede, brinca com uma espada de folha, dispõe no chão os restos de um exército de soldadinhos de chumbo. A mãe critica-lhe aquela euforia bélica. Acabam por abandonar o sótão, já com uma comunicação normalizada de adultos, o pai vai para os negócios, a mãe para as compras. Ao descer as escadas, a mãe observa com ar cismado:
-Estes brinquedos dos meus filhos escondem um segredo, mas qual será?
A mãe sai enquanto entram em cena o Roberto, o trangalhadanças e a Columbina às gargalhadas. Riem-se das conversas dos humanos, incapazes de escalpelizar o sonho e de apreender a força do lúdico. Ouve-se um poema alegórico à infância, declamado em off:
Infância, risos a brincar
horas sem minutos
dias sem tempo, sem esperar
a vida do meu sótão cheio de vultos
Lembro-me com os olhos quedos
pela saudade como me chamas, infância!
Saudades dos meus brinquedos
nesses tempos sem importância
Infância, as cordas de um baloiço
nos gritos das crianças que ainda oiço
Oh, aquela boneca de trapos, linda,
aquela boneca que não esqueço!
E brincava cheio de alegria
neste sótão, pelo chão
E a minha boneca de trapos, ria...
Ai, como ainda pulsas, coração.
Na minha boneca de trapos, há horas sem minutos,
há infância que ainda sinto
nas noites de Natal, rodeado de adultos...
Finjo escutar, finjo estar presente, minto.
Boneca de trapos, onde estás?
Ai boneca que imagino nos meus dedos cheio de nós
Ai boneca, vou ficar velhinho, vou ficar sem voz...
Segredos da minha infância, não te vás.
1º Acto
Roberto escarnece do soldadinho que, tal como Columbina, vai ser oferecido aos meninos do orfanato. Columbina desespera:
-Vão voltar a atirar-me ao ar horas e horas seguidas, até eu partir-me.- O soldado brada:
-Não entendo a vossa lógica onde só está certo o que é compreendido, o resto está tudo errado. Quero ver o mundo com outra abertura. Mas hoje temos que juntar esforços para conhecer o segredo de Natal. A mãe dizia há pouco que quer conhecer a verdade dos brinquedos. Pois os brinquedos querem saber a verdade dos homens.
Segue-se uma rixa, os brinquedos têm os ânimos incendiados. Já não se toma partido pelos brinquedos que vão ou ficam. Acaloradamente, os brinquedos querem ver do sótão a festa de Natal desses humanos de quem também troçam. O Roberto, o bufão abandonado, espicaça-os e subestima-os:
-Sabem porque é que nunca me deitarão fora, querem saber porquê? Eu sou o único de todos nós que não pode ter uma cara triste, quando eles estão tristes precisam do meu rosto alegre e brincalhão.
Entre zangas, arrufos e cumplicidades, o bufão sai vitorioso na sua maldade ao pedir a pena de morte para o soldadinho de chumbo por querer quebrar a fantasia, a razão de ser universal de todo o brinquedo. O bufão grita para o Mágico:
-Não há crime mais grave do que um boneco querer ser um homem, nós somos objectos de ilusão, não devemos querer imitar os homens.
O Mágico está indeciso quanto à sentença e escolhe Veríssimo, o Pantalonas, o extravagante palhaço que rufa os tambores, para dizer sim ou não ao castigo que de ser atribuído ao soldadinho. Pantalonas grita que não há castigo. Estala o clímax do desespero. Com voz solene, o Mágico considera que foi violado o art. 1º do estatuto da tragicomédia. E é assim que o soldadinho é condenado à perda temporária do uso da razão.
Ouvem-se os gemidos da Boneca de Louça, da Columbina, as gargalhadas inocentes do Pantalonas e termina o 1º acto com o soldadinho lançando o seu desassossego sobre a assistência:
-Quis e quero conhecer a verdade dos homens feita numa noite de Natal. Eu vou esperar até saber. Eu estou cheio de esperança!
2º Acto
Os brinquedos desceram à sala de brincar das crianças, no sótão só se vêem a Boneca de Louça e o soldadinho. O boneco, mesmo castigado, renova o seu propósito de conhecer o sonho dos homens quando esperam o Natal e enquanto se divertem com os brinquedos. Vendo o soldadinho tão desgostoso, a Boneca de Louça desafia-o para celebrarem a seu modo a festa que não partilharão com os homens. Então, o que é que irão fazer?
-Está ali uma caixa com figuras de barro. Todos os anos, por esta altura, os meninos costumam colocá-las dentro de uma caixa com uma estrela, põem musgo no chão, ouve-se música celestial. mas este ano a avó comprou figuras novas, estas de certeza que não voltarão a servir. Pois, brinquemos com elas.
A Boneca de Louça e o soldadinho trocam presentes. Diz o soldadinho:
-Toma esta estrela, protege-te com ela, deu-ma o meu pai pouco antes de morrer numa batalha terrível. Precisamos sempre de uma boa estrela na nossa vida.
Regressa Veríssimo, o Pantalonas. Dança para o soldadinho e para a Boneca de Louça. Entretanto, por ter findado o recreio dos meninos, foram regressando os outros bonecos ao sótão. O soldadinho e a Boneca de Louça escondem-se atrás de uma cadeira, no centro da boca de cena, a observar o movimento ruidoso dos outros bonecos à sua volta. Uma Luz intensa ilumina-os, fixando depois sobre o presépio. Atraído pelas exclamações do soldadinho que está maravilhado, os outros brinquedos aproximam-se, pé ante pé, circundam o presépio. O soldadinho exclama emocionado:
-Viram? Valeu a pena esperar, valeu a pena ser condenado por esperar. Vale a pena ter dúvidas, vale a pena sonhar. Eu sou um soldado que não serve para a guerra, pois quero ser como os homens e quero sonhar com a paz que vem anunciada pela estrela que vem dos céus.
A peça termina com um regozijo generalizado entre os brinquedos que promovem uma grande festa de Natal. A música deve expressar a turbulência e a vivacidade desejadas a esta cena culminante.
Eu esqueci completamente este Soldadinho de Fogo. Aquela época das chuvas está a esmagar-me, mesmo que os meus sonhos não esmoreçam como não esmoreceu o meu soldadinho. A palavra flagelação era arbitrariamente usada na Guiné para uma grande, média ou pequena tormenta de fogo, com ou sem canhão sem recuo, com muitas ou poucas costureirinhas, com muito aranzel das morteiradas, igualmente arbitrário era o número de mortos e feridos.
Escusam de perguntar porquê, tudo era flagelação desde que houvesse fogo sobre os nossos quartéis, com a duração de horas ou minutos. Ora, naquele dia 26, jantámos cedo fartos dos bifes de javali que Cibo Indjai tinha oferecido à messe. Era noite escura, seriam aí umas 8 horas, eu conversava com o Teixeira que me descrevia a sua vida enquanto emigrante em Darmstadt e em Marselha. Aliás, foi numas férias em que veio de França até Felgueiras que a tropa o apanhou pelo pescoço.
Lembro-me que estava a beber um leite com chocolate para fazer esquecer o gosto daquele javali quando caiu uma morteirada que levou o plinto em plena parada, seguindo-se o fragor das chapas do depósito de géneros despedaçadas por outra morteirada. É exactamente quando avanço para o abrigo do morteiro 81 que o Teixeira se atira para entro do bidão pejado dos cacos das garrafas de quem bebia na messe ou por ali passava. Adivinha-se o grotesco de carregar ao ombro aquele latagão com os pés em sangue e levá-lo para a enfermaria. Súbito, o fogo esmoreceu e não tinha começado há mais de um minuto. Não fossem os vestígios da intrusão própria para aterrorizar e teríamos inventado a flagelação. Ainda fogueámos durante alguns minutos mas a contenda parou por aqui. Trocámos mensagens com Bambadinca e o episódio fica para a história: o Teixeira foi o último ferido ligeiro daquele batalhão [o BCAÇ 1904] que amanhã de manhã parte para Brá [, a noroeste de Bissau].
A 27, na messe de oficiais, [em Bambadinca,] já na companhia do BCAÇ 2852 (2), oiço o discurso da tomada de posse de Marcelo Caetano e à noite escrevo para Lisboa:
-Mensagem bem elaborada, capaz de agradar aos nostálgicos do salazarismo e daqueles que confiam em promessas de abertura. É impossível encontrar uma saída política para esta guerra no que ele disse. Caetano e todos nós vamos sofrer as consequências.
O regresso a Missirá é quase caótico, tal a quantidade de chuva e lama nas bolanhas de Finete. Continuo aos tombos devido à acção do Fenergan. O Joaquim da Conceição partiu e o novo condutor é o Setúbal. É um pouco arrelampado, gosta de buzinar na noite escura na mata cerrada, disse-me a gargalhar que é para afastar os macacos. Mas é zeloso, nas suas mãos teremos viaturas menos avariadas. Na véspera, preparava-me eu para dormir e ele bateu-me à porta com estrépito exibindo uma requisição de massa consistente, uma nova ventoinha e óleos para os travões.
A escola primária dá frutos, o cadernos das cópias são a prova disso, as esferográficas já não desaparecem misteriosamente e Albino Amadu Baldé, o sargento de milícias envolveu-se na escolarização dos seus soldados. Oiço Bach mas também Grieg, Schuman, Scarlatti e Wagner. Depois de amanhã, acordei com os furriéis, sairemos de madrugada para patrulhar Paté Gide [, a noroeste de Missirá, a seguir a Sancorlá].
