Foto nº 1
Foto nº 2
Foto nº 3
Foto nº 4
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências.
É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias":
(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, estimanos nós];
(ii) três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);
(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;
(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;
(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;
(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016:
(vii) visita à Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);
(viii) o "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;
(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...
Depois de Melbourne, apanhámos uma valente tempestade, com um Pacífico furioso a fazer dançar o Costa, para desprazer de toda a gente. Era inevitável encontrar mares agitados e ondas de sete metros numa viagem de mais de três meses em redor do mundo. O navio aguenta-se bem, mas posso imaginar os marinheiros portugueses de quinhentos, naquelas caravelas e naus, casquinhas de noz a avançar na crista das ondas, a afundarem-se no desvão dessas mesmas ondas, a descobrirem o mundo, a caminharem para a morte. (Foto nº1).
Com muito melhor mar, desembarcamos no porto de Fremantle que serve Perth – a cidade situada uns 25 quilómetros mais para o interior e capital deste imenso estado da Austrália Ocidental –, e decidimos, Haiyuan e eu, abandonar o Costa [Luminosa], deixá-lo seguir sem a nossa companhia nos mais seis dias de viagem até Singapura.
Em Fremantle comprámos entretanto bilhetes de avião para Singapura, com chegada na mesma altura do navio. Foi uma boa ideia porque trocámos alguns dos já conhecidos e cada vez mais redundantes, e eventualmente tempestuosos, dias de navegação por uma estadia, ao nosso modo, na Austrália Ocidental.
Vimos o Costa partir e depois de um “adeus, até ao meu regresso”, procurámos instalação em Fremantle, uma interessante cidadezinha com 30 mil habitantes onde começou a colonização de toda esta vasta região [Foto nº 2]. Foi difícil encontrar alojamento porque não havíamos marcado nada e estava tudo quase cheio. Fremantle, ou Freo como o pessoal da terra lhe chama, é um destino turístico para muitos jovens australianos. Acabámos por ir parar aos Pirates, um hostel backpackers de nenhuma qualidade, 65 dólares australianos, cerca de 50 euros, um pobre quarto para dois, sem banho.
O problema foi a música em altos berros, no jardim, logo por baixo do nosso quarto, que durou até às três e meia da manhã. Estes presumivelmente bem educados rapazes e moçoilas australianas esqueceram os bons costumes e a boa educação. Às duas da manhã a minha Haiyuan ainda me pediu para eu ir, com um sorriso nos lábios, solicitar àquele pessoal barulhento para cessarem a música. Eles seriam aí uns dez, quase todos bêbados, e eu pensei que se lhes aparecesse um feio sexagenário à frente, àquela hora, a pedir para eles se calarem, habilitar-me-ia, com largas probabilidades, a levar com uma garrafa de cerveja na cabeça.
Na manhã seguinte mudámos de instalação e fomos direitinhos para a prisão [Foto nº 3]. Eu explico. Fremantle orgulha-se de possuir os mais antigos edifícios construídos na Austrália Ocidental como uma pequena prisão redonda que data de 1830, e uma outra cadeia, ampla, arejada, desconfortável, inaugurada em 1851 e que funcionou em pleno até 1995. São hoje ambas Património Mundial pela Unesco e por esta última passaram 350 mil prisioneiros, tendo aqui sido enforcados, até 1964, 43 homens e uma mulher.
A grande prisão, tipo baluarte em pedra, estende-se por seis hectares e é hoje uma das atracções turísticas de Fremantle. O município local resolveu fazer obras e transformar a cadeia em museu. Parte da ala feminina foi adaptada a YHA, ou seja, um originalíssimo Youth Hostel. É barato, 45 dólares australianos, e lá dormimos na pequena cela 201, pintada de branco onde, para além das duas camas em beliche, tínhamos apenas uma mesa e, em cima, uma janela minúscula, com grossas grades, para vermos o sol aos quadradinhos. Os quartos de banho, unissexo, eram lá fora, mas não havia carcereiro para nos levar até lá.
