quarta-feira, 25 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18563: Efemérides (277): Homenagem a minha mãe, Georgina Araújo (1928-2015) e ao 25 de Abril (Jorge Araújo)



Loures > Encontro em 17 de Outubro de 2009: eu e minha mãe, Georgina Araújo (1928-2015)





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974).



MEMÓRIAS DO BAÚ DE MINHA MÃE  (1928-04-12/2015-12-27): EM SUA HOMENAGEM E DELA AO “25 DE ABRIL” 


1. INTRODUÇÃO

Foto de minha mãe, com 20 anos
Minha mãe faleceu nos últimos dias do ano de 2015. No passado dia 12 de Abril teria feito noventa anos, uma idade que gostaria de atingir em vida, já que tinha planos para esse dia,  12 de Abril de 2018. Mas não foi possível.

Em 2002, sete anos após ter ficado viúva, minha mãe encontrou uma nova companhia – a poesia – declamando os seus trabalhos em reuniões de família, convívios e outros eventos de carácter público, de que é exemplo a sua participação no projecto «Encontro de Poesia», iniciativa da Câmara Municipal de Loures, este inserido num programa mais vasto de outras actividades a que deram o nome de «Viver Outubro – Mês do Idoso».

A sua primeira participação aconteceu em 2002, com setenta e quatro anos de idade, mantendo-se ligada ao projecto durante catorze edições (2002-2015), ou seja, até aos últimos dias da sua vida.

No ano de 2014, a propósito da comemoração dos quarenta anos do «25 de Abril de 1974», escreveu um poema em homenagem a essa efeméride, onde estava implícita, também, a figura do seu filho e de todos os outros militares que combateram em África.

Nessa ocasião fez-me um pedido que só agora irá ser cumprido.

E qual foi? Uma vez que fazia questão de acompanhar a publicação das memórias dos ex-combatentes postadas no blogue, em particular as minhas, como seria normal, depois de concluído e publicado o poema de “Abril”, perguntou-me: “Jorge, filho, achas que os teus camaradas do blogue aceitariam publicar este poema, pois também a eles é dedicado? Vê lá…”

De facto, não vi. Decorridos quatro anos, e por me ter recordado desse episódio de então, aqui estou eu para lhe fazer a vontade, independentemente de ela já não puder confirmar esse seu desejo.

Descansa em paz… MÃE.


2. Homenagem ao ‘25 de Abril’


por Georgina Araújo


Graças ao ‘25 de Abril’,
Eu vi cravos a florir
Nos canos das espingardas
Desses valentes soldados,
Com o povo de braços dados
Honravam as suas fardas. 



Com elas eu vi nascer
A esperança de viver
Em plena liberdade,
Mas quarenta anos passados
Todos os lados estão minados
De traição e de maldade.

Estou prestes a chegar ao fim
E não queria para mim
Esta situação traiçoeira,
Nem para mim nem para os demais
Que lutaram por ideais
Em defesa da nossa bandeira.

Vamos à luta, meu povo,
Não deixem voltar de novo 
Para trás a nossa democracia,
Sem ela tudo acabava,
O cravo logo murchava
E a liberdade já não existia.

Georgina Araújo
Abril/2014

OBRIGADO!
Com um forte abraço de amizade
Jorge Araújo.
25ABR2018



Loures > Encontro em 17 de Outubro de 2009: a poetisa Georgina Araújo (1028-2015)


Fotos (e legendas): © Jorge Araújo (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18561: Efemérides (276): No dia 24 de Abril completaram-se 48 anos após o embarque do BCAÇ 2912, no Cais de Alcântara, com destino à Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

Guiné 61/74 - P18562: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande (7): Descansar armas e arrebatar momentos de lazer (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande a 5 de maio, sábado, em Monte Real 

Descansar armas e arrebatar momentos de lazer 

As cáusticas sombras do tempo, embora por vezes enganadoras, não perdoam. Estamos na representação cadente de uma alvorada que ainda nos contempla pela presença na vida. Olhamos para o passado e damos por nós numa indelével jornada por terras da Guiné. Mas, tudo foi ontem. Hoje, o tempo que sobra é para recordar e conviver com antigos camaradas. 