Desde a flagelação de 6 de Setembro [de 1968] que confiro grande importância ao conhecimento dos acessos e trilhos usados pelos homens de Madina-Belel.
Irei ter a última discussão acalorada com Saiegh. É já madrugada quando ele me bate à porta da morança para dizer que não há condições para patrulhar Paté Gide pois há grandes lutas entre os caçadores nativos e os milícias, acrescendo que pode haver um contacto muito feroz com o inimigo. Procuro explicar a Saiegh que a imaginação deve ser controlada, não é por haver tensões que a tropa está menos apta para patrulhar. Iremos mesmo a Paté Gide.
De pé, cuspindo fogo pelos olhos, Saiegh diz sentir-se subalternizado por não ser branco. Varado pelo argumento mais inesperado e mais injusto, peço ao Saiegh para se conter e recordar uma admiração que por ele nutro e que é pública. Ele irá para férias em breve, aproveitará a sua estadia em Bissau para encaminhar o seu futuro para a Companhia de Comandos Africana que está em preparação.
Fomos de facto até Paté Gide, nada a assinalar. Vou ainda demorar um mês para ficar com um quadro composto da situação. No Cuor, o bigrupo controla a população civil junto a Quebá Jilã e na zona do rio passa, em Mansoná. Com regularidade, militares do PAIGC e as suas milícias vão atravessar a estrada entre Gambana e Canturé para cambar o Geba seja nos Nhabijões seja em Santa Helena e Mero. Como não temos armas para dissuadir a instalação permanente daquela presença, ir até lá é probabilístico, esperá-los, rondá-los, atemorizá-los é talvez a única resposta possível.
Irei até Quebá Jilã donde trarei provas da presença de população que vive na órbita do PAIGC. E em Chicri e na sua vizinhança irei agora dar-vos notícias de algumas refregas. Dentro de dias, volto à estrada Bambadinca/Xime depois de ter conversado com o novo Major de operações. Vamos até ao Burontoni. Não guardo saudades da viagem. Explico porquê.
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. último desta série > 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1229: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (18): Não fujam, nós não somos bandidos!
(2) Vd. posts de:
1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)
(...) "O Batalhão anterior tinha sido o BCAÇ 1904 (1966/68): foi no tempo deste batalhão que explodiu, por acidente, o depósito de material de guerra" (...)
Guiné 63/74 - P1251: Notas de leitura (2): O Caixa d' Óculos do Alexandre O' Neill nunca esteve em Missirá (Beja Santos)
Páginas 2 e 3 de A Ampola Milagrosa (2): "Adormeci certamente por intervenção da misteriosa ampola que descia do teto..."
Fonte: © Assírio & Alvim (2002) (com a devida vénia...)
1. Excerto de um texto do Beja Santos, a propósito dos suas leituras no reino do Cuor, em Missirá e Finete, até Março de 1969, quando a sua preciosa biblioteca e a sua não menos valiosa discoteca de melómano ficaram reduzidas a cinzas (1).
Felizmente que alguns de nós tínhamos, para os tempos de ócio, de espera, de lassidão, entre duas operações, duas flagelações, duas colunas ou duas emboscadas, alguns livros e até alguma música para nos entretermos, para alimentarmos a esperança de voltarmos ao reino dos vivos, para nos sentirmos gente...
Recorde-se que no seu saco, a caminho de Finete, ele levava, entre outros, um livrinho do Alexandre O'Neill:
"Falei do Alexandre O'Neill de que me empolgavam os seus textos no Diário de Lisboa à semelhança da Guidinha, do Sttau Monteiro. O'Neill, insisto, irá influenciar-me na formação do gosto, na renovação audaz da língua, na combinação do castiço com a claridade cosmopolita. Lembro-me de ter metido no saco A Ampola Miraculosa que pertencia à colecção dos cadernos surrealistas editados pelo António Pedro. A Ampola é uma colagem de ilustrações antigas, uma brincadeira imaginativa sem direcção, mas que me ajudava a compreender a mistura da poesia, da pintura e do panfleto político.
"O'Neill foi pintor e criou poemas ditos ortográficos, uma originalidade que infelizmente ficou sem continuadores. Para não ser repetitivo, A Ampola ficará reduzida a cinzas dentro em breve. Podem, pois, os meus gentis leitores tertulianos imaginar a satisfação que tive quando há dias, antes de passar a limpo este fio de memória, ter descoberto que a Assíro & Alvim deu à estampa a edição fac-similada da Ampola, mostrando o O'Neill como vate coroado. Confio na vossa bondade em interessarem-se pelo O'Neill ( se não o fizeram antes), e para os mais timoratos a minha sugestão é que se atirem à Ampola que começa assim: "Pais que fazeis? Os vossos filhos não são tostões, gastais-os depressa" (Ó Luís, sê amigo dos surrealistas e mostra coisas da Ampola)" (...)
Eu, pela minha parte, tinha-me publicamente comprometido a tratar bem o nosso O'Neill (com dois ll), já que é um dos nossos poetas favoritos, do Mário e meu... Não conhecia a Ampola. Em meados de setembro recebi um exemplar, emprestado, que ele teve a gentileza de me mandar pelo correio, com a indicação que tinha autorização da editora para divulhar e digitalizar alguns dos poemas ortográficos do O'Neill.
Nascido em 1924, que eu saiba, o poeta nunca foi tropa. Ainda quis ser marujo, coitado, mas em vão: "Frequentou o Curso de Pilotagem da Escola Náutica em Lisboa, tendo-lhe sido recusada, devido à sua miopia, a cédula marítima" (lê-se na sua biografia). Morreu de acidente cardíaco em 1986, à beira da Europa. As suas obras completas estão publicadas na Assírio & Alvim...
Parafraseando um dos seus geniais poemas, o O'Neill foi um homem do seu tempo, e a contratempo subia e descia a Avenida (da Liberdade), enquanto esperava por uma outra (ou pela outra) vida... O autor do "Poema pouco original do medo", e um dos grandes poetas do amor, também escreveu letras de fado como a Gaivota, uma das maiores criações da Amália... Lembram-se ? "Se um português marinheiro, /dos sete mares andarilho, / fosse quem sabe o primeiro /a contar-me o que inventasse, /se um olhar de novo brilho /no meu olhar se enlaçasse"...
Fonte: © Assírio & Alvim (2002) (com a devida vénia...)
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 22 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1102: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (12): Os meus irmãos de Finete
(2) Referência bibliográfica:
Título: A Ampola Miraculosa
Autor: Alexandre O'Neill
Colecção: Alexandre O'Neill
Prefácio de: Pedro Proença
Editora: Assírio & Alvim
Data de edição: 11 / 2002
Formato: Edição brochada: 32 páginas
Preço: 12 € c/IVA
domingo, 5 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1250: Os amigos são mesmo para as ocasiões, Leopoldo Amado!
Organizado pelo Centro de Estudos de História Contemporânea do ISCTE, em Lisboa, teve lugar, entre os dias 3 e 4 do corrente mês, uma conferência em que se discutiu a guerra colonial. Fui convidado como conferencista a proferir umas palavras sobre «as implicações internacionais das guerras de libertação: o caso da Guiné».
Surpreendentemente, o Carlos Fortunato, o Pedro Lauret e o Luís Graça (todos membros da nossa Tertúlia) resolveram fazer-me uma agradável surpresa. Compareceram os três e pudemos conhecer-nos em pessoa. É escusado dizer que para mim foi algo extraordinário (certamente para eles também), pelo que aqui os deixo o testemunho do meu regozijo e os profundos agradecimentos pelo seu gesto.
Por razões profissionais e outras, lamento estar por agora um pouco arredado dos nossos profícuos debates, mas aqui fica a promessa de um regresso a breve trecho.
Cumprimentos
Leopoldo Amado
2. Comentário de L.G.:
Leopoldo: Os amigos são mesmo para as ocasiões. Eu já sabia da tua participação nesta iniciativa através de um e-mail do nosso camarada João Tunes. Divulguei, muito em cima da hora, através da nossa rede, a notícia desse Encontro Internacional, em Lisboa, nos dias 3 e 4 de Novembro, subordinado ao tema do Império: Guerra, Revolução e Descolonização… Foi, de facto, no ISCTE, aqui em Lisboa. A entrada no Encontro era livre, mas uma inscrição de 5 euros dava acesso aos resumos das comunicações e ao catálogo da exposição.
O nosso tertuliano Leopoldo Amado (doutorando em história contemporânea, pela Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa) fez uma comunicação, na manhã do dia 3, sobre As implicações da guerra de libertação: o caso da Guiné-Bissau...
Fiz um esforço para lá dar um salto, ainda tive a sorte de ouvir o Leopoldo, de lhe dar um abraço, de lhe desejar boa sorte para as provas públicas em que irá, em breve, defender a sua tese de doutoramento, e ainda por cima tive a grata supresa de encontrar o Carlos Fortunato, além do Pedro Lauret (de cuja presença, aliás, eu já estava à espera)... No meio dos abraços (havia ainda gente do meu tempo de ISCTE, a começar pelo Prof. Doutor Arsénio Nunes), deixei fugir o Aniceto Afonso, coronel e historiador, que o Pedro Lauret ficou de me apresentar...