Tudo espartano, de sobriedade total, as celas sucedendo-se umas às outras em corredores cruzados, os muros à volta com cinco metros de altura, as guaritas de vigilância levantadas nos ângulos das grossas paredes de pedra. Jamais, em dias da minha vida, me senti tão seguro. Como “prisioneiros de luxo”, porque metidos na prisão por livre vontade, éramos contemplados com uma série de regalias como, por exemplo, uma grande cozinha bem equipada -- até grelhadores tinha --, arcas frigoríficas, lavandaria, uma sala de jantar e outra de convívio, com biblioteca, televisão, excelentes sofás. No recreio dos presos havia também um pequeno campo de jogos e um relvado para despir e apanhar sol. Uma maravilha estar na prisão!
Claro que o objectivo nestes dias de Austrália não era propriamente viver num presídio. Alugámos um automóvel, um Toyota Corolla novinho em folha e foi tempo de deixar a prisão e rumar a sul. Passámos, no entanto, mais um dia em Fremantle, uma cidadezinha por demais bonita que conserva um clássico património construído que me dizem ser o mais valioso de toda a Austrália. Tem ruas inteiras com edifícios centenários em estilo vitoriano, impecavelmente restaurados, onde funcionam hotéis, restaurantes, pubs, lojas, galerias de arte, um mercado, museus e teatros. Tem praias logo ali ao lado do porto, um Fishing Boat Harbour, uma espécie de doca dos pescadores com restaurantes de peixe e marisco em plataformas sobre a água, todas as noites com música ao vivo.
Fremantle até tem um cônsul honorário de Portugal, vi a placa num edifício na saída sul da cidade, sinal evidente de que haverá portugueses emigrantes por perto, gente de bom gosto ou a quem calhou em sorte viver num deleitoso lugar.
Tudo espartano, de sobriedade total, as celas sucedendo-se umas às outras em corredores cruzados, os muros à volta com cinco metros de altura, as guaritas de vigilância levantadas nos ângulos das grossas paredes de pedra. Jamais, em dias da minha vida, me senti tão seguro. Como “prisioneiros de luxo”, porque metidos na prisão por livre vontade, éramos contemplados com uma série de regalias como, por exemplo, uma grande cozinha bem equipada -- até grelhadores tinha --, arcas frigoríficas, lavandaria, uma sala de jantar e outra de convívio, com biblioteca, televisão, excelentes sofás. No recreio dos presos havia também um pequeno campo de jogos e um relvado para despir e apanhar sol. Uma maravilha estar na prisão!
Claro que o objectivo nestes dias de Austrália não era propriamente viver num presídio. Alugámos um automóvel, um Toyota Corolla novinho em folha e foi tempo de deixar a prisão e rumar a sul. Passámos, no entanto, mais um dia em Fremantle, uma cidadezinha por demais bonita que conserva um clássico património construído que me dizem ser o mais valioso de toda a Austrália. Tem ruas inteiras com edifícios centenários em estilo vitoriano, impecavelmente restaurados, onde funcionam hotéis, restaurantes, pubs, lojas, galerias de arte, um mercado, museus e teatros. Tem praias logo ali ao lado do porto, um Fishing Boat Harbour, uma espécie de doca dos pescadores com restaurantes de peixe e marisco em plataformas sobre a água, todas as noites com música ao vivo.
Fremantle até tem um cônsul honorário de Portugal, vi a placa num edifício na saída sul da cidade, sinal evidente de que haverá portugueses emigrantes por perto, gente de bom gosto ou a quem calhou em sorte viver num deleitoso lugar.
A Austrália Ocidental conta com 4,5milhões de habitantes num território com 2,6 milhões de quilómetros quadrados, um terço de todo o continente australiano. A orla marítima estende-se por 12,5 mil quilómetros, repletos de praias selvagens onde apetece a estranha, mas sublime diluição na natureza. [Foto nº 4].
