Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > Contabane > Pel Caç Nat 53 (1970/72) > O Paulo Santiago com o canhão sem recuo 82 B-10, de origem, que esteve na origem do acidente que provocaria a morte do 2º Sargento Parente. O Paulo revisitou o Saltinho e Contane em 2005, na "viagem de todas as emoções" (*)
Foto: © Paulo Santiago (2006). Direitos reservados.
1. Comentário de Jorge Narciso ao Poste P5248 (**):
Olá, António!
Não tem este o fim de comentar o teu post (eu até nem fui nem vim de barco, pois era da FAP), antes e verificando que terás estado no Saltinho por 69/70, procurar uma eventual ajuda tua para precisar na memória um facto lamentável, que muito me marcou e do qual não fiquei com registo preciso.
Eu fui mecânico da linha da frente dos helicópteros (exactamente entre Abril de 1969 e Dezembro de 1970) e muitas vezes fui ao Saltinho (cruzámo-nos concerteza), nomeadamente na época das chuvas, para proceder a abastecimento de víveres.
Aliás, ali "festejei" os meus 20 anos, facto que, denunciado pelo piloto, "nos obrigou" a só dali sair depois dum copo (penso que de espumoso).
Com essas diversas viagens estabeleceram-se alguns laços de amizade, nomeadamente com um sargento (de quem não me recordo o nome) que é, esse sim, o motivo deste comentário.
Sei que numa determinada altura foi substituída a guarnição do Saltinho(fim de comissão ?), mas que o citado sargento, por ser de rendição individual, ali permaneceu com a nova guarnição. [ Substituição da CCAÇ 2406 pela CCAÇ 2701, em Maio de 1970].
Um dia (que também não consigo precisar) parti numa evacuação para o Saltinho (que, diga-se, não era habitual) e qual não foi a minha surpresa (e choque) quando verifico que ela se destinava exactamente ao citado sargento.
Explicaram-nos, rapidamente, ter sido ele atingido pela gravilha projectada pelo escape do canhão sem recuo, montado num dos muros do aquartelamento, que tinha sido extemporaneamente disparado por terceiro, num tiro de experiência e demonstração.
Foi, talvez, a evacuação mais penosa das incontáveis que realizei na Guiné.
Desde logo pelo seu gravíssimo estado físico (completamente crivado), pelo emocional, com a sua lúcida compreensão desse mesmo estado, finalmente porque era alguém com quem mantinha uma relação, diria de quase amizade, o que exponencia largamente o nossas próprias emoções.
Desembarcado, com as palavras de encorajamento possíveis, procurei num dos dias seguintes visitá-lo, tendo-me sido informado que tinha sido imediatamente evacuado para Lisboa.
Tendo mantido o interesse , soube muito mais tarde que não tinha resistido aos ferimentos, vindo a falecer.
Recordas ou de alguma forma tiveste algum contacto testemunhal com este caso ?
Um abraço
Jorge Narciso
2. Comentário de L.G.:
Acabei de mandar, logo a seguir, ao Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, Julho de 1969/Março de 1971), com conhecimento do Paulo Santiago (Saltinho, 1970/72), um mail a perguntar se ele confirmava este acidente e se se lembrava do nome do sargento, com quem privámos em Bambadinca, ainda uns tempos, antes de ele ir para o Saltinho, onde estava a CCAC 2406 (1968/70)...
Lembrava-me bem dessa trágica história... e do penoso relato das circunstâncias da sua morte (no local ou mais tarde, no hospital), depois de ter sido apanhado pelo "cone de fogo" do canhão s/r disparado inadvertidamente por alguém...
Recordava-me bem de uma célebre frase que esse sargento operacional de armas pesadas (se não me engano) costumava proferir no nosso bar, em Bambadinca:
- Quando vou na rua, só paro em dois lugares: numa taberna ou numa livraria...
Aliás, tinha ideia de o Paulo Santiago já ter falado, aqui, no blogue, deste horrível acidente. Isto terá ocorrido em 1970, já no tempo da CCAÇ 2701.
3. Resposta do Paulo Santiago, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho e Contabane, 1970/72), ao Jorge Narciso (ex-1º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12, 1969/70, se não me engano):
Caro Jorge Narciso:
Vou tentar contar o episódio de que falas (**) , que aconteceu já depois da saída, do Saltinho, da CCAÇ 2406, a que pertenceu o António Dias [. O CCAÇ 2406, Os Tigres do Saltinho, 1978/70, pertencia ao BCAÇ 2852, com sede em Bambadinca).
A tragédia, confirmei agora a data com um camarada, deu-se no dia 13/05/70, quando já se encontrava naquele quartel a CCAÇ 2701. O 2º Sarg Parente, o militar de que falas, não pertencia a nenhuma daquelas companhias, era um dos graduados do Pel Caç Nat 53, comandado naquela data pelo Alf Mil António Mota que eu fui substituir em Outubro de 1970.
O trágico acidente resultou de um disparo ocasional do canhão S/R 82 B10, naquele dia instalado no Saltinho, mais tarde foi comigo para o Reordenamento de Contabane.
Ninguém tem uma explicação cabal para o sucedido. Havia ordens expressas para a arma estar sempre com a culatra aberta, e sem granada introduzida, parece que naquele dia havia uma granada introduzida,e a culatra estava fechada.
Como aconteceu? Junto da arma encontravam-se vários militares, Cap Clemente, Alf Mil Julião, Sarg Demba da Milícia, 2ºSarg Parente e ainda mais dois ou três militares. A arma para disparar, granada na câmara e culatra fechada, accionava-se o armador, premia-se o gatilho,acontecia o disparo. Diziam que alguém tocara com o joelho no armador e dera-se o disparo...
O 2º Sarg Parente estava logo atrás do canhão S/R, foi parar a vários metros de distância, e tu, Jorge Narciso, sabes como ele ía. Ficaram também feridos o Cap Clemente, queimaduras numa mão e virilha, e o Demba, queimaduras numa perna. Foram também evacuados para o HM.
Como dizes,o Parente morreu passado um mês. Já como comandante do Pel Caç Nat 53,recebi uma carta da viúva, pedindo-me ajuda na resolução de um qualquer problema que agora não recordo.
Foi um dia trágico no Saltinho.Isto é, muito dramático, o Parente tinha recebido naquele dia um telegrama, via rádio, informando-o que fora pai de uma miúda...e andara na tabanca a comprar uns frangos para fazer um jantar comemorativo do nascimento...
O Alf Mil Fernando Mota, da CCAÇ 2701, recebeu uma carta com a notícia que o irmão fora morto com um tiro da GF. O Sarg Demba da Milícia foi morrer no Quirafo em Abril/72 (***)... Será que o Parente ainda viu a filha antes de morrer? (****)
Apesar de não o ter conhecido, é-me penoso falar desta tragédia.
Abraço
P.Santiago
____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P926: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (3): Saltinho e Contabane
Sobre o canhão s/r 82 B10, vd. também o poste de 13 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1170: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (2) : nhac nhac nhac nhac ou um teste de liderança
(...) Também nestes primeiros dias de Novembro [ de 1970] foi um heli ao Saltinho buscar, por ordem do Com-Chefe, o canhão s/r 82-B10. Voltaram a entregá-lo em Dezembro. Tinha ido na invasão de Conacri, soubemos à posteriori.
(**) Vd. poste de 10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5248: O cruzeiro das nossas vidas (14): Queremos o Uíge (António Dias)
(***) Vd. postes de:
18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)
12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P955: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (5): O pesadelo da terrível emboscada de 17 de Abril de 1972
(****) Consta na lista dos mortos do Ultramar da Liga dos Combatentes, com o nome completo de Antóno Duarte Parente, 2º Sargento do Exército. Data de falecimento: 12/06/1970. Causa: Acidente.
Segundo a página do nosso amigo e camarada António Pires, Guerra do Ultramar: Angola, Guiné e Moçambique, lista dos mortos do Ultramar, o Parente era natural de Vale de Prazeres, Concelho do Fundão, pertencia de facto ao Pel Caç Nat 53, fora mobilizado, pelo RI 14, e está sepultado na Covilhã.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Guiné 63/74 - P5254: Memórias de Mansabá (10): Uma história de passarinhos (Carlos Vinhal)
1. Uma história de passarinhos
Por Carlos Vinhal*
Não sendo propriamente um menino da mamã, era um super protegido ou não fosse filho único, tesouro de seus pais. Tinha no entanto permissão de brincar no parque infantil que era a nossa rua. Brincava-se à vontade porque o trânsito automóvel se limitava à passagem esporádica do senhor Artur, conceituado merceeiro da zona, que tinha um belíssimo automóvel preto.
Tudo era motivo de brincadeira, o arco e a gancheta, o pião, os cabazinhos ou sameirinhas (cápsulas dos refrigerantes), a bola, uma casca de fruta ressequida para com ela jogar à casquinha, uma bola feita com meias supostamente velhas surripiadas em casa, etc, etc.
Na minha rua, no meio das brincadeiras e do alarido dos rapazes, passavam em graciosos, rasantes e velozes voos, as andorinhas-dos-beirais. Tinham, como o seu nome indica, os seus ninhos nos beirais das nossas casas que invariavelmente reutilizavam em cada Primavera. Já nos deviam reconhecer dos anos anteriores, embora notassem aqui e ali a falta de algum que já não fazia parte das brincadeiras por ter crescido. Outros que tinham vindo de novo para aquele parque infantil que na rua montávamos diariamente.
Ainda se podiam ver os pardais, pássaros menos graciosos, mais barulhentos e desajeitados que nascem, crescem e morrem em Portugal, mas que não andam em Portugal. E esta?
Havia ainda umas avezinhas muito elegantes, graciosas que se assemelhavam às andorinhas, mas mais claras na sua penugem, as lavandiscas ou chirinas, chirininhas como lhes chamávamos.
Havia ainda os pombos correios que alguns vizinhos reproduziam em cativeiro. Ao fim da tarde eram soltos dos pombais para darem umas voltas pelas redondezas para manterem a sua forma de modo a poderem competir nos fins de semana que se aproximavam.
Em matéria de aves, limita-se a estas o meu conhecimento. Nunca fui de andar aos ninhos por achar um atentado mexer nos ovinhos, uma vez que depois as mães os rejeitavam. Ir assustar as indefesas crias no cantinho do seu ninho também estava fora de causa para mim.
Esqueci-me de referir uma aves enormes que por aqui voavam, e ainda voam felizmente, dada a proximidade do mar, as gaivotas.
Deixo aqui um parênteses para dizer que as andorinhas desapareceram definitivamente desta zona. Nunca mais voltaram. Será que morreram todas e acabou a Primavera sem o sabermos?
Quem, dum meio relativamente urbano, se encontra de repente no meio dos matos de África, fica extasiado com a profusão de bicharada e de aves, particularmente. Todas as cores, tamanhos e sons. Lindo mesmo.
Nos fins de dia, quando havia oportunidade para tal, gostava de me sentar sozinho na esplanada da Messe a apreciar a passarada que ao pôr-do-sol voava por aqueles céus. Quem não se lembra da elegância do voo do jagudi lá muito no alto, aproveitando a força de sustentação do ar quente?
De entre as muitas árvores que havia no interior do quartel de Mansabá, uma se destacava pelo seu porte, com uma copa enorme, muitos metros de perímetro seguramente. Estava no enfiamento da nossa messe e situava-se junto do Posto do Administrador. Era lindo de ver a passarada em enormes bandos que dela emanava ao fim do dia. Com o cair da noite saiam em voos rápidos em direcção ao horizonte. Espectáculo que ainda hoje recordo. Que tipo de passarinhos eram aqueles que, aos milhares, voavam de noite? Não conhecia nenhuma espécie que se dedicasse ao voo nocturno, mas que os havia, havia, porque eu estava a vê-los.
Só muito tarde vim a saber, sem perguntar, que os ditos passarinhos eram, nem mais, nem menos, que bandos de morcegos que iam à sua labuta nocturna, lutar pela sobrevivência.
Os passarinhos, lá como cá, à noite refugiam-se nas árvores, os morcegos desprendem-se delas.
Mansabá, 28NOV71 > Fim da tarde de domingo, na esplanada da messe
Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art.ª MA
CART 2732
Mansabá
1970/72
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4079: O trauma da notícia da mobilização (3): Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau (Carlos Vinhal)
Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5252: Estórias avulsas (57): Funeral na Guiné – Refeição melhorada
Por Carlos Vinhal*
Não sendo propriamente um menino da mamã, era um super protegido ou não fosse filho único, tesouro de seus pais. Tinha no entanto permissão de brincar no parque infantil que era a nossa rua. Brincava-se à vontade porque o trânsito automóvel se limitava à passagem esporádica do senhor Artur, conceituado merceeiro da zona, que tinha um belíssimo automóvel preto.
Tudo era motivo de brincadeira, o arco e a gancheta, o pião, os cabazinhos ou sameirinhas (cápsulas dos refrigerantes), a bola, uma casca de fruta ressequida para com ela jogar à casquinha, uma bola feita com meias supostamente velhas surripiadas em casa, etc, etc.
Na minha rua, no meio das brincadeiras e do alarido dos rapazes, passavam em graciosos, rasantes e velozes voos, as andorinhas-dos-beirais. Tinham, como o seu nome indica, os seus ninhos nos beirais das nossas casas que invariavelmente reutilizavam em cada Primavera. Já nos deviam reconhecer dos anos anteriores, embora notassem aqui e ali a falta de algum que já não fazia parte das brincadeiras por ter crescido. Outros que tinham vindo de novo para aquele parque infantil que na rua montávamos diariamente.
Ainda se podiam ver os pardais, pássaros menos graciosos, mais barulhentos e desajeitados que nascem, crescem e morrem em Portugal, mas que não andam em Portugal. E esta?
