Eu e o Forcado, ambos em traje domingueiro, atravessando a ponte sobre o rio Armada, que separava Bissorã da Outra Banda. (Foto 2)
O Forcado e a Nazaré aos meus ombros, sendo o Forcado o da direita. (Foto 1)
O documento oficial que autorizou o embarque do Forcado (Foto 3)
Depois do regresso da Guiné, o inseparável amigo e companheiro do meu pai (Foto 4)
Fotos (e legendas): © Armando Pires (2009). Direitos reservados.
1. Mensagem do Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70 (*), para quem ainda não consegui arranjar um bocadinho de tempo, para almoçar e dar dois dedos de conversa (apesar de praticamente vizinhos: eu, em Alfragide; ele, em Miraflores)
1. Mensagem do Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70 (*), para quem ainda não consegui arranjar um bocadinho de tempo, para almoçar e dar dois dedos de conversa (apesar de praticamente vizinhos: eu, em Alfragide; ele, em Miraflores)
Eu na Guiné tive um cão. Melhor escrito, eu sempre tive cães e na Guiné também tive um. Dei-lhe o nome de Forcado.
Coisa inapropriada para um cão, já se sabe, mas longe de casa é que bate a saudade e eu, um clássico ribatejano, pespeguei-o ao meu passado juvenil, tão passado e juvenil que, por razões não vindas ao caso, se ficou por ali.
Portanto, ao cão dei-lhe o nome de Forcado tal como o Barbosa deu o nome de Nazaré à fêmea que ficou para ele.
Nazaré porquê, está visto. Só falta dizer que o Barbosa era (é) o (ex) furriel mil sapador da minha companhia.
Já agora, um e outra, cachorros, vieram do administrador de Bissorã.
A Nazaré, coitada, teve vida curta. Pariu ainda nova, em plena estação das chuvas, e quando demos por ela estava quase devorada pelos mosquitos atraídos pelo cheiro de leite.
Para a posteridade, deixo-vos uma foto (1) do Forcado e da Nazaré aos meus ombros, sendo o Forcado o da direita.
E também vos deixo uma outra (2) onde eu e o Forcado, ambos em traje domingueiro, atravessamos a ponte sobre o rio Armada, que separava Bissorã da Outra Banda.
O Forcado era muito cioso do seu território e não gostava de estranhos. Identificou todos os sargentos daquela casa e ali mais ninguém passava sem consentimento interno. Civil ou militar. De baixa ou de alta patente. Não entrava, e pronto.
Deitado ou sentado, quer à porta da caserna quer à porta do bar, ele não tugia nem mugia..Deixava passar o afoito e, num ápice, filava-o pela perna e era aí que vinha o alarme. Mais nosso, certa vez, porque quem foi filado foi o 2ª Cmdt do Batalhão.
Nas flagelações ao aquartelamento não sei como se comportava. Sei que nunca desapareceu do seu lugar.
Chegados ao fim da comissão, o Forcado veio-o comigo para casa. Ainda guardo o documento oficial que autorizou o seu embarque. Podem vê-lo já de seguida (3).
Viemos no Carvalho Araújo, cujo comandante não recordo o nome, mas que se for vivo e estiver a ler esta história quero cumprimentar por ter compreendido o afecto que tinha (tínhamos) pelo cão e permitido que ele viajasse a nosso lado e não fechado no porão.
Do Forcado só me separei dois anos depois, quando, por razões profissionais, rumei a Lisboa. Então, tornou-se no inseparável amigo e companheiro do meu pai. Para onde ia um, ia o outro, onde se sentava um, ao lado estava o outro, e para meu orgulho, toda a cidade falava dos dois.
O meu pai, depois do almoço, gostava de fazer uma soneca num cadeirão instalado na marquise. Ao lado estava uma velha arca, dentro da qual tinha velhos pertences, entre eles o meu camuflado, sobre a qual o Forcado o acompanhava na sesta.
Uma tarde, vencido pela idade, o Forcado já não acordou. Não esqueço a profunda tristeza que li nos olhos do meu pai. Consintam que ainda me emocione e que tomado pela saudade publique a foto (4) dos dois.