Estamos no fim da Primavera, o tempo começa a aquecer, tenho um automóvel para conduzir, não sei o que irei encontrar, mas aí vamos, conduzindo o carro pela esquerda, ou seja, pelo lado errado da estrada, centenas e centenas de quilómetros, quase sempre ao lado do mar. Passamos Rockingham, aterramos em Mandurah. Estão 24 graus, precisamos de praia e ela aí está, chama-se Sands Beach, com água mais quente do a que costumamos ter em Portugal. Grande banho de mar, agora no Oceano Índico porque a parte ocidental da Austrália já está voltada para o Índico. Mandurah tem um parque para ver pinguins, barcos para observar golfinhos e gente bonita, não muita na praia. Quedo-me a aquecer ao sol, mas o lugar não é perfeito, aparecem umas irritantes moscas pequeninas que nos pousam na cara, entram nos ouvidos, zumbem e temos de estar permanentemente a enxotar.
De tarde, mais quilómetros, muitos, atravessando o Yalgorup National Park, com milhares de eucaliptos, mais baixos e redondos do que os de Portugal, uns tantos lagos e uma sucessão de praias selvagens. Na berma da estrada vi um canguru morto, atropelado. Dormida num hotelzinho em Australind, um apartamento grande e confortável, diante de mais um lago. Foram 100 dólares australianos
Outra cidadezinha, Bunbury tem milhas e milhas de praias, mas é sobretudo conhecida por ser o maior centro de compras de todo este sudoeste australiano. Um enormíssimo shopping foi a primeira paragem no dia seguinte. Comprei o que necessitava, uma caixa de clips para agrafar as folhas soltas onde vou rabiscando as notas dos lugares de passagem, nesta volta ao mundo. Bunbury deu para constatar como vive bem esta gente endinheirada da Austrália!
Depois quedámo-nos por Busselton, uns 40 quilómetros mais para sul na Geographe Bay, quase só praias de areia branca, o mar com uma pequena ondulação, um lugar acolhedor, quase vazio de gente. Uma longa caminhada ao longo da baía e em Busselton acabamos por dormir mais uma noite, no descanso dos deuses. A vila tem uma curiosidade, um molhe ou pontão assente numa estrutura em troncos de madeira sobre a qual avança uma plataforma suspensa sobre o mar, com caminho pedonal e uma linha férrea para o trânsito de um pequeno comboio. Construído em 1865, o pontão estende-se sobre as águas do mar ao longo de 1.841 metros, o que faz dele o mais extenso de todo o hemisfério sul.
Ficou por fazer a ida a Margaret River, outros 40 quilómetros mais para sul. A região é famosa porque aqui, dizem-me, se produzem alguns dos melhores vinhos da Austrália. Falaram-me num tinto de excelência, tipo Bordéus, tão bom, tão bom, de que até os golfinhos, mamíferos inteligentes, gostam. Lembrei-me da penicilina e das palavras sábias do seu inventor, o inglês Alexander Fleming: “A penicilina cura os homens, mas é o vinho que os faz felizes.”
Austrália Ocidental > 30 de outubro a 8 de novembro de 2016 > De Fremantle a Perth
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
4. Perth, Austrália Ocidental (pp. 40-42, da Parte II
Com 2,1 milhões de habitantes, situada a 3.869 quilómetros de Sidney – uma viagem de comboio entre as duas cidades demora três dias –, a 3.352 quilómetros de Melbourne, a mais de 5.000 de Singapura, Perth parece perdida nos extremos austrais do mundo. Porém, perfeitamente integrada no que de melhor a Austrália e o mundo têm, Perth será uma das cidades mais organizada, moderna e civilizada do globo.
