Hoje, dia 29 de Abril de 2009, a nossa querida camarada Giselda Pessoa acrescenta mais uma Primavera à sua vida.
A sua condição de mulher neste mundo de homens é singular, mas de pleno direito. Não fez a guerra como nós. A sua missão era bem diferente, bem mais nobre.
No dia do seu aniversário, queremos a homenagear também as suas companheiras de missão e todas as mulheres da nossa vida.
Nós, homens de barba rija, heróis de ocasião, resistentes a todas as privações impostas pelas degradantes condições próprias de uma guerra subversiva, em terras de uma África até então desconhecidas, somos afinal tão dependentes deste ser, que nós consideramos mais frágil, diria menos forte. Afinal, somos gerados no seu ventre, o seu sangue é o nosso primeiro alimento, o bater do seu coração é o primeiro som que ouvimos e o seu colo o nosso primeiro refúgio. Quando já autónomos e em crescimento, não fossem os cuidados da mãe, que seria de nós? E quando já velhotes, e elas nos tratam como se ainda fôssemos pequenos? O eterno feminino sempre presente na vida do homem.
Alguém falou da visão quase celestial de uma enfermeira pára-quedista em teatro de guerra. Naqueles momentos elas eram o prolongamento das nossas mães, esposas, irmãs e namoradas. Já foi aqui dito, mas nunca é demais repetir.
A Giselda Pessoa, no nosso Blogue, tem um estatuto especial por ser a única tertuliana, participante da Guerra Colonial, por ser uma das raras presenças activas da FAP, na nossa página, e por ter sobrevivido a um ataque de míssil Strela, tal, curiosamente, como o seu marido Miguel Pessoa, em ocasião diferente.
Do poste 3859
(...) 5. Em 6 de Abril de 1973, agora no Norte do território da Guiné, a fortuna foi ainda mais madrasta para o Grupo Operacional 1201 da Guiné. Nesse dia, muito cedo, um DO-27 pilotado pelo Furriel Baltazar da Silva partiu de Bissalanca para uma missão de apoio a um sector de Batalhão, a norte do rio Cacheu. Numa das movimentações, transportando um médico e um sargento de Bigene para Guidaje, o avião não chegou ao destino.
Tendo-se perdido o contacto com aquele avião, de Bissalanca descolaram meios aéreos para tentar localizá-lo e, quase em simultâneo, descolou outro DO-27 incumbido de proceder a uma evacuação sanitária pedida pelo aquartelamento do Guidaje. O avião era pilotado pelo Fur Carvalho e levava a bordo a enfermeira pára-quedista Giselda Antunes.
Também este avião não chegaria ao seu destino: alvejado por um míssil Strela, que o não alcançou por muito pouco, os comandos do DO-27 ficaram tão danificados pela acção da onda de choque, que teve de regressar à base de origem. [Giselda Antunes e Miguel Pessoa vieram a casar mais tarde, tornando-se, com toda a probabilidade, num casal único em todo o mundo: ambos foram alvejados por mísseis terra-ar Strela, e escaparam os dois à morte.] (**)
À Giselda, ao Miguel e à restante família desejamos as maiores felicidades. Que este dia se renove a cada 365, junto de todos vós.
Em nome da Tertúlia, deixo à Giselda 321 beijinhos, multiplicados muitas vezes, tantos serão os seus reconhecidos admiradores entre os nossos leitores ex-combatentes.
Deixamos algumas fotos publicadas no nosso Blogue, assim como a listagem de postes da Giselda ou a ela e às suas camaradas relativos.
A Enf.ª Srgt Pára-quedista Giselda Antunes, na Guiné, colhendo limões
Giselda Antunes, algures na Guiné.
Guiné > Bissau > Bissalanca > BA12 > A chegada do hospital, em maca, do Ten Pilav Miguel Pessoa. Do lado direito, a Enf Pára-quedista Giselda Antunes. O destino acabou por juntar para toda a vida a Giselda e o Miguel.
Foto do Srgt Coelho, da secção fotográfica da BA12.
Base Escola de Tancos > 1971 > 7.º curso de pára-quedismo, para enfermeiras civis. Foto de grupo.
Guiné > Bissalanca > BA 12 > 1972 > A Giselda (à direita), com um militar do Exército e a enfermeira Rosa Mota (Mendes pelo casamento).
Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1972 > A Gidelda junto do AL-III, com a respectiva tripulação, durante um alerta a operações, com base em Aldeia Formosa.
Guiné-Bissau > 1995 > Giselda Pessoa entre os despojos do Império
18 de Outubro de 2006 > Casal Pessoa no Museu das Tropas Pára-quedistas, no dia em que o Cor Miguel Pessoa ofereceu o seu pára-quedas àquele Museu.
A ex-Enf Pára-quedista Giselda Antunes recebendo das mãos do, então CEMFA, General Taveira Martins, um Diploma de agradecimento e reconhecimento pelos serviços prestados em prol dos combatentes feridos em combate, e não só. Esta homenagem que ocorreu em 20 de Junho de 2006, foi feita a TODAS as Enfermeiras Pára-quedistas, com a entrega de diplomas individuais.
Diploma de agradecimento entregue à Srgt Enf Pára-quedistas pelo CEMFA, devido ao serviço que prestou à FAP entre Agosto de 1970 e Maio de 1974.
Giselda e Miguel Pessoa, dois tertulianos que muito honram o nosso Blogue. Não haverá, seguramente, no mundo outro casal sobrevivo após ataques, em diferentes ocasiões, com mísseis Strella, às aeronaves em que seguiam.
__________
Notas de CV:
(*) 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3916: Tabanca Grande (121): Giselda Antunes Pessoa, ex-Enfermeira Pára-quedista (Agosto de 1970 / Maio de 1974)
(**) Vd. postes de:
9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)
e
14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3892: FAP (12): O Fur Mil Pil Mota, e as Enf páras Giselda e Natália, caídos no Como em 1973 e salvos pelos fuzos (Miguel Pessoa)
20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)
Sobre a série "As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas", Vd. postes de:
20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)
24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3931: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (2): Elementos para a sua história (1961-1974) (Cor Manuel A. Bernardo)
28 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3952: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (3): No fim do mundo (Giselda Pessoa)
7 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3994: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (4): Uma civil, e transmontana de Sabrosa, na tropa (Giselda Pessoa)
8 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3999: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (5): Justamente recordadas no Dia Internacional da Mulher (Miguel Pessoa)
14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4029: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (6): O anjo da guarda do Zé de Guidaje (Giselda Pessoa)
21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4065: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (7): Os tomates do Capelão da BA 12, Bissalanca... e outras frutas (Miguel Pessoa)
14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4181: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (8): A dar ao Ambu (Giselda Pessoa)
27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4255: Parabéns a você (6): Hugo Guerra, o homem que foi evacuado duas vezes e meia, faz hoje anos (Editores)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 29 de abril de 2009
terça-feira, 28 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4260: Convívios (119): CART 3521 (Piche, Bafatá, Safim, 1971/74): Monte Córdova, Santo Tirso, 10 de Junho (Henrique Castro)
O nosso Amigo e Camarada Tertuliano Henrique Castro (*), solicita-nos que publiquemos o seguinte apelo a todos os "guerreiros" da CART 3521, seus familiares e Amigos:
Vai decorrer mais um convívio desta nossa companhia organizado pelo Henrique Castro, que se vai realizar no próximo dia 10 de Junho de 2009, no Restaurante junto ao Mosteiro da Nossa Senhora da Assunção, em Monte Córdova, Santo Tirso.
A ementa será enviada, oportunamente, a todos os convidados juntamente com o esquema do itinerário.
Contactos:
Telefone: 252 932 774
Telemóvel - 911 927 361.
Também podem inscrever-se via e-mail para: henrique_50_@hotmail.com
Henrique Castro, ex- Sold Condutor Auto,
Guiné 63/74 - P4259: (Ex)citações (26): Caba Fati: Nunca poderia ser amigo do peito, mas também nunca senti ódio contra ele (Miguel Pessoa)
1. Reacção do Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74) ao teor do poste anterior (*):
Luís
Recebi esta tua notícia e não consigo encontrar um comentário adequado para te enviar. Bom, pensei 5 segundos e afinal cá vai este, só para ti:
Pelos vistos, ele teve mais sorte com os portugueses do que com os seus compatriotas...
Abraço. Miguel
PS - Devo dizer que nunca o encarei a ele como o "homem que me quis matar". Numa guerra muitas vezes nem há ódio envolvido nas acções que fazemos; trata-se, não de "querer matar alguém", mas sim de "querer evitar que alguém nos mate". Por isso nunca tive qualquer ódio ou ressentimento contra o Caba Fati, embora também não houvesse motivo para querer fazer dele meu "amigo do peito".
Por causa disto, lembrei-me daquela máxima que por vezes usávamos com ironia:
"Herói não é aquele que morre pela sua Pátria mas sim aquele que faz o inimigo morrer pela Pátria dele".
Quer-me parecer que, no nosso caso, mais do que heróis, houve mártires (que lá ficaram ou vieram estropiados ou traumatizados) e sobreviventes (que ainda andam por aí a tentar saber o porquê do sacrifício que lhes foi pedido). (**)
_____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)
(**) Vd. úktimo poste desta série > 25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4246: (Ex)citações (24): Sinto-me feliz por ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné (Salgueiro Maia)
Luís
Recebi esta tua notícia e não consigo encontrar um comentário adequado para te enviar. Bom, pensei 5 segundos e afinal cá vai este, só para ti:
Pelos vistos, ele teve mais sorte com os portugueses do que com os seus compatriotas...
Abraço. Miguel
PS - Devo dizer que nunca o encarei a ele como o "homem que me quis matar". Numa guerra muitas vezes nem há ódio envolvido nas acções que fazemos; trata-se, não de "querer matar alguém", mas sim de "querer evitar que alguém nos mate". Por isso nunca tive qualquer ódio ou ressentimento contra o Caba Fati, embora também não houvesse motivo para querer fazer dele meu "amigo do peito".
Por causa disto, lembrei-me daquela máxima que por vezes usávamos com ironia:
"Herói não é aquele que morre pela sua Pátria mas sim aquele que faz o inimigo morrer pela Pátria dele".
Quer-me parecer que, no nosso caso, mais do que heróis, houve mártires (que lá ficaram ou vieram estropiados ou traumatizados) e sobreviventes (que ainda andam por aí a tentar saber o porquê do sacrifício que lhes foi pedido). (**)
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)
(**) Vd. úktimo poste desta série > 25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4246: (Ex)citações (24): Sinto-me feliz por ter vingado todas as injustiças que nos fizeram na Guiné (Salgueiro Maia)
Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)
1. Mensagem de Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, 1972/74 (aqui ao lado da esposa, Giselda, antiga enfermeira pára-quedista, também ela 'strelada' na Guiné), enviada em 20 em Abril último:
Caro Luís
Lamento se estas palavras te vão desapontar, mas devo dizer desde já que não estou muito interessado em encontrar-me pessoalmente com o oficial guineense que me abateu (*). Apenas referi num comentário que pensava que ele tivesse outro nome mas, como vês, nem sequer me dei muito ao trabalho de o fixar...
Ao fim de tantos anos o assunto está enterrado e há muito que deixei de procurar o "homem do Strela", mais propriamente no dia em que embarquei em Bissau de regresso a Lisboa, no fim da minha comissão.
De uma coisa não me podem acusar - é o de não respeitar o meu adversário; talvez por isso ainda esteja cá. E se um encontro se proporcionasse, cumprimentaria o meu ex-inimigo com o respeito que lhe é devido como cidadão e militar guineense. Mas, vais-me desculpar, um abraço nessa situação seria para mim uma atitude hipócrita que eu muito dificilmente teria.
E não é por mim, que eu aguento bem tudo o que passei... e muito mais... Afinal, cada um de nós estava a cumprir a sua missão.
Mas ao cumprimentar amistosamente o meu ex-adversário, ficaria sempre com a dúvida se não estaria a cumprimentar o mesmo que abateu o Ten Cor [Pilav] Brito, pouco depois. E isso seria muito dfifícil de aceitar para mim, pelo respeito que me merece a sua memória.
Este blogue defende a partilha de memórias e de afectos. Esta minha atitude, parecendo pouco amistosa (que afinal nem o é), não terá por isso razão de ser publicada. Assim, prefiro enviar-te este e-mail para ti directamente, não o tendo integrado como comentário a este Poste.
As leituras que tenho feito no blogue deixam-me no entanto antever a possibilidade de distribuir uns bons abraços a uns tantos tertulianos. Talvez isso possa suceder já no próximo Encontro da Tabanca Grande.
Um abraço
Miguel Pessoa
2. Resposta do Luís Graça, na volta do correio:
Miguel:
Não me desapontas, bem pelo contrário. É essa tua frontalidade e ao mesmo tempo fairplay que eu aprecio em ti. Longe de mim a ideia de que este blogue tem que ser "politicamente correcto"... Eu quis ser irónico e provocador ao mesmo, indo na tua onda. Ora, aqui tenho a resposta de um homem sincero, vertical, amigo do seu amigo, camarada do seu camarada, que não andou a brincar às guerras... Há coisas com que se não pode brincar... a começar pelos nossos sentimentos profundos... Se calhar eu próprio pisei o risco... I ' m sorry.
De qualquer modo, se queres a minha opinião gostava de poder publicar o teu comentário, até para reafirmar o nosso (do blogue) pluralismo. Não fazemos fretes a ninguém, e muito menos aos nossos inimigos de ontem... A minha admiração por ti subiu mais uns palmos.
Uma boa semana. Luís
3. Réplica do Miguel:
Caro Luís:
Não vejo inconveniente em que publiques o meu comentário anterior. Não gosto de comprar guerras inúteis, mas também não costumo fugir a elas. Gostaria no entanto de fazer um reparo ao meu próprio comentário. No calor da resposta, a quente, ao próprio Post, acabado de publicar, referi-me apenas à memória do Ten Cor Brito (na foto, à esquerda), o que é profundamente injusto para com os outros pilotos que na mesma época foram igualmente vítimas do Strela. Assim, a frase estaria mais correcta se referisse:
"Mas ao cumprimentar amistosamente o meu ex-adversário, ficaria sempre com a dúvida se não estaria a cumprimentar o mesmo que, poucos dias depois, abateu o Ten Cor Brito, o Maj Mantovanni, o Fur Baltazar ou o Fur Ferreira. E isso seria muito dfifícil de aceitar para mim, pelo respeito que me merece a memória destes meus camaradas".
Dispõe do texto, de preferência com esta minha correcção.
Um abraço
Miguel
PS - Só para ti, a máxima do dia: "Não escolhemos os nossos inimigos, mas já o mesmo não se passa com os amigos que queremos" - Miguel Pessoa, 20 de Abril de 2009 (E esta, hein?)
4. Comentário do L.G.:
Miguel:
Obrigado. Vou publicar com a tua correcção e uma pequena explicação minha... Concordo contigo: Entre as poucas coisas que podemos escolher, estão de facto os amigos... Andas inspirado. Um abraço.
5. Nova mensagem , com duplo endereço:
Miguel: Quem conta um conto... Vamos à procura do Caba Fati... Vou pedir ajuda aos meus/nossos amigos de Bissau... Um abraço. Luís
Pepito: A tua gente... pode dar uma ajuda a localizar o major Caba Fati que apontou o Strela ao hoje Cor Pilav Ref Miguel Pessoa, em Guileje, em 25 de Março de 1973 ? Tens o contacto do Féfé Gomes... Um abraço para todos os nossos amigos da AD... Já vi o relatório [a AD, 2008], viu divulgá-lo... Luís
6. O meu/nosso amigo Pepito, da AD - Acção para o Desenvolvimento, acaba de me responder ao pedido meu para saber novas do homem que apontou o Strela ao Fiat G-91, pilotado pelo Ten Pilav Miguel Pessoa, na tarde do dia 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje:
Luís:
O Caba Fati faleceu durante a nossa guerra de 7 de Junho de 1998.
