1. Em mensagem do dia 14 de Novembro de 2011, o nosso camarada Manuel Gonçalves Martins Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), dá continuidade às memórias da sua Unidade, com o envio da segunda parte dos seus apontamentos.
MEMÓRIAS DA CCAÇ 798 (2)
De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné
Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (II Parte)
A Situação Militar junto da fronteira, que era de tensão, quando da chegada da Companhia, foi melhorando. O PAIGC parecia agora mais interessado em consolidar a sua presença noutras zonas, nomeadamente no Catanhez, para o que lhe era vital manter aberto o “corredor de Guiledje”.
Ainda com o Cap. Vieira dos Santos que passados 3 ou 4 meses foi colocado no QG, a Companhia começou a operar no “corredor de Guiledje”. Era claro que, para além do patrulhamento e segurança do setor, a Companhia teria que dar apoio logístico no reabastecimento de Sangonha e Guiledje e intervir no “corredor de Guiledje”.
Conjunto de edifícios que englobavam a Messe de Oficiais, o Comando, a Enfermaria e as Transmissões em Gadamael Porto
No entanto, a Companhia estava condenada a não ter Capitão. Passado algum tempo, depois do Cap. Vieira dos Santos sair, foi nomeado Comandante, o Cap. Mil. Anacoreta Soares que não se manteve até ao fim, acabando por ser transferido para o Norte. Quando faltavam três meses para a Companhia regressar à metrópole foi atribuído o Comando da mesma ao Cap. Vilas Boas a quem faltava sensivelmente o mesmo tempo para ser promovido a Major. A situação diminuiu a capacidade operacional da Companhia que só actuava como tal, quando tinha Comandante efectivo. (3)
No entanto, o eixo Kandiafara, (4) norte de
Guiledje e Mejo transformava-se numa via de abastecimento fundamental para todo o Catanhez. Nos últimos tempos de permanência da Companhia, o reconhecimento aéreo revelava que o PAIGC desmatava faixas de considerável largura no(s) trilho(s) utilizado(s) para o reabastecimento. Tal facto levava os responsáveis militares a interrogarem-se da utilidade desta medida, suspeitando que estavam a criar condições para a utilização de viaturas.
Vista do interior do Aquartelamento, onde se pode ver do lado esquerdo, o Refeitório, a Cozinha e os Balneários. Ao fundo, a saída para Ganturé
Os contactos entre o Catanhez e o exterior eram ainda assegurados por um helicóptero que levantava da zona de Cadique/Caboxanque e cuja luz era perfeitamente visível de Gadamael, sensivelmente à mesma hora e respeitando, quase sempre, os mesmos dias da semana.
A situação, de relativa acalmia, facilitava a apresentação de nativos e as visitas a familiares, o que permitia conhecer as movimentações do PAIGC. A Companhia não desperdiçou a oportunidade e desenvolveu contactos que lhe permitiam captar informações militares ao longo de toda a fronteira, desde Boké a Kandiafara, (4) na República da Guiné.
Ainda a vista do interior do do Aquartelamento, agora do lado contrário. Vê- se a Arrecadação, o Depósito de Víveres, a Casa do Gerador, a Capela e, por entre viaturas, debaixo das árvores, a Messe de Sargentos e Secretaria. Quase imperceptível, ao fundo, o rio.
A Actividade Militar ao longo da Fronteira apenas registava pequenos incidentes sem grande significado, com excepção a Norte, no setor de Guiledje e a Sul, no sector de Cacine (Cameconde) no Quitafine. Duas situações me ocorrem que merecem registo: - No Setor de Gadamael, no dia 15 de Ago/66, quando um Grupo de Combate patrulhava a estrada que ligava a tabanca de Bricama à fronteira, o soldado Moisés acionou, na tabanca de Caur, uma mina anti-pessoal; No Setor de Sangonhá um pequeno grupo de guerrilheiros, que procurava montar uma “enfermaria”, junto à fronteira, sofreu um Golpe de Mão da Companhia que capturou material e fez prisioneiros.