Estamos a organizar um pequeno/grande grupo de amigos e camaradas da Guiné para dar apoio ao nosso Leopoldo, quando em breve ele for defender, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a sua tese sobre a Guerra de Libertação 'versus' guerra colonial: o caso da Guiné-Bissau... Mais do que convidados, estão mobilizados todos os nossos amigos e camaradas de Lisboa e arredores, que estiverem disponíveis na altura (O dia, a hora e o local serão oportunamente comunicados à tertúlia)... Vamos mostrar-lhe o que é amizade, a camaradagem e a solidariedade luso-guineenses...
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P840: Curriculum Vitae do nosso doutorando Leopoldo Amado
Guiné 63/74 - P1249: As primeiras fotos do Palmeirim de Catió (Manuel Gomes, CCAÇ 728)
Mafra > Escola Prática de Infantaria > 1963 > Soldado-cadete Gomes...
O Manuel Gomes, hoje, jurista, reformado da CGD, 65 anos ... É ainda um jovem o nosso canário! (2)
Guiné > Região de Tombali > Pendão da CCAÇ 728, Os Palmeirins (1964/66)
Fotos: © J. L. Mendes Gomes (2006)
1. Mensagem do Palmeirim de Catió, o Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Catió, 1964/66).
Caro Luís:
Um grande abraço, antes de tudo. Sem qualquer lisonja, gostei muito do teu toque de mestre, surpreendente, ao iluminar e abrir, com a majestosa Praça do Giraldo, a minha segunda parte da Crónica dum Palmeirim (1). Ficou mais rica.
Só hoje te consegui mandar algumas fotos, em falta. As minhas desculpas. É que ando em mudanças e o espólio da guerra anda por aí à deriva..., como a desafortunada plataforma do Mar do Norte...Espero recuperá-la a tempo, de poder acompanhar os pedaços seguintes.
Fotos:
(1) Como se vê, vai uma do pendão dos Palmeirins ( já velhinho, a declinar...como o do dono);
(ii) e as outras, por dedução: a do soldado-cadete que fui, todo convencido, em Mafra;
(iii) a dum grupo, casual e ocioso, de oficiais, à mesa redonda do famoso bar Tombali, em Catió, onde estão apenas dois palmeirins, num intervalo da guerra: eu, o 2º a contar da direita; e o alferes Gonçalves, o 1º a contar da esquerda; os restantes eram residentes da CCS. Realço o Major Luís Casanova Ferreira, de bivaque na cabeça, em evidência, ao fundo ( era o homem grande da logística do batalhão e foi um dos mentores do 25 de Abril). Da direita prá esquerda, visíveis, temos o alferes de transmissões do batalhão - o Teixeira; a seguir a mim, o alferes, creio que se chamava Maia, responsável pela artilharia; o alferes Pires Marques, pela cavalaria.
(iv) Por fim, a dos meus, já lá vão, 65 anos...
A nossa Tertúlia vê-se que continua com muito boa saúde, a crescer e ainda melhor gerida. Os meus parabéns e um enormíssimo abraço a todos os tertulianos presentes e vindouros.
Mendes Gomes
2. Comnetário de L.G.:
Obrigado pelas tuas fotos.. Adorei: há muito pouca informação sobre este período da Guiné, o tempo dos canários, que antecederam os periquitos.. Pelo foto, vejo que continuas em forma... É claro, estamos a envelhecer, mas com nobreza, com engenho, com arte, com sabedoria, com classe... Fica a saber que gostei muito das tuas crónicas... É uma delícia encontrar gente, inteligente, bem humorada e que escreve bem... Fica já aqui a próxima encomenda de crónicas...
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
(2) Vd. post de 20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)
Guiné > Zona Leste > Secor L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > A famigerada fonte onde o Monteiro foi emboscado e 'retido pelo IN'...
Guiné > Zona Leste > Secor L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > A imagem da Virgem... da Discórdia. O Monteiro, protestante, ao que parece não gostava muito da Senhira... A maior parte dos soldados erm católicos, nortenhos, particantes e muito devoos da Virgem Maria. Aos pés da imagem que havia em Mansambo, deixavam-se fotografias, faziam-se votos, rezava-se., cumpriam-se promessas...
Fotos: © Carlos Marques dos Santos (2006). Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
1. Mensagem do Torcato Mendonça que vive hoje no Fundão e foi Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69:
Caro Luís Graça:
Fui escrevendo e vou mandar-te a estória do Monteiro, Não Romeiro mas Pregador. O único prisioneiro da minha Companhia.
Os homens da Op Mar Verde libertaram-no [, em 22 de Movembro de 1970, em Conacri]. Será que o nosso País se preocupou com ele? Não sei!
O nosso dramaturgo [, o Luís Mário Lopes,] (1) levantou um problema que eu desconhecia. A ditadura, desculpa lá eu falar assim e tomar uma posição politica, era uma grande m...!
Cinicamente os jornais desse tempo, em notícia meio escondida, diziam: Mortos ao serviço da Pátria...
Um abraço,
2. Romeiro, não; talvez, Pregador
poor Torcato Mendonça
Francisco Manuel Monteiro, Soldado de Armas Pesadas, do 4º Grupo de Combate da CART 2339 foi, em 11 de Julho de 1968, retido pelo IN na fonte de Mansambo. É assim que reza o Historial da Companhia.
Não tinha pensado ainda na palavra que as NT usavam para definir os prisioneiros, retidos pelo IN... Os mortos da nossa Companhia vieram sempre connosco. Houve dois mortos, por afogamento, na travessia do Rio Pulom, resgatados cerca de uma semana depois. Mas vieram.
No Historial da Companhia consta (2):
Baixas Sofridas:
1. - Em combate
a – Mortos: Os falecidos em combate. Cinco no total (com os respectivos nomes)
b – Desaparecido: O Monteiro
c – Feridos: Trinta e três feridos.
2. – Outras Causas
a – Afogamento: Os dois já referidos.
Acidente de Viação: Um militar.
b – Feridos por acidente: Dois militares.
c – Doentes: Sete militares.
O Monteiro é dado como desaparecido e, na descrição da acção, diz-se retido. Claro que aceito a explicação dada no Blogue (1). Só não nos chamavam polícias… porque tanta estupidez tinha um limite...
Mas eu conto a estória do Monteiro:
O primeiro Grupo, a vir tratar da construção de Mansambo, foi o que o Monteiro integrava. Como era fraco, fisicamente, mandaram-no para serviços relacionados com o apoio aos graduados. Havia uma morança que servia de refeitório, sala de escrita e leitura e comando. Era lá que ele prestava serviço. A comida e locais de dormida foram sempre iguais para todos.
O IN não suportava a construção do aquartelamento (3). Em 28 de Junho de 1968 atacou para arrasar, em 2 de Julho colocou duas minas anticarro na estrada. Rebentei-as e uma delas tinha carga suplementar por debaixo. Ir à fonte, só acompanhado com uma segurança de, pelo menos, dez homens. Estava escrito e afixado.
O Monteiro tinha vindo de Bissau de uma consulta de oftalmologia. E porquê? Porque era Protestante ou coisa que o valha. A maior parte dos militares eram nortenhos, católicos e praticantes. Havia uma imagem de uma Virgem (mais tarde, creio que todos os grupos tinham uma) e a Virgem, que não era do agrado do Monteiro, apareceu de costas voltada. Culparam o rapaz. Passados dias apareceu o castigo Divino. Os óculos do Monteiro partiram-se e apareceu uma ligeira equimose na sua magra face.
Como, não se podia reparar o assunto pelo Divino foi-se pelo Terreno. Aí está o rapaz a caminho do médico em Bissau. No regresso a Mansambo, tratou de ir lavar a roupa na fonte. Bem berrou a sentinela. Juntou a deficiente visão à fraca audição e foi a caminho da famigerada fonte.
Nesse dia estava de visita, tratando de assuntos oficiais, o Alferes da Milícia da Moricanhe. Chegou a hora de almoço. Monteiro nem vê-lo. Não se sabia dele. O substituto lá trouxe o almoço e outros procuravam o faltoso. Já o almoço estava quase a terminar e eis a noticia: o Monteiro fora há horas para a fonte.
Rapidamente se arma um grupo e se prepara outro mais forte, já temendo o pior. Fui à fonte com o Alferes da Milícia Uro Baldé. Havia sinais evidentes de possível resistência, rastos e pingas de sangue. Enquanto eu vim para as transmissões pedir apoio aéreo, o Furriel Rei do meu grupo e o Uro faziam uma primeira busca. Minutos depois um estrondo. Mina. Fugimos com armas e enfermeiros. O Fur Rei e dois picadores estavam ligeiramente feridos, o Alferes da Milícia Uro Baldé já tinha falecido. Apanhámos e juntámos o cadáver.
Durante muito tempo a imagem daquele camarada, da maneira como morreu, a mutilação, inclusive os restos do almoço, buliam comigo. Eram as primeiras mortes, talvez a primeira vítima de mina. Depois um fulano fica besta e dizem que entra na normalidade.
Mandei um rádio, o segundo, para o BCAÇ 1904 [, sedeado em Bambadinca, e que viria a ser substituído a seguir pelo BCAÇ 2852]: Vítima de mina faleceu o Alf Mil Uro Baldé. Houve confusão com o meu nome: Uro ou Tor…? Esperavam o resto do nome… e eu, Torcato, ainda cá estou. Coisas do bom Capitão que tínhamos, nessa altura (Julho de 1968).