7. Eis a lacónico comentário que acabo de enviar, com o mail supra, ao Miguel:
Miguel: Já não poderás apertar a mão (e muito nenos dar um abraço) ao homem que te quis matar... Luís
PS - Esquecemo-nos, com frequência, que a Guiné-Bissau figura na lista dos países com menor esperança de vida média do mundo: menos de 45 anos, para os homens (em 2006)... contra mais de 75, em Portugal...
_________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4217: FAP (24): Afinal quem foi o camarada artilheiro do PAIGC que me 'strelou' em 25 de Março de 1973 ? Caba Fati ? (Miguel Pessoa)
Vd. també14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4185: Nino: Vídeos (4): Guidaje, Guileje, Gadamael: A Op Amílcar Cabral
Caro Luís
Lamento se estas palavras te vão desapontar, mas devo dizer desde já que não estou muito interessado em encontrar-me pessoalmente com o oficial guineense que me abateu (*). Apenas referi num comentário que pensava que ele tivesse outro nome mas, como vês, nem sequer me dei muito ao trabalho de o fixar...
Ao fim de tantos anos o assunto está enterrado e há muito que deixei de procurar o "homem do Strela", mais propriamente no dia em que embarquei em Bissau de regresso a Lisboa, no fim da minha comissão.
De uma coisa não me podem acusar - é o de não respeitar o meu adversário; talvez por isso ainda esteja cá. E se um encontro se proporcionasse, cumprimentaria o meu ex-inimigo com o respeito que lhe é devido como cidadão e militar guineense. Mas, vais-me desculpar, um abraço nessa situação seria para mim uma atitude hipócrita que eu muito dificilmente teria.
E não é por mim, que eu aguento bem tudo o que passei... e muito mais... Afinal, cada um de nós estava a cumprir a sua missão.
Mas ao cumprimentar amistosamente o meu ex-adversário, ficaria sempre com a dúvida se não estaria a cumprimentar o mesmo que abateu o Ten Cor [Pilav] Brito, pouco depois. E isso seria muito dfifícil de aceitar para mim, pelo respeito que me merece a sua memória.
Este blogue defende a partilha de memórias e de afectos. Esta minha atitude, parecendo pouco amistosa (que afinal nem o é), não terá por isso razão de ser publicada. Assim, prefiro enviar-te este e-mail para ti directamente, não o tendo integrado como comentário a este Poste.
As leituras que tenho feito no blogue deixam-me no entanto antever a possibilidade de distribuir uns bons abraços a uns tantos tertulianos. Talvez isso possa suceder já no próximo Encontro da Tabanca Grande.
Um abraço
Miguel Pessoa
2. Resposta do Luís Graça, na volta do correio:
Miguel:
Não me desapontas, bem pelo contrário. É essa tua frontalidade e ao mesmo tempo fairplay que eu aprecio em ti. Longe de mim a ideia de que este blogue tem que ser "politicamente correcto"... Eu quis ser irónico e provocador ao mesmo, indo na tua onda. Ora, aqui tenho a resposta de um homem sincero, vertical, amigo do seu amigo, camarada do seu camarada, que não andou a brincar às guerras... Há coisas com que se não pode brincar... a começar pelos nossos sentimentos profundos... Se calhar eu próprio pisei o risco... I ' m sorry.
De qualquer modo, se queres a minha opinião gostava de poder publicar o teu comentário, até para reafirmar o nosso (do blogue) pluralismo. Não fazemos fretes a ninguém, e muito menos aos nossos inimigos de ontem... A minha admiração por ti subiu mais uns palmos.
Uma boa semana. Luís
3. Réplica do Miguel:
Caro Luís:
Não vejo inconveniente em que publiques o meu comentário anterior. Não gosto de comprar guerras inúteis, mas também não costumo fugir a elas. Gostaria no entanto de fazer um reparo ao meu próprio comentário. No calor da resposta, a quente, ao próprio Post, acabado de publicar, referi-me apenas à memória do Ten Cor Brito (na foto, à esquerda), o que é profundamente injusto para com os outros pilotos que na mesma época foram igualmente vítimas do Strela. Assim, a frase estaria mais correcta se referisse:
"Mas ao cumprimentar amistosamente o meu ex-adversário, ficaria sempre com a dúvida se não estaria a cumprimentar o mesmo que, poucos dias depois, abateu o Ten Cor Brito, o Maj Mantovanni, o Fur Baltazar ou o Fur Ferreira. E isso seria muito dfifícil de aceitar para mim, pelo respeito que me merece a memória destes meus camaradas".
Dispõe do texto, de preferência com esta minha correcção.
Um abraço
Miguel
PS - Só para ti, a máxima do dia: "Não escolhemos os nossos inimigos, mas já o mesmo não se passa com os amigos que queremos" - Miguel Pessoa, 20 de Abril de 2009 (E esta, hein?)
4. Comentário do L.G.:
Miguel:
Obrigado. Vou publicar com a tua correcção e uma pequena explicação minha... Concordo contigo: Entre as poucas coisas que podemos escolher, estão de facto os amigos... Andas inspirado. Um abraço.
5. Nova mensagem , com duplo endereço:
Miguel: Quem conta um conto... Vamos à procura do Caba Fati... Vou pedir ajuda aos meus/nossos amigos de Bissau... Um abraço. Luís
Pepito: A tua gente... pode dar uma ajuda a localizar o major Caba Fati que apontou o Strela ao hoje Cor Pilav Ref Miguel Pessoa, em Guileje, em 25 de Março de 1973 ? Tens o contacto do Féfé Gomes... Um abraço para todos os nossos amigos da AD... Já vi o relatório [a AD, 2008], viu divulgá-lo... Luís
6. O meu/nosso amigo Pepito, da AD - Acção para o Desenvolvimento, acaba de me responder ao pedido meu para saber novas do homem que apontou o Strela ao Fiat G-91, pilotado pelo Ten Pilav Miguel Pessoa, na tarde do dia 25 de Março de 1973, sob os céus de Guileje:
Luís:
O Caba Fati faleceu durante a nossa guerra de 7 de Junho de 1998.
7. Eis a lacónico comentário que acabo de enviar, com o mail supra, ao Miguel:
Miguel: Já não poderás apertar a mão (e muito nenos dar um abraço) ao homem que te quis matar... Luís
PS - Esquecemo-nos, com frequência, que a Guiné-Bissau figura na lista dos países com menor esperança de vida média do mundo: menos de 45 anos, para os homens (em 2006)... contra mais de 75, em Portugal...
_________
Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4217: FAP (24): Afinal quem foi o camarada artilheiro do PAIGC que me 'strelou' em 25 de Março de 1973 ? Caba Fati ? (Miguel Pessoa)
Vd. també14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4185: Nino: Vídeos (4): Guidaje, Guileje, Gadamael: A Op Amílcar Cabral
Guiné 63/74 - P4257: Os Anos da Guerra, de C. Matos Gomes e A. Afonso (3): Uma caricatura de Gandembel/Balana (José Brás)
1. Mais um texto do José Brás, ex-Fur Mil da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), que vinha a acompanhado da seguinte nota prévia:
Caríssimo amigo Carlos Vinhal:
Enviei a mensagem que abaixo volto a juntar com algumas correcções. Depois de ler o poste do Idálio Reis, de 25 de Abril (*), a minha admiração pela gente que tudo isto aguentou, não deixa de crescer.
Ainda por cima, percebendo-lhes as dúvidas sobre a operação e a guerra que já detinham na altura, motivados, então, apenas por firmes certezas dos deveres que o viver numa comunidade carregam num ser humano com grandeza.
Depois deste poste, as perguntas que coloca fazem todo o sentido e, embora com enormes dúvidas sobre outras motivações dos autores, a legitimidade das questões que coloca estão mais que garantidas.
Abraços para ti e para toda esta gente grande mas desconhecida dos portugueses
José Brás
2. Os Anos da Guerra, de C. Carlos Gomes e A. Afonso (3) >Uma caricatura de Gandembel / Balana
Carlos, meu camarada
Li a última entrada do Alberto Branquinho com o título "REFERÊNCIAS AVULSAS QUE PODEM CONSTRUIR IMAGENS REDUTORAS". (**)
Li e não pude deixar de concordar com o que diz, ainda que me pareça tudo isto uma grande molhada de equívocos.
Aos autores de Os ANOS DA GUERRA COLONIAL haverá de ter-se posto a questão do objectivo do trabalho antes de começarem a juntar peças. Imagino que se terão interrogado muitas vezes, cada um em si próprio, e todos em grupo, sobre o alcance da obra, e, consequentemente, sobre o quê e como seria cada coisa posta em seu lugar para que no fim o edifício parecesse útil, credível, claro e, ainda que afastado de pretensões artísticas, de algum modo, não desmerecesse do ponto de vista estético.
Treze anos de guerra em três frentes tão distantes da direcção política, e cada uma entre si, não poderia ter deixado de produzir momentos de grande dimensão militar, política e social.
Fazer a história do fenómeno é uma tarefa colossal. Terá sempre de se abordar tal trabalho com uma perspectiva aberta e grata para com os autores, uma perspectiva capaz, por um lado, entender lapsos de rigor, reduções, incorrecções de análise sobre motivações, objectivos, estratégias e tácticas, meios, acção, datas, resultados, etc.; por outro lado, a quem quiser, souber e puder, complementar o dito pelos autores, evidentemente, não metendo foice em seara alheia, mas utilizando outros meios, sobretudo como tem feito o Branquinho, a estampa e a Tabanca.
Lendo o n.º 9 da colecção do Correio da Manha (com til), Gandembel parece realmente uma coisinha.
E entretanto foi uma coisa enorme. Acho eu (sem grande precisão) que Spínola ao chegar à Guiné lhe terá chamado uma enorme parvoíce.
Não estive lá, quer dizer, com os pés assentes no local exacto, sofrendo as flagelações contínuas, a falta de tudo, a desconfiança sobre o objectivo da acção, a sensação de viver um dia de cada vez porque cada dia, cada hora, cada minuto, podem ser últimos.
Direi apenas que estava em Guileje, na sequência da minha delegação de entrega de material à Companhia que substituiu a minha em Mejo, transferida para Bolama por decisão de Junta Médica vinda de Bissau.
Entregue o material, na primeira coluna a Guileje juntei-me para aguardar a continuação para Gadamael e pegar cacilheiro que me levasse a Bolama onde a minha Companhia estava em recuperação.
De maneira(s) que...caí mesmo no frenesi do início da Operação Gandembel. Era amigo de quase todos os Furriéis da Companhia do Capitão Corvacho e do Pelotão Fox[, a CAR 1613, Guileje, 1967/68]. A minha ansiedade não era menor do que se fora a minha própria Companhia a marchar.
Aliás, estive quase para seguir na coluna para apoiar a instalação das comunicações em Gandembel, porém, não me lembro hoje como, foi decidido que não. Os dezassete quilómetros(?) de Guileje ao local chamado de Gandembel, foi feito sem um tiro.
A noite dos corpos que se acomodavam nas covas cavadas à chegada, não foi assim, e, em Guileje se ouviam as explosões dos muitos ataques ao lugar.
Nos dias que fiquei em Guileje assisti de ouvido aos diários bombardeamentos e ao tiroteio das emboscadas nas colunas.
Por vezes, a intensidade e a cadência das explosões era tal, que o nos chegava a Guileje era mais uma só onda sonora, troando colada apenas com diferenças na modulação do volume.
E aquilo durou meses! Gente instalada em valas. Construção de edifícios que, julgo, se desmoronavam e reconstruíam ao ritmo das flagelações do PAIGC e da teimosia heróica daqueles que de tudo careciam ali.
Quem lá viveu é que poderá falar (se quiser) com rigor e profundidade daquela etapa da guerra, dos pontos de vista militar e da experiência humana onde terá ser metida a fome e a sede, a febre da malária, o cheiro do suor de largos dias sem gota de água e menos ainda de sabão, a rotina de feridos e mortes.
O que Matos Gomes e Aniceto Afonso escrevem é apenas uma caricatura do real.
Sempre poderiam fazê-lo de modo mais próximo desse real, se o seu objectivo é dar a conhecer aos cidadãos em geral a intensidade e a grandeza do esforço assumido, e eu acho que sim, uma vez que a escolha foi pela edição em Órgão de Comunicação meio popular, meio qualquer coisa.
Não sei é se lhes seria possível chegar a tanto porque outras conveniências se levantam sempre à volta de projectos deste tipo. De qualquer modo, creio bem empregue o tempo e o dinheiro gastos na publicação.
Abraços a todos vocês
____
Notas de J.B.:
(i) Depois de escrever isto, acabei por ler antiga troca de postes entre o Branquinho e Idálio com Hugo Guerra (com esse nome, meu amigo, estava nela, duplamente) pelo meio, mais acentua a minha sensação de equívocos.
Eu e o Branquinho, além da zona do corredor de Guileje, temos outra afinidade, a TAP.
(ii) Outra nota:
De resto, coisa que me espanta é que, em Os anos da Guerra Colonial, parece que apenas Comandos e Páras andaram pelo Corredor de Guileje naquele tempo. Infelizmente em Mejo e Guileje tive alguns amigos que por lá deixaram sangue e vida.
Não conheço Aniceto Afonso. Conheço e prezo muito Matos Gomes por cuja honestidade intelectual tenho grande admiração, reforçada, aliás, pelo convívio na participação comum em debates sobre a literatura da Guerra Colonial nos anos oitenta/noventa.
Creio que fazem o que podem.
__________
Notas do co-editor M. R.:
(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4250: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (2): Quem tramou a CCAÇ 2317? (Idálio Reis)
(**) Vd. 24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4241: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (1): Uma visão redutora do inferno de Gandembel (Alberto Branquinho)
Caríssimo amigo Carlos Vinhal:
Enviei a mensagem que abaixo volto a juntar com algumas correcções. Depois de ler o poste do Idálio Reis, de 25 de Abril (*), a minha admiração pela gente que tudo isto aguentou, não deixa de crescer.
Ainda por cima, percebendo-lhes as dúvidas sobre a operação e a guerra que já detinham na altura, motivados, então, apenas por firmes certezas dos deveres que o viver numa comunidade carregam num ser humano com grandeza.
Depois deste poste, as perguntas que coloca fazem todo o sentido e, embora com enormes dúvidas sobre outras motivações dos autores, a legitimidade das questões que coloca estão mais que garantidas.
Abraços para ti e para toda esta gente grande mas desconhecida dos portugueses
José Brás
2. Os Anos da Guerra, de C. Carlos Gomes e A. Afonso (3) >Uma caricatura de Gandembel / Balana
Carlos, meu camarada
Li a última entrada do Alberto Branquinho com o título "REFERÊNCIAS AVULSAS QUE PODEM CONSTRUIR IMAGENS REDUTORAS". (**)
Li e não pude deixar de concordar com o que diz, ainda que me pareça tudo isto uma grande molhada de equívocos.
Aos autores de Os ANOS DA GUERRA COLONIAL haverá de ter-se posto a questão do objectivo do trabalho antes de começarem a juntar peças. Imagino que se terão interrogado muitas vezes, cada um em si próprio, e todos em grupo, sobre o alcance da obra, e, consequentemente, sobre o quê e como seria cada coisa posta em seu lugar para que no fim o edifício parecesse útil, credível, claro e, ainda que afastado de pretensões artísticas, de algum modo, não desmerecesse do ponto de vista estético.