Havia ainda umas avezinhas muito elegantes, graciosas que se assemelhavam às andorinhas, mas mais claras na sua penugem, as lavandiscas ou chirinas, chirininhas como lhes chamávamos.
Havia ainda os pombos correios que alguns vizinhos reproduziam em cativeiro. Ao fim da tarde eram soltos dos pombais para darem umas voltas pelas redondezas para manterem a sua forma de modo a poderem competir nos fins de semana que se aproximavam.
Em matéria de aves, limita-se a estas o meu conhecimento. Nunca fui de andar aos ninhos por achar um atentado mexer nos ovinhos, uma vez que depois as mães os rejeitavam. Ir assustar as indefesas crias no cantinho do seu ninho também estava fora de causa para mim.
Esqueci-me de referir uma aves enormes que por aqui voavam, e ainda voam felizmente, dada a proximidade do mar, as gaivotas.
Deixo aqui um parênteses para dizer que as andorinhas desapareceram definitivamente desta zona. Nunca mais voltaram. Será que morreram todas e acabou a Primavera sem o sabermos?
Quem, dum meio relativamente urbano, se encontra de repente no meio dos matos de África, fica extasiado com a profusão de bicharada e de aves, particularmente. Todas as cores, tamanhos e sons. Lindo mesmo.
Nos fins de dia, quando havia oportunidade para tal, gostava de me sentar sozinho na esplanada da Messe a apreciar a passarada que ao pôr-do-sol voava por aqueles céus. Quem não se lembra da elegância do voo do jagudi lá muito no alto, aproveitando a força de sustentação do ar quente?
De entre as muitas árvores que havia no interior do quartel de Mansabá, uma se destacava pelo seu porte, com uma copa enorme, muitos metros de perímetro seguramente. Estava no enfiamento da nossa messe e situava-se junto do Posto do Administrador. Era lindo de ver a passarada em enormes bandos que dela emanava ao fim do dia. Com o cair da noite saiam em voos rápidos em direcção ao horizonte. Espectáculo que ainda hoje recordo. Que tipo de passarinhos eram aqueles que, aos milhares, voavam de noite? Não conhecia nenhuma espécie que se dedicasse ao voo nocturno, mas que os havia, havia, porque eu estava a vê-los.
Só muito tarde vim a saber, sem perguntar, que os ditos passarinhos eram, nem mais, nem menos, que bandos de morcegos que iam à sua labuta nocturna, lutar pela sobrevivência.
Os passarinhos, lá como cá, à noite refugiam-se nas árvores, os morcegos desprendem-se delas.
Mansabá, 28NOV71 > Fim da tarde de domingo, na esplanada da messe
Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art.ª MA
CART 2732
Mansabá
1970/72
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4079: O trauma da notícia da mobilização (3): Calma rapaz, nem tudo há-de ser mau (Carlos Vinhal)
Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5252: Estórias avulsas (57): Funeral na Guiné – Refeição melhorada
Guiné 63/74 - P5253: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (11): A Enfermeira Josefina
1. Mensagem de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, com data de 10 de Novembro de 2009:
Caro amigo:
Volto novamente ao vosso convívio com mais um conto em que misturo realidade e ficção. Não digo que os factos terão ocorrido tal e qual são narrados, mas também não digo que não tenham ocorrido em parte. A pairar deixo uma capa de ironia e benevolência para amenizar um pouco o ambiente da nossa Tabanca, por vezes tão cru e sanguinolento.
Um grande abraço do
Carlos A. G.
A Enfermeira Josefina
Protegido do sol dentro da tasca do velho Paiva, comerciante ranhoso com quem, de vez em quando, metia conversa só para que ele não pensasse que eu tinha a mania da grandeza por causa dos galões de alferes que trazia nos ombros, reparei que pelo outro lado da rua passava alguém estranho, que não me parecia ter ainda visto por estas bandas.
- Quem é aquela tipa? - Falei, eu, para o lado sem deixar de fitar a estranha aparição.
- Quem, aquela gorda? Não conhece? É a enfermeira que veio do Gabu para trabalhar no Posto, com o Chefe Barbosa. Coitado, agora que já não pode com uma gata pelo rabo, como se costuma dizer, é que lhe aparece isto - casquinou o depravado do Paiva que em tudo metia patifarias e sexo.
- Mas porquê, aquilo dá?
- Ai, isso não sei, meu alferes, antigamente diziam que sim, agora não sei. Parece que o marido a deixou. Vive só com a mãe. Para falar verdade, já está um bocado fora de prazo não está? Agora é mais banhas que outra coisa. Mas com a carestia que por aí há…, não sei se me entende. Não é de desperdiçar, pois não? - riu-se o Paiva que também se julgava um tipo cheio de piada.
Acabei de beber o whisky, desencostei-me preguiçosamente do balcão e vim até à porta, apreciar a nova habitante da aldeia que sem se dar conta da curiosidade que despertava nos basbaques, continuou imperturbável a caminhada em direcção à parte de cima da aldeia. A curiosidade era impossível de refrear e, para me certificar melhor, resolvi ir perguntar a quem deveria estar mais ao corrente do que se passava: o M. Soares gerente de uma das quatro casas comerciais que para ali estavam desterradas sem se saber porquê e para quê, tão perdidas como agulhas em palheiro.
Atravessei a rua afugentando dois ou três cães que me impediam a passagem e entrei pela outra loja, toda pintada de vermelho e branco. M. Soares acabava de atender um velho gila seu conhecido que lhe tinha trazido notícias e molhos de folhas de tabaco para mascar, vindo do Senegal. Pelo tom do discurso do matreiro comerciante e pelo resignado sorriso do velho contrabandista, pareceu-me que mais uma vez o Soares acabava de fazer um habitual acto de caridade com que costumava alimentar a sua já enorme popularidade entre a população local.
Depois de arrumar a mercadoria que tinha acabado de comprar, virou-se para mim com um enorme jarro de vidro na mão, cheio de água com rodelas de limão e cubos de gelo, que pousou no balcão.
- Sirva-se nosso alferes. O Demba acabou agora mesmo de fazer limonada. É o melhor que há para acabar com este calor dos diabos! – e enquanto dizia isto, alinhou logo dois copos limpos na nossa frente.
- Obrigado, não digo que não, mas você já sabe da novidade? Parece que temos por aí gente nova. Uma tal enfermeira que veio do Gabu. Não a viu passar?
- Ah! A enfermeira Josefina? Sim, já é habitual aparecer por aqui. Dantes vinha mais vezes, agora é que a não via há muito tempo. Vinha mesmo a calhar, não? Cuidado! Aquilo é gente difícil, por qualquer coisa de nada arranja sarilhos. Manga deles!
- Não, não! - disse eu logo muito depressa. - Foi só por mera curiosidade. Mas, diga-me, a que propósito é que a Administração a mandaria agora para aqui? Será porque, com a chegada da tropa, agora que a aldeia já tem médico, não querem deixar de marcar presença também?
- Se calhar foi por isso mesmo, alferes. Bem pensado. Aquilo lá em baixo, no Gabu é uma seita de manhosos. Têm medo que vocês lhes tirem os fregueses - respondeu o Soares com uma ampla gargalhada que se espalhou até ao outro lado da praça. E embrenhou-se numa emaranhada explicação dos meandros da Administração Civil aos quais não consegui dar muita atenção, convencido como estava que, de agora em diante, o futuro daquela gente e daqueles lugares estava, irremediavelmente, entregue ao poder da tropa, das nossas armas. Nesta guerra a autoridade civil estava condenada a passar para segundo plano. Tinha perdido o poder por completo.
Mas para não nos esquecermos da realidade social e política em que estávamos inseridos, convinha, de vez em quando, procurar entender e estar a par do quotidiano local. Um pouco de bisbilhotice faz sempre bem. Além de servir de distracção ajuda de certo modo a manter a segurança.
Aqui, neste caso particular, ninguém sabia dizer, ao certo, o porquê de ela ter vindo aqui parar. Apenas se sabia que era cabo-verdiana, enfermeira auxiliar e parece que, divorciada de facto. De pele cor de café com leite, roliça, denunciando propensão para a obesidade, resultado de uma juventude já muito vivida, sabia, no entanto, rebolar as ancas com uma sensualidade tão natural que até fazia ferver, em banho-maria, o sangue dos homens sedentos de fêmeas há longo tempo.
Quando soube que havia uma nova força militar estacionada no quartel da tropa em Pirada, não demorou muito a conseguir ocupar o lugar vago no posto médico da povoação, tornando-se desde logo unha e carne com o alferes médico, insinuando-se com aquela vozinha suave, quase inaudível, sempre disponível para o auxiliar em tudo o que fosse necessário. Daniel, o nosso alferes médico, ficou radiante pois, além de ter agora uma maior ajuda, a presença de uma enfermeira no posto médico era essencial para atender com mais facilidade e segurança as mulheres e as crianças que constituíam a maioria dos pacientes.
Agora, isso quase lhe permitia pôr a funcionar em pleno o mísero consultório médico anexo ao Posto do Chefe Barbosa, ali no meio do mato profundo da Guiné, onde nunca chegavam os progressos da ciência, quanto mais os da medicina. Sentia-se um verdadeiro Dr. Schweitzer salvando os pobres indígenas das garras das doenças que os afligiam há séculos. Para a soldadesca então, era uma verdadeira bênção celestial, tão desprovidos andavam eles de visões femininas que até pareciam vir a dar em malucos, no meio de tanto fula, com aqueles costumes fundamentalistas que os árabes têm de esconderem constantemente as mulheres de qualquer olho cobiçoso vindo de fora do clã familiar.
Sempre que a Josefina passava diante do portão da caserna, os que por ali se encontravam, até se esqueciam do que estavam a fazer, deixando geralmente o colega a falar sozinho. Comiam-na, literalmente, com os olhos.
Mas ela não dava qualquer hipótese. Apenas falava ao furriel enfermeiro, num tom o mais profissional possível, sem lhe proporcionar grandes intimidades e, claro está, com o alferes médico. Com este, desfazia-se em sorrisos e atenções.
Por mais que os soldados pusessem a correr os mais escandalosos e escabrosos boatos sobre a conduta moral dela, ansiosos por uma escandaleira bem cabeluda, nunca chegaram a provar nada de palpável e as más-línguas foram obrigadas a meter a viola no saco.
Foi então que, num desses dias, sem mais nem menos, o Antunes, o furriel enfermeiro, aproveitando o ensejo de poder falar comigo a sós, veio dizer-me que a Josefina queria falar comigo. Eu que fosse ter à casa onde ela morava com a mãe, ao fim da tarde, rematou misteriosamente.
- Mas para quê? - Respondi intrigado.
- Meu alferes, parece que ela, amanhã, se vai embora e quer fazer uma festa de despedida. Convidou o doutor é claro, e a mim, porque lhe vou providenciar umas garrafas de cerveja e whisky da messe. Queria convidar também o alferes Carvalho, mas como ele foi para Bissau, por causa daqueles problemas com as gasolinas, lembrou-se de si, talvez, não sei… Venha que não se vai arrepender, de certeza. Até vai haver baile!
Um bocado a medo lá concordei, embora naturalmente desconfiado com o inesperado do convite. O que quereria de mim? Teria engraçado comigo? Sei lá!
Quando ao fim da tarde, depois de ter arranjado uma desculpa qualquer para não aparecer ao jantar na messe, dirigi-me à casa que o Antunes me tinha indicado, mesmo ao pé do poço, à entrada da tabanca. Era uma casa rectangular coberta de folhas de zinco que se diferenciava bem das outras, tradicionais, redondas e cobertas de colmo.
O alferes médico e o furriel Antunes já lá estavam em amena cavaqueira, bebericando whiskies e cervejas. Josefina assim que me viu, com um ar meio envergonhado, tratou logo de me arranjar uma ampla cadeira de encosto dizendo-me que estivesse à vontade, que não reparasse na modéstia da casa e outras banalidades mais ou menos em crioulo ou num português atrapalhado para se fazer entender melhor.
- Meu alferes, aqui a senhora enfermeira parece que nos preparou uma caldeirada de cabrito de estalo! - Começou logo por me elucidar o Antunes, no meio de alguns trejeitos maliciosos com a boca.
- O que quer beber, alferes Geraldes, vinho, cerveja ou whisky? - Acudia de lado a cabo-verdiana, inclinando-se oferecida sobre a mesa, posta com pratos, copos e talheres, demonstrando que, pelo menos, já sabia pronunciar o meu nome.
- Cerveja, cerveja! O que estiver mais fresco, claro - balbuciei procurando parecer o mais descontraído possível, como se aquela cena fosse mais um dos habituais acontecimentos do nosso dia-a-dia. Mas o que estava a acontecer? Isto seria mesmo verdade? Não estaríamos a viver uma cena de algum universo paralelo? Só nos filmes de Hollywood é que se viam coisas assim: …intrépidos aventureiros brancos esfalfados com a sede, a serem apaparicados por gentis donzelas nativas, todas derretidas, debaixo de um providencial alpendre decorado com flores exóticas, papagaios e candeeiros de luz mortiça a proporcionar um inesquecível ambiente de sonho e romance, ao som de um mavioso ukelélé, com um belo pôr-do-sol lá ao longe…
Mas neste caso, os bravos aventureiros brancos eram apenas três soldaditos de um exército ferozmente dominador, apavorados com medo até da própria sombra e a donzela era uma anafada e sorridente mulata cor de café com leite que, com a aflição de ter tudo em ordem para agradar às visitas, se esfalfava correndo de um lado para o outro, balançando os fartos seios que se adivinhavam macios sob a bata branca do seu uniforme de enfermeira.