Sentimos, obviamente, que a distância do tempo não atraiçoa. Não a contestamos. Aceitamo-la. Ponto final. Porém, guardamos eternas memórias que a perplexidade de instantes inesquecíveis nos fazem, por enquanto, viver e examinar conteúdos que cada um de nós guardará religiosamente na abençoada “mala de cartão”, um instrumento de viagem que utilizámos e teimamos em transportá-la eternamente às costas mas com muita honradez. 

Neste toque a reunir, sabemos que muitos já ficaram, infelizmente, pelo caminho. Camaradas que precocemente partiram para a tal viagem sem regresso. Ainda assim, fica a sua notável imagem e o muito que contribuíram para os nossos inolvidáveis encontros que anualmente persistem. 

O XIII Encontro da Tabanca Grande, a realizar a 5 de maio de 2018, sábado, em Monte Real, aproxima-se. O apelo que se segue vai para o modesto descansar armas e arrebatar momentos de lazer. Cerremos fileiras e embarquemos numa náutica prospeção pela orla de uma qualquer bolanha, ou rio, e encontrar-nos-emos no Palace Hotel à sombra do majestoso “Poilão”. 

Repousemos, metaforicamente, os camuflados e viajemos por entre picadas onde as minas foram atempadamente levantadas e o capim envolvente desbastado, sendo a nossa viagem vincada pela certeza de que nenhum malévolo IN travará a ânsia de uma boa chegada e de uma ótima partida. 

Aliás, não é absurdo nenhum o sofisma deste pressuposto “extraterrestre” - qual ilusionista da saudade! - lançar aos antigos camaradas em solo guineense esta inegável dica a qual proporciona uma peleja amigável agora estritamente subjacente a um território neutro. 

Ali, na biosfera de um mundo pequeno, mas sendo a nossa Tabanca Grande, dissecar-se-ão reencontros de gentes que substancialmente aceleram a pedalada de uma existência que já vai longa, mas por enquanto ainda fértil, visando mirar um camarada para o desafiar de mais dois dedos de conversa. 

No pomposo aquartelamento, agora isento de proteção avançada, mas circundado pelo universo de curiosidades díspares, concentrar-se-ão “mancebos” dos três ramos das forças armadas – Exército, Força Aérea e Marinha – onde o manusear das armas e os seus colaterais efeitos guerreiros coincidem com as muitas especialidades conhecidas em pleno palco de campanha. 

Não importa saber a especialidade que te coube em sorte, o cargo que desempenhaste, se tiveste, ou não, divisas ou galões, ou estrelas, enfim, sabe-se sim que foste literalmente um combatente, um camarada que conheceu os clamores da guerra, que vivestes ápices de extrema dificuldade e que continuas a sonhar com os tumultos que a atroz guerrilha ousou brindar-nos. 

Vamos, com ênfase, enaltecer mais um convívio, explicitando basicamente que no próximo dia 5 de maio de 2018, sábado, Monte Real será o azimute traçado por uma rapaziada vinda do mais equidistante lugar deste território luso e dizendo expressamente PRESENTE, não obstante qualquer maleita que porventura apoquente os nossos já enrugados corpos. 

Luís Graça, que a tua enorme vontade nesta reunião anual de camaradas da Guiné, seja simplesmente um impulso para uma continuidade que certamente perdurará desde que as nossas forças, e naturalmente disponibilidade, assim o permitirem. Força, amigo! 


Um abraço, camaradas 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados. 
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

Guiné 61/74 - P18561: Efemérides (276): No dia 24 de Abril completaram-se 48 anos após o embarque do BCAÇ 2912, no Cais de Alcântara, com destino à Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

Navio T/T Carvalho Araújo


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 24 de Abril de 2018:

Camarigos,
Esta fotografia faz hoje (24.Abril.2018) precisamente 48 anos. Nela, vemos militares do BCaç 2912 que estavam no Cais Marítimo de Alcântara a aguardar a hora de embarque.

Chegámos pelas 06H30 ao cais. Aí tomámos o pequeno-almoço junto ao navio. Depois das cerimónias de despedida subimos o portaló da embarcação. O almoço foi servido a bordo.