Treze anos de guerra em três frentes tão distantes da direcção política, e cada uma entre si, não poderia ter deixado de produzir momentos de grande dimensão militar, política e social.
Fazer a história do fenómeno é uma tarefa colossal. Terá sempre de se abordar tal trabalho com uma perspectiva aberta e grata para com os autores, uma perspectiva capaz, por um lado, entender lapsos de rigor, reduções, incorrecções de análise sobre motivações, objectivos, estratégias e tácticas, meios, acção, datas, resultados, etc.; por outro lado, a quem quiser, souber e puder, complementar o dito pelos autores, evidentemente, não metendo foice em seara alheia, mas utilizando outros meios, sobretudo como tem feito o Branquinho, a estampa e a Tabanca.
Lendo o n.º 9 da colecção do Correio da Manha (com til), Gandembel parece realmente uma coisinha.
E entretanto foi uma coisa enorme. Acho eu (sem grande precisão) que Spínola ao chegar à Guiné lhe terá chamado uma enorme parvoíce.
Não estive lá, quer dizer, com os pés assentes no local exacto, sofrendo as flagelações contínuas, a falta de tudo, a desconfiança sobre o objectivo da acção, a sensação de viver um dia de cada vez porque cada dia, cada hora, cada minuto, podem ser últimos.
Direi apenas que estava em Guileje, na sequência da minha delegação de entrega de material à Companhia que substituiu a minha em Mejo, transferida para Bolama por decisão de Junta Médica vinda de Bissau.
Entregue o material, na primeira coluna a Guileje juntei-me para aguardar a continuação para Gadamael e pegar cacilheiro que me levasse a Bolama onde a minha Companhia estava em recuperação.
De maneira(s) que...caí mesmo no frenesi do início da Operação Gandembel. Era amigo de quase todos os Furriéis da Companhia do Capitão Corvacho e do Pelotão Fox[, a CAR 1613, Guileje, 1967/68]. A minha ansiedade não era menor do que se fora a minha própria Companhia a marchar.
Aliás, estive quase para seguir na coluna para apoiar a instalação das comunicações em Gandembel, porém, não me lembro hoje como, foi decidido que não. Os dezassete quilómetros(?) de Guileje ao local chamado de Gandembel, foi feito sem um tiro.
A noite dos corpos que se acomodavam nas covas cavadas à chegada, não foi assim, e, em Guileje se ouviam as explosões dos muitos ataques ao lugar.
Nos dias que fiquei em Guileje assisti de ouvido aos diários bombardeamentos e ao tiroteio das emboscadas nas colunas.
Por vezes, a intensidade e a cadência das explosões era tal, que o nos chegava a Guileje era mais uma só onda sonora, troando colada apenas com diferenças na modulação do volume.
E aquilo durou meses! Gente instalada em valas. Construção de edifícios que, julgo, se desmoronavam e reconstruíam ao ritmo das flagelações do PAIGC e da teimosia heróica daqueles que de tudo careciam ali.
Quem lá viveu é que poderá falar (se quiser) com rigor e profundidade daquela etapa da guerra, dos pontos de vista militar e da experiência humana onde terá ser metida a fome e a sede, a febre da malária, o cheiro do suor de largos dias sem gota de água e menos ainda de sabão, a rotina de feridos e mortes.
O que Matos Gomes e Aniceto Afonso escrevem é apenas uma caricatura do real.
Sempre poderiam fazê-lo de modo mais próximo desse real, se o seu objectivo é dar a conhecer aos cidadãos em geral a intensidade e a grandeza do esforço assumido, e eu acho que sim, uma vez que a escolha foi pela edição em Órgão de Comunicação meio popular, meio qualquer coisa.
Não sei é se lhes seria possível chegar a tanto porque outras conveniências se levantam sempre à volta de projectos deste tipo. De qualquer modo, creio bem empregue o tempo e o dinheiro gastos na publicação.
Abraços a todos vocês
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Notas de J.B.:
(i) Depois de escrever isto, acabei por ler antiga troca de postes entre o Branquinho e Idálio com Hugo Guerra (com esse nome, meu amigo, estava nela, duplamente) pelo meio, mais acentua a minha sensação de equívocos.
Eu e o Branquinho, além da zona do corredor de Guileje, temos outra afinidade, a TAP.
(ii) Outra nota:
De resto, coisa que me espanta é que, em Os anos da Guerra Colonial, parece que apenas Comandos e Páras andaram pelo Corredor de Guileje naquele tempo. Infelizmente em Mejo e Guileje tive alguns amigos que por lá deixaram sangue e vida.
Não conheço Aniceto Afonso. Conheço e prezo muito Matos Gomes por cuja honestidade intelectual tenho grande admiração, reforçada, aliás, pelo convívio na participação comum em debates sobre a literatura da Guerra Colonial nos anos oitenta/noventa.
Creio que fazem o que podem.
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Notas do co-editor M. R.:
(*) Vd. poste de 25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4250: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (2): Quem tramou a CCAÇ 2317? (Idálio Reis)
(**) Vd. 24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4241: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (1): Uma visão redutora do inferno de Gandembel (Alberto Branquinho)
Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (I Parte)
1. Primeira parte da segunda história para a série A Guerra vista de Bafatá, enviada pelo nosso camarada Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, no dia 25 de Abril de 2009:
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
2 - UM ALFERES DESTACADO (DESTERRADO) EM MADINA XAQUILI COM UM CANO (SÓ O CANO) DUM MORTEIRO 60. – Parte 1
Preâmbulo:
Como já tive oportunidade de referir anteriormente, com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever, até por qualquer leigo em matérias militares, que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossê, aproximando-se de Bafatá.
Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossê era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.
É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro que me asseguraria a logística.
De 12 a 24 de Junho de 1969 foi o tempo que estive fora do Agrupamento.
Por sorte, muita sorte, fui e vim sem nada me acontecer como descreverei neste relato, que em vez de chamar Diário deveria chamar Horário, tal a intensidade com que vivi esta experiência de contacto directo com a realidade da guerra, embora por sorte não chegasse a ter o baptismo de fogo (esse baptismo calhou lá em Madina Xaquili ao camarada Luís Graça, em farda n.º 2, precisamente um mês depois de eu ter saído de lá). Posteriormente e durante uma semana, houve mais dois ataques.
Segundo me contaram, no 1.º ataque teria morrido o militar que enquanto lá estive, fez as vezes de meu ordenança. Gostaria muito, da não confirmação desse facto, pelo que vou identificá-lo na foto em que aparecemos os dois durante uma Operação que fizemos na zona de Padada.
A petiscar na Operação que fizemos (com a segurança montada). Eu estou sentado e o militar em questão de pé, à direita. Padada, 21JUN69.
Relato do 1.º e 2.º dias – 12/13 de Junho de 69:
Nesse primeiro dia segui numa coluna do Esquadrão de Cavalaria (cujo aquartelamento era encostado ao do Agrupamento) para Bambadinca. Quando estava a pôr numa GMC uma mala com roupa e um colchão de espuma, chega o Sr. Cap Campos, Comandante do Esquadrão, dizendo que eu não podia levar o colchão pois eram coisas de mais!!! Salvo algumas excepções, sempre houve uma certa antipatia em relação aos militares de Infantaria por parte dos oficiais do Esquadrão (que se achavam superiores …) Como eu já não era nenhum periquito e sabia o terror que o Cor. Felgas exercia sobre os Oficiais do Quadro, retorqui:
- Foi o nosso Cor. Felgas que disse para levar o colchão.
Engoliu em seco e lá fui até Bambadinca, onde vim a pernoitar. Encontrei lá o Alf Mil Almeida, do Pel Caç Nat 63, que tinha sido meu colega no liceu em Bragança e que me mostrou os cantos à casa e os poucos estragos do 1.º ataque, 15 dias antes. Jantei e a seguir, cumprindo instruções, lá fui com o Chico Almeida sentar-me em cima dum abrigo, à conversa até cerca da uma da manhã, pois o outro ataque tinha sido a essa hora. Aí fiquei a saber que naquele momento estavam a torcer o braço a um possível elemento IN que tinham capturado naquele dia. Nada aconteceu, fui dormir.
Nunca é demais rever Bambadinca de outro ângulo.
No dia seguinte, sem as mordomias do Agrupamento e talvez por as canalizações estarem avariadas por causa do 1.º ataque em 28 de Maio de 69 [, a Bambadinca], tomei o meu 1.º banho à fula.
Um banho não à fula mas de fula
Depois do banho > Bafatá, Setembro de 1968
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
À tarde segui noutra coluna para Galomaro. Sorte e mais sorte, o IN já estaria a fazer a aproximação para o 2.º ataque a Bambadinca, pois foi atacada nessa noite (13Junho de 69).
Cheguei a Galomaro quase à hora de jantar e tomei contacto com outro tipo de Aquartelamento (ainda não tinha sido construído o verdadeiro aquartelamento): As refeições, a cozinha, o comando da Companhia funcionava tudo, ao que me pareceu, numa palhota grande. Todo o pessoal, desde o Comandante até ao último soldado dormiam num barracão, antigo celeiro da mancarra. Foi aí que tentei dormir: Entravam e saíam militares de e para os seus postos e sobretudo centenas de rãs coaxavam num charco encostado ao barracão, sendo o som reflectido e ampliado para dentro pelo entablamento do telhado. Tudo isso era para mim um pouco estranho, mas o que me meteu realmente impressão foi o facto de pensar na possibilidade da entrada de um elemento IN onde dormia toda a Companhia. Seria uma mortandade.
Depois do jantar houve o respectivo breefing sobre a minha ida para a tabanca.
O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar, deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.
Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam escolheu, um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista.
Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas. Perante a minha insistência em levar mais alguma coisa, apenas conseguiu desencantar uma caixa de granadas tipo pinha que, pelo aspecto das mesmas e da caixa de madeira toda podre e esburacada das térmitas, dava ideia que as ditas granadas já tinham feito a última Grande Guerra. Como não estavam escorvadas não tive receio de as levar aos saltos pela picada.
Quanto a géneros, levámos os habituais: latas de atum, de chispe, etc.
Entretanto, pelas 9 ou 10 horas lá se ouviu o 2.º ataque a Bambadinca. Sorte a minha...
No dia a seguir, 14 de Junho de 69, o meu 3.º dia dessa já longínqua experiência, vou chegar a Madina Xaquili (**) onde passarei dias com uma intensidade de acontecimentos nunca antes vividos, mas esse relato será incluído no próximo Poste.
Até para a semana camaradas.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. primeiro poste da série de 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades
(**) Sobre Madina Xaquili, vd. postes de:
26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2000: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (55): Uma visita a Enxalé, um tornado em Bambadinca, um enterro em Madina Xaquili...
14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili
29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)
(...) "(l) Julho/69: Baptismo de fogo em Madina Xaquili
"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].
"Entretanto, o 1º Gr Comb efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, [no chamado Rio Geba Estreito], tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15).
"Este afluente do Rio Geba está referenciado como um ponto de cambança [travessia] do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 8 de Fevereiro último e logo ocupada pelo IN] e visando especialmente as tabancas de Cossé, Cabomba e Binafa.
"Dias antes IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé [donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas]e reagido a uma emboscada das NT.
Sori Jau, a primeira vítima em combate
"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.
"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].
"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau].
"A 25, os três Gr Comb regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no sub-sector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).
"No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, o aquartelamento seria flagelado com canhão s/r e mort 82 durante 10 minutos.
"A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá [, a norte do Rio Geba,] a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do RPassa (limite a partir do qual começa a ZI do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas.
"Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).
"Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada (…), [falta aqui um bocado de texto, presumo que fosse em Sansacutà ], na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca" (...).
A GUERRA VISTA DE BAFATÁ
2 - UM ALFERES DESTACADO (DESTERRADO) EM MADINA XAQUILI COM UM CANO (SÓ O CANO) DUM MORTEIRO 60. – Parte 1
Preâmbulo:
Como já tive oportunidade de referir anteriormente, com a retirada das NT de Madina do Boé a 05/06FEV69 e na sequência do fracasso da Op Lança Afiada em Março de 69 era de prever, até por qualquer leigo em matérias militares, que o IN progrediria no terreno, para Norte, ameaçando as zonas povoadas do Cossê, aproximando-se de Bafatá.
Em princípios de Junho de 1969 chega ao Agrupamento uma ordem do Comando Chefe que determinava o envio de oficiais disponíveis, enquadrando grupos de militares, para as tabancas da periferia da zona habitada, no intuito de segurar lá as populações. Sabia-se que a região do Cossê era habitada predominantemente por fulas e que estes, ao mínimo pressentimento de problemas, se deslocavam aproximando-se de Bafatá.
É neste contexto que o Cor Felgas, meu Comandante (e do Agrupamento), determina que eu vá para Madina Xaqili, sendo a Companhia sediada em Galomaro que me asseguraria a logística.
De 12 a 24 de Junho de 1969 foi o tempo que estive fora do Agrupamento.
Por sorte, muita sorte, fui e vim sem nada me acontecer como descreverei neste relato, que em vez de chamar Diário deveria chamar Horário, tal a intensidade com que vivi esta experiência de contacto directo com a realidade da guerra, embora por sorte não chegasse a ter o baptismo de fogo (esse baptismo calhou lá em Madina Xaquili ao camarada Luís Graça, em farda n.º 2, precisamente um mês depois de eu ter saído de lá). Posteriormente e durante uma semana, houve mais dois ataques.
Segundo me contaram, no 1.º ataque teria morrido o militar que enquanto lá estive, fez as vezes de meu ordenança. Gostaria muito, da não confirmação desse facto, pelo que vou identificá-lo na foto em que aparecemos os dois durante uma Operação que fizemos na zona de Padada.
A petiscar na Operação que fizemos (com a segurança montada). Eu estou sentado e o militar em questão de pé, à direita. Padada, 21JUN69.
Relato do 1.º e 2.º dias – 12/13 de Junho de 69:
Nesse primeiro dia segui numa coluna do Esquadrão de Cavalaria (cujo aquartelamento era encostado ao do Agrupamento) para Bambadinca. Quando estava a pôr numa GMC uma mala com roupa e um colchão de espuma, chega o Sr. Cap Campos, Comandante do Esquadrão, dizendo que eu não podia levar o colchão pois eram coisas de mais!!! Salvo algumas excepções, sempre houve uma certa antipatia em relação aos militares de Infantaria por parte dos oficiais do Esquadrão (que se achavam superiores …) Como eu já não era nenhum periquito e sabia o terror que o Cor. Felgas exercia sobre os Oficiais do Quadro, retorqui:
- Foi o nosso Cor. Felgas que disse para levar o colchão.
Engoliu em seco e lá fui até Bambadinca, onde vim a pernoitar. Encontrei lá o Alf Mil Almeida, do Pel Caç Nat 63, que tinha sido meu colega no liceu em Bragança e que me mostrou os cantos à casa e os poucos estragos do 1.º ataque, 15 dias antes. Jantei e a seguir, cumprindo instruções, lá fui com o Chico Almeida sentar-me em cima dum abrigo, à conversa até cerca da uma da manhã, pois o outro ataque tinha sido a essa hora. Aí fiquei a saber que naquele momento estavam a torcer o braço a um possível elemento IN que tinham capturado naquele dia. Nada aconteceu, fui dormir.
Nunca é demais rever Bambadinca de outro ângulo.
No dia seguinte, sem as mordomias do Agrupamento e talvez por as canalizações estarem avariadas por causa do 1.º ataque em 28 de Maio de 69 [, a Bambadinca], tomei o meu 1.º banho à fula.