Chego a Perth exausto, após mais de 500 quilómetros de estrada num só dia, desde Busselton, no sul, a conduzir no lado incerto da estrada, com o volante no lado errado do carro, e não sei quantos desvios por atalhos para idas a não sei quantas praias, algo semelhantes às nossas da Torreira ou de Vagos, vastos areais onde até dava para os jipes dos jovens australianos irem molhar os pés na água do mar e fazerem corridas na areia dura, na maré vazia.
Cansado, após três dias a conduzir (foram 837 quilómetros!) com extrema atenção e cuidado porque não estou habituado a pôr o carro na outra faixa de rodagem, a entrar ao contrário nas rotundas, desejava apenas um hotel e uma cama limpa para me deitar. Fomos dormir a um razoável paradouro, o City Waters Hotel, em frente ao jardim e ao rio Swan que atravessa Perth. Foram 115 dólares australianos, cerca de 90 euros. Na Austrália, nada é verdadeiramente barato.
Na manhã seguinte subi ao Kings Park, sobranceiro à cidade, com um jardim botânico e um sentido monumento em homenagem aos soldados australianos mortos em combate na I e na II Guerra Mundial. Depois fui devolver o Toyota ao rent-a-car de Fremantle e regressei a Perth de comboio, uns 20 minutos de confortável viagem para 25 quilómetros. Agora, sem rodas próprias, tenho a cidade por minha conta, dois dias a pé ou em transportes públicos. Passeio por Murray Street, por Hay Street, ruas pedonais no centro do burgo, com lojas e shoppings de estarrecer, tudo ordenado, funcional, de qualidade, à moda da Austrália.
Não há muitas compras a fazer, mas o demorado passeio pelo centro histórico de Perth, não desiludirá ninguém. Temos os velhos edifícios coloniais com mais de cem anos de idade, a casa do governador, a câmara municipal, o His Majesty’s Theatre harmoniosamente inseridos na sofisticada malha de arranha-céus recentes, há uma torre de vidro em frente ao rio Swan – que em Perth se assemelha a um lago –, exibindo um conjunto de velhos sinos provenientes da igreja de St. Martin in the Fields, em Londres, oferecidos pelo governo inglês em 1988. Encontro uma surpreendente manifestação de curdos, famílias inteiras com bandeiras e tambores que pretendem mostrar aos australianos que desejam a independência do seu Curdistão e o fim das perseguições e matanças. [Foto nº 5]
Na Austrália creio que os únicos engarrafamentos que existem, a sério e em quantidade, são os de garrafas de vinho, não de automóveis, e em Perth apercebi-me de alguns dos porquês. Além de uma excelente rede de transportes públicos, nesta cidade funcionam cinco carreiras de autocarros, verde, azul, vermelha, amarela e laranja, os chamados CATS (Central Area Transit Service) que transportam quem quer que seja desde os diferentes arredores para o centro da cidade, tudo gratuito. É só vir de longe, estacionar o carro, esperar um autocarro – passam de oito em oito minutos --, entrar, e rapidamente o cidadão chega ao centro de Perth. [Foto nº6]
A comida australiana não me convenceu até porque haverá por lá uma mistura de burguers e batatas fritas, à americana, com pizzas à italiana e fish and chips, à inglesa.
Qual é a verdadeira cozinha australiana? Não deu para ver e provar. A salvação foi a comida chinesa. Como país multi-étnico, a Austrália prima pelos variegados restaurantes que oferecem banquetes ou simples petiscos de tudo quanto é país para cima, ou para baixo do Equador. Até existe uma grande cadeia de restaurantes chamada Oporto, especializada em frangos assados à moda portuguesa.
Na volta pelo autocarro nº. 3, gratuito, atravessámos não propriamente a chinatown, que em Perth parece não existir, mas um bairro com muita loja chinesa, coreana e indiana. E restaurantes, claro. Aí abanquei, ao almoço, nos dois dias de Perth, em espaços diferentes para atestar o estômago e carregar baterias, alimentando gordurinhas que espero derreter na muita viagem pelo mundo que ainda falta cumprir.