António Tavares



 Cozinha de campanha

Embarque do BCAÇ 2912 - Lisboa, 24 de Abril de 1970

O CARVALHO ARAUJO zarpou às 12H00, certas, de Lisboa, rumo ao cais de Pindjiguitti. Para trás ficavam os acenos e gritos lancinantes dos familiares dos militares que se deslocaram ao cais. Algumas famílias viram partir os seus queridos familiares e nunca mais os viram vivos ou mortos. Eu parti só, naturalmente com o pensamento na minha família. Do convés do navio via a Tapada da Ajuda, onde viviam alguns meus familiares. Retenho a imagem de uma cabina telefónica no cais. Interroguei-me se telefonava ou não, a despedir-me. Não telefonei e de bordo enviei um telegrama com os dizeres tipo “chapa” em que somente mudava o nome do militar emitente da comunicação transmitida.

No dia 26 de Abril avistámos à nossa ré o navio VERA CRUZ. Enquanto os dois navios navegavam lado a lado as tropas saudaram-se mutuamente assim como os navios com os apitos da praxe. O Vera Cruz depressa nos ultrapassou devido à maior potência dos seus motores e velocidade de cruzeiro. Os Teatros de Operações do CTIGuiné e de Moçambique aguardavam os três batalhões e os militares individuais que seguiam nos dois barcos.

O Carvalho Araújo fica para trás do Vera Cruz (ao longe)

Após horas e horas de navegação e em alto mar tivemos a companhia de peixes voadores, alguns dos quais morreram na coberta do navio. À ré do CARVALHO ARAÚJO os golfinhos saudavam os militares e estes presenteavam os golfinhos com restos de comida. A cor azul e por vezes esverdeada das águas do mar e do céu fizeram-nos companhia durante muitas milhas náuticas. Experiências e vivências inesquecíveis para cada um dos militares.

Quando entrámos e navegávamos nas águas territoriais do TO do CTIGuiné tivemos a escolta da Lancha de Fiscalização Grande NRP 361, de nome “Lira”. No início da noite de 30 de Abril o navio T/T Carvalho Araújo terminava mais uma das muitas viagens de Lisboa - Guiné - Lisboa.

A Lancha Lira a navegar em águas territoriais do CTIGuiné

Um constante vaivém de navios entre estas duas cidades desde 1963 a 1974. Os militares transportados no CARVALHO ARAÚJO desembarcaram no cais de Pindjiguitti na manhã do dia 01 de Maio de 1970. A terra vermelha, e de clima tropical, caracteristicamente quente e húmido, recebia mais um contingente de tropas. Os guinéus cantavam e dançavam, dizendo: “periquito” vai no mato...

Em Portugal, o Dia da Liberdade viria após quatro anos transcorridos.

Cumprimentos,
António Tavares
Foz do Douro, Terça-feira 24 de Abril de 2018
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18558: Efemérides (275): O 25 de Abril de 1974... visto de Bissau, através de aerogramas enviados por Jorge Gameiro ( REP / ACAP / QG / CC) à sua esposa Ana Paula Gameiro e ao seu filhinho Nuno Gameiro... Documentação comprada no OLX, há 5 ou 6 anos (Carlos Mota Ribeiro, Maia) - Parte II

Guiné 61/74 - P18560: Antropologia (26): “Produtos, Técnicas e Saberes da Tradição Bijagó”, por Fanceni Baldé, Cleunismar Silva e Mary Fidélis, editado por Tiniguena, 2012 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Trata-se de um estudo do complexo Urok, do arquipélago dos Bijagós, estudo esse que pretende identificar os modos de gestão sustentável de uma parte da sociedade Bijagó como procede à transmissão de conhecimentos, como se relaciona com o ambiente envolvente, os seus deuses, os seus lazeres, o seu prodigioso artesanato, a sua gastronomia, a vida comunitária, o casamento. A sociedade Bijagó não está impermeável à mutação, gradualmente procura libertar-se das leis da natureza ou dos constrangimentos sociais.
É um trabalho que procura identificar os traços destes saberes e da inteligência dos Bijagós nas formas de gerir os seus espaços e de apelar à conservação dos seus recursos. Uma leitura saborosa para desvendar a sabedoria, a cultura e a inteligência de um povo que está a ficar abalado por algumas leis da sociedade de consumo e também por isso necessitada a refletir o que pode dar às gerações futuras.