Um banho não à fula mas de fula
Depois do banho > Bafatá, Setembro de 1968
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
À tarde segui noutra coluna para Galomaro. Sorte e mais sorte, o IN já estaria a fazer a aproximação para o 2.º ataque a Bambadinca, pois foi atacada nessa noite (13Junho de 69).
Cheguei a Galomaro quase à hora de jantar e tomei contacto com outro tipo de Aquartelamento (ainda não tinha sido construído o verdadeiro aquartelamento): As refeições, a cozinha, o comando da Companhia funcionava tudo, ao que me pareceu, numa palhota grande. Todo o pessoal, desde o Comandante até ao último soldado dormiam num barracão, antigo celeiro da mancarra. Foi aí que tentei dormir: Entravam e saíam militares de e para os seus postos e sobretudo centenas de rãs coaxavam num charco encostado ao barracão, sendo o som reflectido e ampliado para dentro pelo entablamento do telhado. Tudo isso era para mim um pouco estranho, mas o que me meteu realmente impressão foi o facto de pensar na possibilidade da entrada de um elemento IN onde dormia toda a Companhia. Seria uma mortandade.
Depois do jantar houve o respectivo breefing sobre a minha ida para a tabanca.
O Capitão, pessoa afável que gostaria agora de identificar, deu-me todas as indicações sobre o que iria encontrar em Madina Xaquili.
Sobre os 7 militares metropolitanos que me acompanhariam escolheu, um que sabia cozinhar, um que sabia fazer pão, outro que sabia de enfermagem e um rádio-telegrafista.
Quanto ao armamento que me iria fornecer, fiquei alarmado: Além das G3 e de algumas granadas, só tinha o cano (só o cano e um cepo de madeira a servir de prato) de um morteiro 60, e 16 (dezasseis) granadas. Perante a minha insistência em levar mais alguma coisa, apenas conseguiu desencantar uma caixa de granadas tipo pinha que, pelo aspecto das mesmas e da caixa de madeira toda podre e esburacada das térmitas, dava ideia que as ditas granadas já tinham feito a última Grande Guerra. Como não estavam escorvadas não tive receio de as levar aos saltos pela picada.
Quanto a géneros, levámos os habituais: latas de atum, de chispe, etc.
Entretanto, pelas 9 ou 10 horas lá se ouviu o 2.º ataque a Bambadinca. Sorte a minha...
No dia a seguir, 14 de Junho de 69, o meu 3.º dia dessa já longínqua experiência, vou chegar a Madina Xaquili (**) onde passarei dias com uma intensidade de acontecimentos nunca antes vividos, mas esse relato será incluído no próximo Poste.
Até para a semana camaradas.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. primeiro poste da série de 27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades
(**) Sobre Madina Xaquili, vd. postes de:
26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2000: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (55): Uma visita a Enxalé, um tornado em Bambadinca, um enterro em Madina Xaquili...
14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili
29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)
(...) "(l) Julho/69: Baptismo de fogo em Madina Xaquili
"Ainda não haviam sido distribuídos os camuflados às praças africanas quando a CCAÇ 12 fez a sua primeira saída para o mato. A 21, três Gr Comb (2º, 3º e 4º) seguiam em farda nº 3 para Madina Xaquili a fim de reforçar temporariamente o sub- sector de Galomaro,[a sul de Bafatá].
"Entretanto, o 1º Gr Comb efectuaria à tarde uma patrulha de segurança ao Mato Cão, [no chamado Rio Geba Estreito], tendo detectado vestígios muito recentes do IN que fizera uma tentativa de sabotagam da ponte sobre o Rio Gambana, provavelmente na altura do último ataque a Missirá (a 15).
"Este afluente do Rio Geba está referenciado como um ponto de cambança [travessia] do IN. Depois de se ter mostrado particularmente activo, durante o mês anterior na zona oeste do Sector L1 (triângulo Xime-Bambadinca-Xitole), o IN procurava agora abrir uma nova frente a leste, utilizando as linhas de infiltração do Boé [Madina do Boé tinha sido abandonada pelas NT em 8 de Fevereiro último e logo ocupada pelo IN] e visando especialmente as tabancas de Cossé, Cabomba e Binafa.
"Dias antes IN tinha atacado três tabancas do regulado de Cossé [donde era oriunda a maior parte das nossas praças africanas]e reagido a uma emboscada das NT.
Sori Jau, a primeira vítima em combate
"Seria, aliás, em Madina Xaquili que a CCAÇ 12 teria o seu baptismo de fogo. Os três Gr Comb haviam regressado, em 24, à tarde, dum patrulhamento ofensivo na região de Padada, tendo ficado dois dias emboscados no mato (Op Elmo Torneado), quando Madina Xaquili foi atacada ao anoitecer por um grupo IN que muito provavelmente veio no seu encalce.
"0 ataque deu-se no momento em que dois Gr Comb da CCAÇ 2446 que vinha render a CCAÇ 12, saíram da tabanca a fim de se emboscarem. [Esta companhia madeirense teve dois mortos e vários feridos].
"0 IN utilizou mort 60, lança-rockets e armas ligeiras, tendo danificado uma viatura e causado vári¬os feridos às NT. O primeiro ferido da CCAÇ 12 foi o soldado Sori Jau, do 3º GR Comb, evacuado no dia seguinte para o HM [Hospital Militar] 241 [Bissau].
"A 25, os três Gr Comb regressam a Bambadinca com a sua primeira experiência de combate. Nesse mesmo dia, o 1º Gr Comb participava numa operação, a nível de Batalhão no sub-sector do Xime. Foram detectados vestígios recentes do IN na área do Poindon mas não houve contacto (Op Hipopótamo).
"No dia seguinte à tarde, depois das NT terem regressado ao Xime, o aquartelamento seria flagelado com canhão s/r e mort 82 durante 10 minutos.
"A 26, o 4º Gr Comb segue para Missirá [, a norte do Rio Geba,] a fim de realizar com o Pel Caç Nat 52 uma patrulha de nomadização na região de Sancorlã/ Salá até à margem esquerda do RPassa (limite a partir do qual começa a ZI do Com-Chefe), com emboscada entre Salá e Cossarandin onde o IN vinha com frequência reabastecer-se de vacas.
"Verificou-se que os trilhos referenciados não eram utilizados durante o tempo das chuvas (Op Gaúcho).
"Entretanto, uma secção da CCAÇ 12 passava a ficar permanentemente destacada (…), [falta aqui um bocado de texto, presumo que fosse em Sansacutà ], na sequência de informações de que o IN se instalava de novo no regulado do Corubal, e na previsão duma acção de força contra o eixo de tabancas em auto-defesa a sudeste de Bambadinca" (...).
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segunda-feira, 27 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4255: Parabéns a você (6): Hugo Guerra, o homem que foi evacuado duas vezes e meia, faz hoje anos (Editores)
Hugo Guerra, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)... Não, ele nunca comandou o Pel Caç Nat 50. Já nos pediu para corrigir este pormenor curricular... Aqui fica a correcção.
Mas hoje estamos aqui para lhe deixarmos uma notinha... de parabéns, com votos de muita saúde e felicidades, para ele e para os seus. O Hugo hoje faz anos. Hoje é o seu dia especial. Pois, que tenha um belo dia de anos. São os votos dos editores do blogue e do resto da Tabanca Grande.
Devemos dizer que soubemos por acaso desta efeméride. Não temos nenhum ficheiro, com a data de nascimento do pessoal da Tabanca Grande. Mas, de futuro, gostávamos de o ter... Que nos desculpem os outros camaradas que fizeram anos em Abril. Foi o caso, por exemplo, do David Guimarães, um homem do 24 de Abril (!), nosso tertuliano nº 3 (e aqui a antiguidade é um posto, ou meio posto...). Também para ele e os demais aniversariantes do mês de Abril vão também os nossos parabéns, amistosos, sinceros, calorosos, embora já um pouquinho atrasados... O que que conta é o gesto!
Entretanto, como homenagem ao nosso aniversariante de hoje, fomos revisitar um texto fabuloso que ele há tempos, há cinco meses atrás, publicou no nosso blogue. Começava assim...
1. Vd. poste de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)
(...) "Em Julho de 1969, já eu estava na Chamarra, fora, portanto de Gandembel e Ponte Balana, quando vim de férias à Metrópole. Tinha 24 anos, acabados de fazer, e já tinha dois filhos.
"Mal acabei de regressar a Aldeia Formosa/Chamarra recebi uma carta da minha mulher, que teve o efeito duma mina anti-pessoal. Dizia-me ela que tinha encontrado o amor da sua vida e que ia viver com ele para Moçambique, pois fora mobilizado para uma comissão naquele Serviço que fazia os filmes, das festarolas que aconteciam em Angola e Moçambique, onde vim a trabalhar mais tarde.
"Isto não me podia estar a acontecer e ainda hoje culpo estes acontecimentos de tudo o que vem a seguir.
"Como não podia ficar parado a assistir de longe a este percalço, meti-me a caminho e fui falar com o General Spínola, pedi-lhe 8 dias para voltar a Lisboa e esclarecer aquele pesadelo, e que de imediato me foram concedidos" (...).
2. Leiam o resto por favor, que vale a pena... E já agora acompanhem o comentário que, na altura, lhe fez o nosso editor L.G.:
Obrigado, Hugo, por teres respondido à chamada. E sobretudo teres sabido interpretar o meu tímido repto... Por pudor, não gostamos de mostrar, em público, as chagas do corpo e as mazelas da alma. A tua história de vida dava um livro, como se costuma dizer. Não te falta o talento para o escrever e, o mais importante, a matéria-prima.
Obrigado, amigo e camarada, tiro o chapéu (ou melhor, o quico!) à tua coragem, não à de ontem, mas à de hoje: reviver todo esse pesadelo dos teus 24/25 anos, não sei se te faz bem... Mal não te faz, é seguramente blogoterapia...
Para mim, a tua história de vida dá um toque imensamente humano à História com H grande... Um dia, os Historiadores com H grande vão esquecer-se, mais uma vez, de nós, o Guerra, o Celeiro, o Baptista, o Marques, o Gramunha, o Cunha, o Ferreira, o Iero Jau, e por aí fora, de todos nós que morremos, que ficámos estropiados, feridos no corpo e na alma, e que fizémos a guerra, e que a ganhámos e perdemos mil vezes...
Um dia, os senhores doutores por extenso vão contar a guerra, descrever as batalhas, avaliar as estratégais dos generais, pintar um grande quadro sinóptico, e tu, Hugo, não estás lá, nem como simples figurante, nem como mero adereço, ao lado do poidão de Chamarra, da tua Chamarra...
Mas os teus camaradas, os teus amigos, os teus filhos e os teus netos, terão orgulho em ti, tu que foste evacuado duas vezes e meia e andaste a voar nesse ninho de jagudis e de águias que era a psiquitria do Hospital Militar Principal, entre heróis e filhos da mãe...
Terão orgulho em ti, por que foste um homem digno, um militar nobre e uma camarada solidário... Não é fácil, a um militar com o teu currículo, vir aqui, num blogue de camaradas, admitir que não foste capaz, daquela vez, em São Domingos, levantar a maldita mina que te iria marcar, no corpo e na malta, para o resto da vida. A ti e ao Celeiro.
Deixa-me dizer-te, por fim, que achei muito lindo, muito emocionante, o que escreveste sobre ele, o cabo Celeiro. É um naco de prosa de antologia:
"Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Celeiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo".
Aceita um Alfa Bravo deste teu leitor, reconhecido. Cuida de ti e... do olho que a maldita mina não te conseguiu roubar. Luís
Mas hoje estamos aqui para lhe deixarmos uma notinha... de parabéns, com votos de muita saúde e felicidades, para ele e para os seus. O Hugo hoje faz anos. Hoje é o seu dia especial. Pois, que tenha um belo dia de anos. São os votos dos editores do blogue e do resto da Tabanca Grande.
Devemos dizer que soubemos por acaso desta efeméride. Não temos nenhum ficheiro, com a data de nascimento do pessoal da Tabanca Grande. Mas, de futuro, gostávamos de o ter... Que nos desculpem os outros camaradas que fizeram anos em Abril. Foi o caso, por exemplo, do David Guimarães, um homem do 24 de Abril (!), nosso tertuliano nº 3 (e aqui a antiguidade é um posto, ou meio posto...). Também para ele e os demais aniversariantes do mês de Abril vão também os nossos parabéns, amistosos, sinceros, calorosos, embora já um pouquinho atrasados... O que que conta é o gesto!
Entretanto, como homenagem ao nosso aniversariante de hoje, fomos revisitar um texto fabuloso que ele há tempos, há cinco meses atrás, publicou no nosso blogue. Começava assim...
1. Vd. poste de 25 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3518: História de vida (19): Evacuado duas vezes e meia...(Hugo Guerra)
(...) "Em Julho de 1969, já eu estava na Chamarra, fora, portanto de Gandembel e Ponte Balana, quando vim de férias à Metrópole. Tinha 24 anos, acabados de fazer, e já tinha dois filhos.
"Mal acabei de regressar a Aldeia Formosa/Chamarra recebi uma carta da minha mulher, que teve o efeito duma mina anti-pessoal. Dizia-me ela que tinha encontrado o amor da sua vida e que ia viver com ele para Moçambique, pois fora mobilizado para uma comissão naquele Serviço que fazia os filmes, das festarolas que aconteciam em Angola e Moçambique, onde vim a trabalhar mais tarde.
"Isto não me podia estar a acontecer e ainda hoje culpo estes acontecimentos de tudo o que vem a seguir.
"Como não podia ficar parado a assistir de longe a este percalço, meti-me a caminho e fui falar com o General Spínola, pedi-lhe 8 dias para voltar a Lisboa e esclarecer aquele pesadelo, e que de imediato me foram concedidos" (...).
2. Leiam o resto por favor, que vale a pena... E já agora acompanhem o comentário que, na altura, lhe fez o nosso editor L.G.:
Obrigado, Hugo, por teres respondido à chamada. E sobretudo teres sabido interpretar o meu tímido repto... Por pudor, não gostamos de mostrar, em público, as chagas do corpo e as mazelas da alma. A tua história de vida dava um livro, como se costuma dizer. Não te falta o talento para o escrever e, o mais importante, a matéria-prima.
Obrigado, amigo e camarada, tiro o chapéu (ou melhor, o quico!) à tua coragem, não à de ontem, mas à de hoje: reviver todo esse pesadelo dos teus 24/25 anos, não sei se te faz bem... Mal não te faz, é seguramente blogoterapia...
Para mim, a tua história de vida dá um toque imensamente humano à História com H grande... Um dia, os Historiadores com H grande vão esquecer-se, mais uma vez, de nós, o Guerra, o Celeiro, o Baptista, o Marques, o Gramunha, o Cunha, o Ferreira, o Iero Jau, e por aí fora, de todos nós que morremos, que ficámos estropiados, feridos no corpo e na alma, e que fizémos a guerra, e que a ganhámos e perdemos mil vezes...
Um dia, os senhores doutores por extenso vão contar a guerra, descrever as batalhas, avaliar as estratégais dos generais, pintar um grande quadro sinóptico, e tu, Hugo, não estás lá, nem como simples figurante, nem como mero adereço, ao lado do poidão de Chamarra, da tua Chamarra...
Mas os teus camaradas, os teus amigos, os teus filhos e os teus netos, terão orgulho em ti, tu que foste evacuado duas vezes e meia e andaste a voar nesse ninho de jagudis e de águias que era a psiquitria do Hospital Militar Principal, entre heróis e filhos da mãe...