_____________
Nota do editor:
Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18243: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XIX: 29 de outubro de 2016, Melbourne, Austrália
Estamos no fim da Primavera, o tempo começa a aquecer, tenho um automóvel para conduzir, não sei o que irei encontrar, mas aí vamos, conduzindo o carro pela esquerda, ou seja, pelo lado errado da estrada, centenas e centenas de quilómetros, quase sempre ao lado do mar. Passamos Rockingham, aterramos em Mandurah. Estão 24 graus, precisamos de praia e ela aí está, chama-se Sands Beach, com água mais quente do a que costumamos ter em Portugal. Grande banho de mar, agora no Oceano Índico porque a parte ocidental da Austrália já está voltada para o Índico. Mandurah tem um parque para ver pinguins, barcos para observar golfinhos e gente bonita, não muita na praia. Quedo-me a aquecer ao sol, mas o lugar não é perfeito, aparecem umas irritantes moscas pequeninas que nos pousam na cara, entram nos ouvidos, zumbem e temos de estar permanentemente a enxotar.
De tarde, mais quilómetros, muitos, atravessando o Yalgorup National Park, com milhares de eucaliptos, mais baixos e redondos do que os de Portugal, uns tantos lagos e uma sucessão de praias selvagens. Na berma da estrada vi um canguru morto, atropelado. Dormida num hotelzinho em Australind, um apartamento grande e confortável, diante de mais um lago. Foram 100 dólares australianos
Outra cidadezinha, Bunbury tem milhas e milhas de praias, mas é sobretudo conhecida por ser o maior centro de compras de todo este sudoeste australiano. Um enormíssimo shopping foi a primeira paragem no dia seguinte. Comprei o que necessitava, uma caixa de clips para agrafar as folhas soltas onde vou rabiscando as notas dos lugares de passagem, nesta volta ao mundo. Bunbury deu para constatar como vive bem esta gente endinheirada da Austrália!
Depois quedámo-nos por Busselton, uns 40 quilómetros mais para sul na Geographe Bay, quase só praias de areia branca, o mar com uma pequena ondulação, um lugar acolhedor, quase vazio de gente. Uma longa caminhada ao longo da baía e em Busselton acabamos por dormir mais uma noite, no descanso dos deuses. A vila tem uma curiosidade, um molhe ou pontão assente numa estrutura em troncos de madeira sobre a qual avança uma plataforma suspensa sobre o mar, com caminho pedonal e uma linha férrea para o trânsito de um pequeno comboio. Construído em 1865, o pontão estende-se sobre as águas do mar ao longo de 1.841 metros, o que faz dele o mais extenso de todo o hemisfério sul.
Ficou por fazer a ida a Margaret River, outros 40 quilómetros mais para sul. A região é famosa porque aqui, dizem-me, se produzem alguns dos melhores vinhos da Austrália. Falaram-me num tinto de excelência, tipo Bordéus, tão bom, tão bom, de que até os golfinhos, mamíferos inteligentes, gostam. Lembrei-me da penicilina e das palavras sábias do seu inventor, o inglês Alexander Fleming: “A penicilina cura os homens, mas é o vinho que os faz felizes.”
Foto nº 5
Foto nº 6
Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
4. Perth, Austrália Ocidental (pp. 40-42, da Parte II
Com 2,1 milhões de habitantes, situada a 3.869 quilómetros de Sidney – uma viagem de comboio entre as duas cidades demora três dias –, a 3.352 quilómetros de Melbourne, a mais de 5.000 de Singapura, Perth parece perdida nos extremos austrais do mundo. Porém, perfeitamente integrada no que de melhor a Austrália e o mundo têm, Perth será uma das cidades mais organizada, moderna e civilizada do globo.
Chego a Perth exausto, após mais de 500 quilómetros de estrada num só dia, desde Busselton, no sul, a conduzir no lado incerto da estrada, com o volante no lado errado do carro, e não sei quantos desvios por atalhos para idas a não sei quantas praias, algo semelhantes às nossas da Torreira ou de Vagos, vastos areais onde até dava para os jipes dos jovens australianos irem molhar os pés na água do mar e fazerem corridas na areia dura, na maré vazia.