Lá fora a noite caíra de repente e nada se distinguia além da cerca do quintal. Mesmo sem querer comecei a indagar-me sobre o que, de facto, estaríamos a fazer ali. E até porque, pensando melhor, como nos ensinaram nos manuais da anti-guerrilha, afinal estávamos em território inimigo! Em plena noite escura, mais escura que alcatrão derretido, fora das instalações do quartel sem sequer termos trazido uma única arma! Se o inimigo quisesse, poderia acabar connosco, ali mesmo, num abrir e fechar de olhos. E ninguém ficaria a saber. Será que poderíamos confiar naquela mulher? Não estaríamos a ser observados? Não teríamos caído no meio em alguma armadilha?
Mas, enquanto me embrenhava nestas e noutras angustiantes conjecturas, já o médico tinha emborcado uma série de whiskys e galhofava eufórico com o furriel Antunes. Pela cabeça dele é claro que nada de suspeito se poderia passar, o que lhe interessava mesmo, era uma boa farra!
E o furriel alinhava descaradamente! O que poderia eu fazer? Ser um desmancha-prazeres? Não, isso também não! Por isso, desta vez, façamos por esquecer todas as regras, pensei. Mergulhemos de cabeça no abismo! Que se lixasse a segurança!
E assim a noite foi passando. A caldeirada de cabrito estava de facto esplêndida. Picante como mandava a lei gastronómica do país. As bebidas sucediam-se numa velocidade estonteante. As garrafas vazias já rebolavam pelo chão fugindo à decência e ao decoro. Josefina ria-se cada vez mais solta e descomprometida, aligeirando a roupa a pouco e pouco. O calor começava a ser demais…
Sem darmos por isso, quase de repente, estávamos todos bêbados, arrastando as palavras, sussurrando confidências que não se contam a mais ninguém a não ser aos mais íntimos amigos em momentos de grande entusiasmo, quando julgamos estar numa daquelas noites especiais. Daí a pouco já nem sabíamos conversar direito. Berrávamos, e cantávamos a plenos pulmões, alarmando a impávida vizinhança que, na tabanca, se mantinha num significativo silêncio.
Queríamos era gozar, experimentar até ao máximo todas as emoções há muito imaginadas e desejadas, alcançar o esquecimento total, adormecer profundamente para depois acordarmos livres de um pesadelo que nos mantinha como que enfeitiçados.
Foi então que surgiu aquela velha, a suposta mãe talvez, que até ali se tinha mantido escondida lá para dentro, na cozinha. Gritando qualquer coisa num dialecto esganiçado que não se entendia muito bem, começou a invectivar a filha para que nos mandasse embora, que acabássemos com aquela algazarra. E teimava, ralhando cada vez mais alto, abanando-a, puxando-lhe pelo braço para a fazer levantar. Josefina, sentada de pernas abertas numa cadeira, já nitidamente alcoolizada, continuava a encher copos de cerveja uns atrás dos outros sem lhe ligar importância. Mas perante a insistência da velha, que não dava mostras de desistir, levantou-se num repelão e, violentamente, enxotou a megera atirando-a lá para dentro, com dois berros malcriados. Depois virando-se para nós balbuciou com a voz já muito pastosa:
- Pronto, acaba tudo! Ir embora. Agora cá tem mais vianda, cá tem mais bibida! Vai dormir. Vai embora, vai! Nós fica, disculpa, nosso alfero, disculpa… - repetia misturando crioulo e português, enquanto se agarrava indecorosamente ao alferes médico.
Perante uma cena destas, só podíamos concluir que as coisas estavam mesmo a descarrilar. O melhor era dar o fora antes que se fizesse tarde de mais. Fiz sinal ao Antunes dando-lhe a entender que estava na “hora di bai”, na hora da partida.
Mas e o médico? Como de costume, o nosso homem, já não se podia aguentar de pé agarrando-se sem vergonha à anfitriã que, voltando sempre para junto dele, se desfazia em sorrisos e lânguidos olhares como uma qualquer adolescente apaixonada. Era bom de se ver que aquilo não iria ficar por ali. Nem sequer se aperceberam do que se estava a passar quando nós, muito sorrateiramente, começámos a sair à francesa. Batendo cobardemente em retirada, o Antunes e eu deixámos o doutor a curar, sozinho, mais uma das suas valentes carraspanas. A enfermeira que tratasse dele!
Na atrapalhação da saída, conseguimos ainda vislumbrar a Josefina a arrastar o nosso médico para dentro de um mosquiteiro montado numa tosca cama arrumada num dos cantos da sala. Abraçados e muito bêbados, caíram um por cima do outro, arrastando o mosquiteiro na confusão.
Cá fora na placidez total do Universo, terna era noite, como diria o poeta. Para lá do círculo de luz projectado pelo Petromax pendurado na parte de fora da casa, o mundo desaparecia tragado por um enorme manto de veludo negro. Tão negro que nem os nossos próprios pés conseguíamos vislumbrar. Era impossível que assim houvesse uma guerra, com os homens tacteando no escuro, procurando apenas a paz, o descanso e a tranquilidade. Como alegres participantes num jogo de cabra-cega, lá conseguimos chegar às nossas instalações e, num silêncio comprometido, despedimo-nos um do outro.
No dia seguinte, piscando os olhos perante a luz ofuscante do sol da manhã, não pude deixar de ser interpelado pelo M. Soares, o nosso vizinho que, nitidamente à minha espera, como uma verdadeira ave de rapina, não queria perder pitada de uma novidade ou hipotética escandaleira. Do outro lado da rua disparou logo à queima-roupa:
- Ó nosso alferes, então, ontem à noite, hein? Aquilo é que foi uma pândega! Tirou o dente de misérias, seu malandro!
- Quem, eu? Olhe que está enganado, não aconteceu nada, não! Hei! Não se ponha para aí a inventar coisas! Pergunte ao Antunes se não é verdade! -apressei-me a responder-lhe enquanto me escapulia para o quartel, procurando evitar, a todo o custo, mais perguntas sarcásticas. Mas nas minhas costas, a verdade e a ficção fundiam-se já numa onda enorme avançando em todas as direcções, como um furioso macaréu ao subir o rio da foz até à nascente. Não tardou, é claro que, a invencionice e a imaginação fértil de todos nós, originasse todos aqueles mitos e delirantes fantasias que saborosamente ficaram a ilustrar mais um episódio marcante da nossa passagem por estas paupérrimas terras africanas. As grandes façanhas nasceram sempre assim.
Da apaixonada Josefina não soube mais nada, nem nunca mais a vi. Quanto ao alferes médico, esse, continuou alegremente a embebedar-se sem se lembrar de nada.
Inesperadamente, na semana seguinte, fui destacado com o meu Grupo de Combate para Paúnca e por lá fiquei até ao fim da comissão.
Carlos Geraldes,
Viana do Castelo
Nov.2009
Pirada, AGO65 > Cap Barão da Cunha, Cap Tadeu, Alf Médico Duarte e Alf Mil Geraldes
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5078: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (10): Como descobri o jogo do Ôri
Caro amigo:
Volto novamente ao vosso convívio com mais um conto em que misturo realidade e ficção. Não digo que os factos terão ocorrido tal e qual são narrados, mas também não digo que não tenham ocorrido em parte. A pairar deixo uma capa de ironia e benevolência para amenizar um pouco o ambiente da nossa Tabanca, por vezes tão cru e sanguinolento.
Um grande abraço do
Carlos A. G.
A Enfermeira Josefina
Protegido do sol dentro da tasca do velho Paiva, comerciante ranhoso com quem, de vez em quando, metia conversa só para que ele não pensasse que eu tinha a mania da grandeza por causa dos galões de alferes que trazia nos ombros, reparei que pelo outro lado da rua passava alguém estranho, que não me parecia ter ainda visto por estas bandas.
- Quem é aquela tipa? - Falei, eu, para o lado sem deixar de fitar a estranha aparição.
- Quem, aquela gorda? Não conhece? É a enfermeira que veio do Gabu para trabalhar no Posto, com o Chefe Barbosa. Coitado, agora que já não pode com uma gata pelo rabo, como se costuma dizer, é que lhe aparece isto - casquinou o depravado do Paiva que em tudo metia patifarias e sexo.
- Mas porquê, aquilo dá?
- Ai, isso não sei, meu alferes, antigamente diziam que sim, agora não sei. Parece que o marido a deixou. Vive só com a mãe. Para falar verdade, já está um bocado fora de prazo não está? Agora é mais banhas que outra coisa. Mas com a carestia que por aí há…, não sei se me entende. Não é de desperdiçar, pois não? - riu-se o Paiva que também se julgava um tipo cheio de piada.
Acabei de beber o whisky, desencostei-me preguiçosamente do balcão e vim até à porta, apreciar a nova habitante da aldeia que sem se dar conta da curiosidade que despertava nos basbaques, continuou imperturbável a caminhada em direcção à parte de cima da aldeia. A curiosidade era impossível de refrear e, para me certificar melhor, resolvi ir perguntar a quem deveria estar mais ao corrente do que se passava: o M. Soares gerente de uma das quatro casas comerciais que para ali estavam desterradas sem se saber porquê e para quê, tão perdidas como agulhas em palheiro.
Atravessei a rua afugentando dois ou três cães que me impediam a passagem e entrei pela outra loja, toda pintada de vermelho e branco. M. Soares acabava de atender um velho gila seu conhecido que lhe tinha trazido notícias e molhos de folhas de tabaco para mascar, vindo do Senegal. Pelo tom do discurso do matreiro comerciante e pelo resignado sorriso do velho contrabandista, pareceu-me que mais uma vez o Soares acabava de fazer um habitual acto de caridade com que costumava alimentar a sua já enorme popularidade entre a população local.
Depois de arrumar a mercadoria que tinha acabado de comprar, virou-se para mim com um enorme jarro de vidro na mão, cheio de água com rodelas de limão e cubos de gelo, que pousou no balcão.
- Sirva-se nosso alferes. O Demba acabou agora mesmo de fazer limonada. É o melhor que há para acabar com este calor dos diabos! – e enquanto dizia isto, alinhou logo dois copos limpos na nossa frente.
- Obrigado, não digo que não, mas você já sabe da novidade? Parece que temos por aí gente nova. Uma tal enfermeira que veio do Gabu. Não a viu passar?
- Ah! A enfermeira Josefina? Sim, já é habitual aparecer por aqui. Dantes vinha mais vezes, agora é que a não via há muito tempo. Vinha mesmo a calhar, não? Cuidado! Aquilo é gente difícil, por qualquer coisa de nada arranja sarilhos. Manga deles!
- Não, não! - disse eu logo muito depressa. - Foi só por mera curiosidade. Mas, diga-me, a que propósito é que a Administração a mandaria agora para aqui? Será porque, com a chegada da tropa, agora que a aldeia já tem médico, não querem deixar de marcar presença também?
- Se calhar foi por isso mesmo, alferes. Bem pensado. Aquilo lá em baixo, no Gabu é uma seita de manhosos. Têm medo que vocês lhes tirem os fregueses - respondeu o Soares com uma ampla gargalhada que se espalhou até ao outro lado da praça. E embrenhou-se numa emaranhada explicação dos meandros da Administração Civil aos quais não consegui dar muita atenção, convencido como estava que, de agora em diante, o futuro daquela gente e daqueles lugares estava, irremediavelmente, entregue ao poder da tropa, das nossas armas. Nesta guerra a autoridade civil estava condenada a passar para segundo plano. Tinha perdido o poder por completo.
Mas para não nos esquecermos da realidade social e política em que estávamos inseridos, convinha, de vez em quando, procurar entender e estar a par do quotidiano local. Um pouco de bisbilhotice faz sempre bem. Além de servir de distracção ajuda de certo modo a manter a segurança.
Aqui, neste caso particular, ninguém sabia dizer, ao certo, o porquê de ela ter vindo aqui parar. Apenas se sabia que era cabo-verdiana, enfermeira auxiliar e parece que, divorciada de facto. De pele cor de café com leite, roliça, denunciando propensão para a obesidade, resultado de uma juventude já muito vivida, sabia, no entanto, rebolar as ancas com uma sensualidade tão natural que até fazia ferver, em banho-maria, o sangue dos homens sedentos de fêmeas há longo tempo.
Quando soube que havia uma nova força militar estacionada no quartel da tropa em Pirada, não demorou muito a conseguir ocupar o lugar vago no posto médico da povoação, tornando-se desde logo unha e carne com o alferes médico, insinuando-se com aquela vozinha suave, quase inaudível, sempre disponível para o auxiliar em tudo o que fosse necessário. Daniel, o nosso alferes médico, ficou radiante pois, além de ter agora uma maior ajuda, a presença de uma enfermeira no posto médico era essencial para atender com mais facilidade e segurança as mulheres e as crianças que constituíam a maioria dos pacientes.
Agora, isso quase lhe permitia pôr a funcionar em pleno o mísero consultório médico anexo ao Posto do Chefe Barbosa, ali no meio do mato profundo da Guiné, onde nunca chegavam os progressos da ciência, quanto mais os da medicina. Sentia-se um verdadeiro Dr. Schweitzer salvando os pobres indígenas das garras das doenças que os afligiam há séculos. Para a soldadesca então, era uma verdadeira bênção celestial, tão desprovidos andavam eles de visões femininas que até pareciam vir a dar em malucos, no meio de tanto fula, com aqueles costumes fundamentalistas que os árabes têm de esconderem constantemente as mulheres de qualquer olho cobiçoso vindo de fora do clã familiar.
Sempre que a Josefina passava diante do portão da caserna, os que por ali se encontravam, até se esqueciam do que estavam a fazer, deixando geralmente o colega a falar sozinho. Comiam-na, literalmente, com os olhos.
Mas ela não dava qualquer hipótese. Apenas falava ao furriel enfermeiro, num tom o mais profissional possível, sem lhe proporcionar grandes intimidades e, claro está, com o alferes médico. Com este, desfazia-se em sorrisos e atenções.
Por mais que os soldados pusessem a correr os mais escandalosos e escabrosos boatos sobre a conduta moral dela, ansiosos por uma escandaleira bem cabeluda, nunca chegaram a provar nada de palpável e as más-línguas foram obrigadas a meter a viola no saco.