Esta Ação provocou um ataque de represália ao aquartelamento de Sangonhá comandado pelo próprio NINO. Este instalou o morteiro debaixo de uma árvore e indicou ao apontador dois ramos por entre os quais as granadas deviam passar e passaram. (5) O interior do aquartelamento foi atingido por várias granadas de morteiro e algumas delas caíram em redor do abrigo do Morteiro 81.
Fora do Setor, onde a Companhia 798 atuou, destaco quatro Acções no “Corredor de Guiledje “ e uma no Quitafine.
Aspeto particular da vista anterior, onde é mais claro o Depósito de Víveres, (redondo) a Casa do Gerador e parte da Capela. A fotografia captou um ritual de que falarei noutra parte
“No Corredor de Guiledje”
- A 1ª Operação, integrando outras forças, ocorreu a 01/AGO/65 com o Cap. Vieira dos Santos a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo era Salancaur Fula que foi abordado com intensa chuva, surpreendendo a sentinela. Destruiu-se o acampamento, capturando-se algum armamento.
- A 2ª Operação, de iniciativa do Batalhão, ocorreu a 18/JAN/66. O objectivo era a limpeza de mato e de minas na estrada para Gandembel, até às pontes do Rio Balana. Deveria ser executada por um Grupo de Combate da CCAÇ 798 e pelo Pel. FOX de Guiledge com o apoio de nativos para a desmatagem. O percurso de ida decorreu sem incidentes, para além da deteção de uma mina anti-carro que foi detonada no local. O regresso foi feito em coluna auto até esta ser interrompida por uma emboscada que provocou 5 mortos e 14 feridos.
- A 3ª Operação, integrando outras forças, ocorreu a 22/JUN/66 com o Cap. Anacoreta Soares a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo situava-se na zona de Salancaur. Tendo-se saído de Mejo a corta-mato, o percurso apresentou-se muito difícil e mais difícil se tornou, quando um guia acionou uma armadilha que provocou baixas entre os nativos. Quebrada a surpresa e localizada a posição das NT, o Capitão recuou, tendo retomado novo itinerário no dia seguinte, mas sem efeitos práticos. Note-se que os efectivos envolvidos na Operação, não se limitavam à Companhia 798. A Operação fora planeada, tal como a anterior, a nível de Batalhão.
- A 4ª Operação, integrando também outras forças, ocorreu a 02/NOV/66 com o Cap. Vilas Boas a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo situava-se entre Mejo e Salancaur Jate. O objectivo foi alcançado e destruído.
Interessa sublinhar a táctica que o IN normalmente seguia, na defesa das zonas ocupadas: - Dispunha as suas sub-unidades na periferia das unidades principais ou bases, barrando todos os acessos possíveis com vigilantes. Assim criava um sistema de defesa e alerta que era muito difícil surpreender e ultrapassar.
- Operação no Quitafine, integrando ainda outras forças, ocorreu a 12/MAI/66, tendo como objectivo o ataque a Cambeque/Cabonepo. O objectivo da CCAÇ 798 era proteger a retaguarda das restantes forças em acção. Entretanto, por engano, a FAP fez 4 mortos e uma dezena de feridos das NT. A CCAÇ 798 teve de socorrer e evacuar os feridos para uma zona de segurança, tendo-se distinguido o 1.º Cabo Ivo e o Soldado Agonia que foram agraciados com a Cruz de Guerra.
OBS:
(3) - De acordo com as Normas Militares, não era permitido ao Alferes, comandante interino, assumir o comando operacional da Companhia
(4) - Kandiafara, Canchanfara ou Canchafarim, conforme a língua e/ou dialeto, situava-se bem dentro da República da Guine (12 a15Km) e transformou-se numa base fundamental de apoio logístico ao “corredor de Guiledje". Dispunha de uma situação privilegiada, na estrada n.º 3 que ligava a fronteira a Boké e a Konacry.
(5) - Informações recolhidas na CCAÇ 798
(Continua)
____________
Nota de CV:
Vd. primeiro poste da série de 4 de Novembro de 2011 >
Guiné 63/74 - P8993: Tabanca Grande (305): Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798 (Gadamael Porto, 1965/67)