O Monteiro, coitado, foi para Conacri. Creio que ainda falou na rádio. A Operação Mar Verde libertou-o.
Há muitos anos perguntei por ele. Parece que Pregava a Verdade pelo Alentejo (4).
Foi prisioneiro e deve ter sofrido bastante. Oxalá seja respeitado pela Pátria. Há quem nela acredite.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Mansambo > Abril de 2006 > Trinta e oito anos depois (!), a mesmíssima fonte continua a ser usada pela população local para abastecimento de água, higiene pessoal e lavagem da roupa... Esta é uma das fotos que o Hugo Costa, filho do Albano Costa, tirou em Abril de 2006, quando voltou à Guiné (tinha lá estado com o pai, em Novembro de 2000). Diz-nos o Albano que em Novembro de 2000 "ninguém nos sabia informar a localização da fonte. Agora, como vocês [, malta da CART 2339, o Almeida e o Saagum,] lá foram, sempre deu para dar com ela" (5).
Foto:© Albano Costa / Hugo Costa (2006). Direitos reservados.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 3 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1243: Questões politicamente (in)correctas (7): Desaparecido em campanha, morto em combate, retido pelo IN (Luís M. Lopes / Luís Graça)
(2) Vd. post de 9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DIX: As baixas da CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (Carlos Marques dos Santos).
(3) Vd. posts de:
14 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)
Esta é a emboscada em que o nosso camarada Saagum (que lá voltou em Abril de 2006) é gravemente ferido. Vd. post de 4 de Maio de 2oo6 > Guiné 63/74 - DCCXXXIII: Pedro, o filho do Saagum.
O Monteiro, aqui evocado pelo Torcato Mendonça, é apanhado à mão dois meses antes, também na fonte, mas sozinho. Em 11 de Julho de 2006.
12 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXLII: História da 'feitoria' de Mansambo (Carlos Marques dos Santos)
(...) "Algumas notas: A 11 de Julho de 1968 o IN reteve um dos nossos elementos, na fonte, e na perseguição, em conjunto com as NT, o Cmdt do Pel Milícias 103 [ , de Moricanhe,] accionou uma mina A/P, tendo sucumbido aos ferimentos. Deste nosso camarada [, o Monteiro,] só houve notícias depois do 25 de Abril de 1974.
"Em 19 de Setembro de 1968, a CART 2339 sofre uma emboscada, vinda da copa das árvores, também na fonte, enquanto procedia ao abastecimento de água, que causou 11 feridos (5 graves) e um morto. Um dos feridos graves viria a falecer no Hospital Militar de Bissau (241) a 25 desse mês. Em 30 de Setembro nova emboscada na fonte a Pelotão de Milícia e uma mulher da Tabanca.
30 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Carlos Marques dos Santos)
(4) Se alguém souber do seu paradeiro (ou tiver mais informações sobre ele), contacte-nos. Este homem, se quiser falar, terá muito para contar. A sua estória, triste, não deixa de ser prodigiosa... O que é que o terá levado a ir sozinho à fonte ? Lavar a roupa ? Imprevidência ? Ressentimento contra os seus camaradas que o agrediram por causa da imagem da Santa ? Heroísmo ? Solidão ? Desespero ? Impulso suicidário ? Por outro lado ele passou mais de dois em cativeiro, e pelo menos dois anos em Conacri... Deve ter conhecido Amílcar Cabral, contactou com outros prisioneiros, incluindo os da companhia do A. Marques Lopes (CART 1690)...
(5) Vd. post de 2 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa).
sábado, 4 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1247: Questões politicamente (in)correctas (8): A nossa linguagem de caserna (David Guimarães / Luís Graça)
Foto:© Manuel Lema Santos & esposa (2006) (com a devida vénia...) . Fonte: página pessoal do Manuel Lema Santos > Encontro na Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Luís Graça & Camaradas da Guiné . Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
1. Texto do David Guimarães, com data de 24 de Outubro último:
Independentemente de tudo, também é verdade que, se certos termos [tuga, nharro, turra, etc. ] poderão parecer ser ofensivos, eles só o serão efectivamente segundo a carga emocional que se coloca atrás. Contudo poderá evitar-se, sim, uma vez que poderão ser mal interpretados (1)...
Vocês perdoem-me mas vamos ter cuidado em não cair em textos demasiadamente elaborados, senão entramos no capítulo do romance e, então, os textos começam a ganhar qualidades literárias em demasia e a perder a outra qualidade, que é falar-se sobre o que acontece... A linguagem simples e perceptível é documento para todos, a outra não o será... Falamos na caserna, que assim seja, mas linguagem de caserna menos descuidada...
Os cuidados do Luis são pertinentes, sim... Contudo sei que nada é ofensivo, mas enfim... Às vezes com a palavra mais bem dita - aparentemente - dá-se uma grande facada, sem querermos (...).
Sendo que a guerra foi a mesma, os episódios são bem diferenciados. O atropelamento deverá evitar-se e sempre, mas a correcção, essa sim, é necessária... Aconteceu isto e aquilo... e outros dirão: bem, não foi assim mas assim e assado... E isso é muito bom.
A guerra, toda ela é um drama mas não nos fixemos demasido numa ou noutra acção dramática, Contemos, sim, como estamos a fazer: a bebedeira de cerveja, a vez que eu e o Martis (Ranger da CART 2716) estavamos ambos na vala a conversar. Nem força tínhamos para subir aquele metro e meio, tinhamos misturado várias qualidades de bebidas alcoólicas na cerveja... É que a guerra foi tudo isso, e muito mais...
Vi hoje um comentário do Vinhal (2), partilho o ponto de vista dele e o que estou a dizer é senão um reforço ao que João Tunes diz (3)... em volta do General Luís, que não se cansa de enquadrar tudo lá nos sítios devidos...
Que difícil será aturar esta tropa!
Um abraço
David Guimarães
2. Comentário de L.G.:
E siga a marinha, a força aérea e o exército, coadjuvados pelas bajudas, os básicos, os capelões e as senhoras enfermeiras (que nunca mais aparecem, senhores enfermeiros Zé Teixeira, Baia, Rui Esteves, João Carvalho...).
Obrigado, David, pelas tuas reflexões, mas nunca te esqueças que és um homem do Norte, carago!
Obrigado, Carlos, pela tua confiança no timoneiro...
Obrigado também ao João Tunes que, como bom transmontano tresmalhado em terra de mouros, gosta de pensar pela sua cabeça, e por isso faz questão de acentuar: blogue colectivo, sim, mas não colectivista... Pluralíssimo, pois, claro... E onde todos são camaradas, e não há senhores camaradas, ou seja, camaradas mais camaradas do que outros...
João, andava a sentir, a tua falta... Gostei dessa: para o bem e para o mal, nós estivemos lá! O único problema é o teu descritor ultrapassar, em muito, os 500 caracteres que os gajos do Blogger.com nos autorizam (são caracteres, e não palavras, como eu escrevi ontem...). Tens 148 palavras, 743 caracteres (sem espaços), 891 caracteres (com espaços)... Mas o mais importante são as ideias: as palavras depois arrumam-se...
David: Só não gosto dessa do general... Um gajo como eu que um dia disse que limpava o c... às folhas do RDM, nunca poderia chegar a general... João: E tu, se promoves a comandante, eu corro o risco, um dia destes, de estar como o teu querido Coma... Andante...
O melhor, amigos e camaradas, é não me nobilitarem... Os meus avoengos eram do mar, nasciam no mar, viviam do mar, morriam no mar, ou à beira-mar: na época dos Descobrimentos, foram arrebanhados, à força, para servir nas naus, como parte da guarnição (e não tripulação, como me corrigiu o comandante, esse, sim, de jure et de facto, Pedro Lauret)... Eram Maçaricos, esses meus antepassados, e o nome ficou na família, lá para os lados de Ribamar da Lourinhã (4)...
Se me quiserem promover, estou lixado... Não esquecerei o aviso que, no tempo do Senhor Dom Carlos se fazia aos cães de Lisboa, a acreditar no Ramalho Ortigão: Foge cão, que te fazem barão... Mas para onde, se me fazem conde?...
Em resumo, estamos a precisar de ouvir mais umas estórias bem curtidas do Jorge Cabral ou do Rui Felício que são tão boas ou melhores do que a lebre com feijão que a gente não chegou a provar na Ameira... E a propósito, já abriram o último post, com o videoclipe (que palavrão!) do Zé Luís e o Fernando Calado no cante alentejano ?... Pois não percam (5)...
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1225: Questões politicamente (in)correctas (1): Descrição do nosso blogue (Luís Graça)
(2) Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1226: Questões politicamente (in)correctas (2): Tugas, nharros e turras (Carlos Vinhal)
(3) Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1227: Questões politicamente (in)correctas (3): Blogue colectivo, mas não colectivista (João Tunes)
(4) V. post de 12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império
(...) "Uma saga que durou cinco séculos, e que atravessou a minha própria família do lado paterno: a minha bisavó [ Maria Augusta ] Maçarica, nascida em Ribamar em 1864, descendia justamente dos pobres diabos arrebanhados, à força, para os porões das caravelas e nas naus. Embarcados como pau para toda a obra, daí a alcunha (Maçaricos) e, possivelmente mais tarde, o apelido de família (Maçarico).