Cansado, após três dias a conduzir (foram 837 quilómetros!) com extrema atenção e cuidado porque não estou habituado a pôr o carro na outra faixa de rodagem, a entrar ao contrário nas rotundas, desejava apenas um hotel e uma cama limpa para me deitar. Fomos dormir a um razoável paradouro, o City Waters Hotel, em frente ao jardim e ao rio Swan que atravessa Perth. Foram 115 dólares australianos, cerca de 90 euros. Na Austrália, nada é verdadeiramente barato.
Na manhã seguinte subi ao Kings Park, sobranceiro à cidade, com um jardim botânico e um sentido monumento em homenagem aos soldados australianos mortos em combate na I e na II Guerra Mundial. Depois fui devolver o Toyota ao rent-a-car de Fremantle e regressei a Perth de comboio, uns 20 minutos de confortável viagem para 25 quilómetros. Agora, sem rodas próprias, tenho a cidade por minha conta, dois dias a pé ou em transportes públicos. Passeio por Murray Street, por Hay Street, ruas pedonais no centro do burgo, com lojas e shoppings de estarrecer, tudo ordenado, funcional, de qualidade, à moda da Austrália.
Não há muitas compras a fazer, mas o demorado passeio pelo centro histórico de Perth, não desiludirá ninguém. Temos os velhos edifícios coloniais com mais de cem anos de idade, a casa do governador, a câmara municipal, o His Majesty’s Theatre harmoniosamente inseridos na sofisticada malha de arranha-céus recentes, há uma torre de vidro em frente ao rio Swan – que em Perth se assemelha a um lago –, exibindo um conjunto de velhos sinos provenientes da igreja de St. Martin in the Fields, em Londres, oferecidos pelo governo inglês em 1988. Encontro uma surpreendente manifestação de curdos, famílias inteiras com bandeiras e tambores que pretendem mostrar aos australianos que desejam a independência do seu Curdistão e o fim das perseguições e matanças. [Foto nº 5]
Na Austrália creio que os únicos engarrafamentos que existem, a sério e em quantidade, são os de garrafas de vinho, não de automóveis, e em Perth apercebi-me de alguns dos porquês. Além de uma excelente rede de transportes públicos, nesta cidade funcionam cinco carreiras de autocarros, verde, azul, vermelha, amarela e laranja, os chamados CATS (Central Area Transit Service) que transportam quem quer que seja desde os diferentes arredores para o centro da cidade, tudo gratuito. É só vir de longe, estacionar o carro, esperar um autocarro – passam de oito em oito minutos --, entrar, e rapidamente o cidadão chega ao centro de Perth. [Foto nº6]
A comida australiana não me convenceu até porque haverá por lá uma mistura de burguers e batatas fritas, à americana, com pizzas à italiana e fish and chips, à inglesa.
Qual é a verdadeira cozinha australiana? Não deu para ver e provar. A salvação foi a comida chinesa. Como país multi-étnico, a Austrália prima pelos variegados restaurantes que oferecem banquetes ou simples petiscos de tudo quanto é país para cima, ou para baixo do Equador. Até existe uma grande cadeia de restaurantes chamada Oporto, especializada em frangos assados à moda portuguesa.
Na volta pelo autocarro nº. 3, gratuito, atravessámos não propriamente a chinatown, que em Perth parece não existir, mas um bairro com muita loja chinesa, coreana e indiana. E restaurantes, claro. Aí abanquei, ao almoço, nos dois dias de Perth, em espaços diferentes para atestar o estômago e carregar baterias, alimentando gordurinhas que espero derreter na muita viagem pelo mundo que ainda falta cumprir.
_____________
Nota do editor:
Último poste da série > 23 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18243: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XIX: 29 de outubro de 2016, Melbourne, Austrália