Bem. Talvez perguntem vocês a que propósito vem aqui a história do meu cão. Primeiro, não sei se repararam, rematei a história com o meu pai. E recordar o meu pai, partilhar com amigos a memória do meu pai, é coisa que me faz muitíssimo bem ao espírito. Segundo porque, sendo certo que o meu cão não foi um antigo combatente, ele foi meu companheiro na Guiné. E os companheiros não apenas são para estimar e lembrar como “não se podem deixar para trás”
Mas há, todavia, uma outra razão para tudo isto. As conversas são como as cerejas (que haviam de ser todas como as do Fundão, mas não sendo ainda bem que há o Fundão), e se se derem ao trabalho de pesquisar no blogue, vão ver que me apresentei em Agosto, que anunciei ir 15 dias de férias e que depois voltava.
Foi o voltas, como se está a ver, e a justificação para tão longa ausência está… no meu cão. Sim, porque eu, que sempre tive cães e que na Guiné também tive um, continuo a ter cães.
Desta vez são dois Cocker Spaniel. Mãe e filho, que eu sou muito apegado à família. Ela toda dourada e ele todo preto. Saiu ao pai.
Deixemos nesta explicação a Pantufa a dormir, que ela com a idade já é mais de mandar o filho trabalhar, e sigamos o Júnior. Para quem conhece os Cocker, digo já que o rapaz herdou tudo quanto a raça pode dar. E de forma acrescida, o faro e o ouvido. E sem ter nada a ver com o Forcado, remotamente dele terá herdado o sentido de propriedade.
Pois estava eu de férias. A casa onde passo férias é um triplex. Salas em baixo, quartos em cima, frente voltada ao movimento, traseiras muito recatadas.
Certa noite, estava eu lá em baixo a ver televisão, sinto o Júnior disparar escadas a cima e depois uma refrega monumental. Tão rápido quanto a idade me consentiu, cheguei ao andar superior e só vi uma perna esfarrapada a esgueirar-se pela janela e o Júnior pronto para seguir o dono da perna.
Estamos no Algarve. No verão os larápios andam assanhados porque cheira a “fruta” fresca e gente distraída. Reis da distracção já se sabe que são os putos, e os meus (sim, eu tenho filhos e o mais novo conta com 15 anos) com a merda dos computadores abusam, de tal sorte que deixaram aberta a janela do quarto lá no segundo piso e que dá para a parte mais recatada da casa.
Perante aquela “janela de oportunidade”, a coberto da escuridão, um tipo galgou a portada, caminhou uns três metros sobre um lancil com não mais que dois palmos de largo, entrou pela janela onde coube à justa, e foi quando se preparava para a limpeza que o meu cão o ouviu e cheirou.
Filado pelo Júnior, ouvindo correria escada a cima e sem saber quantos eram, o larápio precisou de ambas as mãos para manobrar na janela, ser rápido no lancil para não cair e meter-se ao fresco.
Tudo perfeito, como nos filmes. Excepto que o sacana levava debaixo do braço O MEU COMPUTADOR. E, precisando de levantar o braço para usar a mão, deixou-o cair.
Pimba, bonito serviço. No computador estavam textos passados e recentes, sons e fotos que fazem a minha profissão e que ainda não copiara para outros suportes, e estavam, também, digitalizadas montes de fotografias que hei-de ir seleccionado para publicação na Tabanca, mais as notas que fui tirando para ajudar a memória nas histórias que tenho para vos contar.
Valeram-me os engenheiros da Toshiba. Não sei como, porque não sou engenheiro. Sei que conseguiram recuperar tudo quanto estava no disco rígido do meu computador.
Só que estas coisas levam tempo.
PERCEBEM AGORA PORQUE SÓ HOJE VOLTO À ESCRITA?
O Carlos Vinhal, Editor de serviço à época da minha apresentação, até me escreveu algo parecido com “Ó homem, entra, acomoda-te, senta-te aí a uma janela, come um pastelinho de bacalhau, bebe um copo e lança-te à escrita que tu, que foste enfermeiro, hás-de ter muito para contar”.
Pois tenho. Mas como acho, com texto e fotos, já estar a ocupar muito espaço no livro da Tabanca e, sobretudo, para não misturar alhos com bugalhos, fico hoje por aqui e prometo voltar à escrita para a semana.
Abraços e até lá.
Armando Pires
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)
Armando Pires
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)