"O mar marcou-os de tal maneira que nunca conseguiram viver longe dele: foram (e continuam a ser) gente ribeirinha, concentrados maioritariamente em Ribamar da Lourinhã, mas também com um possível núcleo em Mira, sendo marinheiros, aventureiros, mercadores, pescadores, calafates, construtores de barcos, mestres de traineiras, pescadores de lagosta, pescadores do alto, cabos de mar, peixeiros, negociantes de peixe, donos de restaurantes, tascas e hotéis à beira mar, perdidos e achados nas setes partidas do mundo, junto aos cais" (...) .
Devo acrescentar que o meu concelho, o concelho da Lourinhã, também tem a sua quota-parte na história trágico-marítima deste país. Se nos reportarmos às três últimas décadas (ao período de 1968 a 2000), sabe-se que houve seis naufrágios de barcos de pesca onde morreram três dezenas de filhos da terra, com especial destaque para as gentes de Ribamar (fora outros acidentes de trabalho mortais, cujo número se desconhece). Um desses naufrágios foi o do barco Deus é Pai, em 26 de Março de 1971, no Mar do Serro, ao largo do Cabo Carvoeiro. Os restantes foram os do Certa (15 de Maio de 1968), Altar de Deus (6 de Novembro de 1982), Arca de Deus (17 de Fevereiro de 1993), Amor de Filhos (25 de Julho de 1994) e Orca II (antigo Porto Dinheiro) (19 de Julho de 2000). Entre estes homens há parentes meus, da grande família Maçarico.
Muito provavelmente também é descendente desta linhagem plebeia o Domingos Maçarico, ex-alferes miliciano da CART 1690, ferido no decurso da Op Jigajoga 2, em 31 de Agosto de 1967: vd. post de 3 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - XXXIX: Sinchã Jobel II e III
5) Vd. post de 3 de Junho de 2005> Guiné 63/74 - P1208: Eu ouvi o passarinho, às quatro da madrugada (J.L. Vacas de Carvalho / Fernando Calado)
Guiné 63/74 - P1246: O meu livro Memórias de Campanha da CCAÇ 2402 (Raul Albino)
Foto:© Manuel Lema Santos & esposa (2006) (com a devida vénia...) . Fonte: página pessoal do Manuel Lema Santos > Encontro na Ameira > 14 de Outubro de 2006 > Luís Graça & Camaradas da Guiné
Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Texto do Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (Có, Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1)
Caro Luís,
No último email que me enviaste, transparecia a ideia de que eu ia publicar digitalmente no blogue o livro que recentemente publiquei (2). Não é essa a minha intenção. Irei publicar alguns excertos resumidos e reescritos de modo a tornarem-se menos cansativos a quem os queira ler. Isto relativo ao livro já editado ou ao segundo volume ainda em fase de concepção.
O livro, editado em 2005, tinha interesse em ter sido consultado no convívio [da Ameira], não tanto pelo conteúdo, mas pela organização do mesmo. Ele foi inteiramente concebido para os elementos da companhia e seus familiares. Daí a ter características próprias. Inclui a fotografia tipo passe de todos os elementos com duas listas de nomes, ordenadas alfabeticamente e por sub-unidades dentro da companhia. Foi incluída uma selecção de fotografias divididas por temas, retiradas dum amplo repositório na posse do fotógrafo da companhia, o Cabo Esparteiro, e de várias fotos em poder dos militares.
Os textos dos eventos mais importantes foram abertos à participação geral de quem o quis fazer (qual blogue de papel de um único sentido), permitindo várias perspectivas de um mesmo acontecimento.
Por fim, numa terceira parte do livro, acrescentei-lhe a versão oficial da companhia, denominada Factos e Feitos mais Importantes, sem lhe fazer qualquer tipo de intervenção. É que, como todos sabemos, chamar factos àqueles relatos oficiais, especialmente o números de mortos do inimigo, é pura ficção. Eram documentos confidenciais na altura e assim deviam permanecer eternamente. Dava vontade de rir quando víamos, como resultado de uma operação, a indicação de um número de mortos do inimigo, que eu, que tinha estado no terreno, não tinha dado conta, possivelmente por distracção ou falta de imaginação. Os corpos só raramente ficavam no terreno, porque os turras faziam tudo para o evitar, privando-nos assim de confirmarmos as baixas deles.
Neste primeiro convívio [da nossa tertúlia, em 14 de Outubro de 2006], verifiquei um grande desejo de cada um em mostrar os seus álbuns, documentos ou livros, produzidos com grande carinho. Procurei dar uma olhadela a todos. E a todos apreciei nas suas particularidades. Porque o dia foi curto para tanta convivência e pela minha retirada prematura, não foi possível disponibilizar o meu trabalho, ficando para outra oportunidade, possivelmente o segundo convívio.
Um abraço a todos,
Raul Albino
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Notas de L.G.:
(1) (1) Vd. posts de:
17 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1082: Notícias da CCAÇ 2402 e do BCAÇ 2851 (Raul Albino)
2 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1142: Um dia no mato: parabéns ao Vitor Junqueira pelo seu texto (Raul Albino, CCAÇ 2402)
(2) Vd. post de 23de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1105: Como escrever um livro de memórias de guerra 'à la carte' (Raul Albino, CCAÇ 2402)
(...) "O meu livro levou três anos a ver a luz do dia, sendo que o primeiro ano foi gasto na estruturação do livro, aquisição do hardware necessário (PC, Impressoras e Scanners), estudo do software de composição e fotografia.
"O livro ficou com uma particularidade curiosa: como foi totalmente redigido, composto e impresso por mim, fiquei com a possibilidade de criar versões personalizadas, adicionando páginas particulares com textos e fotos de interesse exclusivo dum indíviduo" (...).
Guiné 63/74 - P1245: Efemérides: Quarenta anos sobre Catió (João Tunes)
Guiné > Região de Tombali > Catió > Vista aérea de Catió em 1968 (fotos, a preto e branco, de Vitor Condeço) e em 2005 (foto , a cores, de Jorge Rosmaninho).
Fonte: Africanidades (2006) (com a devida vénia...). O Jorge Rosmaninho é membro da nossa tertúlia e mantém connosco uma política, mutuamente vantajosa, de troca de serviços e de roncos...
Direitos reservados. Fotos alojadas no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.
Quarenta anos sobre Catió
por João Tunes
Quanto é que a distância no tempo e dos lugares pode impressionar a memória? Contento-me com o vago muito. E no remexer da memória, falando do registo em imagens, mais que uma velha fotografia que se desenterra e a que se limpa o pó, tanto é o tamanho do que impressiona ao rever um lugar onde ficou um bocado da pele e olhar-lhe as idas e voltas do tempo e a mudança da afirmação da sua modernidade (ou, por vezes, a sentença da decadência).
Há dias, mirando o blogue do Jorge Rosmaninho (*)(o Africanidades), dei com fotografias de Catió com quase quarenta anos de diferença. As duas mais antigas (de 1968), a preto e branco, tiradas por Vítor Condeço, mostra a Catió que bem conheci dois anos após o tempo do bater das fotos.
Em primeiro plano, a pista de aviação em terra batida e que era a nossa principal ligação ao resto da Guiné e ao mundo. Após a pista, a vila habitada por gente bem hospitaleira. Ao fundo, quase indistinto, o quartel sede de batalhão onde se viveram sufocos de morteirada e alegrias de excelentes convívios e camaradagens, além dos copos, muitos copos, para aguentar a espera do passar o tempo e arribar a hora de zarpar.
A recente, a cores e sob o mesmo ângulo, tirada há um ano, traz o verde especial do sul da Guiné e a mesmíssima (antiga) pista, agora recortada com trilhos e os sinais humanos de ocupação social do espaço.
Pela foto de hoje, imagino a importância que Catió hoje ocupa como capital de distrito. E que fará toda a diferença da Catió sitiada e flagelada, encrustada como testa de ponte e comando na resistência militar colonial a que o sul da Guiné (o famoso reino de Nino) não fosse o desastre absoluto da anunciada derrota na guerra como era seu destino.
E fixo-me naquela hoje transformada pista de aviação, pensando no contraste. Ficando a meia nau entre feliz e triste. Feliz porque antes assim. Triste porque me pergunto porque raio o tempo me levou ali, pousando naquela pista, no tempo que não o certo.
Confesso que é esta mesma perplexidade, este conflito de sentimentos, esta dualidade de querer e não querer, que me mantêm a força da recusa em voltar à Guiné e voltar a pisá-la com os meus passos. Por muita garantia que a voltaria a pisar, como o fiz de 1969 a 1971, com os cuidados devidos a quando se pisa terra de outros. Talvez daqui até 2008, seja tempo suficiente para acumular a energia de desinibição necessária para voltar a Catió em passagem para Guileje para poder mirar a excelente obra do Pepito e seus companheiros (3), rendendo-lhe o preito que eles tanto merecem. Oxalá vença a vontade sobre a desvontade. Oxalá.
Abraços para todos.
João Tunes
(Ex- Alf Mil Trms,
CCS/ BCAÇ 2884, Pelundo, 1969/7o; CCS/ B..., Catió, 1970/71)
(*) Porque diabo o Jorge Neto, num ápice, se crismou de Jorge Rosmaninho? O companheiro casou-se e adoptou o apelido da consorte? E, se por isso foi, como não pagou ronco ao pessoal? (2)
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Nota de L.G.:
(1) Vd. Africanidades, blogue de > 29 de Outubro de 2006 > Catió, ontem e hoje
Uma foto aérea tirada há pouco mais de um ano e outras duas enviadas por Vitor Condeço, que por ali passou nos anos 60 e muitos.