Foi então que, num desses dias, sem mais nem menos, o Antunes, o furriel enfermeiro, aproveitando o ensejo de poder falar comigo a sós, veio dizer-me que a Josefina queria falar comigo. Eu que fosse ter à casa onde ela morava com a mãe, ao fim da tarde, rematou misteriosamente.
- Mas para quê? - Respondi intrigado.
- Meu alferes, parece que ela, amanhã, se vai embora e quer fazer uma festa de despedida. Convidou o doutor é claro, e a mim, porque lhe vou providenciar umas garrafas de cerveja e whisky da messe. Queria convidar também o alferes Carvalho, mas como ele foi para Bissau, por causa daqueles problemas com as gasolinas, lembrou-se de si, talvez, não sei… Venha que não se vai arrepender, de certeza. Até vai haver baile!
Um bocado a medo lá concordei, embora naturalmente desconfiado com o inesperado do convite. O que quereria de mim? Teria engraçado comigo? Sei lá!
Quando ao fim da tarde, depois de ter arranjado uma desculpa qualquer para não aparecer ao jantar na messe, dirigi-me à casa que o Antunes me tinha indicado, mesmo ao pé do poço, à entrada da tabanca. Era uma casa rectangular coberta de folhas de zinco que se diferenciava bem das outras, tradicionais, redondas e cobertas de colmo.
O alferes médico e o furriel Antunes já lá estavam em amena cavaqueira, bebericando whiskies e cervejas. Josefina assim que me viu, com um ar meio envergonhado, tratou logo de me arranjar uma ampla cadeira de encosto dizendo-me que estivesse à vontade, que não reparasse na modéstia da casa e outras banalidades mais ou menos em crioulo ou num português atrapalhado para se fazer entender melhor.
- Meu alferes, aqui a senhora enfermeira parece que nos preparou uma caldeirada de cabrito de estalo! - Começou logo por me elucidar o Antunes, no meio de alguns trejeitos maliciosos com a boca.
- O que quer beber, alferes Geraldes, vinho, cerveja ou whisky? - Acudia de lado a cabo-verdiana, inclinando-se oferecida sobre a mesa, posta com pratos, copos e talheres, demonstrando que, pelo menos, já sabia pronunciar o meu nome.
- Cerveja, cerveja! O que estiver mais fresco, claro - balbuciei procurando parecer o mais descontraído possível, como se aquela cena fosse mais um dos habituais acontecimentos do nosso dia-a-dia. Mas o que estava a acontecer? Isto seria mesmo verdade? Não estaríamos a viver uma cena de algum universo paralelo? Só nos filmes de Hollywood é que se viam coisas assim: …intrépidos aventureiros brancos esfalfados com a sede, a serem apaparicados por gentis donzelas nativas, todas derretidas, debaixo de um providencial alpendre decorado com flores exóticas, papagaios e candeeiros de luz mortiça a proporcionar um inesquecível ambiente de sonho e romance, ao som de um mavioso ukelélé, com um belo pôr-do-sol lá ao longe…
Mas neste caso, os bravos aventureiros brancos eram apenas três soldaditos de um exército ferozmente dominador, apavorados com medo até da própria sombra e a donzela era uma anafada e sorridente mulata cor de café com leite que, com a aflição de ter tudo em ordem para agradar às visitas, se esfalfava correndo de um lado para o outro, balançando os fartos seios que se adivinhavam macios sob a bata branca do seu uniforme de enfermeira.
Lá fora a noite caíra de repente e nada se distinguia além da cerca do quintal. Mesmo sem querer comecei a indagar-me sobre o que, de facto, estaríamos a fazer ali. E até porque, pensando melhor, como nos ensinaram nos manuais da anti-guerrilha, afinal estávamos em território inimigo! Em plena noite escura, mais escura que alcatrão derretido, fora das instalações do quartel sem sequer termos trazido uma única arma! Se o inimigo quisesse, poderia acabar connosco, ali mesmo, num abrir e fechar de olhos. E ninguém ficaria a saber. Será que poderíamos confiar naquela mulher? Não estaríamos a ser observados? Não teríamos caído no meio em alguma armadilha?
Mas, enquanto me embrenhava nestas e noutras angustiantes conjecturas, já o médico tinha emborcado uma série de whiskys e galhofava eufórico com o furriel Antunes. Pela cabeça dele é claro que nada de suspeito se poderia passar, o que lhe interessava mesmo, era uma boa farra!
E o furriel alinhava descaradamente! O que poderia eu fazer? Ser um desmancha-prazeres? Não, isso também não! Por isso, desta vez, façamos por esquecer todas as regras, pensei. Mergulhemos de cabeça no abismo! Que se lixasse a segurança!
E assim a noite foi passando. A caldeirada de cabrito estava de facto esplêndida. Picante como mandava a lei gastronómica do país. As bebidas sucediam-se numa velocidade estonteante. As garrafas vazias já rebolavam pelo chão fugindo à decência e ao decoro. Josefina ria-se cada vez mais solta e descomprometida, aligeirando a roupa a pouco e pouco. O calor começava a ser demais…
Sem darmos por isso, quase de repente, estávamos todos bêbados, arrastando as palavras, sussurrando confidências que não se contam a mais ninguém a não ser aos mais íntimos amigos em momentos de grande entusiasmo, quando julgamos estar numa daquelas noites especiais. Daí a pouco já nem sabíamos conversar direito. Berrávamos, e cantávamos a plenos pulmões, alarmando a impávida vizinhança que, na tabanca, se mantinha num significativo silêncio.
Queríamos era gozar, experimentar até ao máximo todas as emoções há muito imaginadas e desejadas, alcançar o esquecimento total, adormecer profundamente para depois acordarmos livres de um pesadelo que nos mantinha como que enfeitiçados.
Foi então que surgiu aquela velha, a suposta mãe talvez, que até ali se tinha mantido escondida lá para dentro, na cozinha. Gritando qualquer coisa num dialecto esganiçado que não se entendia muito bem, começou a invectivar a filha para que nos mandasse embora, que acabássemos com aquela algazarra. E teimava, ralhando cada vez mais alto, abanando-a, puxando-lhe pelo braço para a fazer levantar. Josefina, sentada de pernas abertas numa cadeira, já nitidamente alcoolizada, continuava a encher copos de cerveja uns atrás dos outros sem lhe ligar importância. Mas perante a insistência da velha, que não dava mostras de desistir, levantou-se num repelão e, violentamente, enxotou a megera atirando-a lá para dentro, com dois berros malcriados. Depois virando-se para nós balbuciou com a voz já muito pastosa:
- Pronto, acaba tudo! Ir embora. Agora cá tem mais vianda, cá tem mais bibida! Vai dormir. Vai embora, vai! Nós fica, disculpa, nosso alfero, disculpa… - repetia misturando crioulo e português, enquanto se agarrava indecorosamente ao alferes médico.
Perante uma cena destas, só podíamos concluir que as coisas estavam mesmo a descarrilar. O melhor era dar o fora antes que se fizesse tarde de mais. Fiz sinal ao Antunes dando-lhe a entender que estava na “hora di bai”, na hora da partida.
Mas e o médico? Como de costume, o nosso homem, já não se podia aguentar de pé agarrando-se sem vergonha à anfitriã que, voltando sempre para junto dele, se desfazia em sorrisos e lânguidos olhares como uma qualquer adolescente apaixonada. Era bom de se ver que aquilo não iria ficar por ali. Nem sequer se aperceberam do que se estava a passar quando nós, muito sorrateiramente, começámos a sair à francesa. Batendo cobardemente em retirada, o Antunes e eu deixámos o doutor a curar, sozinho, mais uma das suas valentes carraspanas. A enfermeira que tratasse dele!
Na atrapalhação da saída, conseguimos ainda vislumbrar a Josefina a arrastar o nosso médico para dentro de um mosquiteiro montado numa tosca cama arrumada num dos cantos da sala. Abraçados e muito bêbados, caíram um por cima do outro, arrastando o mosquiteiro na confusão.
Cá fora na placidez total do Universo, terna era noite, como diria o poeta. Para lá do círculo de luz projectado pelo Petromax pendurado na parte de fora da casa, o mundo desaparecia tragado por um enorme manto de veludo negro. Tão negro que nem os nossos próprios pés conseguíamos vislumbrar. Era impossível que assim houvesse uma guerra, com os homens tacteando no escuro, procurando apenas a paz, o descanso e a tranquilidade. Como alegres participantes num jogo de cabra-cega, lá conseguimos chegar às nossas instalações e, num silêncio comprometido, despedimo-nos um do outro.
No dia seguinte, piscando os olhos perante a luz ofuscante do sol da manhã, não pude deixar de ser interpelado pelo M. Soares, o nosso vizinho que, nitidamente à minha espera, como uma verdadeira ave de rapina, não queria perder pitada de uma novidade ou hipotética escandaleira. Do outro lado da rua disparou logo à queima-roupa:
- Ó nosso alferes, então, ontem à noite, hein? Aquilo é que foi uma pândega! Tirou o dente de misérias, seu malandro!
- Quem, eu? Olhe que está enganado, não aconteceu nada, não! Hei! Não se ponha para aí a inventar coisas! Pergunte ao Antunes se não é verdade! -apressei-me a responder-lhe enquanto me escapulia para o quartel, procurando evitar, a todo o custo, mais perguntas sarcásticas. Mas nas minhas costas, a verdade e a ficção fundiam-se já numa onda enorme avançando em todas as direcções, como um furioso macaréu ao subir o rio da foz até à nascente. Não tardou, é claro que, a invencionice e a imaginação fértil de todos nós, originasse todos aqueles mitos e delirantes fantasias que saborosamente ficaram a ilustrar mais um episódio marcante da nossa passagem por estas paupérrimas terras africanas. As grandes façanhas nasceram sempre assim.
Da apaixonada Josefina não soube mais nada, nem nunca mais a vi. Quanto ao alferes médico, esse, continuou alegremente a embebedar-se sem se lembrar de nada.
Inesperadamente, na semana seguinte, fui destacado com o meu Grupo de Combate para Paúnca e por lá fiquei até ao fim da comissão.
Carlos Geraldes,
Viana do Castelo
Nov.2009
Pirada, AGO65 > Cap Barão da Cunha, Cap Tadeu, Alf Médico Duarte e Alf Mil Geraldes
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5078: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (10): Como descobri o jogo do Ôri
Guiné 63/74 - P5252: Histórias de José Marques Ferreira (10): Funeral de 'homem grande', refeição melhorada... da tropa
1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 7 de Novembro de 2009, a seguinte mensagem:
Funeral na Guiné – Refeição melhorada
É um bocado tétrico, arrepiante até, fazer disto um poste e logo com tal título. Mas a verdade é que vivi os momentos de um funeral na Guiné, de cuja participação tivemos «direito» a… bifes.
Não estou a brincar com coisas sérias. Eu explico melhor, embora com deficiências memoriais provocadas pelos quarenta e tal anos que passaram.
Então vamos aos pormenores.
Já estava há bastante tempo na Guiné, na localidade de Ingoré. Como se sabe, lá como noutros territórios limítrofes, são abundantes as etnias. Cada uma tem os seus princípios, os seus costumes, as suas lendas e crenças, a sua vida…
Na única estrada que atravessava a localidade, na direcção nascente - poente, para os lados de Sedengal, onde estava um pelotão da minha companhia, logo a seguir ao pontão da bolanha que ficava à saída de Ingoré, havia uma tabanca. Já não recordo como se chama, ou chamava.
O que eu sei é que tivemos conhecimento que havia falecido, ali, um «homem grande» daquela tabanca. Penso que foi a um domingo.
Como naquela guerra o domingo era respeitado, como dizia o saudoso Raul Solnado paravam-se as hostilidades, um grupo de camaradas nos quais eu me incluía, resolvemos ir ao funeral… do morto (que raio de redacção esta!).
Não fomos munidos de G3, porque era muito perto e, como eu já disse, a guerra estava fechada, levávamos apenas algumas facas de mato. Mais tarde concluímos que foi o que fizemos de melhor.
Chegados à tabanca, havia muita algazarra, como era próprio nestas alturas e nestes acontecimentos (e não só), quando fomos confrontados com a oferta de enormes e bem apetecíveis peças de carne.
Não houve meias hesitações. Facas metidas na tenra carne, já não me lembro bem, se de bovino, se de vitela (que raio de confusão) e toca de carregar com elas até ao aquartelamento. Um surpreendente pitéu que iria fazer as delícias de um bom almoço, ou jantar, de bifinhos.
Recordo-me que uma das peças era a pá, parte das pernas (de vitela ou de vaca, bolas, seria de boi? Isto hoje está muito mau… era carne e pronto!)
Estava a brincar, para vos explicar que realmente fomos ao funeral e que não viemos de mãos a abanar, fazendo-me recordar alguns hábitos ainda correntes nalgumas regiões do nosso país, onde as famílias dos falecidos oferecem comida e bebida aos acompanhantes dos actos fúnebres.
Naquela etnia, que já não sei qual é, mas se houver alguém que saiba, pedia-lhe o favor de intervir, todos os bens do falecido devem ser distribuídos, sejam galinhas, porcos (algumas etnias não comiam carne de porco, por exemplo, os Mandingas), gado bovino e tudo o resto, segundo creio.
Porque a riqueza daquela gente é medida, não pela quantidade de dinheiro que detém, mas pelo número de cabeças de gado que possui!
Penso que será de frisar, por que nem sequer o sabíamos, que não fomos visitar a família do falecido por causa de obtermos a carne. Mas que ela veio mesmo a calhar, porque a abundância não reinava para aquelas bandas, disso jamais me esqueci.
