sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18324: Notas de leitura (1041): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (22) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Outubro de 2017:

Queridos amigos,
O gerente Virgolino Teixeira merece as honras de ver a sua exposição classificada como "Absolutamente Confidencial" e dirigida ao presidente do conselho administrativo, em Lisboa com todo o destaque, com o máximo de pormenor. Doravante, nenhum estudioso deste período da história da Guiné pode passar à margem do que ele aqui escreve: denuncia a corrupção e imoralidade do governador e do seu círculo; denuncia a infamante exploração dos Balantas, que ele classifica como os indígenas mais laboriosos, denuncia os serviços públicos, num estado de bandalheira, classifica de completo embuste o que se diz sobre a pacificação dos Bijagós. E ainda temos mais pela frente, a denúncia é extensa, nenhum setor de atividade lhe escapa.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (22)

Beja Santos

Continua-se a dar espaço ao documento intitulado “Absolutamente Confidencial” que o gerente do BNU em Bissau enviou em 10 de Outubro de 1938 para o Presidente do Conselho Administrativo, em Lisboa. Nada, absolutamente nada, de toda a documentação consultada no Arquivo Histórico do BNU tem carga tão explosiva como este documento, não sei se existe um libelo acusatório tão devastador sobre a governação de Carvalho Viegas como este. O gerente não podia mentir nem manifestar ressentimentos seria o seu funeral profissional. E da leitura do vasto documento também se pode inferir que ele sabia da poda, dos nomes implicados, políticas, organização de serviços, como se vai ver adiante.

“Bissau progride. O senhor governador Viegas faz tudo o que pode, à socapa, para demorar a capital em Bolama visto Bissau ter altivez para não lhe prestar vassalagem às suas indignidades e porque a amante – telegrafista do Estado – quer estar em Bolama. Para despistar, mandam-se algumas repartições de Bolama para Bissau, mas sem se curar de haver ou não haver alojamento para o pessoal. Há chefes de serviços que vivem casas-pocilgas. O senhor governador vai a Lisboa, e manda que a amante o aguarde ao serviço em Bissau. Gastam-se seis contos numa moradia dentro da própria repartição dos correios e lá se instala a ‘dama’ que entra a impor a sua qualidade de ‘governadora’.
Bissau tem altivez e não aceita tais afrontas. A dama sente-se mal só com a subordinação total dos funcionários pequenos e de um ou dois chefes de serviço. Quer a subordinação geral. Não a tem e o senhor governador Viegas manda que seja transferida de novo para Bolama. Mas manda em cartas para diversos íntimos, pois o Encarregado de Governo é tão alta pessoa moral que ele nem se atreve a tocar-lhe em tal miséria. Manda então a amante pedir-me que seja eu porta-voz dos seus desejos junto do Encarregado de Governo. Finjo que não ouvi nada. Tudo é público, tudo é vergonhoso. Sob o aspeto moral, haveria mais. Nunca se acabaria. Mas o que está escrito chega”.

Segue-se um conjunto de observações sobre a economia guineense. É extremamente útil ouvi-lo.

“A riqueza da colónia provém da sua agricultura. Esta, por falta de braços, por negação do indígena e por falta de educação deste para efeitos de trabalho, não pode ser feita por particulares, sós ou constituídos em empresas. Como indústria ligada à agricultura, há apenas a de fabrico de aguardente de cana. Mas não é de cana, é de caju, é de açúcar importado, é de farelo de arroz, e de tudo o que fermente e destile, mesmo que os tubos de destilação matem o indígena. É pois a agricultura da colónia unicamente feita pelo indígena, a seu bel-prazer. E no capítulo do trabalho está na primeira linha o Balanta que é, na verdade, trabalhador incansável.
A economia da colónia depende em grande parte do labor do Balanta. Consequentemente, devia ser esta a raça mais acarinhada, mas ensinado não só nas lavouras atuais como na introdução de lavouras novas e processos mais racionais. Mas não. O Balanta apenas merece um carinho especial o de se lhe tirar, a bem ou a mal, todo o produto ou todo o dinheiro que tenha. O imposto de palhota é X. Mas o Balanta não paga por palhota. Paga por quantas divisões a palhota tiver. Alguns arroladores até querem considerar ‘quarto taxado’ o curral onde o porco dorme ou o quadrado do quintal onde semeia a mandioca. As autoridades venais têm no Balanta a sua fonte de receita… privada. Roubam-nos de todo o modo. Chega a parecer mentira como o Balanta, em certas zonas, ainda trabalha e ainda não fugiu! A região de Tombali era coisa sem valia ainda há anos. Chegou lá o Balanta que afastou mais o Nalu para o Norte. Das bolanhas tirou arroz por milhares de contos. As autoridades viram mina e os Balantas pagaram muito imposto. E veio a rede dos concessionários de terras. E algumas autoridades ligaram-se a eles, intimamente, secretamente. E tudo junto tem espoliado, tem roubado, a bem ou a mal, o pobre Balanta. Como lenitivo, mandam-lhe, o mais caro possível, a aguardente de tudo e até com cores, mesmo da destilada por tubos de chumbo. Sabe lá alguém, naquelas regiões, porque morreram os Balantas…! Que vale a vida dos Balantas nesta terra onde nada vale desde que tenha valor? É assim mesmo que se trata o maior valor económico da colónia, o pobre Balanta”.