Terão orgulho em ti, por que foste um homem digno, um militar nobre e uma camarada solidário... Não é fácil, a um militar com o teu currículo, vir aqui, num blogue de camaradas, admitir que não foste capaz, daquela vez, em São Domingos, levantar a maldita mina que te iria marcar, no corpo e na malta, para o resto da vida. A ti e ao Celeiro.
Deixa-me dizer-te, por fim, que achei muito lindo, muito emocionante, o que escreveste sobre ele, o cabo Celeiro. É um naco de prosa de antologia:
"Aguentei, em choque, até chegarmos ao HM 241 em Bissau e o que mais me agradava naquele desespero todo era continuar a ouvir o Celeiro a dizer que estava morto. Se ele se calasse, sabia que podia ter perdido um amigo".
Aceita um Alfa Bravo deste teu leitor, reconhecido. Cuida de ti e... do olho que a maldita mina não te conseguiu roubar. Luís
Guiné 63/74 - P4254: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (1): Três oficiais: um General, um Coronel, um Alferes - suas personalidades
1. Mensagem de Fernando Gouveia (*), ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70, com data de 5 de Abril de 2009, aquando da sua apresentação ao Blogue:
Camarada Luís Graça:
Só agora me é possível mandar os elementos para a inscrição na TG bem com a 1.ª estória.
A somar a todas as peripécias tive o PC avariado com a consequente reinstalação dos programas, etc.
Não vou prometer regularidade no envio das estórias mas vou fazer um esforço para, se não for semanal, será pelo menos quinzenal.
Esta 1ª estória considero-a grande e a 2ª é um pouco maior mas depois serão sempre bastante mais pequenas. Gostava de um feed-back sobre o tamanho (e não só) desta 1.ª.
O CVM vai incluído na 1.ª estória. Não sei se seria mais correcto enviá-lo à parte ou não.
Lamento, mas sobre Contuboel não tenho nada.
Mando em anexo todos os elementos
Um abraço
Fernando Gouveia
2. Nota de CV:
Por sugestão do nosso camarada Gouveia, esta primeira parte da sua "Guerra vista de Bafará", foi retirada do poste da sua apresentação, onde se encontrava indevidamente, e publicada hoje em poste autónomo, dando assim começo a esta nova série.
Três oficiais: um general, um coronel, um alferes - suas personalidades
Este é o meu primeiro escrito no blog, inserido no título geral "A guerra vista de Bafatá".
Torna-se assim importante prestar alguns esclarecimentos:
Passaram 40 anos sobre a minha comissão no leste da Guiné, no Agrupamento do sector leste, em Bafatá e a minha memória já pode falhar, nomeadamente quando refiro datas ou nomes.
Com a ressalva anterior tudo o que venha a relatar, reporta-se a factos reais por mim vivenciados.
Fiz a recruta como cadete em Mafra e também aí tirei a especialidade de Reconhecimento e Informações. Quando no quartel de Infantaria 12, no Porto, dava a 4.ª recruta, tendo portanto havido já três mobilizações de PelRecs mais novos, admitia já que podia passar à peluda sem ser mobilizado, até porque estava entre os melhores classificados na especialidade. Puro engano... Num belo dia de Maio de 1968, estava a dar instrução quando chegou a comunicação que tinha sido mobilizado, em rendição individual, juntamente com mais quatro camaradas, para a Guiné. Destino: QG de Bissau e Agrupamentos.
Em poucos dias fomos enviados para Lisboa onde, num sector ligado aos “Altos Estudos Militares” frequentámos um curso intensivo em que nos foi debitada, por oficiais superiores, imensa informação sobre a Guiné civil e militar, a guerrilha, a informação, a contra-informação, etc.
Quer durante a estadia em Lisboa, alojado na messe dos “Altos Estudos” em Oeiras, um autêntico hotel de 5 estrelas, quer na Guiné, tudo me correu pelo melhor. Sorte, sorte e mais sorte, contrariamente a muitos cuja falta de sorte lamento sinceramente.
Muitos camaradas morreram na operação “Mabecos Bravios” (**) e houve muito sofrimento na operação “Lança Afiada” (***). É certo que, de uma forma indirecta, também eu participei nas referidas operações e partilhei da dor que todos esses factos causaram. Felizmente não vim estropiado, mas vim com mazelas fisiológicas que perduraram por muitos anos, se é que ainda não perduram.
Passo agora a relatar alguns factos que, na minha perspectiva, definem três oficiais: Gen Spínola, Cor Felgas (quando o conheci era ainda Ten Cor) e Alf Mil Beja Santos.
O 1.º dispensa apresentações, o 2.º era o meu comandante e o 3.º era o alferes de quem mais ouvi falar e que mais vezes vi entrar e sair do Comando de Agrupamento de Bafatá.
Começo por dizer que tendo em conta tudo quanto vi, ouvi e me foi relatado por outros e, independentemente dos seus defeitos (quem os não tem?), se tivesse que escolher com quem trabalhar não teria dúvidas nas escolhas. Para meu comandante chefe não hesitava, escolheria o Gen Spínola e para meu comandante directo escolheria o Cor Felgas. Acrescento ainda que, como alferes miliciano que fui, gostaria de ter trabalhado ao lado do Beja Santos, pelos motivos que mais tarde explanarei.
Passemos aos factos.
Cheguei a Bafatá em 18 de Julho de 1968 (depois de duas semanas em Bissau a trabalhar na 2.ª Rep. do Q.G). Fui muito bem recebido pelos outros dois alferes do Agrupamento, o Ribeiro da Secretaria e o Vaz das Transmissões. Este último, logo no primeiro dia, em viagem guiada levou-me a conhecer as três tabancas que integravam Bafatá: Ponte Nova, Rocha e Nema.
Nessa altura o trabalho era pouco, pairava-se lá pelo aquartelamento das 9 às 12 e das 16 às 17.
Um dos alferes pôs-me a par da situação existente. Soube que iria substituir o anterior alferes de Informações (que não cheguei a conhecer) e que o Comandante anterior, Cor José Affa Castel Branco tinha ido de patins para a metrópole com 30 dias de prisão, na sequência de uma visita do General Spínola. O Gen ter-lhe–ia pedido informações sobre a situação no sector e o Cor titubeando, não soube adiantar nada. Ainda sobre este Coronel foi-me contado que costumava divertir-se à noite, a matar com uma carabina ponto 22, os gatos que iam ao cheiro dos restos do rancho, pelo que no dia seguinte havia sangue por todo o lado. Felizmente já não assisti a tão degradante espectáculo.
Decorreram mais quatro ou cinco dias de boa vida até que, vindo de Tite, chegou o novo Comandante, o Ten Cor Hélio Felgas. No primeiro dia, embora com um silêncio nas instalações, que não era habitual, tudo decorreu normalmente até começar a escurecer. Lembro-me desse dia como se fosse hoje, apesar de terem passado 41 anos. O Ten Cor passou a tarde na sala onde eu trabalhava (sala de Informações e Operações), sentado numa cadeira, a olhar para o mapa da Zona Leste (escala 1: 50.000), mapa esse que ocupava toda uma parede com uns 5x2,5m. Quando sentado, à frente dos seus olhos ficava o regulado do Cuor, mas o Cor olhava não só em frente, olhava junto ao chão e erguia-se quando precisava de ver zonas mais a norte, junto ao Senegal.
Em determinada altura começou a escurecer e o Ten Cor Felgas disse: - Gouveia, acenda-me as luzes por favor. Clic no interruptor. Acenderam-se duas lâmpadas de uns 25 ou 40W. A luminosidade adquirida não ultrapassou a que entrava pelas pequenas janelas, naquele fim de dia. O Cor Felgas teve um estremecimento, olhou na direcção das lâmpadas e, tão rápido como se respondia a uma emboscada IN, gritou:
- FERRRREEEEEIIIIRA COEEEELHO.
O Ten Cor Chefe do Estado Maior do Agrupamento lá veio a correr como todos os oficiais superiores fariam sempre que o Cor Felgas chamava. E, com voz de comando este continuou:
- Arranja um bloco, escreve, quatro lâmpadas fluorescentes, cinco ventoinhas, etc., etc. Quero aqui isso tudo no próximo avião de Bissau.
Moral da história… A partir desse dia e pelo menos até ao fim da minha comissão passou-se a trabalhar das 8 da manhã ás 8 da noite, com o intervalo para almoço. O Cor Felgas era um verdadeiro militarista e muito duro, só que com ele sabia-se com o que se contava, o que eu achava uma qualidade.
Passo a relatar um outro facto que envolveu os três oficiais: o caso dos cartuchos semi-enterrados na parada do quartel de Missirá. Pensava contar essa estória sem saber que estava relacionada com Missirá e o Beja Santos (embora tivesse essa desconfiança) quando a leitura recente dos seus livros mo veio confirmar. Foi também pela leitura dos mesmos que tomei conhecimento da punição do Alf Mil Beja Santos. Não devo ter sabido na altura porque em Março de 1969 me encontrava de férias, na metrópole. Caso contrário teria sabido, por certo, pois enquanto que para a maioria dos militares do agrupamento o Beja Santos era mais um alferes, eu, por inerência das minhas funções, estava a par da sua actuação que rondava o heróico, o que levava a que o Cor Felgas o idolatrasse como militar. Por isso não consigo entender a punição desferida cujo conhecimento, tantos anos depois, me indignou profundamente. (Eu também tive as férias cortadas por duas vezes mas isso dará outra estória).
Mas voltemos aos cartuchos semi-enterrados…
No dia da ocorrência dos factos, ou no dia seguinte transpirou que o Gen Spínola, ao visitar na companhia do Cor Felgas, uma tabanca em auto-defesa, teria demonstrado o seu desagrado com a falta de limpeza do aquartelamento criticando e atribuindo responsabilidades ao Cor Felgas, na presença de inferiores (o que era contrário ao RDM). Já de posse do conhecimento desse incidente, assisto ao seguinte: o Cor Felgas faz um telefonema para o Gen Spínola, não do seu gabinete como era costume, mas da minha sala (Informações e Operações). Esta sala tinha duas portas sempre abertas, uma dava para a Secretaria da Secção e a outra para um vestíbulo de acesso aos gabinetes do Comandante e do Chefe do Estado Maior, e à Secretaria Geral. A ligação foi estabelecida, não se sabia o que o Gen Spínola dizia do outro lado do fio mas ouviu-se várias vezes o Cor Felgas dizer em voz alta para que todos ouvissem:
- O meu comandante não precisa de pedir desculpas. Não peça desculpas, etc. etc.
A conclusão que eu tiro passados 40 anos é que o Alf Beja Santos foi o bode expiatório de tudo isso. Como lamento e me indigno.
Um outro facto que define a maneira de ser do Cor Felgas:
Na sequência do abandono de Madina do Boé em Fevereiro de 1969 e da ineficácia da Operação “Lança Afiada” o Cossé começou a ser ameaçado pelo Sul. O Comando Chefe, em princípios de Junho, envia uma ordem para o Agrupamento mandar grupos de militares enquadrados por oficiais disponíveis para as tabancas da periferia da zona habitada. Coube-me a mim ir para Madina Xaquili onde estive de 12 a 24 de Junho de 1969, mas isso vai ser argumento para outra estória. O insólito é que no dia 18 de Junho de 1969 o Cor Felgas munido dum burro de campanha e não sei de que séquito lá foi dormir uma noite a uma tabanca, não fosse o Gen Spínola puni-lo por não ter cumprido integralmente a ordem acima referida.
Enquanto todos os oficiais (Ten Cor, Chefe do Estado Maior e Majores) do Agrupamento andavam sempre a correr às ordens do Cor Felgas, a mim tratou-me sempre como se de um civil se tratasse. Nunca eu pensei em correr quando me chamava.
Num determinado, dia logo às 8 da manhã precisou de mim e, não me vendo, mandou-me chamar. Quando soube que eu tinha estado de serviço, pelo que tinha direito a dormir toda a manhã, imediatamente redigiu uma ordem no sentido de me não serem mais atribuídos serviços de oficial de dia, até ao final da comissão.
Sempre tive a impressão que o Cor Felgas, apesar de militarista a cem por cento, era um homem de ideias um tanto ou quanto abertas. Recebia regularmente publicações como a “Jeune Afrique” e na altura estava a escrever um(ns) livro (s) sobre política do continente africano.
Foi por isso, com estranheza, que pouco tempo antes do 25 de Abril o vi surgir como Sub-Secretário do Exército (creio que era este o cargo).
Falando ainda do Cor Felgas, quase todas as noites, antes de se deitar, percorria as imediações do seu quarto, de spray em riste, não a matar gatos como o Cor que o antecedeu, mas a matar todos os grilos que cantavam estridentemente. Como eu agora o compreendo.
E a terminar, como era linda (se assim se pode dizer) e com aparência de totalmente virgem a k… aprisionada, creio que na operação “Lança Afiada”, que o Cor Felgas escolheu de entre o arsenal apreendido. Eu lá fiquei com uns panos, uns amuletos, vários livros da instrução primária IN e uma cartucheira que ainda uso na caça.
Um facto que me levou a apreciar o Gen Spínola foi logo no início ter emitido uma Ordem Geral em que proibia todas as recepções quando ele ou qualquer outro Dignatário se deslocasse a algum lugar.
Quanto à mudança operada no Gen Spínola na forma de encarar a guerra, a meu ver deu-se em meados de 1969. Por essa altura recebeu-se pelo canal das Informações uma publicação, proveniente dos EUA ou de um país da América Latina, já não recordo, em que se escalpelizava a guerra de guerrilha e se apontavam soluções para a vencer. Passados poucos dias começaram a vir do Comando Chefe, directivas em tudo semelhantes às preconizadas na tal publicação. A estratégia foi evoluindo até à ordem formal para parar todas as operações militares – 15/04/70. Sol de pouca dura, pois 4 ou 5 dias depois dá-se a morte dos 3 Majores, 1 Alferes e 2 Soldados.
É pena não dispor, como o Beja Santos, de um Queta Baldé para me recordar muita coisa. Se calhar até tenho, só que não sei onde está.
Voltarei com certeza a falar destes oficiais mas por agora termino deixando uma mensagem com atraso de 41 anos, ao camarada Beja Santos:
Se acaso és supersticioso devias ter tido desde o início cuidado com o Agrupamento, que marcava operações com intervalos de treze letras. “Mabecos Bravios”, “Lança Afiada.
FG
Em primeiro plano parte da Tabanca da Rocha e ao fundo os aquartelamentos do Agrupamento e do Esquadrão de Cavalaria
Vista da parte principal de Bafatá. No quarteirão, em primeiro plano situava-se a sede do Batalhão
O Cor. Felgas a receber os cumprimentos de despedida. Partiria no dia seguinte: 05/10/69
Em 04/10/69, nos cumprimentos de despedida das autoridades nativas ao Cor. Felgas
No Agrupamento depois dos cumprimentos de despedida.
Um grupo de homens grandes (ao centro o mais alto diria que é o Régulo do Cuor)
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4163: Tabanca Grande (132): Fernando Gouveia, ex-Alf Mil de Rec e Inf (Bafatá, 1968/70)
(**) Vd. postes de:
17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)
2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)
3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)
12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )
(***) Vd postes de:
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
Camarada Luís Graça:
Só agora me é possível mandar os elementos para a inscrição na TG bem com a 1.ª estória.
A somar a todas as peripécias tive o PC avariado com a consequente reinstalação dos programas, etc.
Não vou prometer regularidade no envio das estórias mas vou fazer um esforço para, se não for semanal, será pelo menos quinzenal.
Esta 1ª estória considero-a grande e a 2ª é um pouco maior mas depois serão sempre bastante mais pequenas. Gostava de um feed-back sobre o tamanho (e não só) desta 1.ª.