Pena foi que ninguém tenha tirado uma fotografia da oferenda, para agora confirmar, por imagem, o que acabo de vos contar. Bolas…
Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes
Foto: José M. Ferreira (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
10 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5249: Estórias avulsas (56): Um tiro que tapou o sol na Ponte Marechal Carmona (Joaquim Mexia Alves)
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Guiné 63/74 - P5251: Agenda Cultural (44): Filme: Acto dos Feitos da Guiné (Mário Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos, (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Outubro de 2009:
Filme: "Acto dos Feitos da Guiné" na Sociedade Portuguesa de Autores, em 25 de Novembro, pelas 18.30.
A Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e o ABC Cine-Clube de Lisboa organizam o ciclo “Cinema Português – Filmes Esquecidos”, entre 4 de Novembro e 18 de Dezembro.
Os filmes serão exibidos no Auditório Maestro Frederico de Freitas, da SPA, na Avenida Duque de Loulé, nº 31.
Para mais informações, consultar: http://abc-cineclube.blogspot.com/; http://www.spautores.pt/.
Interessa-nos particularmente o filme “Acto dos Feitos da Guiné”, realizado por Fernando Matos Silva, rodado entre 1979 e 1980 e que nunca foi estreado comercialmente.
De acordo com a apresentação, trata-se de “Mistura de ficção e documentário para falar de uma realidade histórica. A ficção envolve formas explícitas de faz-de-conta, teatro de agitação, a História com voz, corpo e cabelo.
Algumas das imagens foram recolhidas pelo então capitão Matos Silva, membro do departamento de cinema, em missão de soberania à província ultramarina da Guiné”.
De acordo com a ficha técnica, a música é de Fausto (então, no apogeu das suas faculdades musicais) e a fotografia é de José Luís Carvalhosa. Junta-se imagem do anúncio deste ciclo de cinema português.
(Beja Santos)
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
8 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5238: Agenda Cultural (43): TVI, As Tardes da Júlia, 2ª feira, 9/11/2009, das 14h às 17h: As Mulheres na Guerra... (Miguel Pessoa)
Guiné 63/74 - P5250: Da Suécia com saudade (15): Ainda Spínola, a honradez e o carácter de um jovem militar (José Belo)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > 1969 > Visita do Gen Spínola, acompanhado pelo Coronel Hélio Felgas [, comandante do Agrupamento Leste, com sede em Bafatá]: este de costas, em primeiro plano, de camuflado, e tem à sua frente, também de camuflado, o Gen Spínola que se dirige aos militares da CCS do BCAÇ 2852 e unidades adidas (incluindo O Pel Rec Daimler 2046 de que o fotógrafo, o Alf Mil Cav Jaime erao Coamdante) (*).
Foto e legenda: © Jaime Machado (2008). Direitos reservados.
1. Texto de José Belo (**), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 7 do corrente:
Caro Amigo e Camarada.
Pelo sincero respeito que tenho por ti, e pelos outros camaradas que de qualquer modo contribuem para o blogue, gostaria de perante Vós, e após leitura atenta do comentário escrito pelo Sr. Abreu dos Santos (sénior), salientar alguns detalhes.
Procurei compartilhar convosco uma pequena história relacionada com António de Spínola, porque, e como tive o cuidado de salientar, tendo sido seu adversário político, tinha por ele, como Homem e Militar, grande admiração nos meus tempos da Guiné (***).
Depois de tantas décadas passadas,nos meus verdes anos,e com a Guiné tão próxima, confesso que muitos dos detalhes de circunstância possam estar errados. E, pelos vistos estão. Tive, no entanto, o cuidado de salientar no que escrevi: Creio que...
Fui, de imediato corrigido por nota de referências por ti escrita no blogue, pelo que fiquei, obviamente, grato. Aparentemente um dos comentadores sobre o que escrevi dispõe de dados detalhados, e suficientes, que lhe teriam permitido corrigir constructivamente erros de detalhe, ou circunstanciais. Ocupado em ironia insinuante, acabou por não contribuir no estabalecimento definitivo,e quanto a mim interessante, de detalhes por mim desconhecidos de ordem cronológica e geográfica.
É evidente não necessitar a figura Histórica de Spínola das minhas pequenas recordações. Mas, quanto a mim, independentemente da falha nos detalhes, é o fundo do que descrevo o importante na análise da honradez e carácter do jovem António de Spínola.
Muitos de nós que, como totalmente inexperientes Aspirantes Milicianos, fomos obrigados, por escala, a desempenhar funções relacionadas com o rancho num regimento, tiveram a oportunidade de observar tudo o que "ao lado se passava" no que respeitava a verbas, fornecedores e utilização dos alimentos destinados ao rancho. São experiências que melhor fazem compreender, e admirar, a atitude do jovem Spínola.
Como escrevi, em resposta ao Sr. Abreu dos Santos (sénior), as "inventonas" surgidas à volta do General Spínola político foram mais do que suficientes, sem ser necessário inventar mais uma. As minhas mitomanias limitam-se à busca de peles de Hui!Hui! no sul da Guiné e às virgens suecas! Fico no entanto bem grato ao Sr. Abreu dos Santos (sénior) por me ajudar a relembrar que bem se está no... outro extremo da Europa!
Um sincero abraço com amizade do José Belo.
Estocolmo 7/Nov/09
2. Mensagem de 4/11/2009:
Caro Camarada e Amigo.
Em resposta à tua pergunta relacionada com meu pai, ele foi membro muito activo da Cruz Vermelha Portuguesa, tendo sido mesmo, durante um período chefe(?), director(?), comandante(?) - confesso que ignoro a designação - das Formações Sanitárias da referida instituição.
Sei que fez o serviço militar como médico e tenho fotos de ele, fardado, aquando dos massacres de 1961 no Norte de Angola. Em que condições lá estava? Através do Exército? Creio que seria através da Cruz Vermelha, mas eu era demasiado jovem para ter tempo para esses detalhes na altura das minhas primeiras namoradas.
Exercia policlínica na Av Infante Santo, tinha consultório particular em Campo de Ourique, e foi tambem médico na Companhia Carris de Lisboa, da qual o General reformado Pereira Coutinho era... algo de... importante(!) cujo título desconheÇO. (Membro do Conselho de Administração como representante do Estado?). Enfim,um daqueles CARGOS em que muitos dos Sr. Generais reformados ocupavam os seus tempos livres......a Bem da Nação!
Um abraço Amigo do José Belo.
____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2981: Hélio Felgas, com Spínola, em Bambadinca (Jaime Machado)
(**) Vd. poste de 4 de Novembro de 2009 >Guiné 63/74 - P5208: Da Suécia com saudade (14): Spínola, uma história de h pequeno dentro da História com H grande (José Belo)
(***) Temos mais de 80 postes com o descritor Spínola (excluindo a Série I)... Aqui vão alguns títilos, a título meramente exemplificativo:
23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos
20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3765: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (7): A visita do General Spínola
15 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3744: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (12): Spínola podia ter feito muito mais... (Rui Alexandrino Ferreira)
13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá
3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Undunduma (Luís Graça)
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
29 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXIV: Recordações do 'Caco Baldé' no Xitole (David Guimarães)
Vd ainda outros sítios na Net:
Caminhos da Memória > 12 de Maio de 2009 > Poste de Maria Manuela Cruzeiro> António de Spínola – O Herói Supletivo
Sítio Oficial da Presidência da República > Antigos Presidentes > António de Spínola
(...) António Sebastião Ribeiro de Spínola
(i) Nasceu a 11 de Abril de 1910, em Estremoz, no Alto Alentejo, e faleceu em Lisboa a 13 de Agosto de 1996.
(ii) Filho de António Sebastião de Spínola e de Maria Gabriela Alves Ribeiro de Spínola.
(iii) Filho de uma família abastada, tendo o pai sido inspector-geral de Finanças e chefe de gabinete de Salazar no Ministério das Finanças.
(iv) Casou, em 1932, com Maria Helena Martin Monteiro de Barros.
CARREIRA ACADÉMICA
(v) Em 1920, ingressa no Colégio Militar, em Lisboa, para fazer o ensino secundário que conclui em 1928.
(vi) Em 1928, frequenta a Escola Politécnica de Lisboa.
CARGOS DESEMPENHADOS ATÉ À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
(vii) Colocado inicialmente, em 1928, no Regimento de Cavalaria 4, irá exercer as funções de instrutor, durante seis anos, no Regimento de Cavalaria 7, a partir de 1933, já como alferes.
(viiI) Em 1939, exercerá as funções de ajudante-de-campo do comandante da GNR (Guarda Nacional Republicana), general Monteiro de Barros, seu sogro, e dará início à sua colaboração na Revista de Cavalaria de que é co-fundador.
(ix) Em 1941, é integrado na missão de estudo do Exército português para uma visita à Escola de Carros de Combate do Exército alemão e à frente germano-russa.
(x) Em 1947, é nomeado para uma missão de estudo na Guarda Civil Espanhola, uma vez que exercia funções na Guarda Nacional Republicana.
(xi) Em 1961, como tenente-coronel, desempenha as funções de 2.º comandante e comandante do Regimento de Lanceiros 2.
(xii) Com o início da guerra em Angola oferece-se como voluntário e organiza o Grupo de Cavalaria 345.
(xiii) É colocado com a sua unidade, em Angola, em 1961, onde frequenta por curto período um curso de aperfeiçoamento operacional no Centro de Instrução Militar de Grafanil, em Luanda.
(xiv) A sua primeira missão é na região de Bessa Monteiro e mais tarde na região fronteiriça de São Salvador do Congo. Permanecerá em Angola até 1963.
(xiv) Em 1967, é nomeado 2.º comandante-geral da Guarda Nacional Republicana.
(xv) Em 1968, é chamado para exercer as funções de governador e comandante-chefe das Forças Armadas da Guiné, cargos para que volta a ser nomeado em 1972, por recondução, mas que não aceita alegando falta de apoio do Governo Central.
(xvi) Em Novembro de 1973, é convidado por Marcelo Caetano, numa tentativa de o colocar no regime, para ocupar a pasta de ministro do Ultramar, cargo que não aceita.
(xvii) A 17 de Janeiro de 1974, é nomeado para vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, por sugestão de Costa Gomes, cargo de que é demitido em Março, por se ter recusado a participar na manifestação de apoio ao Governo e à sua política.
(xviii) A 25 de Abril de 1974, como representante do MFA (Movimento das Forças Armadas), aceita do Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, a rendição do Governo, o que na prática significa uma transmissão de poderes.
(xix) Com a instituição da Junta de Salvação Nacional, órgão que passou a deter as atribuições dos órgãos fundamentais do Estado, a que presidia, é escolhido pelos seus membros para o exercício das funções de Presidente da República.
(xx) Ocupará a Presidência da República a 15 de Maio de 1974, cargo que irá exercer até 30 de Setembro de 1974, altura em que renuncia e é substituído pelo general Costa Gomes.
PRINCIPAIS OBRAS PUBLICADAS
(xxi) Por Uma Guiné Melhor (1970); Linha de Acção (1971); No Caminho do Futuro (1972); Por Uma Portugalidade Renovada (1973) - obras reunidas em quatro volumes; Portugal e o Futuro (1974); Ao Serviço de Portugal (1976); País sem Rumo (1978). (...)
Foto e legenda: © Jaime Machado (2008). Direitos reservados.
1. Texto de José Belo (**), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, com data de 7 do corrente:
Caro Amigo e Camarada.
Pelo sincero respeito que tenho por ti, e pelos outros camaradas que de qualquer modo contribuem para o blogue, gostaria de perante Vós, e após leitura atenta do comentário escrito pelo Sr. Abreu dos Santos (sénior), salientar alguns detalhes.
Procurei compartilhar convosco uma pequena história relacionada com António de Spínola, porque, e como tive o cuidado de salientar, tendo sido seu adversário político, tinha por ele, como Homem e Militar, grande admiração nos meus tempos da Guiné (***).
Depois de tantas décadas passadas,nos meus verdes anos,e com a Guiné tão próxima, confesso que muitos dos detalhes de circunstância possam estar errados. E, pelos vistos estão. Tive, no entanto, o cuidado de salientar no que escrevi: Creio que...
Fui, de imediato corrigido por nota de referências por ti escrita no blogue, pelo que fiquei, obviamente, grato. Aparentemente um dos comentadores sobre o que escrevi dispõe de dados detalhados, e suficientes, que lhe teriam permitido corrigir constructivamente erros de detalhe, ou circunstanciais. Ocupado em ironia insinuante, acabou por não contribuir no estabalecimento definitivo,e quanto a mim interessante, de detalhes por mim desconhecidos de ordem cronológica e geográfica.
É evidente não necessitar a figura Histórica de Spínola das minhas pequenas recordações. Mas, quanto a mim, independentemente da falha nos detalhes, é o fundo do que descrevo o importante na análise da honradez e carácter do jovem António de Spínola.
Muitos de nós que, como totalmente inexperientes Aspirantes Milicianos, fomos obrigados, por escala, a desempenhar funções relacionadas com o rancho num regimento, tiveram a oportunidade de observar tudo o que "ao lado se passava" no que respeitava a verbas, fornecedores e utilização dos alimentos destinados ao rancho. São experiências que melhor fazem compreender, e admirar, a atitude do jovem Spínola.
Como escrevi, em resposta ao Sr. Abreu dos Santos (sénior), as "inventonas" surgidas à volta do General Spínola político foram mais do que suficientes, sem ser necessário inventar mais uma. As minhas mitomanias limitam-se à busca de peles de Hui!Hui! no sul da Guiné e às virgens suecas! Fico no entanto bem grato ao Sr. Abreu dos Santos (sénior) por me ajudar a relembrar que bem se está no... outro extremo da Europa!
Um sincero abraço com amizade do José Belo.
Estocolmo 7/Nov/09
2. Mensagem de 4/11/2009:
Caro Camarada e Amigo.
