por Luís Graça (*)
De Piombino a Porto Azzurro,
no encalce de Napoleão,
o pequeno e genial corso
que ajudou a construir
a Europa das Nações.
Ah!, que ingratos
os tecnocratas de Bruxelas
que alimentam sonhos imperiais,
que nada sabem de história
e que não te puseram na lista dos pais-fundadores,
com direito a pensão vitalícia
e outras mordomias reais!
Que serias tu, bela Itália,
sem o safado parteiro da Europa
e os seus canhões ?
E tu, Garibaldi,
mais os teus descamisados,
e os teus pernetas,
como chegarias a Nápoles e a Palermo,
para conquistar o último Reino das Duas Sicílias ?
Na ilha de Elba, estudo estratégia
que é a arte do general,
do capo,
do condottiere,
do conquistador.
E observo o preclaro voo dos pássaros,
que não têm bússola,
nem GPS,
nem telemóvel,
nem o Google Earth,
e que nunca se perdem
entre o alfa e o ómega,
o norte e o sul,
o leste e o oeste.
Pelo menos não conheço
nenhum brevet de piloto ornitológico.
Nove meses é o tempo suficiente
para se nascer e se morrer,
entre a ilha de Elba e a estação de Waterloo.
É o tempo ontológico,
o do ser e do saber-ser.
E num só dia dei a volta à ilha,
de bicicleta,
um fait-divers que hei-de pôr
no meu currículo hipocrático.
Move, Europe,
mexe-me a merda desse rabo,
levanta o cu do selim,
põe-me essa mama tesa,
pedala, Europa, velha Europa,
anaconda,
eriçada,
anafada,
encastelada,
cercada,
crispada,
na tua feia fortaleza de Schengen.
Em Porto Azzurro
percebi que pode haver dias felizes
na vida dos homens e das mulheres.
Apaixonei-me pela felina Ornella,
a Muti,
a deusa mediterrânica,
que guardava na Ilha de Monte Cristo
os segredos do amor,
o elixir da vida,
que é breve a vida do espadachim
que há em ti
e que há em mim.
Ainda se podia pressentir,
ao pôr do sol na ilha,
na ponta mais além,
a presença encantatória
do Alexandre Dumas,
romântico ma non troppo,
em recorte subtil,
em versão light.
Que a ficção fica sempre aquém
da vida…
Mas do que eu mais gostei
foi de dançar o Dime la verità
com os guardiões da ilha,
os velhos e as velhas de Seccheto,
quiçá os últimos habitantes,
da velha Europa
que eu amo,
ou da bela e pimba,
divina, pérfida, mafiosa Itália
que me repele e me seduz.
Ele há coisas
que os miseráveis tecnoburocratas de Bruxelas
e os seus lacaios
nunca entenderão.
Em Porto Azzurro,
olhando em redor o mare nostrum,
o mar que já foi nosso,
e as ruínas da minha civilização,
ou o esqueleto do vosso projeto europocêntrico,
estudei filosofia,
fui discípulo do Erasmus,
voltei à escola de Salerno,
reli o seu livrinho de cabeceira
sobre a arte de conservar a saúde
e manter o equilíbrio dos quatros humores,
e percebi, mesmo que por breves instantes,
a importância da ontologia,
que é o tratado que trata
mais do ser do que do ter.
Do ser autêntico,
sem jantes
nem implantes.
De Piombino a Porto Azzurro,
no encalce de Napoleão,
o pequeno e genial corso
que ajudou a construir
a Europa das Nações.
Ah!, que ingratos
os tecnocratas de Bruxelas
que alimentam sonhos imperiais,
que nada sabem de história
e que não te puseram na lista dos pais-fundadores,
com direito a pensão vitalícia
e outras mordomias reais!
Que serias tu, bela Itália,
sem o safado parteiro da Europa
e os seus canhões ?
E tu, Garibaldi,
mais os teus descamisados,
e os teus pernetas,
como chegarias a Nápoles e a Palermo,
para conquistar o último Reino das Duas Sicílias ?
Na ilha de Elba, estudo estratégia
que é a arte do general,
do capo,
do condottiere,
do conquistador.
E observo o preclaro voo dos pássaros,
que não têm bússola,
nem GPS,
nem telemóvel,
nem o Google Earth,
e que nunca se perdem
entre o alfa e o ómega,
o norte e o sul,
o leste e o oeste.
Pelo menos não conheço
nenhum brevet de piloto ornitológico.
Nove meses é o tempo suficiente
para se nascer e se morrer,
entre a ilha de Elba e a estação de Waterloo.
É o tempo ontológico,
o do ser e do saber-ser.
E num só dia dei a volta à ilha,
de bicicleta,
um fait-divers que hei-de pôr
no meu currículo hipocrático.
Move, Europe,
mexe-me a merda desse rabo,
levanta o cu do selim,
põe-me essa mama tesa,
pedala, Europa, velha Europa,
anaconda,
eriçada,
anafada,
encastelada,
cercada,
crispada,
na tua feia fortaleza de Schengen.
Em Porto Azzurro
percebi que pode haver dias felizes
na vida dos homens e das mulheres.