O CVM vai incluído na 1.ª estória. Não sei se seria mais correcto enviá-lo à parte ou não.
Lamento, mas sobre Contuboel não tenho nada.
Mando em anexo todos os elementos
Um abraço
Fernando Gouveia
2. Nota de CV:
Por sugestão do nosso camarada Gouveia, esta primeira parte da sua "Guerra vista de Bafará", foi retirada do poste da sua apresentação, onde se encontrava indevidamente, e publicada hoje em poste autónomo, dando assim começo a esta nova série.
Três oficiais: um general, um coronel, um alferes - suas personalidades
Este é o meu primeiro escrito no blog, inserido no título geral "A guerra vista de Bafatá".
Torna-se assim importante prestar alguns esclarecimentos:
Passaram 40 anos sobre a minha comissão no leste da Guiné, no Agrupamento do sector leste, em Bafatá e a minha memória já pode falhar, nomeadamente quando refiro datas ou nomes.
Com a ressalva anterior tudo o que venha a relatar, reporta-se a factos reais por mim vivenciados.
Fiz a recruta como cadete em Mafra e também aí tirei a especialidade de Reconhecimento e Informações. Quando no quartel de Infantaria 12, no Porto, dava a 4.ª recruta, tendo portanto havido já três mobilizações de PelRecs mais novos, admitia já que podia passar à peluda sem ser mobilizado, até porque estava entre os melhores classificados na especialidade. Puro engano... Num belo dia de Maio de 1968, estava a dar instrução quando chegou a comunicação que tinha sido mobilizado, em rendição individual, juntamente com mais quatro camaradas, para a Guiné. Destino: QG de Bissau e Agrupamentos.
Em poucos dias fomos enviados para Lisboa onde, num sector ligado aos “Altos Estudos Militares” frequentámos um curso intensivo em que nos foi debitada, por oficiais superiores, imensa informação sobre a Guiné civil e militar, a guerrilha, a informação, a contra-informação, etc.
Quer durante a estadia em Lisboa, alojado na messe dos “Altos Estudos” em Oeiras, um autêntico hotel de 5 estrelas, quer na Guiné, tudo me correu pelo melhor. Sorte, sorte e mais sorte, contrariamente a muitos cuja falta de sorte lamento sinceramente.
Muitos camaradas morreram na operação “Mabecos Bravios” (**) e houve muito sofrimento na operação “Lança Afiada” (***). É certo que, de uma forma indirecta, também eu participei nas referidas operações e partilhei da dor que todos esses factos causaram. Felizmente não vim estropiado, mas vim com mazelas fisiológicas que perduraram por muitos anos, se é que ainda não perduram.
Passo agora a relatar alguns factos que, na minha perspectiva, definem três oficiais: Gen Spínola, Cor Felgas (quando o conheci era ainda Ten Cor) e Alf Mil Beja Santos.
O 1.º dispensa apresentações, o 2.º era o meu comandante e o 3.º era o alferes de quem mais ouvi falar e que mais vezes vi entrar e sair do Comando de Agrupamento de Bafatá.
Começo por dizer que tendo em conta tudo quanto vi, ouvi e me foi relatado por outros e, independentemente dos seus defeitos (quem os não tem?), se tivesse que escolher com quem trabalhar não teria dúvidas nas escolhas. Para meu comandante chefe não hesitava, escolheria o Gen Spínola e para meu comandante directo escolheria o Cor Felgas. Acrescento ainda que, como alferes miliciano que fui, gostaria de ter trabalhado ao lado do Beja Santos, pelos motivos que mais tarde explanarei.
Passemos aos factos.
Cheguei a Bafatá em 18 de Julho de 1968 (depois de duas semanas em Bissau a trabalhar na 2.ª Rep. do Q.G). Fui muito bem recebido pelos outros dois alferes do Agrupamento, o Ribeiro da Secretaria e o Vaz das Transmissões. Este último, logo no primeiro dia, em viagem guiada levou-me a conhecer as três tabancas que integravam Bafatá: Ponte Nova, Rocha e Nema.
Nessa altura o trabalho era pouco, pairava-se lá pelo aquartelamento das 9 às 12 e das 16 às 17.
Um dos alferes pôs-me a par da situação existente. Soube que iria substituir o anterior alferes de Informações (que não cheguei a conhecer) e que o Comandante anterior, Cor José Affa Castel Branco tinha ido de patins para a metrópole com 30 dias de prisão, na sequência de uma visita do General Spínola. O Gen ter-lhe–ia pedido informações sobre a situação no sector e o Cor titubeando, não soube adiantar nada. Ainda sobre este Coronel foi-me contado que costumava divertir-se à noite, a matar com uma carabina ponto 22, os gatos que iam ao cheiro dos restos do rancho, pelo que no dia seguinte havia sangue por todo o lado. Felizmente já não assisti a tão degradante espectáculo.
Decorreram mais quatro ou cinco dias de boa vida até que, vindo de Tite, chegou o novo Comandante, o Ten Cor Hélio Felgas. No primeiro dia, embora com um silêncio nas instalações, que não era habitual, tudo decorreu normalmente até começar a escurecer. Lembro-me desse dia como se fosse hoje, apesar de terem passado 41 anos. O Ten Cor passou a tarde na sala onde eu trabalhava (sala de Informações e Operações), sentado numa cadeira, a olhar para o mapa da Zona Leste (escala 1: 50.000), mapa esse que ocupava toda uma parede com uns 5x2,5m. Quando sentado, à frente dos seus olhos ficava o regulado do Cuor, mas o Cor olhava não só em frente, olhava junto ao chão e erguia-se quando precisava de ver zonas mais a norte, junto ao Senegal.
Em determinada altura começou a escurecer e o Ten Cor Felgas disse: - Gouveia, acenda-me as luzes por favor. Clic no interruptor. Acenderam-se duas lâmpadas de uns 25 ou 40W. A luminosidade adquirida não ultrapassou a que entrava pelas pequenas janelas, naquele fim de dia. O Cor Felgas teve um estremecimento, olhou na direcção das lâmpadas e, tão rápido como se respondia a uma emboscada IN, gritou:
- FERRRREEEEEIIIIRA COEEEELHO.
O Ten Cor Chefe do Estado Maior do Agrupamento lá veio a correr como todos os oficiais superiores fariam sempre que o Cor Felgas chamava. E, com voz de comando este continuou:
- Arranja um bloco, escreve, quatro lâmpadas fluorescentes, cinco ventoinhas, etc., etc. Quero aqui isso tudo no próximo avião de Bissau.
Moral da história… A partir desse dia e pelo menos até ao fim da minha comissão passou-se a trabalhar das 8 da manhã ás 8 da noite, com o intervalo para almoço. O Cor Felgas era um verdadeiro militarista e muito duro, só que com ele sabia-se com o que se contava, o que eu achava uma qualidade.
Passo a relatar um outro facto que envolveu os três oficiais: o caso dos cartuchos semi-enterrados na parada do quartel de Missirá. Pensava contar essa estória sem saber que estava relacionada com Missirá e o Beja Santos (embora tivesse essa desconfiança) quando a leitura recente dos seus livros mo veio confirmar. Foi também pela leitura dos mesmos que tomei conhecimento da punição do Alf Mil Beja Santos. Não devo ter sabido na altura porque em Março de 1969 me encontrava de férias, na metrópole. Caso contrário teria sabido, por certo, pois enquanto que para a maioria dos militares do agrupamento o Beja Santos era mais um alferes, eu, por inerência das minhas funções, estava a par da sua actuação que rondava o heróico, o que levava a que o Cor Felgas o idolatrasse como militar. Por isso não consigo entender a punição desferida cujo conhecimento, tantos anos depois, me indignou profundamente. (Eu também tive as férias cortadas por duas vezes mas isso dará outra estória).
Mas voltemos aos cartuchos semi-enterrados…
No dia da ocorrência dos factos, ou no dia seguinte transpirou que o Gen Spínola, ao visitar na companhia do Cor Felgas, uma tabanca em auto-defesa, teria demonstrado o seu desagrado com a falta de limpeza do aquartelamento criticando e atribuindo responsabilidades ao Cor Felgas, na presença de inferiores (o que era contrário ao RDM). Já de posse do conhecimento desse incidente, assisto ao seguinte: o Cor Felgas faz um telefonema para o Gen Spínola, não do seu gabinete como era costume, mas da minha sala (Informações e Operações). Esta sala tinha duas portas sempre abertas, uma dava para a Secretaria da Secção e a outra para um vestíbulo de acesso aos gabinetes do Comandante e do Chefe do Estado Maior, e à Secretaria Geral. A ligação foi estabelecida, não se sabia o que o Gen Spínola dizia do outro lado do fio mas ouviu-se várias vezes o Cor Felgas dizer em voz alta para que todos ouvissem:
- O meu comandante não precisa de pedir desculpas. Não peça desculpas, etc. etc.
A conclusão que eu tiro passados 40 anos é que o Alf Beja Santos foi o bode expiatório de tudo isso. Como lamento e me indigno.
Um outro facto que define a maneira de ser do Cor Felgas:
Na sequência do abandono de Madina do Boé em Fevereiro de 1969 e da ineficácia da Operação “Lança Afiada” o Cossé começou a ser ameaçado pelo Sul. O Comando Chefe, em princípios de Junho, envia uma ordem para o Agrupamento mandar grupos de militares enquadrados por oficiais disponíveis para as tabancas da periferia da zona habitada. Coube-me a mim ir para Madina Xaquili onde estive de 12 a 24 de Junho de 1969, mas isso vai ser argumento para outra estória. O insólito é que no dia 18 de Junho de 1969 o Cor Felgas munido dum burro de campanha e não sei de que séquito lá foi dormir uma noite a uma tabanca, não fosse o Gen Spínola puni-lo por não ter cumprido integralmente a ordem acima referida.
Enquanto todos os oficiais (Ten Cor, Chefe do Estado Maior e Majores) do Agrupamento andavam sempre a correr às ordens do Cor Felgas, a mim tratou-me sempre como se de um civil se tratasse. Nunca eu pensei em correr quando me chamava.
Num determinado, dia logo às 8 da manhã precisou de mim e, não me vendo, mandou-me chamar. Quando soube que eu tinha estado de serviço, pelo que tinha direito a dormir toda a manhã, imediatamente redigiu uma ordem no sentido de me não serem mais atribuídos serviços de oficial de dia, até ao final da comissão.
Sempre tive a impressão que o Cor Felgas, apesar de militarista a cem por cento, era um homem de ideias um tanto ou quanto abertas. Recebia regularmente publicações como a “Jeune Afrique” e na altura estava a escrever um(ns) livro (s) sobre política do continente africano.
Foi por isso, com estranheza, que pouco tempo antes do 25 de Abril o vi surgir como Sub-Secretário do Exército (creio que era este o cargo).
Falando ainda do Cor Felgas, quase todas as noites, antes de se deitar, percorria as imediações do seu quarto, de spray em riste, não a matar gatos como o Cor que o antecedeu, mas a matar todos os grilos que cantavam estridentemente. Como eu agora o compreendo.
E a terminar, como era linda (se assim se pode dizer) e com aparência de totalmente virgem a k… aprisionada, creio que na operação “Lança Afiada”, que o Cor Felgas escolheu de entre o arsenal apreendido. Eu lá fiquei com uns panos, uns amuletos, vários livros da instrução primária IN e uma cartucheira que ainda uso na caça.
Um facto que me levou a apreciar o Gen Spínola foi logo no início ter emitido uma Ordem Geral em que proibia todas as recepções quando ele ou qualquer outro Dignatário se deslocasse a algum lugar.
Quanto à mudança operada no Gen Spínola na forma de encarar a guerra, a meu ver deu-se em meados de 1969. Por essa altura recebeu-se pelo canal das Informações uma publicação, proveniente dos EUA ou de um país da América Latina, já não recordo, em que se escalpelizava a guerra de guerrilha e se apontavam soluções para a vencer. Passados poucos dias começaram a vir do Comando Chefe, directivas em tudo semelhantes às preconizadas na tal publicação. A estratégia foi evoluindo até à ordem formal para parar todas as operações militares – 15/04/70. Sol de pouca dura, pois 4 ou 5 dias depois dá-se a morte dos 3 Majores, 1 Alferes e 2 Soldados.
É pena não dispor, como o Beja Santos, de um Queta Baldé para me recordar muita coisa. Se calhar até tenho, só que não sei onde está.
Voltarei com certeza a falar destes oficiais mas por agora termino deixando uma mensagem com atraso de 41 anos, ao camarada Beja Santos:
Se acaso és supersticioso devias ter tido desde o início cuidado com o Agrupamento, que marcava operações com intervalos de treze letras. “Mabecos Bravios”, “Lança Afiada.
FG
Em primeiro plano parte da Tabanca da Rocha e ao fundo os aquartelamentos do Agrupamento e do Esquadrão de Cavalaria
Vista da parte principal de Bafatá. No quarteirão, em primeiro plano situava-se a sede do Batalhão
O Cor. Felgas a receber os cumprimentos de despedida. Partiria no dia seguinte: 05/10/69
Em 04/10/69, nos cumprimentos de despedida das autoridades nativas ao Cor. Felgas
No Agrupamento depois dos cumprimentos de despedida.
Um grupo de homens grandes (ao centro o mais alto diria que é o Régulo do Cuor)
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4163: Tabanca Grande (132): Fernando Gouveia, ex-Alf Mil de Rec e Inf (Bafatá, 1968/70)
(**) Vd. postes de:
17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790)
2 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969)
8 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXXX: A retirada de Madina do Boé (José Martins)
3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCV: Madina do Boé: 37º aniversário do desastre de Cheche (José Martins)
12 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXVI: O desastre do Cheche: a verdade a que os mortos e os vivos têm direito (Rui Felício, CCAÇ 2405)
7 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P853: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (10): A retirada de Madina do Boé
18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)
15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)
21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)
25 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2984: Op Mabecos Bravios: a retirada de Madina do Boé e o desastre de Cheche (Maj Gen Hélio Felgas † )
(***) Vd postes de:
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
Guiné 63/74 - P4253: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (3): CCAÇ 816, segura por franqueletes
1. Mensagem de Rui Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67, com data de 23 de Abril de 2009:
Caros camarigos (gosto desta palavra) Luís, Vinhal e Briote:
Recebam um grande abraço + votos de muita saúde extensivos a todos os ex-combatentes da Guiné, ainda mais para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Envio-vos mais um episódio das “minhas memórias” que, se julgarem apropriado, publiquem no nosso Blogue.
Rui Silva
A Companhia (816) segura por franqueletes
21 de Abril de1966
Das minhas memórias “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa”
...Na operação seguinte fomos a Maqué.
Maqué, outrora (antes da guerra) uma pequena povoação situada em pleno Oio, ficava na estrada que ligava Bissorã a Olossato sensivelmente a meio do percurso e um pouco depois da carreira de tiro (os velhinhos da 643 - Bissorã - e os da 566 -Olossato - assim chamavam aquele ponto da estrada de balcada comprida e marginado de denso e alto capim e com muitas palmeiras à mistura). E quem se lembra do gigante Poilão (diziam ser o maior da Guiné) mesmo ali à entrada do carreiro para Maqué e mesmo na berma da estrada Bissorã - Olossato? A sua raiz dava bancos para muita gente se sentar e descansar após mais uma odisseia batalhada no embrenhado mato por ali perto. Era a espera das viaturas. Muita laranja e cajú por ali também. Mais à frente, a ponte sobre um sub-afluente do rio Cacheu que quando destruída pelo inimigo obrigava-nos a trabalhos redobrados que era a fazer o transbordo dos abastecimentos à mão (e às costas) de uma coluna-auto para a outra. Algures ali perto, bem metida no mato e do lado Norte, ficava a casa-de-mato de Maqué. O inimigo por ali perto, respirávamo-lo.