Em resposta à tua pergunta relacionada com meu pai, ele foi membro muito activo da Cruz Vermelha Portuguesa, tendo sido mesmo, durante um período chefe(?), director(?), comandante(?) - confesso que ignoro a designação - das Formações Sanitárias da referida instituição.
Sei que fez o serviço militar como médico e tenho fotos de ele, fardado, aquando dos massacres de 1961 no Norte de Angola. Em que condições lá estava? Através do Exército? Creio que seria através da Cruz Vermelha, mas eu era demasiado jovem para ter tempo para esses detalhes na altura das minhas primeiras namoradas.
Exercia policlínica na Av Infante Santo, tinha consultório particular em Campo de Ourique, e foi tambem médico na Companhia Carris de Lisboa, da qual o General reformado Pereira Coutinho era... algo de... importante(!) cujo título desconheÇO. (Membro do Conselho de Administração como representante do Estado?). Enfim,um daqueles CARGOS em que muitos dos Sr. Generais reformados ocupavam os seus tempos livres......a Bem da Nação!
Um abraço Amigo do José Belo.
____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 24 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2981: Hélio Felgas, com Spínola, em Bambadinca (Jaime Machado)
(**) Vd. poste de 4 de Novembro de 2009 >Guiné 63/74 - P5208: Da Suécia com saudade (14): Spínola, uma história de h pequeno dentro da História com H grande (José Belo)
(***) Temos mais de 80 postes com o descritor Spínola (excluindo a Série I)... Aqui vão alguns títilos, a título meramente exemplificativo:
23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3925: Efemérides (16): Portugal e o Futuro, de António Spínola, um best-seller há 35 anos
20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3765: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (7): A visita do General Spínola
15 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3744: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (12): Spínola podia ter feito muito mais... (Rui Alexandrino Ferreira)
13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá
3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Undunduma (Luís Graça)
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
29 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXIV: Recordações do 'Caco Baldé' no Xitole (David Guimarães)
Vd ainda outros sítios na Net:
Caminhos da Memória > 12 de Maio de 2009 > Poste de Maria Manuela Cruzeiro> António de Spínola – O Herói Supletivo
Sítio Oficial da Presidência da República > Antigos Presidentes > António de Spínola
(...) António Sebastião Ribeiro de Spínola
(i) Nasceu a 11 de Abril de 1910, em Estremoz, no Alto Alentejo, e faleceu em Lisboa a 13 de Agosto de 1996.
(ii) Filho de António Sebastião de Spínola e de Maria Gabriela Alves Ribeiro de Spínola.
(iii) Filho de uma família abastada, tendo o pai sido inspector-geral de Finanças e chefe de gabinete de Salazar no Ministério das Finanças.
(iv) Casou, em 1932, com Maria Helena Martin Monteiro de Barros.
CARREIRA ACADÉMICA
(v) Em 1920, ingressa no Colégio Militar, em Lisboa, para fazer o ensino secundário que conclui em 1928.
(vi) Em 1928, frequenta a Escola Politécnica de Lisboa.
CARGOS DESEMPENHADOS ATÉ À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
(vii) Colocado inicialmente, em 1928, no Regimento de Cavalaria 4, irá exercer as funções de instrutor, durante seis anos, no Regimento de Cavalaria 7, a partir de 1933, já como alferes.
(viiI) Em 1939, exercerá as funções de ajudante-de-campo do comandante da GNR (Guarda Nacional Republicana), general Monteiro de Barros, seu sogro, e dará início à sua colaboração na Revista de Cavalaria de que é co-fundador.
(ix) Em 1941, é integrado na missão de estudo do Exército português para uma visita à Escola de Carros de Combate do Exército alemão e à frente germano-russa.
(x) Em 1947, é nomeado para uma missão de estudo na Guarda Civil Espanhola, uma vez que exercia funções na Guarda Nacional Republicana.
(xi) Em 1961, como tenente-coronel, desempenha as funções de 2.º comandante e comandante do Regimento de Lanceiros 2.
(xii) Com o início da guerra em Angola oferece-se como voluntário e organiza o Grupo de Cavalaria 345.
(xiii) É colocado com a sua unidade, em Angola, em 1961, onde frequenta por curto período um curso de aperfeiçoamento operacional no Centro de Instrução Militar de Grafanil, em Luanda.
(xiv) A sua primeira missão é na região de Bessa Monteiro e mais tarde na região fronteiriça de São Salvador do Congo. Permanecerá em Angola até 1963.
(xiv) Em 1967, é nomeado 2.º comandante-geral da Guarda Nacional Republicana.
(xv) Em 1968, é chamado para exercer as funções de governador e comandante-chefe das Forças Armadas da Guiné, cargos para que volta a ser nomeado em 1972, por recondução, mas que não aceita alegando falta de apoio do Governo Central.
(xvi) Em Novembro de 1973, é convidado por Marcelo Caetano, numa tentativa de o colocar no regime, para ocupar a pasta de ministro do Ultramar, cargo que não aceita.
(xvii) A 17 de Janeiro de 1974, é nomeado para vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, por sugestão de Costa Gomes, cargo de que é demitido em Março, por se ter recusado a participar na manifestação de apoio ao Governo e à sua política.
(xviii) A 25 de Abril de 1974, como representante do MFA (Movimento das Forças Armadas), aceita do Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, a rendição do Governo, o que na prática significa uma transmissão de poderes.
(xix) Com a instituição da Junta de Salvação Nacional, órgão que passou a deter as atribuições dos órgãos fundamentais do Estado, a que presidia, é escolhido pelos seus membros para o exercício das funções de Presidente da República.
(xx) Ocupará a Presidência da República a 15 de Maio de 1974, cargo que irá exercer até 30 de Setembro de 1974, altura em que renuncia e é substituído pelo general Costa Gomes.
PRINCIPAIS OBRAS PUBLICADAS
(xxi) Por Uma Guiné Melhor (1970); Linha de Acção (1971); No Caminho do Futuro (1972); Por Uma Portugalidade Renovada (1973) - obras reunidas em quatro volumes; Portugal e o Futuro (1974); Ao Serviço de Portugal (1976); País sem Rumo (1978). (...)
Guiné 63/74 - P5249: Estórias avulsas (56): Um tiro que tapou o sol na Ponte Marechal Carmona (Joaquim Mexia Alves)
1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 9 de Novembro de 2009:
Caros camarigos
Pois eu, sobre a ponte Marechal Carmona, a Sul do Xitole, nada sei sobre a sua construção, arquitectura, nem a razão porque o seu tabuleiro central ruiu.
Mas tenho uma história nessa ponte!
Um dia fiz com o meu pelotão um patrulhamento até à dita cuja que, se bem me lembro, até era um passeio agradável e não muito comprido e desgastante.
Lembro-me que a ponte tinha nas suas ruínas os traços de uma bela obra de arquitectura e de estar ali a pensar como seria bom se tivéssemos ainda a ponte para passar para o outro lado, pois abria-nos uma perspectiva diferente, não só centrada em Bambadinca.
Por uma qualquer razão, da qual já não me lembro, um soldado pediu-me para fazer um disparo com a G3, (talvez algum crocodilo, sei lá), e eu perante a tranquilidade do sítio dei o meu consentimento.
Quando o soldado deu o tiro, ouviu-se um barulho ensurdecedor e uma nuvem tapou o Sol, criando ali um momento de tensão até nos apercebermos do que tinha acontecido.
A causa de tal acontecimento era muito simples!
Debaixo do resto do tabuleiro da ponte, do nosso lado, tinham-se levantado milhares de andorinhas, (acho que eram andorinhas), que originaram aquele ruído e aquela nuvem, que nos tinha assustado um pouco, claro que a uns mais do que outros.
Regressámos ao Xitole por onde tínhamos vindo, acho eu, e sem qualquer problema.
Embora houvesse, ao que sabemos, abelhas assassinas na Guiné, aquelas andorinhas eram pacíficas.
Aqui fica uma história sobre a ponte Marechal Carmona, que nada revela sobre a dita cuja, mas que é engraçada e julgo não despertará nenhuma polémica.
Aqui fica o meu abraço camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves
2. Declaração de interesse próprio:
Há por aqui alguns camarigos, que respeito inteiramente e sem qualquer ironia, que são muito rigorosos acerca dos locais, das datas, das pessoas, etc.
Quero desde já afirmar que tudo o que escrevo tem uma dose muito grande de incerteza de memória, mas que a meu ver não impede em nada que se escreva e conte o que lembramos, desde que claro, essas incertezas memoriais não colidam com a vida de terceiros ofensiva ou injustamente.
Tenho dito!
JMA
Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Sector de Xitole > 10 de Março de 2009 > Vista, da margem direita (lado do Xitole), da antiga Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, a montante do Xitole (cerca de 5 km a sul). Segundo o Carlos Silva, a ponte terá ficado inacabada por razões de deficiência na concepção ou construção ou então umas ou mais das secções terá ruído, possivelmente na sequência de uma cheia no rio... A vermelho assinala-se o segmento da ponte que caíu ou nunca chegou a ficar concluído, junto à margem esquerda.
Foto: © Carlos Silva (2009). Direitos reservados.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 31 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5185: Convívios (171): Convívio da CART 3492 & Restante pessoal que passou pelo Xitole (Joaquim Mexia Alves)
Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5234: Estórias avulsas (55): O ar assustado de uma prisioneira de guerra (António Tavares)
Caros camarigos
Pois eu, sobre a ponte Marechal Carmona, a Sul do Xitole, nada sei sobre a sua construção, arquitectura, nem a razão porque o seu tabuleiro central ruiu.
Mas tenho uma história nessa ponte!
Um dia fiz com o meu pelotão um patrulhamento até à dita cuja que, se bem me lembro, até era um passeio agradável e não muito comprido e desgastante.
Lembro-me que a ponte tinha nas suas ruínas os traços de uma bela obra de arquitectura e de estar ali a pensar como seria bom se tivéssemos ainda a ponte para passar para o outro lado, pois abria-nos uma perspectiva diferente, não só centrada em Bambadinca.
Por uma qualquer razão, da qual já não me lembro, um soldado pediu-me para fazer um disparo com a G3, (talvez algum crocodilo, sei lá), e eu perante a tranquilidade do sítio dei o meu consentimento.
Quando o soldado deu o tiro, ouviu-se um barulho ensurdecedor e uma nuvem tapou o Sol, criando ali um momento de tensão até nos apercebermos do que tinha acontecido.
A causa de tal acontecimento era muito simples!
Debaixo do resto do tabuleiro da ponte, do nosso lado, tinham-se levantado milhares de andorinhas, (acho que eram andorinhas), que originaram aquele ruído e aquela nuvem, que nos tinha assustado um pouco, claro que a uns mais do que outros.
Regressámos ao Xitole por onde tínhamos vindo, acho eu, e sem qualquer problema.
Embora houvesse, ao que sabemos, abelhas assassinas na Guiné, aquelas andorinhas eram pacíficas.
Aqui fica uma história sobre a ponte Marechal Carmona, que nada revela sobre a dita cuja, mas que é engraçada e julgo não despertará nenhuma polémica.
Aqui fica o meu abraço camarigo para todos
Joaquim Mexia Alves
2. Declaração de interesse próprio:
Há por aqui alguns camarigos, que respeito inteiramente e sem qualquer ironia, que são muito rigorosos acerca dos locais, das datas, das pessoas, etc.
Quero desde já afirmar que tudo o que escrevo tem uma dose muito grande de incerteza de memória, mas que a meu ver não impede em nada que se escreva e conte o que lembramos, desde que claro, essas incertezas memoriais não colidam com a vida de terceiros ofensiva ou injustamente.
Tenho dito!
JMA
Guiné- Bissau > Região de Bafatá > Sector de Xitole > 10 de Março de 2009 > Vista, da margem direita (lado do Xitole), da antiga Ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, a montante do Xitole (cerca de 5 km a sul). Segundo o Carlos Silva, a ponte terá ficado inacabada por razões de deficiência na concepção ou construção ou então umas ou mais das secções terá ruído, possivelmente na sequência de uma cheia no rio... A vermelho assinala-se o segmento da ponte que caíu ou nunca chegou a ficar concluído, junto à margem esquerda.
Foto: © Carlos Silva (2009). Direitos reservados.
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 31 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5185: Convívios (171): Convívio da CART 3492 & Restante pessoal que passou pelo Xitole (Joaquim Mexia Alves)
Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5234: Estórias avulsas (55): O ar assustado de uma prisioneira de guerra (António Tavares)
Guiné 63/74 - P5248: O cruzeiro das nossas vidas (14): Queremos o Uíge (António Dias)
1. Mensagem de António Dias*, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852 (Tigres do Olossato e Saltinho), 1968/70, com data de 8 de Novembro de 2009:
Cumprimento toda a vasta tertúlia.
A grande maioria de nós viajou para as Áfricas de barco.
Durante 2 anos (menos os 2 meses de férias) ouvi os meus camaradas soldados (a sonhar/dormir) - "QUERO O UÍGE"! Em especial nos destacamentos pois era ali que estava mais perto deles naquelas noites tropicais.
Ainda tenho o folheto da "Última Ceia" no Uíge a caminho da Guiné para os que viajaram em 1.ª classe, gostarei de partilhar com aquele pessoal.
O meu companheiro de termas Henrique Matos, alferes que precedeu o Beja Santos, também achou que seria de interesse para o blogue, assim haja espaço.
António Dias,
ex-Alf Mil
Tigres do Olossato e Saltinho
19688/70
Clicar nas imagens para ampliar
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4783: Tabanca Grande (169): António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852, Olossato e Saltinho (1968/70)
Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3894: O cruzeiro das nossas vidas (13): S.O.S., fogo a bordo do Carvalho Araújo (Luís F. Moreira)
Cumprimento toda a vasta tertúlia.
A grande maioria de nós viajou para as Áfricas de barco.