E depois desta catilinária, chama à atenção para o setor exportador descurado:
“A colónia podia exportar contos e contos de cera e mel, riqueza permanente de laboração quase gratuita pois se limitaria à aquisição de colmeias racionais que acabariam por ser feitas na colónia, copiadas dos melhores modelos. Absolutamente nada se faz neste capítulo. A cera que se exporta, porque mel se não exporta, é colhido das colmeias naturais que as abelhas fazem nos buracos das árvores, mas na colheita ou se destrói o enxame ou o enxame e árvore, conjuntamente, porque o indígena, para mais comodidade, larga fogo à árvore para afugentar o enxame e para que a árvore caia ao chão, evitando-lhe portanto os perigos e massadas de ter que trepar”.


Inevitavelmente, o tema dos transportes vem à baila:

“O volume enorme dos transportes, na Guiné, é feito pelos rios e canais que a retalham. No entanto, o tráfego pelas estradas é importantíssimo, do interior para o porto de Bissau, a cidade mais comercial e, na verdade, a verdadeira capital da colónia. Centenas de automóveis e camiões afluem à passagem forçada, por ser a única, no canal do Impernal, que liga o continente à ilha de Bissau. Para tal passagem à apenas uma pré-histórica jangada que em dias de festa pode transportar dois automóveis – não sem perigo – ou uma camioneta pouco carregada.
Centenas de metros abaixo desta passagem há um princípio de construção de uma ponte metálica onde se gastaram milhares de contos que hoje estão perdidos por se ter abandonado a obra.
Mais centenas de metros acima, há um estreitamento de um canal cuja margem do lado de Bissau forma um banco de lodo com sete ou oito metros de fundo e cuja margem do lado do continente tem pouca lama e terra firme. Já está autorizada a verba para a construção da ponte, utilíssima para a vida económica da colónia. Somente as obras públicas da colónia são absolutamente incompetentes para fazer a ponte. E o tempo passa, as formalidades legais farão sumir a verba e a ponte ficará para as calendas gregas. E a economia da colónia continuará sofrendo.

Como despesa inútil que afoga, sem recuperação, umas centenas de contos, as célebres oficinas navais de Bolama ferem duramente a moralidade económica da colónia. Não fazem quase nada de bom. Estragam materiais em reparações que nada duram, se é que não destroem mais o que é reparado. É exemplo frisante o vergonhosos estado em que se encontram os vaporinhos do governo que já levam seis e sete horas a ir de Bolama a Bissau com perigo iminente para a vida de quem neles anda. E tudo isto porquê, porque o senhor governador Viegas se serve das oficinas navais para fazer guerra à indústria particular da Sociedade Industrial Ultramarina, sem se importar com honestidade na governação nem na economia da colónia.