Posso agora dizê-lo, que Maqué foi, verdadeiramente, a única casa-de-mato na área da nossa jurisdição, que nunca conseguimos descobrir ou identificá-la como tal. Tínhamos informações quanto a efectivo, armamento e outras características, mas nunca soubemos onde se instalava efectivamente o refúgio inimigo. Ao que se sabia eles usavam a táctica de mudar o lugar de refúgio com frequência para assim iludir a tropa. Eles também tinham as suas tácticas…
Por outro lado, nunca tínhamos apanhado ninguém que conhecesse essa casa-de-mato,e que nos viesse a servir de guia ou, se apanhamos, nunca se conseguiu saber, quer a bem quer a mal. Chegamos a fazer lá operações com guias de Olossato que conheciam mais ou menos a zona, operações feitas um pouco à sorte a ver se o acaso nos proporcionaria o descobrimento do refúgio terrorista de Maqué.
Nesta operação, a que me venho a referir, estávamos a 21 de Abril de 1966 e a noite estava muito escura e com total ausência de luar. Prenúncio do tempo de chuvas que estavam para chegar?
Sei que a obscuridade era total e a mata era bastante densa pois a Companhia progrediu em corta-mato, daí…
Também se deu a história de, a páginas tantas, atravessarmos um largo e relativamente fundo charco e na altura ouvir um ruído animalesco que um dos indígenas, carregador de granadas, que logo pareceu mudar de cor (preto-claro?) do grupo, admitiu ser um crocodilo. Com razão ou não, o charco nunca mais acabava para os que lá iam dentro na altura. Para quem andava numa vida de assustado o susto até nem foi muito.
Então naquela saída cada um prendeu um franquelete – pequena correia do equipamento de mochila - com cerca de meio metro de comprimento, ao nosso cinto, e atrás nas costas. Assim para que ninguém se perdesse, cada um segurava, bem entrelaçada na mão, a ponta livre do franquelete do que o precedia na coluna, e portanto esta ia toda ligada como se todos se segurassem à mesma corda. Coisa caricata e então, se vista de avião…
Se o da frente andava mais depressa obrigava naturalmente o de trás a acompanhá-lo na corrida, pois, como este entrelaçava a mão no franquelete daquele, tinha forçosamente de andar mais depressa também, o que obrigava, necessariamente, ao que o seguia a fazer o mesmo e assim sucessivamente. Acontecia, às vezes, para desespero nosso, que uma pessoa se via puxado para a frente e para trás ao mesmo tempo, e deste jeito parecia que o corpo ia dividir-se com tal força dos 2 lados opostos e o infeliz do pressionado, desesperado, a não querer largar de forma alguma a ponta do franquelete a que se agarrava (era o estar agarrado à vida, pensávamos nós). Ninguém obviamente queria perder o contacto. Eram os da frente a andarem por vezes mais depressa e os de trás a verem-se em dificuldades para acompanhá-los. A gente sabia que pequenos esticões à frente os de trás tinham bem que acelerar. Era uma soma dos valores. Isto acontecia sempre no mato quer fosse de dia ou de noite. Então, claro, quanto mais atrás se desse a esticadela, maior era a confusão. No entanto era a melhor maneira de nos precavermos quanto a uma cisão da coluna, que numa noite de rara escuridão, daria origem a que alguém se perdesse, o que seria um grande problema e o que já tinha acontecido - lembrar operação Biambi quando ainda estávamos em Bissorã -.
Desta feita, e como até aí tinha acontecido, esta ida a Maqué também não resultou em algo, e eles, que por certo deram conta da nossa presença, não se fizeram aparecer. Limitamo-nos a destruir e a queimar as palhotas suspeitas que iam aparecendo ao caminho e que deixavam vestígios de recém-abandonadas o que era indicativo de serem habitadas por pessoal comprometido com os turras senão mesmo turras. Mas de casa-de-mato pareciam pouco. Ficavam então por ali ao abandono, tal era a pressa do pessoal turra em sumir-se, diversos animais de criação doméstica, nomeadamente, galinhas, porcos, cabritos, etc., etc., o costume, que a malta, principalmente os carecidos indígenas, tratava logo de apanhar. Então era o que verdadeiramente se ganhava ao fim e ao cabo. A carência dos ocasionais predadores e estes atrás das assustadas e também ocasionais presas provocavam correrias em zig-zag com peripécias que davam para rir a bom rir. Depois era ver os indígenas de tacha arreganhada e com o troféu debaixo do braço ou puxado por uma improvisada corda, eles que não davam o tempo e o dispêndio físico por mal empregados. Eram os premiados daquela operação.
Bom, toda esta narrativa não contém nada de especial a não ser o insólito da Companhia progredir ligada ininterruptamente por franqueletes, e de Maqué ter ficado atravessado no goto do pessoal da 816 pois nunca descobrimos a verdadeira casa-de-mato de Maqué, ao contrário dos fortes refúgios de Morés, Iracunda, Cansambo, Joboiá, Missirá e tantos outros ali à nossa volta e na área da nossa operacionalidade que a Companhia sempre enfrentou e combateu com destemor.
__________
(*) Vd. postes de:
31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo
e
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3806: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (2): Golpe-de-mão a Morés
Caros camarigos (gosto desta palavra) Luís, Vinhal e Briote:
Recebam um grande abraço + votos de muita saúde extensivos a todos os ex-combatentes da Guiné, ainda mais para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.
Envio-vos mais um episódio das “minhas memórias” que, se julgarem apropriado, publiquem no nosso Blogue.
Rui Silva
A Companhia (816) segura por franqueletes
21 de Abril de1966
Das minhas memórias “Páginas Negras com salpicos cor-de-rosa”
...Na operação seguinte fomos a Maqué.
Maqué, outrora (antes da guerra) uma pequena povoação situada em pleno Oio, ficava na estrada que ligava Bissorã a Olossato sensivelmente a meio do percurso e um pouco depois da carreira de tiro (os velhinhos da 643 - Bissorã - e os da 566 -Olossato - assim chamavam aquele ponto da estrada de balcada comprida e marginado de denso e alto capim e com muitas palmeiras à mistura). E quem se lembra do gigante Poilão (diziam ser o maior da Guiné) mesmo ali à entrada do carreiro para Maqué e mesmo na berma da estrada Bissorã - Olossato? A sua raiz dava bancos para muita gente se sentar e descansar após mais uma odisseia batalhada no embrenhado mato por ali perto. Era a espera das viaturas. Muita laranja e cajú por ali também. Mais à frente, a ponte sobre um sub-afluente do rio Cacheu que quando destruída pelo inimigo obrigava-nos a trabalhos redobrados que era a fazer o transbordo dos abastecimentos à mão (e às costas) de uma coluna-auto para a outra. Algures ali perto, bem metida no mato e do lado Norte, ficava a casa-de-mato de Maqué. O inimigo por ali perto, respirávamo-lo.
Posso agora dizê-lo, que Maqué foi, verdadeiramente, a única casa-de-mato na área da nossa jurisdição, que nunca conseguimos descobrir ou identificá-la como tal. Tínhamos informações quanto a efectivo, armamento e outras características, mas nunca soubemos onde se instalava efectivamente o refúgio inimigo. Ao que se sabia eles usavam a táctica de mudar o lugar de refúgio com frequência para assim iludir a tropa. Eles também tinham as suas tácticas…
Por outro lado, nunca tínhamos apanhado ninguém que conhecesse essa casa-de-mato,e que nos viesse a servir de guia ou, se apanhamos, nunca se conseguiu saber, quer a bem quer a mal. Chegamos a fazer lá operações com guias de Olossato que conheciam mais ou menos a zona, operações feitas um pouco à sorte a ver se o acaso nos proporcionaria o descobrimento do refúgio terrorista de Maqué.
Nesta operação, a que me venho a referir, estávamos a 21 de Abril de 1966 e a noite estava muito escura e com total ausência de luar. Prenúncio do tempo de chuvas que estavam para chegar?
Sei que a obscuridade era total e a mata era bastante densa pois a Companhia progrediu em corta-mato, daí…
Também se deu a história de, a páginas tantas, atravessarmos um largo e relativamente fundo charco e na altura ouvir um ruído animalesco que um dos indígenas, carregador de granadas, que logo pareceu mudar de cor (preto-claro?) do grupo, admitiu ser um crocodilo. Com razão ou não, o charco nunca mais acabava para os que lá iam dentro na altura. Para quem andava numa vida de assustado o susto até nem foi muito.
Então naquela saída cada um prendeu um franquelete – pequena correia do equipamento de mochila - com cerca de meio metro de comprimento, ao nosso cinto, e atrás nas costas. Assim para que ninguém se perdesse, cada um segurava, bem entrelaçada na mão, a ponta livre do franquelete do que o precedia na coluna, e portanto esta ia toda ligada como se todos se segurassem à mesma corda. Coisa caricata e então, se vista de avião…
Se o da frente andava mais depressa obrigava naturalmente o de trás a acompanhá-lo na corrida, pois, como este entrelaçava a mão no franquelete daquele, tinha forçosamente de andar mais depressa também, o que obrigava, necessariamente, ao que o seguia a fazer o mesmo e assim sucessivamente. Acontecia, às vezes, para desespero nosso, que uma pessoa se via puxado para a frente e para trás ao mesmo tempo, e deste jeito parecia que o corpo ia dividir-se com tal força dos 2 lados opostos e o infeliz do pressionado, desesperado, a não querer largar de forma alguma a ponta do franquelete a que se agarrava (era o estar agarrado à vida, pensávamos nós). Ninguém obviamente queria perder o contacto. Eram os da frente a andarem por vezes mais depressa e os de trás a verem-se em dificuldades para acompanhá-los. A gente sabia que pequenos esticões à frente os de trás tinham bem que acelerar. Era uma soma dos valores. Isto acontecia sempre no mato quer fosse de dia ou de noite. Então, claro, quanto mais atrás se desse a esticadela, maior era a confusão. No entanto era a melhor maneira de nos precavermos quanto a uma cisão da coluna, que numa noite de rara escuridão, daria origem a que alguém se perdesse, o que seria um grande problema e o que já tinha acontecido - lembrar operação Biambi quando ainda estávamos em Bissorã -.
Desta feita, e como até aí tinha acontecido, esta ida a Maqué também não resultou em algo, e eles, que por certo deram conta da nossa presença, não se fizeram aparecer. Limitamo-nos a destruir e a queimar as palhotas suspeitas que iam aparecendo ao caminho e que deixavam vestígios de recém-abandonadas o que era indicativo de serem habitadas por pessoal comprometido com os turras senão mesmo turras. Mas de casa-de-mato pareciam pouco. Ficavam então por ali ao abandono, tal era a pressa do pessoal turra em sumir-se, diversos animais de criação doméstica, nomeadamente, galinhas, porcos, cabritos, etc., etc., o costume, que a malta, principalmente os carecidos indígenas, tratava logo de apanhar. Então era o que verdadeiramente se ganhava ao fim e ao cabo. A carência dos ocasionais predadores e estes atrás das assustadas e também ocasionais presas provocavam correrias em zig-zag com peripécias que davam para rir a bom rir. Depois era ver os indígenas de tacha arreganhada e com o troféu debaixo do braço ou puxado por uma improvisada corda, eles que não davam o tempo e o dispêndio físico por mal empregados. Eram os premiados daquela operação.
Bom, toda esta narrativa não contém nada de especial a não ser o insólito da Companhia progredir ligada ininterruptamente por franqueletes, e de Maqué ter ficado atravessado no goto do pessoal da 816 pois nunca descobrimos a verdadeira casa-de-mato de Maqué, ao contrário dos fortes refúgios de Morés, Iracunda, Cansambo, Joboiá, Missirá e tantos outros ali à nossa volta e na área da nossa operacionalidade que a Companhia sempre enfrentou e combateu com destemor.
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(*) Vd. postes de:
31 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3383: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (1): A terrível estrada do K3: 1 de Agosto de 1965, o Dia Mais Longo
e
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3806: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (2): Golpe-de-mão a Morés
Guiné 63/74 - P4252: Os Bu...rakos em que vivemos (7): Destacamento de Rio Caium (Luís Borrega)
1. Mensagem de Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72, com data de 22 de Abril de 2009:
Caríssimos LG,VB e CV
Aí vai alguns considerandos sobre a Ponte Caium
Alfa Bravo
Luís Borrega
Destacamento da ponte de Rio Caium visto da margem direita do Rio Caium
DESTACAMENTO DE RIO CAIUM
UM BU... RAKÃO
Na perspectiva do Gen Almeida Bruno, Colónia Balnear de Férias para os “BANDOS ARMADOS” da CCav2749/BCav 2922 (PICHE 1970/1972)
Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça.
O Destacamento de Ponte Caium, em conjunto com o Destacamento de Cambor (na estrada Piche-Canquelifá) pertenciam à CCav 2749.
Ponte Caium tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que o Destacamento podia aguentar.
No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição.
Para o comandante do BCav 2922 (Ten Cor Raúl Augusto Paixão Ribeiro), não era prioritário ir reabastecer-nos. Tivemos de esperar pela coluna de reabastecimento a Buruntuma, para recebermos os géneros necessários à manutenção do Destacamento.
E como era o Destacamento da Ponte de Rio Caium?
Era uma ponte estreita em pedra e cimento com 59 metros de comprimento sobre o Rio Caium, na estrada Piche – Buruntuma. Estava situada a 17,5 km de Piche, a 3,5 Km do Destacamento de Camajabá (pertença da CCav 2747 sediada em Buruntuma) e a l8,5 Kms de Buruntuma.
O aquartelamento estava instalado no tabuleiro da ponte. Dois abrigos à entrada e dois abrigos à saída. Estes eram feitos de bidões de gasóleo de 200 litros, cheios de terra, uns em cima dos outros, cobertos com troncos e cimento por cima. Ao meio do tabuleiro a cozinha, o depósito de géneros e o refeitório. Eram uns barracos, cujo telhado eram chapas de zinco. Havia ainda um nicho com uma santa e do lado esquerdo (sentido Buruntuma) estava o forno.
Como armamento pesado tínhamos um Canhão S/recuo montado num jeep e um morteiro 81 mm num espaldão apropriado. O restante do armamento era HK21 e RPG 7 apreendidos ao IN
Dilagramas, morteiro de 60 mm e G3 distribuídas pelo Grupo de Combate.
Para nos reabastecermos de água (para beber, cozinha e banhos) tínhamos que nos deslocar a 2 km do aquartelamento, a um poço cavado no chão, com um Unimog a rebocar um atrelado carregado com barris de vinho (50 litros) vazios, que eram cheios com latas de dobrada liofilizada, adaptadas para o efeito.
Como era de difícil solução a localização de um heliporto, foi decidido superiormente, manter sobre a estrada, uma superfície regada com óleo queimado, para a aterragem de helicópteros.
Como se pode imaginar, nas horas de lazer o tempo era preenchido a jogar cartas, ler, escrever à família. Quase todos os dias tínhamos saída à agua, patrulhamento às áreas em redor, etc.
Os dias e as noites eram passados nos limites do espaço, do tempo, na expectativa dum ataque – e quando este começasse, já estaríamos cercados por todos os lados, porque ali não havia milícias, nem tabanca, nem pista de aviação ou possibilidade de retirada (só saltando o parapeito da ponte e atirarmo-nos ao rio uns bons metros mais abaixo).