Durante 2 anos (menos os 2 meses de férias) ouvi os meus camaradas soldados (a sonhar/dormir) - "QUERO O UÍGE"! Em especial nos destacamentos pois era ali que estava mais perto deles naquelas noites tropicais.
Ainda tenho o folheto da "Última Ceia" no Uíge a caminho da Guiné para os que viajaram em 1.ª classe, gostarei de partilhar com aquele pessoal.
O meu companheiro de termas Henrique Matos, alferes que precedeu o Beja Santos, também achou que seria de interesse para o blogue, assim haja espaço.
António Dias,
ex-Alf Mil
Tigres do Olossato e Saltinho
19688/70
Clicar nas imagens para ampliar
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4783: Tabanca Grande (169): António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852, Olossato e Saltinho (1968/70)
Vd. último poste da série de 15 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3894: O cruzeiro das nossas vidas (13): S.O.S., fogo a bordo do Carvalho Araújo (Luís F. Moreira)
Guiné 63/74 - P5247: Ser solidário (44): A propósito do Dia dos Veteranos em Stoughton - Estados Unidos da América (Alberto Branquinho)
1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alferes Miliciano de Operações Especiais da CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 8 de Novembro de 2009:
A propósito do POST 5222 do José Câmara – “O Dia dos Veteranos” em Stoughton – Estados Unidos da América.
Creio que a cidade de Stoughton, onde o José da Câmara vive e trabalha, é Stougton, Massachussetts.
No final deste texto vou colocar umas questões ao próprio José da Câmara para meu esclarecimento e, também, de quem tiver a pachorra de ler isto tudo.
***
Em (Novembro?) de 1985 (tempo do segundo consulado Reagan) eu estava a viajar pelos EUA ao serviço da empresa em que trabalhava. Durante esses quase quinze dias aconteceu estarmos em Washington durante um Domingo – free time, porque as empresas e os serviços públicos estão fechados.
Passeando nas imediações da Casa Branca, nos jardins públicos das traseiras, vimos, ao longe, um grande ajuntamento de pessoas, de onde provinham gritos e vozes alteadas por megafones. Aproximámo-nos e constatámos que era a Vietnam Parade, que desfilava ao longo da Lincoln Avenue(?). Desfilava lentamente, lentamente.
No momento e no lugar em que estávamos, a cena era a seguinte:
Uma multidão, que aplaudia, enquadrava a Avenida de um lado e do outro. Nela passavam, no momento em que nos aproximámos, muitos homens vestindo partes de farda camuflada, alguns amparados em bengalas, outros empurrando cadeiras-de-rodas, alguns conduzindo as suas próprias cadeiras-de-rodas eléctricas ou manuais, outros como que bêbados ou gaseados cirandavam de um lado para o outro da Avenida, berrando para as pessoas que assistiam, seguindo em frente e voltando atrás; tentavam segurá-los para evitar confronto; havia quem estivesse sentado, absorto, no chão; outros, deitados de barriga, faziam fogo com armas imaginárias contra inimigos inexistentes, levantavam-se e agachados berravam ordens e deitavam-se de novo, a fazer fogo; muitos dos que desfilavam trajavam roupas civis, usando somente boinas de diferentes cores, bivaques verdes ou castanhos, seguindo o seu caminho ordeiramente; havia, também, quem vestisse camuflados puídos e calçasse botas militares quase desfeitas; seguiam, também, variadíssimos grupos trajando roupas idênticas (associações? familiares de falecidos em combate? grupos de ex-militares?), que desfilavam, também, de forma ordeira; alguns seguravam faixas escritas com: “WE NEED JOBS”, “WE ARE ALIVE”, “ASSISTANCE”, etc..
Eram centenas e centenas.
Por de trás da multidão, na zona dos relvados, estavam marines, que observavam em redor.
Ao ver o aspecto sofrido daqueles ex-militares como atrás descrevi, senti uma comoção muito grande e, por mais que tentasse conter-me, desatei a chorar em convulsões. Um dos meus dois colegas (que estivera em Moçambique, embora em guerra santa) compreendeu a situação e afastou-se um pouco, levando o outro consigo. Escondi-me atrás de uma árvore, tentando controlar-me, mas não conseguia. Aproximou-se um marine e agarrou-me pelo braço:
- Come on, man. Come on…. Afastei-o com rispidez.
O choro passou a ser mais suave. Fixei mais uma vez a cena e afastei-me lentamente, continuando a ouvir os megafones: “We need jobs! We need jobs! We are alive! We are alive!”.
***
Ora, ao ler o POST 5222 do José da Câmara, recordei tudo isto.
As imagens da “Vietnam Parade” de Washington, na Capital Federal dos EUA (talvez organizada a nível nacional) nada têm a ver com a “Veterans Day Parade” da cidade de Stoughton, Mass., uma cidade com cerca de 30.000 habitantes.
A gente sabe que cidades desta dimensão, mesmo nos EUA, são província bem provinciana, onde as pessoas estão mais próximas umas das outras, física e sentimentalmente. E isto apesar da grande densidade populacional, pois que, voando de Boston (Massachussetts, também) para Nova York (cerca de uma hora) o casario é contínuo, nunca acaba.
***
Ao lermos o texto da imagem publicada com o POST 5222, da “Town of Stoughton – Department of Veterans Service” / “Veterans Day Parade – Wednesday November 11, 2009”, vemos que dele consta (entre outros aspectos):
- Apelo à ajuda pública a um soldado (lá identificado), que foi gravemente ferido no Iraque;
- Que raparigas irão desfilar vendendo “baked goods” para ajudar esse soldado e a sua família.
Cada um terá a sua própria leitura destes aspectos (ou de outros idênticos), mas terão que ser entendidos à luz da mentalidade local. Alguns, vestindo a nossa própria mentalidade, chamarão a isso esmolas.
O impresso contém, também, informações sobre ajuda e assistência a veteranos e seus familiares, segundo os seus rendimentos e, também, no caso de problemas resultantes do serviço militar.
Sabemos que a perspectiva que as populações das pequenas cidades dos EUA têm do mundo e das coisas é diferente da que encontramos numa grande metrópole e, também na nossa terra, MAS, o que eu quero realçar é a FORÇA DO ASSOCIATIVISMO existente nos EUA. É desse associativismo que resulta a entre-ajuda no meio dos próprios associados (seja qual for a afinidade que têm ou o problema que os une) e a força para a ACÇÃO/PRESSÃO que, assim, podem exercer sobre a governação local.
É aí que está a força da sociedade civil norte-americana.
Recordo-me (já que se fala de veteranos de guerra – expressão de que não gosto por não ser nossa e porque temos a expressão ex-combatentes), recordo-me dos grandes armazéns KORVETS, na 5.ª Avenida, em Manhatan, que mais não eram que o resultado da associação de KOR(ean) VET(era)S.
Por outro lado, a força desse associativismo vai exercer pressão nas municipalities e, através destas, nos governos dos Estados. Chamem-lhe lobby ou outra coisa que queiram, o que interessa é o efeito final.
***
Porque da parte final do anúncio publicado junto ao POST, da autoria do “Department of Veterans Service”, consta o apelo à ajuda dos cidadãos para a constituição de fundos de apoio aos veteranos, termino colocando ao José da Câmara algumas questões que me parecem importantes para o entendimento da realidade (pelo menos em Stoughton):
- A entidade promotora da “Veterans Day Parade” e gestora dos fundos de apoio aos veteranos, ou seja, o “Department of Veterans Service” é:
a) – Um departamento público, que gere os dinheiros públicos e os donativos privados?
b) – Um departamento público que integra representantes dos veteranos na sua gestão?
c) – Um departamento gerido exclusivamente por representantes dos veteranos, apesar de ter, também, dinheiros públicos?
d) – Um departamento gerido exclusivamente por representantes dos veteranos e sem quaisquer dinheiros públicos?
e) – Outra figura de gestão não incluída nas anteriores?
Alberto Branquinho
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5195: Histórias de heroísmo (2): O meu herói de... Bissau (Alberto Branquinho)
Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5229: Ser solidário (43): A Tabanca de Matosinhos constitui Associação de Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano (Editores)
A propósito do POST 5222 do José Câmara – “O Dia dos Veteranos” em Stoughton – Estados Unidos da América.
Creio que a cidade de Stoughton, onde o José da Câmara vive e trabalha, é Stougton, Massachussetts.
No final deste texto vou colocar umas questões ao próprio José da Câmara para meu esclarecimento e, também, de quem tiver a pachorra de ler isto tudo.
***
Em (Novembro?) de 1985 (tempo do segundo consulado Reagan) eu estava a viajar pelos EUA ao serviço da empresa em que trabalhava. Durante esses quase quinze dias aconteceu estarmos em Washington durante um Domingo – free time, porque as empresas e os serviços públicos estão fechados.
Passeando nas imediações da Casa Branca, nos jardins públicos das traseiras, vimos, ao longe, um grande ajuntamento de pessoas, de onde provinham gritos e vozes alteadas por megafones. Aproximámo-nos e constatámos que era a Vietnam Parade, que desfilava ao longo da Lincoln Avenue(?). Desfilava lentamente, lentamente.
No momento e no lugar em que estávamos, a cena era a seguinte:
Uma multidão, que aplaudia, enquadrava a Avenida de um lado e do outro. Nela passavam, no momento em que nos aproximámos, muitos homens vestindo partes de farda camuflada, alguns amparados em bengalas, outros empurrando cadeiras-de-rodas, alguns conduzindo as suas próprias cadeiras-de-rodas eléctricas ou manuais, outros como que bêbados ou gaseados cirandavam de um lado para o outro da Avenida, berrando para as pessoas que assistiam, seguindo em frente e voltando atrás; tentavam segurá-los para evitar confronto; havia quem estivesse sentado, absorto, no chão; outros, deitados de barriga, faziam fogo com armas imaginárias contra inimigos inexistentes, levantavam-se e agachados berravam ordens e deitavam-se de novo, a fazer fogo; muitos dos que desfilavam trajavam roupas civis, usando somente boinas de diferentes cores, bivaques verdes ou castanhos, seguindo o seu caminho ordeiramente; havia, também, quem vestisse camuflados puídos e calçasse botas militares quase desfeitas; seguiam, também, variadíssimos grupos trajando roupas idênticas (associações? familiares de falecidos em combate? grupos de ex-militares?), que desfilavam, também, de forma ordeira; alguns seguravam faixas escritas com: “WE NEED JOBS”, “WE ARE ALIVE”, “ASSISTANCE”, etc..
Eram centenas e centenas.
Por de trás da multidão, na zona dos relvados, estavam marines, que observavam em redor.
Ao ver o aspecto sofrido daqueles ex-militares como atrás descrevi, senti uma comoção muito grande e, por mais que tentasse conter-me, desatei a chorar em convulsões. Um dos meus dois colegas (que estivera em Moçambique, embora em guerra santa) compreendeu a situação e afastou-se um pouco, levando o outro consigo. Escondi-me atrás de uma árvore, tentando controlar-me, mas não conseguia. Aproximou-se um marine e agarrou-me pelo braço:
- Come on, man. Come on…. Afastei-o com rispidez.
O choro passou a ser mais suave. Fixei mais uma vez a cena e afastei-me lentamente, continuando a ouvir os megafones: “We need jobs! We need jobs! We are alive! We are alive!”.
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Ora, ao ler o POST 5222 do José da Câmara, recordei tudo isto.
As imagens da “Vietnam Parade” de Washington, na Capital Federal dos EUA (talvez organizada a nível nacional) nada têm a ver com a “Veterans Day Parade” da cidade de Stoughton, Mass., uma cidade com cerca de 30.000 habitantes.
A gente sabe que cidades desta dimensão, mesmo nos EUA, são província bem provinciana, onde as pessoas estão mais próximas umas das outras, física e sentimentalmente. E isto apesar da grande densidade populacional, pois que, voando de Boston (Massachussetts, também) para Nova York (cerca de uma hora) o casario é contínuo, nunca acaba.
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Ao lermos o texto da imagem publicada com o POST 5222, da “Town of Stoughton – Department of Veterans Service” / “Veterans Day Parade – Wednesday November 11, 2009”, vemos que dele consta (entre outros aspectos):
- Apelo à ajuda pública a um soldado (lá identificado), que foi gravemente ferido no Iraque;
- Que raparigas irão desfilar vendendo “baked goods” para ajudar esse soldado e a sua família.
Cada um terá a sua própria leitura destes aspectos (ou de outros idênticos), mas terão que ser entendidos à luz da mentalidade local. Alguns, vestindo a nossa própria mentalidade, chamarão a isso esmolas.
O impresso contém, também, informações sobre ajuda e assistência a veteranos e seus familiares, segundo os seus rendimentos e, também, no caso de problemas resultantes do serviço militar.
Sabemos que a perspectiva que as populações das pequenas cidades dos EUA têm do mundo e das coisas é diferente da que encontramos numa grande metrópole e, também na nossa terra, MAS, o que eu quero realçar é a FORÇA DO ASSOCIATIVISMO existente nos EUA. É desse associativismo que resulta a entre-ajuda no meio dos próprios associados (seja qual for a afinidade que têm ou o problema que os une) e a força para a ACÇÃO/PRESSÃO que, assim, podem exercer sobre a governação local.
É aí que está a força da sociedade civil norte-americana.
Recordo-me (já que se fala de veteranos de guerra – expressão de que não gosto por não ser nossa e porque temos a expressão ex-combatentes), recordo-me dos grandes armazéns KORVETS, na 5.ª Avenida, em Manhatan, que mais não eram que o resultado da associação de KOR(ean) VET(era)S.
Por outro lado, a força desse associativismo vai exercer pressão nas municipalities e, através destas, nos governos dos Estados. Chamem-lhe lobby ou outra coisa que queiram, o que interessa é o efeito final.