E os observatórios oceanográficos e meteorológicos? Onde estão? O que fazem? Nada, mesmo nada. Apenas se sabe que há observadores a ganhar e despesas a correr. Mas se dos elementos desses serviços se quer saber a que horas é a maré alta ou baixa ou de que banda está o vento tem que se perguntar a um Manjaco o que há de marés e tem que se deitar um papel ao ar, para ver que rumo leva. E sobre o rebocador novo, que custou uns milhares de contos? Ainda está a fazer. Quando cá chegar, pouco ou nada se fará com ele mas há anos e anos que da economia da colónia saem contos para pagar ao seu comandante que leva os dias e os anos encostado às janelas da capitania, sem ter nada, mesmo nada, que fazer.
E uma oficina dos serviços de transportes terrestres que custa à economia da colónia 292 contos? O que ali se estafa em material! Carro que lá entra, ou fica pior ou morre de vez. Existem também para servirem de arma, na mão do senhor governador Viegas, contra a indústria particular. Mas, mais alto, bem mais alto do que tudo isto, estão as “granjas do Estado”.
Somam-se por milhares e milhares os contos que nelas se têm enterrado sem nenhuns, absolutamente nenhuns, resultados práticos. Dessa formidável sucção na economia da colónia não resulta a venda de um cento de laranjas. E como ensinamento aos indígenas, não me parece que possa sair mais que alguma data de pancada em algum que se atreva a ir lá ver como estão as couves… do pessoal das granjas. Se isto é mesmo assim, porque não se há de dizer tal qual como é.

Nas obras públicas então vai um pavor. O engenheiro chefe Afonso de Castilho faz medo, de tão incompetente inútil que é. Nas obras em curso, rouba-se a torto e a direito. Nos fornecimentos de material há ligações desonestíssimas, como a casa Ed. Guedes Lda.
Os empreiteiros roubam descaradamente. As obras cujo custo anda por uns 100 contos pagam-se por 400 ou 500. Um verdadeiro horror.
Da capitania dos portos, mais desperdícios de dinheiro. Os barcos das carreiras andam sujam em demasia. Pudera, contos e contos de tintas vão para a casa particular do capitão do porto a cujo serviço particular estão os remadores todos, que custam caro. É por isso que para um indígena ser admitido como remador precisa de saber cozinhar, saber engraxar, saber lavar roupa, saber encerar. Enfim, tem que saber alguma coisa desde que não seja remar…"


(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 9 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18304: Notas de leitura (1039): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (21) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 12 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18311: Notas de leitura (1040): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18323: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XVII: Visita, a Bissau, do presidente do Conselho de Ministros, prof Marcelo Caetano, em 14 e 15 de abril de 1969 (II)


Foto nº 10A


Foto nº 10B


Foto nº 10



Foto nº 11 A


Foto nº 11

Foto nº 12


Foto nº 12A


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto nº 14A


Foto nº 15


Foto nº 15A


Foto nº 16


Foto nº 16A



Foto nº  17A


Foto nº 17


Foto nº 18A


Foto nº  18


Foto nº 19 A


Foto nº 19

Foto nº 20A


Foto nº 20

Guiné > Bissau > 24 de abril de 1969 > Visita presidencial do Professor Marcelo Caetano a Bissau (II)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


V
Virgílio Teixeira, foto atual

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado. (*)

Anotações e Introdução ao tema > Fotos numeradas de 1 a 30 (Parte I, fotos de 10 a 20, renumeradas pelo editor, seguindo um critério cronológico, procurando mais ou menos reconstituir o trajeto do percurso, do aeroporto de Bissalanca até à Praça do Império).

 Marcelo Caetano viajou de avião da TAP,  num Boeing 727-100, tendo chegado a Bissalanca, a 14 de abril de 1969, no início de um périplo pelo ultramar português (Guiné, Angola e Moçambique), com regresso a 21. Em Bissalanca  era aguardado uma enorme multidão da população,  além das autoridades militares e civis. O Com-.chefe e o governador geral da província era então o general António Spínola,  já com um ano de Guiné.

Feita a recepção, a comitiva percorreu de automóvel o percurso entre o aeroporto e a cidade de Bissau, uns 10 quilómetros aproximadamente, sendo visível ao longo de todo o percurso nas bermas da estrada um grande número de guineenses,  apoiando com bandeiras e outros adornos e roncos o  "homem grande" de Lisboa.

Pelo que pude observar, a população recebeu bem Marcelo Caetano. Não estive em todo o lado porque não era possível, dadas as dificuldades de passar barreiras que eram enormes, mas ainda assim pude fotografar Marcelo Caetano no carro nas Avenidas de Bissau. (...)