Segundo Condeço "pelo que é dado ver, a vila cresceu e ocupou também parte da pista. Será que foi um sinal de progresso? Gostava que sim! Para que compare a diferença 37 anos e meio decorridos, em anexo envio-lhe uma foto dessa mesma pista e uma vista da vila, tiradas por mim em Janeiro de 1968, e digitalizadas dos negativos, passados 38 anos, tem a patine do tempo."
Obrigado.
(2) A explicação vem do própiro, em e-mail de 6 de Outubro de 2006:
(...) Quanto ao nome, duas razões:
(i) o ter migrado para o Beta [, a migraçºao do Africanidades para a versão Beta do Blogger.com], abrindo uma conta no Gmail, que é Jorge.rosmaninho. Aliás, este passará a ser o e-mail de serviço (jorge.rosmaninho@gmail.com). O nome de guerra pode passar a ser este, mas quem quiser chamar pelo outro (ou se isso der mais jeito), não terá problema;
(ii) é mais alentejano! Esta é a minha costela do Sul. Uma questão de identidade mal resolvida, que quero recuperar! (...)
(3) Vd. post de 8 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1158: AD anuncia para 2008 simpósio internacional 'A memória de Guiledje na luta pela independência da Guiné-Bissau'
sexta-feira, 3 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1244: Continuaremos... amigos, brancos e negros (Paulo Santiago)
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
1. Texto do Paulo Santiago, de 6 de Outubro de 2006:
Luís
Pedias um título para as histórias da minha vivência na Guiné com o Pel Caç Nat 53. Fui ao distintivo do 53 e penso que poderá ser CONTINUAREMOS...AMIGOS.
CONTINUAREMOS...AMIGOS dos nossos camaradas do Pelotão, brancos e negros;
CONTINUAREMOS...AMIGOS de outros camaradas militares com quem convivemos;
CONTINUAREMOS...AMIGOS dos civis que conhecemos pelas tabancas;
CONTINUAREMOS...AMIGOS dos outrora designados inimigos.
Aguardo a tua opinião sobre o assunto.
Junto o distintivo do Pel Caç Nat 53.
Um abraço do
Paulo Santiago
PS - Não sei qual o meu antecessor que imaginou o emblema.
2. Comentário de L.G.:
Olha, Paulo, se queres saber a minha opinião, não te achava com tiques de poeta, o teu ar de guerreiro, viking, façanhudo era mais consentâneo com a ideia que a gente faz de um comandante de pelotão de caçadores nativos... Não segui a tua sugestão, pela razão simples de que a vida de um editor de blogues é uma grande blogaria, o que o obriga a decisões rápidas, que nem sempre são as mais acertadas e concertadas, como deves imaginar... Se eu fiz mal a escolha (1), espero que me perdoes...
Em contrapartida, achei bonita, solidária, apropriada, congruente, de bom gosto, a tua glosa... Ficaria mais preocupado se tivesses uma deriva para o abismo, do género Continuaremos... pátria ou morte; Continuaremos... até à última gota de sangue; Continuaremos... até onde der o depósito de gasolina; Continuaremos... até à vitória final; Continuaremos... até ao fim; Continuaremos... até que se acabem as munições; Continuaremos... até à próxima curva do caminho... A ideia pode heróica, mas a frase não se presta a título de post: preferi um título mais prosaico, Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (que de resto mereceu a tua posterior concordância)...
A verdade, amigo e camarada, é que não se passa impunemente, incolumemente, pela Guiné sem deixar lá nossa amizade e trazer de lá a amizade dos guineenses... Os conflitos passam à história, e fica o melhor de cada um dos nossos povos.... Não é demagogia: tu mesmo, durão, tiveste que lá voltar, à Guiné, com o teu puto (que lindo!), no regresso de todas as emoções, em Fevereiro de 2005...
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Nota de L.G.:
(1) Vd. posts de:
12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado
13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança
19 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1192: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (3): De prevenção por causa da invasão de Conacri
Guiné 63/74 - P1243: Questões politicamente (in)correctas (7): Desaparecido em campanha, morto em combate, retido pelo IN (Luís M. Lopes / Luís Graça)
Material gentilmente cedido pelo Alferes miliciano Reis da CART 1690 (Geba, 1967/69).
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
1. Mensagem de 30 de Setembro de 2006, enviada por um não-tertuliano, o Luís Mário Lopes:
Caro Luís Graça,
Precisava de uma informação para um trabalho que estou a preparar. Se ma souber e quiser fornecer, ficar-lhe-ia muito agradecido. É o seguinte:
Na guerra colonial, quando um militar era morto em combate calculo que os colegas tentassem levar o corpo com eles para o devolverem à família. Mas se isso não se revelasse possível, como é que se fazia? O que é que se comunicava aos familiares? Que o militar tinha sido "morto em combate" ou que tinha "desaparecido em combate"? Ou seja, perante a ausência de um corpo a devolver era dada a certeza da morte? O militar era considerado legalmente morto? Tinha direito a serviço fúnebre?
Desde já muito obrigado.
Cumprimentos
Luís Mário Lopes
2. Resposta de L.G., tamb+em comdata de 30 de Setembro de 2006:
Luís Mário Lopes:
(i) Obrigado pelo teu e-mail. Eu não tenho, para já, uma resposta definitiva para te dar... A tua questão é pertinente e interessa-nos, a todos... Vou pedir aos meus amigos e camaradas de tertúlia - e são já mais de um centena - que nos ajudem, a ti e mim... Há camaradas de tropa - incluindo pessoal que fez carreira, no Exército e na Marinha - que são mais qualificados do que eu para te responder...
(ii) Por exemplo, segundo a explicação dada pelo nosso camarada A. Marques Lopes (coronel, DFA, na reforma), em termos militares, desaparecido em campanha queria dizer que não se recuperou o corpo: aplicava-se aos militares portugueses, mortos em combate, no Ultramar, mas cujos corpos não puderam ser recuperados.
Mas havia ainda outra expressão, retido pelo IN: era um eufemismo, diz o coronel Marques Lopes. Porquê ? O Governo Português não reconhecia o PAIGC (bem como o MPLA, em Angola, ou Frelimo, em Moçambique) como inimigo, face à Convenção de Genebra; logo oficialmente, não podia haver prisioneiros... A verdade é que os houve: veja-se, por exemplo, a lista das baixas da CART 1690 (Geba, 1967/69).
(iii) Há dias soube da história de um militar, de Fafe ou Familicão, feito prisioneiro pelo MPLA, no leste de Angola... Foi dado como morto e o cadáver mandado para o cemitério da terra... Depois do 25 de Abril, o homem foi libertado, chegou à terra e a primeira coisa que viu foi a namorada com outro... Houve muitos dramas destes, ao longo dos nossos quinhentos anos de Império... O Frei Luis de Sousa, de Almeida Garret, foi de certo inspirado num caso destes...
(iv) Já pedi aos Amigos & camaradas da Guiné para darem mais uma mãozinha ao Luís Mário (e também a mim)... Ese assunto merece ser discutido no blogue... Já foi aflorado, há tempos, não tenho tempo agora para localizar os posts em questão (1)...
3. Resposta a seguir do Luís Mário Lopes, de 1 de Outubro de 2006:
Luís Graça,
Muito obrigado pela tua ajuda. Fico a aguardar mais informações que consigas recolher dos teus amigos e camaradas de tertúlia.
O trabalho que estou a preparar é uma peça de teatro em que surge uma situação com semelhanças com a do tal militar de Fafe ou Famalicão de que falas. Mesmo tratando-se de uma situação lateral, gostava de tratá-la com rigor.
É a minha primeira peça de teatro. Tenho escrito argumentos para cinema mas como não sou realizador é muito complicado os projectos concretizarem-se. Até agora foi produzida uma curta metragem A6-13 (realizada por Raquel Jacinto Nunes; foi prémio Tóbis no Lisbon Village Festival e tem sido seleccionada para alguns outros festivais), e neste momento está a ser realizada por Leandro Ferreira a longa metragem Deste lado do mundo (a rodagem deve prolongar-se até Novembro).
Quando conseguires mais informações por favor comunica-mas.
Abraços gratos
4. Comentário de Luís Graça:
Luís Mário Lopes: Os meus parabéns pelos teus êxitos. Eu ajudar-te-ei, na medida do possível, tal como os meus amigos e camaradas da Guiné. Como já reparaste, nesta caserna virtual (a maior da Net, em português, sobre este tópico, a experiência da guerra colonial em África, e na Guiné em particular), tratamo-nos por tu, como camaradas que fomos (e continuamos a ser)...
5. Nova mensagem do L.M. Lopes, com data de 3 de Outubro:
Luís Graça,
Agrada-me bastante o tratamento por tu. Julgo mesmo que os problemas deste país seriam mais rapidamente resolvidos se ao abordarmos os outros não tivéssemos sempre de estar a escolher entre o tu, o você, o senhor, o doutor, o V. Exa.,... , muitas vezes mais preocupados em saber se os outros se irão melindrar com a forma como os tratamos do que com a eficácia da comunicação (não será por isso que os anglo-saxónicos são regra geral mais eficazes do que os latinos?).