***
Porque da parte final do anúncio publicado junto ao POST, da autoria do “Department of Veterans Service”, consta o apelo à ajuda dos cidadãos para a constituição de fundos de apoio aos veteranos, termino colocando ao José da Câmara algumas questões que me parecem importantes para o entendimento da realidade (pelo menos em Stoughton):
- A entidade promotora da “Veterans Day Parade” e gestora dos fundos de apoio aos veteranos, ou seja, o “Department of Veterans Service” é:
a) – Um departamento público, que gere os dinheiros públicos e os donativos privados?
b) – Um departamento público que integra representantes dos veteranos na sua gestão?
c) – Um departamento gerido exclusivamente por representantes dos veteranos, apesar de ter, também, dinheiros públicos?
d) – Um departamento gerido exclusivamente por representantes dos veteranos e sem quaisquer dinheiros públicos?
e) – Outra figura de gestão não incluída nas anteriores?
Alberto Branquinho
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5195: Histórias de heroísmo (2): O meu herói de... Bissau (Alberto Branquinho)
Vd. último poste da série de 7 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5229: Ser solidário (43): A Tabanca de Matosinhos constitui Associação de Apoio e Cooperação ao Desenvolvimento Africano (Editores)
Guiné 63/74 - P5246: Memórias de Jolmete (Manuel Resende) (1): A visita dos Deputados a Jolmete em Julho de 1970
1. Mensagem de Manuel Resende*, ex-Alf Mil da CCaç 2585, BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, (1969/71), com data de 6 de Novembro de 2009:
Caros amigos Luís Graça e Carlos Vinhal:
Em relação ao Post 5162 e 5176 – TRÁGICO ACIDENTE AÉREO EM 25 DE JULHO DE 1970, devo acrescentar o seguinte: não sei até que ponto posso ajudar, mas acho que devo mostrar os fotos que ainda guardo da visita dos deputados à Guiné em 1970, para os interessados tentarem descobrir as pessoas que conhecem.
Estive em JOLMETE desde Maio de 1969 até Março de 1971.
Vim de férias em Julho de 1970. Embarquei no 707 da TAP que levou os Deputados para visitarem a Guiné, conforme fotos que mostro abaixo.
No Aeroporto de Bissalanca havia grande agitação. Esperava-se a chegada do avião da TAP com os deputados da metrópole que vinham visitar a Guiné. Tirei algumas fotos, mas como a minha meta era embarcar, não liguei muito a essa visita.
Aguardando a chegada do 707 da TAP
Saída dos passageiros
Sessão de cumprimentos
Chegado a Jolmete, depois das férias, fui informado que os tais deputados tinham ido lá visitar o aquartelamento, e que no regresso, um dos helicópteros tinha caído antes de chegar a Bissau, com um tornado. Como havia fotos da visita tiradas pelo Furriel Rodrigues da minha Companhia, eu adquiri cópias, que são as que mostro a seguir.
Terminada a visita os helis saíram de Jolmete para Teixeira Pinto depois do almoço, para deixarem o pessoal do CAOP. Como não estive lá, não sei quem foi do CAOP, mas pelo menos o Sr. Coronel Alcino, comandante, esteve lá, como se pode ver em quase todas as fotos. Ainda estava próxima a dor pela morte dos Majores e do meu colega Alferes Mosca. Depois seguiram para Bissau, e nessa viagem aconteceu o acidente.
Abre-se a porta e vê-se o Gen Spínola. No banco de trás o Cor Alcino, CMDT do CAOP
Do outro heli saem outras individualidades
Cap Almendra CMDT da CCAÇ 2585 cumprimenta e dá as boas-vindas ao Gen Spínola
Cumprimentos ao Oficial de Dia, Alf Mil Marques Pereira, pelo Ministro Silva Cunha e Gen Spínola. Vemos distanciado, à esquerda, o Cor Alcino
Visita da comitiva à Cozinha. Além de Siva Cunha e Coronel Alcino, vemos dois Furriéis dos helis e dois repórteres
Visita à Capela
Despedidas finais
JOLMETE era um aquartelamento exemplar no mato. O Sr. General Spínola tinha um fraquinho por Jolmete; esta mensagem foi-nos transmitida logo à chegada. Os nossos antecessores, CCaç 2366 comandada pelo Sr. Cap. Barbeites, construíram o quartel de raiz, nós continuamos e aperfeiçoamos. Eles tiveram uma forte actividade militar, nós continuamos e aumentamos, com saídas praticamente diárias, o que nos privou de ataques ou flagelações ao aquartelamento durante toda a comissão. Construímos, entre outras coisas dois abrigos, a vala de defesa em volta do quartel, uma escola e 24 casas para a população civil, graças à nossa equipa de pedreiros, como o Firmino (Régua), o Ramos, o Lima, o Spínola (não confundir com o nosso General), o Risadas e outros que não me recordo os nomes, mas que de seu modo, deram o corpo ao manifesto, erguendo obra que após a independência foi toda destruída.
Manuel Resende junto ao Memorial da CCAÇ 2366 e 2585
Vista aérea do nosso aquartelamento como nos foi entregue pela CCAÇ 2366
Vista aérea do aquartelamento e casas civis como deixamos para a CCAÇ 3306
Grupo de Combate da colher e da gamela
Não sei nada da companhia que nos sucedeu, a 3306. Se alguém souber algo desta Companhia, agradeço que me informe, pois gostaria de saber, pelo menos, o que foi feito do Rádio-receptor de OM e OC, a válvulas e com retransmissor em OM, para que todo o pessoal nas casernas pudesse ouvir a Emissora Nacional a partir das 17/18 horas e não só, que eu deixei para eles. Também fazíamos programas em directo de discos pedidos, com os poucos recursos que tínhamos. O estúdio era montado no quarto do nosso primeiro Vinagre, no edifício do Comando. O locutor principal era o colega Alf Mil Marques Pereira e Alf Mil Godinho, além de outros, como o Furriel Pargana (ilusionista que engolia agulhas), o Furriel Meireles, que cantava o Alfredo Marceneiro, etc.
Por falar nisto, era muito bom que alguém tivesse alguma cassete gravada desses programas e que se dispusesse a emprestar para que, com as tecnologias de hoje, pudessemos todos ouvir neste blog. Resta dizer que este aparelho foi totalmente construído e adaptado para retransmissão por mim. Muitas das peças usadas foram retiradas de rádios apanhadas aos nossos agora amigos da Guiné.
Rádio a válvulas do Curso da Rádio escola
Rádio anterior,mas já adaptado para retransmissão
Olá João Tunes
Lembras-te do Alferes de Jolmete que mexia nos Rádios? Sou eu. Se me quiseres dar a porrada, ainda estás a tempo. Um grande abraço.
Disse atrás que o Sr. General Spínola enchia a boca com Jolmete, e era verdade. Tivemos algumas visitas de estrangeiros e militares de outras zonas que iam lá ver como se trabalhava. Não esqueço uns repórteres do Washington Post que foram fazer uma reportagem filmada, de que tenho fotos, mas que comentarei em outra altura, para não tornar este apontamento muito pesado. Também o Sr. Major do SM António Goulartt Branco, após visita ao aquartelamento no Natal de 1969, fez o seguinte relatório:
Relatório (clicar para ampliar)
Fotos © ex-Alf Mil Manuel Resende e ex-Fur Mil Rodrigues (2009). Direitos reservados.
Legendas: Manuel Resende
Edição das fotos: CV
Um abraço para o Luís Graça e Carlos Vinhal
Manuel Resende
Manuel Resende
Alf Mil
CCaç 2585/BCaç 2884
1969/1971
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4228: Louvores e punições (6): Alf Mil Cav Joaquim J. Palmeiro Mosca, morto a 20/4/1970 no chão manjaco (Manuel Resende)
Caros amigos Luís Graça e Carlos Vinhal:
Em relação ao Post 5162 e 5176 – TRÁGICO ACIDENTE AÉREO EM 25 DE JULHO DE 1970, devo acrescentar o seguinte: não sei até que ponto posso ajudar, mas acho que devo mostrar os fotos que ainda guardo da visita dos deputados à Guiné em 1970, para os interessados tentarem descobrir as pessoas que conhecem.
Estive em JOLMETE desde Maio de 1969 até Março de 1971.
Vim de férias em Julho de 1970. Embarquei no 707 da TAP que levou os Deputados para visitarem a Guiné, conforme fotos que mostro abaixo.
No Aeroporto de Bissalanca havia grande agitação. Esperava-se a chegada do avião da TAP com os deputados da metrópole que vinham visitar a Guiné. Tirei algumas fotos, mas como a minha meta era embarcar, não liguei muito a essa visita.
Aguardando a chegada do 707 da TAP
Saída dos passageiros
Sessão de cumprimentos
Chegado a Jolmete, depois das férias, fui informado que os tais deputados tinham ido lá visitar o aquartelamento, e que no regresso, um dos helicópteros tinha caído antes de chegar a Bissau, com um tornado. Como havia fotos da visita tiradas pelo Furriel Rodrigues da minha Companhia, eu adquiri cópias, que são as que mostro a seguir.
Terminada a visita os helis saíram de Jolmete para Teixeira Pinto depois do almoço, para deixarem o pessoal do CAOP. Como não estive lá, não sei quem foi do CAOP, mas pelo menos o Sr. Coronel Alcino, comandante, esteve lá, como se pode ver em quase todas as fotos. Ainda estava próxima a dor pela morte dos Majores e do meu colega Alferes Mosca. Depois seguiram para Bissau, e nessa viagem aconteceu o acidente.
Abre-se a porta e vê-se o Gen Spínola. No banco de trás o Cor Alcino, CMDT do CAOP
Do outro heli saem outras individualidades
Cap Almendra CMDT da CCAÇ 2585 cumprimenta e dá as boas-vindas ao Gen Spínola
Cumprimentos ao Oficial de Dia, Alf Mil Marques Pereira, pelo Ministro Silva Cunha e Gen Spínola. Vemos distanciado, à esquerda, o Cor Alcino
Visita da comitiva à Cozinha. Além de Siva Cunha e Coronel Alcino, vemos dois Furriéis dos helis e dois repórteres
Visita à Capela
Despedidas finais
JOLMETE era um aquartelamento exemplar no mato. O Sr. General Spínola tinha um fraquinho por Jolmete; esta mensagem foi-nos transmitida logo à chegada. Os nossos antecessores, CCaç 2366 comandada pelo Sr. Cap. Barbeites, construíram o quartel de raiz, nós continuamos e aperfeiçoamos. Eles tiveram uma forte actividade militar, nós continuamos e aumentamos, com saídas praticamente diárias, o que nos privou de ataques ou flagelações ao aquartelamento durante toda a comissão. Construímos, entre outras coisas dois abrigos, a vala de defesa em volta do quartel, uma escola e 24 casas para a população civil, graças à nossa equipa de pedreiros, como o Firmino (Régua), o Ramos, o Lima, o Spínola (não confundir com o nosso General), o Risadas e outros que não me recordo os nomes, mas que de seu modo, deram o corpo ao manifesto, erguendo obra que após a independência foi toda destruída.
Manuel Resende junto ao Memorial da CCAÇ 2366 e 2585
Vista aérea do nosso aquartelamento como nos foi entregue pela CCAÇ 2366
Vista aérea do aquartelamento e casas civis como deixamos para a CCAÇ 3306
Grupo de Combate da colher e da gamela
Não sei nada da companhia que nos sucedeu, a 3306. Se alguém souber algo desta Companhia, agradeço que me informe, pois gostaria de saber, pelo menos, o que foi feito do Rádio-receptor de OM e OC, a válvulas e com retransmissor em OM, para que todo o pessoal nas casernas pudesse ouvir a Emissora Nacional a partir das 17/18 horas e não só, que eu deixei para eles. Também fazíamos programas em directo de discos pedidos, com os poucos recursos que tínhamos. O estúdio era montado no quarto do nosso primeiro Vinagre, no edifício do Comando. O locutor principal era o colega Alf Mil Marques Pereira e Alf Mil Godinho, além de outros, como o Furriel Pargana (ilusionista que engolia agulhas), o Furriel Meireles, que cantava o Alfredo Marceneiro, etc.
Por falar nisto, era muito bom que alguém tivesse alguma cassete gravada desses programas e que se dispusesse a emprestar para que, com as tecnologias de hoje, pudessemos todos ouvir neste blog. Resta dizer que este aparelho foi totalmente construído e adaptado para retransmissão por mim. Muitas das peças usadas foram retiradas de rádios apanhadas aos nossos agora amigos da Guiné.
Rádio a válvulas do Curso da Rádio escola
Rádio anterior,mas já adaptado para retransmissão
Olá João Tunes
Lembras-te do Alferes de Jolmete que mexia nos Rádios? Sou eu. Se me quiseres dar a porrada, ainda estás a tempo. Um grande abraço.
Disse atrás que o Sr. General Spínola enchia a boca com Jolmete, e era verdade. Tivemos algumas visitas de estrangeiros e militares de outras zonas que iam lá ver como se trabalhava. Não esqueço uns repórteres do Washington Post que foram fazer uma reportagem filmada, de que tenho fotos, mas que comentarei em outra altura, para não tornar este apontamento muito pesado. Também o Sr. Major do SM António Goulartt Branco, após visita ao aquartelamento no Natal de 1969, fez o seguinte relatório:
Relatório (clicar para ampliar)
Fotos © ex-Alf Mil Manuel Resende e ex-Fur Mil Rodrigues (2009). Direitos reservados.
Legendas: Manuel Resende
Edição das fotos: CV
Um abraço para o Luís Graça e Carlos Vinhal
Manuel Resende
Manuel Resende
Alf Mil
CCaç 2585/BCaç 2884
1969/1971
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4228: Louvores e punições (6): Alf Mil Cav Joaquim J. Palmeiro Mosca, morto a 20/4/1970 no chão manjaco (Manuel Resende)
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