A desvantagem da área diminuta tinha contrapartidas benéficas: era mais difícil ao PAIGC acertar com os morteiros e a nossa artilharia tinha mais à vontade nos tiros de retaliação, nos limites do alcance das peças de 11,4 instaladas em Piche.
Se o General Almeida Bruno tivesse sobrevoado o Destacamento a bordo dum Alloette ou numa DO 27, certamente teria pensado que ali estaria alojada a “Colónia Balnear de Férias” do BCav 2922 para premiar os seus “Bandos Armados”.
Ali tínhamos praia fluvial (não era aconselhável ir a banhos por causa dos Crocs), caça grossa (aos Crocodilos e a outras espécies cinegéticas)e pesca.
Pensaria de certeza que a boa vida que levava em Bissau, na messe de oficiais e também no Palácio do Governador (onde deve ter almoçado e jantado bastantes vezes) era inferior à vida que os “BANDOS ARMADOS” levavam na sua Colónia Balnear de Ponte Caium (cercada do tão falado arame farpado).
No dia 27 de Junho de 1971, pelas 22,00 h, um grupo IN estimado em 30 elementos, flagelou o Destacamento com morteiros 61 mm, RPG 2 e RPG 7 e com armas automáticas ligeiras (Kalash e PPSH vulgo costureirinhas) causando um ferido às NT. A rápida e certeira retaliação obrigou o IN a retirar deixando rastos de sangue, indicando terem tido baixas.
Nesse ataque, apesar de ter um vasto palmarés de ataques e emboscadas, não estava presente junto do meu Grupo de Combate (3.º GC/CCav 2749), não me lembro concretamente do motivo, mas pela data só poderia ter ido render algum graduado por motivo de férias no Destacamento de Cambor (situado na estrada Piche-Canquelifá) ou estar envolvido nalguma operação de minagem nas margens do Rio Corubal em conjunto com os sapadores da CCS/BCav.
Caros Camarigos LG, CV e VB
Espero que o Corpinho esteja Jametum.
Em resposta à solicitação do Luís Graça, para falarmos dos BU… RACOS da Guiné estou a enviar uma estória acerca de um desses Bu… racos.
Espero que informaticamente façam o tratamento adequado.
Manga di Saúde
Alfa Bravo
Luís Borrega
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4215: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (7): Luís Borrega, visitante um milhão (Luís Borrega)
Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)
Caríssimos LG,VB e CV
Aí vai alguns considerandos sobre a Ponte Caium
Alfa Bravo
Luís Borrega
Destacamento da ponte de Rio Caium visto da margem direita do Rio Caium
DESTACAMENTO DE RIO CAIUM
UM BU... RAKÃO
Na perspectiva do Gen Almeida Bruno, Colónia Balnear de Férias para os “BANDOS ARMADOS” da CCav2749/BCav 2922 (PICHE 1970/1972)
Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça.
O Destacamento de Ponte Caium, em conjunto com o Destacamento de Cambor (na estrada Piche-Canquelifá) pertenciam à CCav 2749.
Ponte Caium tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que o Destacamento podia aguentar.
No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição.
Para o comandante do BCav 2922 (Ten Cor Raúl Augusto Paixão Ribeiro), não era prioritário ir reabastecer-nos. Tivemos de esperar pela coluna de reabastecimento a Buruntuma, para recebermos os géneros necessários à manutenção do Destacamento.
E como era o Destacamento da Ponte de Rio Caium?
Era uma ponte estreita em pedra e cimento com 59 metros de comprimento sobre o Rio Caium, na estrada Piche – Buruntuma. Estava situada a 17,5 km de Piche, a 3,5 Km do Destacamento de Camajabá (pertença da CCav 2747 sediada em Buruntuma) e a l8,5 Kms de Buruntuma.
O aquartelamento estava instalado no tabuleiro da ponte. Dois abrigos à entrada e dois abrigos à saída. Estes eram feitos de bidões de gasóleo de 200 litros, cheios de terra, uns em cima dos outros, cobertos com troncos e cimento por cima. Ao meio do tabuleiro a cozinha, o depósito de géneros e o refeitório. Eram uns barracos, cujo telhado eram chapas de zinco. Havia ainda um nicho com uma santa e do lado esquerdo (sentido Buruntuma) estava o forno.
Como armamento pesado tínhamos um Canhão S/recuo montado num jeep e um morteiro 81 mm num espaldão apropriado. O restante do armamento era HK21 e RPG 7 apreendidos ao IN
Dilagramas, morteiro de 60 mm e G3 distribuídas pelo Grupo de Combate.
Para nos reabastecermos de água (para beber, cozinha e banhos) tínhamos que nos deslocar a 2 km do aquartelamento, a um poço cavado no chão, com um Unimog a rebocar um atrelado carregado com barris de vinho (50 litros) vazios, que eram cheios com latas de dobrada liofilizada, adaptadas para o efeito.
Como era de difícil solução a localização de um heliporto, foi decidido superiormente, manter sobre a estrada, uma superfície regada com óleo queimado, para a aterragem de helicópteros.
Como se pode imaginar, nas horas de lazer o tempo era preenchido a jogar cartas, ler, escrever à família. Quase todos os dias tínhamos saída à agua, patrulhamento às áreas em redor, etc.
Os dias e as noites eram passados nos limites do espaço, do tempo, na expectativa dum ataque – e quando este começasse, já estaríamos cercados por todos os lados, porque ali não havia milícias, nem tabanca, nem pista de aviação ou possibilidade de retirada (só saltando o parapeito da ponte e atirarmo-nos ao rio uns bons metros mais abaixo).
A desvantagem da área diminuta tinha contrapartidas benéficas: era mais difícil ao PAIGC acertar com os morteiros e a nossa artilharia tinha mais à vontade nos tiros de retaliação, nos limites do alcance das peças de 11,4 instaladas em Piche.
Se o General Almeida Bruno tivesse sobrevoado o Destacamento a bordo dum Alloette ou numa DO 27, certamente teria pensado que ali estaria alojada a “Colónia Balnear de Férias” do BCav 2922 para premiar os seus “Bandos Armados”.
Ali tínhamos praia fluvial (não era aconselhável ir a banhos por causa dos Crocs), caça grossa (aos Crocodilos e a outras espécies cinegéticas)e pesca.
Pensaria de certeza que a boa vida que levava em Bissau, na messe de oficiais e também no Palácio do Governador (onde deve ter almoçado e jantado bastantes vezes) era inferior à vida que os “BANDOS ARMADOS” levavam na sua Colónia Balnear de Ponte Caium (cercada do tão falado arame farpado).
No dia 27 de Junho de 1971, pelas 22,00 h, um grupo IN estimado em 30 elementos, flagelou o Destacamento com morteiros 61 mm, RPG 2 e RPG 7 e com armas automáticas ligeiras (Kalash e PPSH vulgo costureirinhas) causando um ferido às NT. A rápida e certeira retaliação obrigou o IN a retirar deixando rastos de sangue, indicando terem tido baixas.
Nesse ataque, apesar de ter um vasto palmarés de ataques e emboscadas, não estava presente junto do meu Grupo de Combate (3.º GC/CCav 2749), não me lembro concretamente do motivo, mas pela data só poderia ter ido render algum graduado por motivo de férias no Destacamento de Cambor (situado na estrada Piche-Canquelifá) ou estar envolvido nalguma operação de minagem nas margens do Rio Corubal em conjunto com os sapadores da CCS/BCav.
Caros Camarigos LG, CV e VB
Espero que o Corpinho esteja Jametum.
Em resposta à solicitação do Luís Graça, para falarmos dos BU… RACOS da Guiné estou a enviar uma estória acerca de um desses Bu… racos.
Espero que informaticamente façam o tratamento adequado.
Manga di Saúde
Alfa Bravo
Luís Borrega
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4215: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (7): Luís Borrega, visitante um milhão (Luís Borrega)
Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4211: Os Bu...rakos em que vivemos (6): Banjara, CART 1690 (Parte II): Lugar de morte (A. Marques Lopes / Alfredo Reis)
domingo, 26 de abril de 2009
Guiné 63/74 - P4251: FAP (26): Em louvor dos sargentos pára-quedistas do BCP 12 (Manuel Peredo, ex-Fur Mil CCP 122, 1972/74)
Guiné > Forças da CCP 122 / BCP 12 > Algures,s /d > Da esquerda, para a direita, o Fur Mil Fernandes, caboverdiano; ao centro, o Sargento Carmo Vicente ; à direita, o Manuel Peredo, Sargento... Os três sargentos do 4º Pelotão do CCP 122 estão equipados com armamento do PIAGC...O Manuel Peredo ostenta o RPG2, o temível LGFog usado pelos guerrilheiros do PAIGC.
Foto: © Manuel Peredo (2008). Direitos reservados
Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára-quedista (CCP 122 / BCP 12, Brá, Bissalanca, 1972/74) (*) deixou o seguinte comentário ao poste P4239, de 23 de Abril (**):
Se eu tivesse um décimo do talento literário de alguns bloguistas,teria uma participação mais activa.Desde que descobri o blogue,não consigo deixar passar um dia sem o consultar,o que não é muito do agrado da minha mulher e devem imaginar porquê.
Tudo o que aqui se diz sobre Gadamael me toca profundamente porque também eu vivi esses dias terríveis,mas aqueles que vieram de Guileje para Gadamael deviam ter ficado afectados psicologicamente para toda a vida.
O que o João Seabra, José Casimiro Carvalho,Manuel Reis e outros dizem sobre os pára-quedistas deixa-me imensamente orgulhoso de ter pertencido a essa tropa especial. O João Seabra diz que não compreende porque é que nenhum pára foi condecorado pelos serviços prestados em Gadamael.Se calhar ninguém se destacou em especial. Se o José Casimiro Carvalho não teve direito a nada, eu e outros também não merecíamos ser louvados ou condecorados.
O João Seabra faz bem em enaltecer o trabalho dos sargentos pára-quedistas que pertenciam ao quadro. Todos eles já tinham uma ou duas comissões no ultramar. Mesmo os oficiais e furrieis milicianos aprendiam muito com eles.
Faço aqui um reparo. Eles não eram promovidos por mérito, salvo talvez em raras excepções. Todos eles começaram como simples soldados e os melhores eram convidados a seguir a carreira militar. Os que aceitavam, tiravam o curso de sargentos, findo o qual passavam a cabos aprovados e depois iam subindo de posto em função dos anos de serviço,o mesmo acontecendo com os milicianos.
O Carmo Vicente (***) foi meu colega no quarto pelotão da CCP 122 e acho que chegou a ser comandante do mesmo pelotão durante algum tempo. Quando havia falta de alferes milicianos, os pelotões eram comandados pelos sargentos mais antigos,mas apenas por um tempo limitado. Raramente um sargento era operacional 24 meses.
Acalento a esperança de um dia poder participar num encontro nacional para poder trocar opiniões, em especial com o João Seabra, José Casimiro Carvalho, Manuel Rebocho, Victor Tavares e outros (****).
Por hoje tenho dito e aqui deixo um abraço para todos.
_____
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)
(**) Vd. poste de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)
(***) Vd. postes de:
4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname
5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?
12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2950: Com os páras da CCP 122 / BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (4): Opiniões (Carlos Silva / Nuno Almeida)
17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2953: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (5): Fomos capazes do melhor e do pior (Virgínio Briote)
(****) Sobre a batalha de Gadamael, vd. entre outros os seguintes postes:
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)
14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3623: Recortes de imprensa (11): A guerra do J. Casimiro Carvalho, pirata de Guileje e herói de Gadamael (Correio da Manhã)
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)
7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)
27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)
18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'
24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!
19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)
25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)(Magalhães Ribeiro)
Foto: © Manuel Peredo (2008). Direitos reservados
Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára-quedista (CCP 122 / BCP 12, Brá, Bissalanca, 1972/74) (*) deixou o seguinte comentário ao poste P4239, de 23 de Abril (**):
Se eu tivesse um décimo do talento literário de alguns bloguistas,teria uma participação mais activa.Desde que descobri o blogue,não consigo deixar passar um dia sem o consultar,o que não é muito do agrado da minha mulher e devem imaginar porquê.
Tudo o que aqui se diz sobre Gadamael me toca profundamente porque também eu vivi esses dias terríveis,mas aqueles que vieram de Guileje para Gadamael deviam ter ficado afectados psicologicamente para toda a vida.
O que o João Seabra, José Casimiro Carvalho,Manuel Reis e outros dizem sobre os pára-quedistas deixa-me imensamente orgulhoso de ter pertencido a essa tropa especial. O João Seabra diz que não compreende porque é que nenhum pára foi condecorado pelos serviços prestados em Gadamael.Se calhar ninguém se destacou em especial. Se o José Casimiro Carvalho não teve direito a nada, eu e outros também não merecíamos ser louvados ou condecorados.
O João Seabra faz bem em enaltecer o trabalho dos sargentos pára-quedistas que pertenciam ao quadro. Todos eles já tinham uma ou duas comissões no ultramar. Mesmo os oficiais e furrieis milicianos aprendiam muito com eles.
Faço aqui um reparo. Eles não eram promovidos por mérito, salvo talvez em raras excepções. Todos eles começaram como simples soldados e os melhores eram convidados a seguir a carreira militar. Os que aceitavam, tiravam o curso de sargentos, findo o qual passavam a cabos aprovados e depois iam subindo de posto em função dos anos de serviço,o mesmo acontecendo com os milicianos.
O Carmo Vicente (***) foi meu colega no quarto pelotão da CCP 122 e acho que chegou a ser comandante do mesmo pelotão durante algum tempo. Quando havia falta de alferes milicianos, os pelotões eram comandados pelos sargentos mais antigos,mas apenas por um tempo limitado. Raramente um sargento era operacional 24 meses.
Acalento a esperança de um dia poder participar num encontro nacional para poder trocar opiniões, em especial com o João Seabra, José Casimiro Carvalho, Manuel Rebocho, Victor Tavares e outros (****).
Por hoje tenho dito e aqui deixo um abraço para todos.
_____
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)
(**) Vd. poste de 23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4239: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (9): Eu, a FAP, o BCP 12 e a emboscada de 18 de Maio (João Seabra)
(***) Vd. postes de:
4 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2915: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (1): Aquilo parecia um filme do Vietname
5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2917: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (2): Quase meia centena de mortos... Para quê e porquê ?
12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2933: Com os páras da CCP 122/BCP 12 no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (3): Manuel Peredo, ex-Fur Mil Pára, hoje emigrante
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2950: Com os páras da CCP 122 / BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (4): Opiniões (Carlos Silva / Nuno Almeida)
17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2953: Com os páras da CCP 122/ BCP 12, no inferno de Gadamael (Carmo Vicente) (5): Fomos capazes do melhor e do pior (Virgínio Briote)
(****) Sobre a batalha de Gadamael, vd. entre outros os seguintes postes:
27 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3801: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (4): Cobarde num dia, herói no outro (João Seabra, ex-Alf Mil, CCav 8350)
14 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3623: Recortes de imprensa (11): A guerra do J. Casimiro Carvalho, pirata de Guileje e herói de Gadamael (Correio da Manhã)
16 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2949: Convívios (67): Pessoal da CCAV 8350, no dia 7 de Junho de 2008, na Trofa (J.Casimiro Carvalho/E.Magalhães Ribeiro)
7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)
27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)
18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'
24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!
19 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1613: Com as CCP 121, 122 e 123 em Gadamael, em Junho/Julho de 1973: o outro inferno a sul (Victor Tavares, ex-1º cabo paraquedista)
25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)
2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato)
15 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P879: Antologia (43): Os heróis desconhecidos de Gadamael (II Parte)
2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)(Magalhães Ribeiro)
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