 Em, 14-02-2018

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva de Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

[Continua]
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18322: Parabéns a você (1390): António Eduardo Carvalho, ex-Cap Mil Inf das CCAÇ 3 e CCAÇ 19 (Guiné, 1974) e José Maria Pinela, ex-1.º Cabo TRMS do BCAV 3846 (Guiné, 1971/73)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18305: Parabéns a você (1389): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Guiné, 1966/68)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18321: (Ex)citações (329): Da Restauração da Independência de 1640 à guerra na Guiné (1963/1974). Batalhas em campos e tempos desiguais (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 




Da Restauração da Independência de 1640 à guerra na Guiné (1963/1974)



Batalhas em campos e tempos desiguais


A imparcialidade do tempo, mesmo distante que porventura o seja, conduz o homem para visualizações, reais ou de memorandos históricos, onde se observam batalhas cuja dinâmica operacional do soldado português revela a sua nobre atitude no momento em que o combate sobrevenha.

Em 1 de dezembro de 1640 um grupo de aventureiros designado como “Os Quarenta Conjurados”, uma força que entretanto se espalhou pelo Reino de Portugal, deu aso ao fim da dinastia filipina que entretanto se havia instalado em solo lusitano e que ao longo de 60 anos se apoderou na Coroa portuguesa.

Não vou, por motivos evidentes, alargar-me sobre a minuciosa ação libertadora da Restauração da Independência de um Portugal amordaçado, mas relatar, em simultâneo, uma lenda da minha terra que se entrelaça com o dito acontecimento e os muitos camaradas meus conterrâneos que foram protagonistas de uma comissão militar nas três frentes de combate, mormente na Guiné, território onde a nossa efetiva presença se registou.

Explana a lenda que uma jovem da Aldeia da Fonte do Canto apaixonou-se por um rapaz da vizinha Cabeço de Vaqueiros, só que o presumível encanto amoroso desvaneceu-se quando o cavalheiro não aceitou a súplica da moça. Pelo meio da aventura existiram, conta a historieta, contornos rudes e desavenças entre as populações dos lugares. Acrescenta a ladainha que desse ímpeto amorável emergiu Aldeia Nova de São Bento, um lugar situado na província do Alentejo, arcebispado de Évora, comarca da cidade de Beja e termo da vila de Serpa.

O perfil final do enredo derrapa para brigas que opuseram portugueses e espanhóis. Cruzemos um pedaço da história. O Reino de Portugal encontrava-se sob o domínio da dinastia filipina e a guerra da Restauração de 1640 estava ao rubro, sendo o Alentejo palco de grandes batalhas. Aconteceu que a moça, antes enamorada pelo rapaz de Cabeço de Vaqueiros, casou com um soldado espanhol.

O assunto ferveu com a ralé e o jovem, estupefacto, apressou-se a chefiar um grupo de homens das duas aldeias a declararem luta aos estranhos. Finaliza a lenda que a bravura dos portugueses foi literalmente materializada, colocando em debandada as tropas de Espanha e as preces de vitória levaram o povo a afirmar que “São Bento tinha concedido um milagre”. Esclarecesse que São Bento é o Santo Padroeiro da freguesia sul alentejana. 

A realidade diz-nos que a luta armada na Guiné teve o seu início em janeiro de 1963, sendo que a guerrilha se desencadeou precisamente em Tite, região de Quínara, com sede de Circunscrição Administrativa em Fulacunda. Sob o comando ativo do PAIGC a peleja, sempre impiedosa, estendeu-se até 1974.

E se em 1640 os “Quarenta Conjurados” foram a testa-de-ferro que libertaram o país do reinado dos Filipes, a 25 de Abril de 1974 foi a classe militar dos Capitães que ordenaram a Revolução dos Cravos que determinou o fim da ditadura do Estado Novo que não olhava a meios para atingir os fins.

Simultaneamente, como foi percetível, o eco da vitória encantou os combatentes que além-mar viram chegar o termo da guerra nas antigas colónias, onde os soldados prestavam serviço militar obrigatório.

Lembrando a história, recorro a dados que dizem que a guerra na Guiné terá começado com de 10 mil efetivos, aproximadamente, e terminou com perto de 40 mil militares distribuídos pelos três ramos das forças armadas portuguesas: Exército, Força Aérea e Marinha.

Sou natural de Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa e distrito de Beja. Adoro, tal como sempre, o torrão sagrado que me viu nascer e para onde irei um dia repousar para a eternidade.