Seja como for tenho também a agradecer-te isto: o teres-me recebido como um camarada desta vossa caserna. Tanto mais que mereces tu muito mais felicitações do que eu. Os meus "êxitos", como tu lhes chamas, não são nada de especial. E não penses que me estou a armar em modesto (para que não haja dúvidas em relação a isso digo-te já que duvido que haja em Portugal argumentista melhor do que eu; e não estou também a armar-me em bom; é simplesmente a minha convicção). O problema é que como eu não sou realizador os meus argumentos acabam por ser completamente alterados e desvirtuados pelos realizadores e produtores (claro que isso viola os direitos de autor, mas não há grande coisa a fazer); aconteceu assim com a tal curta-metragem A6-13 e está a acontecer agora também com a longa-metragem que está a ser rodada. Impotente perante o modo do cinema funcionar neste país, resta-me tentar outras formas (talvez o teatro, talvez os contos ou os romances).
Mas chega de desabafos.Um grande abraço e mais uma vez obrigado (já recebi um relato com uma história de um teu camarada - agora também meu - que apesar de não corresponder exactamente à questão que te pus tem algumas analogias)
Luís
PS - Ainda a propósito do desabafo: é claro que não vivo da escrita; o que me sustenta é o facto de ser professor de matemática.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 1 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P827: 'Retido pelo IN': o caso do meu amigoTala Djaló (Hugo Moura Ferreira)
(...) "Recordas-te de uma mensagem que enviei, de que te dei conhecimento, a solicitar ajudas no sentido de tentar encontrar o meu amigo Furriel Graduado Comando Tala Biu Djaló?
(...)"Pois ele faz parte de uma lista de mais de uma vintena (ele é o 3º) de militares da 1ª Companhia de Comandos Afriacanos que ficaram em Conakry, na Operação Mar Verde, que tem como titulo Retidos pelo Inimigo.
"Ao falar com quem está envolvido nesta operação de registo histórico, foi-me afirmado que, como os vários Governos, desde essa época até hoje, não podem (esta é a palavra exacta, dado que à face do Direito Internacional poder-nos-ia ainda hoje obrigar a pagar indemnizações elevadíssimas a um país estrangeiro – foi esta a explicação) assumir oficialmente o episódio. Como tal não poderemos envolver, nem sequer a diplomacia para saber de forma oficial o que aconteceu àqueles militares que todos nós sabemos foram fuzilados logo a seguir ao fiasco da Operação ou morreram durante a mesma, mas cujos corpos não atravessaram a fronteira.
(...)"Perante esta situação de Retidos pelo Inimigo, apenas me interrogo o porquê desta situação, que certamente será comum aos diversos teatros de operações, não fazer parte das listagens de baixas que tivemos com as nossas campanhas em África.
"Poderia eventualmente ser uma listagem paralela às dos mortos em combate, em que constassem os Desaparecidos e os Retidos. Gostaria de ver essa lista publicada oficial ou oficiosamente, nem que fosse no nosso Blogue-fora-nada." (...)
(2) No meu Diário de um Tuga, em 20 de Dezembro de 1969, eu escrevia, quando estive destacado em Nhabijões, o seguinte (extractos):
(...) "Recuperação psicológica e promoção sócio-económica das populações – a chamada acção psicossocial: eis agora a palavra de ordem, sob o consulado de Herr Spínola… É isso: agora faz-se psico (psícola, como dizem os nossos soldados): o major aperta, com visível repugnância, as mãos das múmias; o médico observa, enfastiado, uns tantos casos constantes do catálogo das doenças tropicais; um outro miliciano distribui cigarros Marlboro; e o cabo da CCS anda a ver se come a bajuda de mama firme…
"Admitem-se abertamente, na linguagem fetichista dos spinolistas, os erros do passado da nossa administração que não terá tido na devida conta as susceptibilidades, as idiossincracias e até os direitos das populações guineenses, mas omite-se, talvez por uma questão de má-consciência, os crimes praticados pelas NT, no passado recente e no passdo mais remoto, pelos nossos métodos particulares de pacificação…
(...) "Hoje, as NT sabem que podem ser responsabilizadas, disciplinar e criminalmente (por ironia, à face das leis de um país que assinou as convenções de Genebra, mas que considera os nacionalistas africanos como simples terroristas, bandidos, bandoleiros, turras…) por eventuais actos de violência física cometidos contra prisioneiros e população civil… O etnocídio dos reordenamentos [como o do Nhabijões], esse, não tem enquadramento jurídico...
"Não se trata obviamente, em meu entender, de uma tentativa de redenção do colonialismo (que, de resto, não existiria, desde 1951, ano em que as nossas colónias passaram a chamar-se províncias ultramarinas…) mas de uma táctica defensiva, como o denunciou o secretário-geral do PAIGC, referindo-se a estas novas directivas do comando-chefe e governador-geral da Guiné, António de Spínola, que visam dissociar o binómio guerrilha-população…
"Mas, fazendo deslocar a guerra do TO (teatro de operações) para a ACAP (repartição de acção psicológica), Herr Spínola admite implicitamente que a vitória já não pode ser ganha pelas armas… O que não deixa de ser irónico: retratando-se das suas anteriores posições militaristas, constata afinal o impasse a que tem nos conduzido o militaristismo e acaba por justificar, involuntariamente, a propaganda do IN" (...)
Vd. post de 28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)
Guiné 63/74 - P1242: Postais Ilustrados (9): Dança do compó, Bissau (Beja Santos)
Guiné Portuguesa > Postal Ilustrado (1) > Legenda > 113. Dança do compó, Bissau. Fotografia verdadeira. Reprodução proibida. Edição Foto Serra - C.P. 239 Bissau. s/d.
Postal ilustrado enviado, por avião, pelo Alf Mário Beja Santos a um familiar... Data e local: Bissau, 31/7/968. Carimbo do correio de Bissau: Ilegível. Valor dos selos: 2$00 pesos. Dois selos com efíge do Presidente da República, Alm Américo Tomás, evocativos da "viagem presidencial" à Guiné em 1968.
Bilhete postal gentilmente cedido pelo nosso camarada Beja Santos (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).
Acabado de desembarcar em Bissau, escreveu ele neste postal:
(...) "Vim hoje à cidade conhecer o museu, a biblioteca, o mercado, os monumentos, a catedral e o mais pouco que há. Aqui fica um pouco de folclore para si. Tomo amanhã o barco para Bambadinca, donde seguirei para o meu destacamento [, Missirá,].
"Tenho nestes dias de férias, descansado o mais possível, e uma estrela secreta me ilumina. Uma vez mais, Deus me dá um mister belíssimo para cumprir. Sinto-me cheio de força e entusiasmo. Logo que possa mandarei mais notícias" (...) .
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Nota de L.G.:
(1) Vd. último post desta série > 17 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1184: Postais Ilustrados (8): Allahu Akbar, Deus é Grande (Beja Santos)
quinta-feira, 2 de novembro de 2006
Guiné 63/74 - P1241: Questões politicamente (in)correctas (6): turras, nharros, tugas, guerra colonial (A. Marques Lopes)
Foto : © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados.
Texto do A. Marques Lopes:
Eis a minha opinião sobre turras, nharros, tugas e guerra colonial. E começo por aqui: Portugal tinha, de facto, colónias, embora as conveniências tivessem levado a que essa palavra tivesse sido mais de uma vez embrulhada em papel bonito para o mundo externo ver. Só que o papel era transparente, e nunca nos livrámos internacionalmente de ser um país que travava uma guerra contra os movimentos de libertação das colónias. E eu senti que estive nessa guerra, não em guerra do Ultramar, nem em guerra nas Províncias Ultramarinas, nem em luta contra terroristas. Foi guerra colonial, não duvido, e assim tem de ser para que o efeito não venha a desmentir a causa.
Quanto a nharro e turra, não penso que alguém, agora, use essas expressões com intuitos pejorativos para com os nossos amigos da Guiné. Usamo-los para expressar as nossas vivências e o nosso linguajar do mato e da guerra. Esta foi um fenómeno histórico que nos orientou a linguagem e, até, muitas vezes, o pensamento. Já estamos noutra e não vamos voltar a chamar-lhes isso. Mas fez parte daquilo que vivemos e não vejo mal que recordemos isso como tal.
Quanto a tuga, até acho piada e não me importo que me chamem. Já agora: quando fui recentemente à Guiné, muitas vezes, no mato ou em Bissau, se dirigiam a mim chamando Ó branco!. Também lhes dizia O que é que tu queres, ó preto?. Em certas conversas ouvi guineenses referirem-se a nós como tugas. Tudo bem, sem qualquer tipo de intenção malévola, em conversa natural de pessoas que se respeitam.
Não vejo, pois, mal no uso destas palavras, desde que contextualizadas no tempo. Era assim.
Guiné 63/74 - P1240: Questões politicamente (in)correctas (5): terrorismo, terrorista (Carlos Vinhal)
Caríssimo camarada bloguista Dr. Beja Santos (1):
Voltando ao termo terrorista que eu pessoalmente não gosto de utilizar, venho rebater/clarificar o meu ponto de vista.