Apaixonei-me pela felina Ornella,
a Muti,
a deusa mediterrânica,
que guardava na Ilha de Monte Cristo
os segredos do amor,
o elixir da vida,
que é breve a vida do espadachim
que há em ti
e que há em mim.
Ainda se podia pressentir,
ao pôr do sol na ilha,
na ponta mais além,
a presença encantatória
do Alexandre Dumas,
romântico ma non troppo,
em recorte subtil,
em versão light.
Que a ficção fica sempre aquém
da vida…
Mas do que eu mais gostei
foi de dançar o Dime la verità
com os guardiões da ilha,
os velhos e as velhas de Seccheto,
quiçá os últimos habitantes,
da velha Europa
que eu amo,
ou da bela e pimba,
divina, pérfida, mafiosa Itália
que me repele e me seduz.
Ele há coisas
que os miseráveis tecnoburocratas de Bruxelas
e os seus lacaios
nunca entenderão.
Em Porto Azzurro,
olhando em redor o mare nostrum,
o mar que já foi nosso,
e as ruínas da minha civilização,
ou o esqueleto do vosso projeto europocêntrico,
estudei filosofia,
fui discípulo do Erasmus,
voltei à escola de Salerno,
reli o seu livrinho de cabeceira
sobre a arte de conservar a saúde
e manter o equilíbrio dos quatros humores,
e percebi, mesmo que por breves instantes,
a importância da ontologia,
que é o tratado que trata
mais do ser do que do ter.
Do ser autêntico,
sem jantes
nem implantes.
Luís Graça
v8 21jan2015
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(*) Com o João Graça (**),
(**) ELBA > A viagem de Piombino, na costa toscana, a Porto Azzurro, em Elba, faz recordar aquilo que terá sido a deportação de Napoleão, em Maio, mas de 1814. Aqui viveu durante 9 meses, onde partiu rumo a Paris para reconquistar o poder. Mas foi derrotado na famosa baltalha de Waterloo em Junho de 1815. Dizia eu que a viagem, aparte o barco hoje movido a motor, faz recuar a esses tempos. Tempos de definição geo-política europeia. Pelas ilhas selvagens, pelos aves que me giravam em torno, pela vegetação verdejante e inóspita.
Em Porto Azzurro passou-nos pela cabeça a ideia mais iluminada destes dias. A de alugar bicicletas para nos deslocarmos ali. Dito e feito. Ao fim da tarde chegamos à outra ponta para um merecido repouso, depois de um longo caminho que terminava com 4 km a subir. Do lado sul da ilha avistava-se a ilha de Monte Cristo, que serviu de inspiração a Alexandre Dumas. Recordo-me de seguir apaixonado a mini-série "O Conde de Monte Cristo", com Gerard Depardieu e Ornella Muti. E qual o meu espanto, quando a vejo, diante dos meus olhos, ali, vejo a ilha de Monte Cristo.
O dia, no entanto, estava ainda longe de acabar. Apesar do cansaço físico, e mesmo depois de tanta boa disposição, ainda tivemos pedalada para dançar numa festa popular em Secchetto. Nada sabíamos desta festa. Encontrámo-la por mero acaso. Gente dali, daquela terra longe de tudo, mas cheia de hospitalidade. Dançar com os velhotes música pimba é uma experiência que todos nós já passámos, nalgum dia de Agosto da nossa vida quando se volta à terrinha e se encontram os emigrantes (como eu). Mas dançar o "Dime la verità" com os velhotes de Secchetto é único. Juro-vos...
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(*) Com o João Graça (**),
Foto de João Graça (2006), em Porto Azzurro. Cortesia do autor |
Em Porto Azzurro passou-nos pela cabeça a ideia mais iluminada destes dias. A de alugar bicicletas para nos deslocarmos ali. Dito e feito. Ao fim da tarde chegamos à outra ponta para um merecido repouso, depois de um longo caminho que terminava com 4 km a subir. Do lado sul da ilha avistava-se a ilha de Monte Cristo, que serviu de inspiração a Alexandre Dumas. Recordo-me de seguir apaixonado a mini-série "O Conde de Monte Cristo", com Gerard Depardieu e Ornella Muti. E qual o meu espanto, quando a vejo, diante dos meus olhos, ali, vejo a ilha de Monte Cristo.
O dia, no entanto, estava ainda longe de acabar. Apesar do cansaço físico, e mesmo depois de tanta boa disposição, ainda tivemos pedalada para dançar numa festa popular em Secchetto. Nada sabíamos desta festa. Encontrámo-la por mero acaso. Gente dali, daquela terra longe de tudo, mas cheia de hospitalidade. Dançar com os velhotes música pimba é uma experiência que todos nós já passámos, nalgum dia de Agosto da nossa vida quando se volta à terrinha e se encontram os emigrantes (como eu). Mas dançar o "Dime la verità" com os velhotes de Secchetto é único. Juro-vos...
JonnyGrace [João Graça] > arriverdecci portogallo > 1/6/2006 > Elba
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Nota do editor
Último poste da série > 1 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14105: Manuscrito(s) (Luís Graça) (42): Requiem para um paisano... (à memória do meu infortunado camarada Luciano Severo de Almeida)