Sou, aliás, somos de uma geração em que assistimos a vários “tsunamis” que a humanidade encarregar-se-ia em nos presentear. Assistimos à partida de casas de famílias para Angola e Moçambique, designadamente, cujo objetivo principal passava pela procura de uma vida melhor.

Pessoas, algumas humildes, que lá partiam imbuídos no ávido espírito que os transportavam para o mundo dos sonhos. Aventureiros que abalavam à descoberta de novos mundos e de novas terras. Dobravam o famigerado “Cabo das Tormentas” e as impróprias necessidades que a sociedade de então lhes impunha.

Mas a guerra trouxe, mais tarde, eloquentes contratempos. Nós, militares, que cruzámos as linhas de fogo, conhecemos as agruras de uma guerrilha que nunca nos deu folgas.

Olho para os antigos combatentes da minha aldeia, uns, que já partiram para a tal viagem sem regresso, outros, que ainda por cá andam, felizmente, e revejo que cada um dos rostos ostenta uma imensidade de rugas onde se vislumbram resquícios de lembranças que jamais os farão esquecer os tempos difíceis passados nos lamaçais da guerra.

Batalhas em campos e tempos desiguais quando vistoriamos conteúdos horríveis que nos remetem para uma profícua realidade que outrora conhecemos. Na minha freguesia o contingente de jovens que entregaram o corpo às balas é visível, sendo agora gentes doridas pelas adversidades que a guerrilha escusadamente lhes causou.

Vou, sinteticamente, mencionar que pelas três frentes de guerra nas antigas províncias ultramarinas – Angola, Moçambique e Guiné – terão perdido a vida 35 militares do concelho de Serpa, sendo 10 os naturais de Aldeia Nova de São Bento.

Procurei, com fidelidade, na Junta de Freguesia os nomes dos combatentes locais sepultados no cemitério da localidade. Eis os nomes de cinco registos que constam no livro autárquico e que não refere a antiga província onde o óbito ocorreu: Bento Rebocho Silva, Luís Batista Gomes, José Luís Evaristo, Manuel Mateus Costa e Bento Valente Pica.

De entre os camaradas mortos, destaco Luís Batista Gomes, falecido em combate na Guiné, tendo ele já sido alvo de um texto meu no nosso blogue. O Luís foi, também, alvo de uma recente homenagem póstuma como consta numa lápide que se encontra na sua campa.

Suponho que em território guineense existem, ainda, outros nomes que por ora me falham, mas como procurei o que existe em concreto apoiei-me somente em dados fidedignos.

Como nota de roda pé fica a indesmentível certeza: acabaram-se os contingentes de seres humanos, carne para canhão, enviados para uma guerra infernal e com fins sempre imprevisíveis. Porém, esse desgaste físico e mental continua a passar ao lado de quê de direito tinha, e tem, obrigação em reconhecer a luta dos antigos combatentes nos confins da selva africana. 

Coabitemos, por enquanto, com a beleza da vida e outorguemos bênçãos por cá ainda permanecermos neste imenso cosmos terrestre!... 


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

13 DE FEVEREIRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18314: (Ex)citações (328): Regresso de Iemberém, viagem até Bissau, das 3h às 10h da manhã... O Pepito continua no coração de muita gente do Cantanhez... Estive em Guileje, no dia 7. É sempre com emoção que ali paro... Mando-vos cinco fotos em homenagem a todos aqueles de vós que ali muito sofreram (Anabela Pires)

Guiné 61/74 - P18320: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XVI: Visita, a Bissau, do presidente do Conselho de Ministros, prof Marcelo Caetano, em 14 e 15 de abril de 1969 (I)



Foto nº 1 A


Foto º 1


Foto nº 2 A


Foto nº 2


Foto nº 3A


Foto nº 3


Foto nº 4A


Foto n º 4


Foto nº 5A


Foto nº 5



Foto nº 6 A


Foto nº 6



 Foto nº 7




Foto nº 8A


Foto nº 8


Foto nº 9


 Foto nº 9A


Guiné > Bissau > 14 de abril de  1969 >  Visita presidencial do Professor Marcelo Caetano a Bissau (I)

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Virgílio Teixeira, foto atual

1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado. (*)

Anotações e Introdução ao tema > Fotos numeradas de  1 a 30 (Parte I,  fotos de 1 a 9, renumeradas pelo editor, seguindo um critério cronológico).