Para mim, acto terrorista é uma reacção violenta contra pessoas e/ou bens, sem ter em conta se essas pessoas foram agentes activos nas acções que motivaram o terrorismo. Lembremo-nos do 11 de Setembro e do 11 de Março, por exemplo. Tratou-se de actos violentos de um inimigo sem rosto e nome duvidoso que originou a morte a milhares de pessoas inocentes e a destruição de bens, com o fim de atingir a economia dos países respectivos, confundindo regimes políticos com cidadãos indefesos. Foram ataques indiscriminados, visando o caos.
No nosso caso, estivemos numa guerra subversiva em território mais ou menos conhecido e delimitado, onde os contendores tinham nome e rosto. O objectivo era conhecido e a missão era o controle da população e o reconhecimento político, deixando para segundo plano a conquista de terreno.
Diga-se em abono da verdade que as populações controladas, por nós e por eles, foram muitas vezes apanhadas pelo fogo cruzado, mas as batalhas mais importantes foram travadas entre forças militares ou militarizadas. Cometeram-se exageros quando se mataram civis desarmados e crianças. Estes, os tais casos de consciência a que me referi anteriormente. As minas e as armadilhas que fizeram e ainda fazem vítimas inocentes, infelizmente fazem parte de uma sub-guerra onde todos temos culpas. Como a utilização do napalm.
Os termos Ultramar ou Colónia para mim são pacíficos. O primeiro designa que a posição geográfica dessa parcela territorial está além-mar. O segundo designa um conceito de soberania sobre um terrritório afastado duma Metrópole politicamente dominante. O doutor(2) sabe isto bem melhor do que eu, mas refiro-o para alicerçar o meu ponto de vista.
Quanto aos republicanos terem entrado na 1.ª Guerra Grande para defender o Ultramar, aqui tratava-se de defender o território da cobiça internacional, nomeadamente por parte da Alemanha e Inglaterra, como sabe. A nossa guerra, contra o PAIGC, foi contra o direito à soberania.
Os melhores cumprimentos e um abraço do camarada e admirador
Carlos Vinhal
Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá (1970/72)
Leça da Palmeira
Telem 916032220
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1228: Questões politicamente (in)correctas (4): Terror e contra-terror na guerra colonial ou do Ultramar (Beja Santos)
(2) O tratamento por tu é a regra básica da nossa tertúlia. O uso de títulos (académicos, militares ou outros) também não é incentivado. Razão: não melhora a nossa comunicação, é ruído. Respeita-se, em todo o caso, as outras formas de tratamento que, excepcionalmente, um ou outro dos nossos tertulianos queiram usar em público. O Carlos Vinhal não gosta de tratar ninguém por tu, fora das suas relações íntimas. O Beja Santos respondeu na mesma moeda: tratou o Carlos por você. Aliás, recordo-me de ele tratar por você os seus soldados do Pel Caç Nat 52. Eu e os meus soldados da CCAÇ 12 tratávamo-nos por tu. Sem complexos de inferioridade ou de superioridade. A nossa caserna é plural, pelo que deve respeitar as diferentes idiossincrasias, sensibilidades, particularidades...O mais importante é que todos e cada um se sintam confortáveis na tertúlia dos amigos e camaradas da Guiné.
Guiné 63/74 - P1239: Recordando o meu pai: era o silêncio o que mais custava ouvir-lhe (Ana Ferreira)
1. Segundo os nossos usos e costumes de cristãos (e antes deles, os antepassados dos nossos antepassados, recolectores-caçadores do Paleolítico Superior), hoje que é dia de lembrar todos os nossos entes queridos que partiram desta vida, incluindo os nossos camaradas que morreram na Guiné, incluindo as centenas que terão ficado enterrados, longe de casa, como o Lourenço, o Peixoto ou o Victoriano (Guidaje, Maio de 1973), ou muitos outros cuja nome a terra e os vivos já apagaram (em Bissau, em Bambadinca, e tantos outros 'cemitérios' militares, já aqui abundamente evocados (1) ...
Mas também podemos e devemos lembrar todos os que morreram precocemente, a seguir à guerra, ou muitos anos depois da guerra, na lassidão da paz que nunca chegaram a conhecer, vítimas de doença física ou mental, vítimas incluindo as do stresse pós-traumático de guerra...
2. Hoje que é de dia de lembrar, de maneira muito especial, os nossos mortos, mando-vos em primeira mão o testemunho de Ana Paula Ferreira, filha do nosso camarada, o cabo Ferreira, carinhosamente conhecido como o cabo 14... A Ana Ferreira, que eu não conheço pessoalmente, é professora e, além disso, é membro da nossa tertúlia, uma das poucas mulheres, de resto, que têm enviado os seus escritos para o nosso blogue.
É mais um testemunho puro e duro de alguém, de nós, da nossa tertúlia, a quem a guerra dói, ainda dói, e continuará a doer... Emocionou-me o seu testemunho e transmiti-lhe isso, a par do convite para aparecer num próxmo encontro da nossa tertúlia: todos gostaríamos, seguramente, de a poder conhecer.
3. Texto de Ana Ferreira (2):
"Quando regressei estava convencido que ia ser fácil esquecer, mas não foi", diz o José Teixeira (3). Acredito. Não o foi para o José nem para ninguém. Não o foi para os que lá estiveram , de facto, nem para os que viveram esta guerra, através dos que amavam.
Nos primeiros tempos, ainda eu não era nascida, sei que o meu pai acordava banhado em suores frios, gritando. Achava que ainda estava lá..... a minha mãe não conseguia perceber as palavras que proferia..... falava a língua de lá, que nós aqui não chegámos a aprender.
Anos depois contava-nos os episódios mais pitorescos... o riso das hienas, o banho de mar surpreendido por alguns tubarões curiosos... e depois a voz ficava grave e soturna quando se lembrava dos amigos com quem tinha partilhado tudo e que não tinham voltado. A fome, a sede, a falta de dinheiro, os aerogramas para a minha noiva querida, as ladaínhas repetidas sem vontade nem coragem de contar a verdade.
Era o silêncio que mais custava ouvir-lhe, era quando se calava que mais doía. A todos. Tenho pena que não tivesse dinheiro e não tivesse fugido para fora; tenho pena que tivesse que pactuar com algo tão errado; tenho pena que ele próprio achasse que já não havia retorno; apesar da guerra ser errada, a lealdade para com os amigos falava mais alto.
Um dia chamaram o seu nome. Chamaram o seu nome para uma curta viagem a Portugal. A Lisboa. Mas foi outro que embarcou. A sua incorrecção com superiores tinha desfeito o prémio do louvor "com indómita coragem...blah, blah , blah". Indómita, significaria na altura, a adrenalina que vem da certeza da morte demasiado próxima. Daí a vontade de ir para o mato. Tantos já lá haviam ficado, porque não ele?...
Pequeno e franzino mas sempre livre, mesmo sem o saber desafiava o destino, os superiores , a estupidez da guerra. Trouxe fotografias que desafiam a moral, a sanidade, a ética. Trouxe histórias que arrepiam. Sendo apenas um miúdo, revolta-me.
Hoje vivemos com uma geração que não sabe, não conhece, não quer conhecer. Sou professora e invariavelmente acabo por falar deste tema. Alguns alunos sabem que algum familiar esteve em África. Alguns falam em guerra colonial mas sem saber o que significa. Faço questão de lhes falar da História, da nossa História. Não são as datas, mas os factos. Peço-lhes para falarem, com tios, avós; alguém que tenha vivido nessa altura e tenha de facto, sabido, o que significava partir para o Ultramar (É claro que tenho de explicar o significado de Ultramar. É claro que tenho de explicar o que significa colonial. É claro que tenho de explicar o que significa guerra).
"Justiça moral"? Ninguém vai pedir desculpas pelas vidas então destruídas. Mas nós podemos continuar a falar. Ninguém, nem nada nos poderá impedir se assim o desejarmos. É um direiro que nos assiste e não reconhecerei a ninguém, nunca, o direito de mo retirar. Alguém roubou ao meu pai e a milhares de outros Portugueses, Homens e Mulheres, o direito de escolherem as suas próprias vidas. A esses desejo-lhes o Inferno: a falta de paz, de serenidade, de tranquilidade.
Não estou a ser ambiciosa. Lamento apenas, a nível pessoal, que o meu pai não tenha sobrevivido até hoje, para eu lhe poder contar, como tantos outros, ainda hoje se reunem e falam do que ele silenciou durante a sua curta vida. Afinal ele não estava sozinho nas suas recordações. Posso imaginar a sua comoção ao reencontrar amigos desses tempos tão longamente calados.
Obrigada por me fazerem sentir menos sozinha.
Filha do 1º Cabo Ferreira, Ana Ferreira
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Notas de L.G.:
(1) Vd., por exemplo, o post de 30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIX: Do Porto a Bissau (23): Os restos mais dolorosos do resto do Império (A. Marques Lopes)
(2) Vd. posts anteriores relacionados com a autora e com o seu pai:
8 de Abril de 2006 > Guiné 63/4 - DCLXXXV: Aerograma de Ana Paula Ferreira: o meu pai, o 1º cabo Ferreira (CCAÇ 617, BCAÇ 616, 1964/66)
9 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXVI: Cabo 14: pergunto-me se ele algum vez regressou, de facto (Ana Ferreira)
4 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1148: Cabo 14, um blogue de homenagem de uma filha a seu pai (Ana Ferreira)
(3) Vd. post de 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1214: Tão longe e tão perto, camaradas de Empada, Gandembel, Guileje, Buba, Mejo, Cacine, Tite, Guidaje ... (Zé Teixeira)