Este conjunto de fotos numeradas aleatoriamente, sem critérios de qualquer ordem dos acontecimentos,  refere-se à visita de Estado do Presidente do Conselho de Ministros, Professor Dr. Marcelo Caetano, realizada à Guiné, em Bissau,  no dia 14 de abril de 1969,  no início de um périplo pelo Ultramar, que terminará a 21 de abril.

Marcelo Caetano viajou de avião da TAP, tendo chegado a Bissalanca, onde se encontrava uma enorme multidão da população, Forças Armadas de todos os ramos, Policia - Militar e Civil – todas as entidades Civis e Oficiais e Militares da época, entre eles o António Spínola, governador-geral e com-chefe.

Feita a recepção, a comitiva percorreu de automóvel o percurso entre o aeroporto e a cidade de Bissau, uns 10 quilómetros aproximadamente, sendo visível ao longo de todo o percurso nas bermas da estrada um grande número de pessoas guineenses apoiando com bandeiras e outros adornos e roncos o Presidente Caetano, com grandes manifestações de carinho.

A população recebeu bem o nosso Presidente Caetano, demonstrado por vídeos e pelas fotos de arquivo oficiais, bem como pelas minhas fotos pessoais,  de minha autoria. Não estive em todo o lado porque não era possível, dadas as dificuldades de passar barreiras que eram enormes, mas ainda assim pude fotografar Marcelo Caetano no carro nas Avenidas de Bissau.

Cada uma vale o que vale, são histórias e acontecimentos que farão em 14 de abril de 2019, 50 anos. Pude acompanhar a comitiva graças ao uso da minha motorizada, por is as fotos cobrem o espaço desde o aeroporto até às principais passagens pela cidade. Esta reportagem só foi possível porque nessa data o fotógrafo estava lá de passagem.

As viaturas civis em que se deslocavam os membros do Governo, Marcelo Caetano, Ministro do Ultramar, Governador-geral e outras entidades, julgam que terão chegado de Portugal, pois nunca mais foram vistas, nem antes, nem depois. Em 2 de fevereiro de 1968,  a Guiné recebera a  visita do Presidente da República Almirante Américo Tomás, que viajou no paquete Funchal.

À consideração dos visualizadores, podem fazer as críticas que entenderem, pois sei que se trata de matéria sensível, que pode não agradar a todos, mas é a nossa história, e a história daqueles militares que prestaram as honras militares ao Chefe do Governo legítimo de Portugal.

Em, 14-02-2018

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva de Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

[Continua]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de fevereiro de  2018 > Guiné 61/74 - P18310: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XV: Parte pesos, nosso alfero...

Guiné 61/74 - P18319: Recortes de imprensa (91): "Diário de Coimbra, 9/2/2018, p. 11 > Opinião > Sílvia Torres > Guerra: um passado presente




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Recorte enviado pela nossa amiga, grã-tabanqueira nº 736,  Sílvia Torres (*). Reproduzido com a devida vénia. Fonte: Diário de Coimbra, 9 de fevereiro de 2018, p. 11 (**)

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(...) aqui vai uma pequena nota biográfica: 

(i) Sílvia Torres nasceu em Mogofores, Anadia, em 1982;

(ii) licenciada em Jornalismo e Comunicação e mestre em Jornalismo;

(iii) começou por ser jornalista do Diário de Coimbra;

(iv) entre 2007 e 2014, como oficial da Força Aérea Portuguesa, trabalhou na Rádio Lajes (Terceira – Açores) e no Centro de Recrutamento da Força Aérea (Lisboa), cumprindo ainda uma missão de
cooperação técnico-militar em Timor-Leste;

(v) atualmente é doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade NOVA de Lisboa e bolseira de investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT);

(vii) a sua pesquisa centra-se na cobertura jornalística da Guerra Colonial feita pela imprensa portuguesa de Angola, da Guiné Portuguesa e de Moçambique, entre 1961 e 1974;

(viii) o facto de ser filha de um ex-combatente justifica o interesse pessoal e académico pelo conflito.


(**) Último poste da série > 4 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17931: Recortes de imprensa (90): A Guiné na revista Panorama (1946, 1954) (Mário Beja Santos)