Um abraço do
Mário


Os Bijagós e a sua cultura admirável

Beja Santos

A Tiniguena, uma organização não-governamental guineense que intervém nas ilhas Urok (Bijagós), nas regiões de Quínara e Bolama (também nos Bijagós) e nas florestas de Cantanhez (Tombali), e procura promover um desenvolvimento participativo e duradouro, de colaboração com o CIDAC, editou em 2012 uma obra muito afetiva, uma exaltação da cultura Bijagó em toda a sua amplitude: “Produtos, Técnicas e Saberes da Tradição Bijagó”, por Fanceni Baldé, Cleunismar Silva e Mary Fidélis.

Estes autores não escondem o seu deslumbramento no texto de abertura:
“A dependência da sociedade Bijagó em relação à natureza é de tal modo vital que levou a um nível de conhecimento e um grau de intimidade extremos. Como sobreviver numa ilha longe do mundo, se não se conhecesse todas as espécies plantas e tudo o que elas podem oferecer, se não se conhece os hábitos da fauna selvagem ou o comportamento dos peixes, se não se é familiar com as forças da natureza tais como as marés, as correntes, o vento ou a chuva? Como sobreviver se não se sabe fabricar os instrumentos para explorar, transportar, transformar ou consumir esses recursos? O conhecimento das leis que regem a natureza obriga, para além do mais, a respeitar esses ritmos, a não tomar mais do que aquilo que ela pode oferecer: esgotar os recursos significaria tão simplesmente esgotar-se a si próprio”.

Os Bijagós são um arquipélago atrativo para o turismo, correm lendas sobre o matriarcado, o sentido de autossuficiência do povo e a sua arte escultórica tem uma tal dimensão genial que os grandes museus procuram essas peças que falam de deuses, que são usadas nas danças, que fazem parte do culto doméstico e da sua comunicação com a fauna, os elementos da natureza, os tubarões que por ali cirandam. É uma cultura tão poderosa quanto é facilmente visível a identidade cultural Bijagó. Os autores apresentam o arquipélago, e do geral vão ao particular, às ilhas Urok, onde habitam pouco mais de 3 mil pessoas em Formosa, Nago e Chediã, uma população jovem que se entrega à agricultura, à exploração de produtos silvícolas e à pesca. O governo da Guiné-Bissau reconheceu o complexo Urok em 2005 como uma Área Marítima Protegida.

Na Formosa, vamos saber como vivem e habitam os Bijagós, perceber o seu artesanato sagrado (do oculto e cerimonial), utilitário e comercial, descrevem-se as peças artesanais como os acentos em arco, os transportadores tradicionais de objetos, as saias confecionadas à mão com base em fibras de vegetais, as máscaras que são usadas sobretudo para as danças tradicionais, os escudos tradicionais. Releva-se também o papel do artesanato utilitário como o canapé, o cesto e os chapéus tradicionais, as travessas usadas para as refeições, e as respetivas matérias-primas.


As danças Bijagós têm um destaque especial a partir do conhecimento das fases iniciáticas. A dança tem um papel dominante, está presente em praticamente todas as cerimónias. Como escrevem os autores:  

“A característica principal e comum em todas as danças praticadas no arquipélago é a relação com os aspetos da natureza, em especial representação dos animais. As danças, em todos os momentos reproduzem a forma de ser e de estar dos animais no seu meio natural. Através da natureza busca-se o conhecimento sobre as características e história do animal que se pretende representar. A escolha de animais ferozes, que possuem força, é o símbolo principal, pois para os Bijagós o valor do homem reside na sua coragem e força para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia”.
E daí o estudo sobre as danças masculinas e as danças femininas, profundamente distintas, e os trajes que lhes estão associados.

Uma palavra sobre a gastronomia tradicional, onde primam o arroz, o óleo de palma, a mancarra, o feijão e os produtos de mar. Na cozinha Bijagó utilizam-se as folhas de bananeira para a cosedura do arroz, mexe-se a comida com uma colher de pau, há uma concha feita com o fruto da cabaça para servir os caldos e os molhos, um vasilhame para armazenar o vinho de palma, um pote em barro para conversar a água é também se usa uma técnica de transporte de peixe feita com folhas de palmeira.


Falando do casamento, observa-se que os Bijagós da Formosa não costumam formalizar a união entre o homem e a mulher, é uma união de facto em que não existem muitas obrigações sociais entre o homem e a mulher, sendo possível a troca de parceiros. É a mulher que escolhe o homem com quem pretende estabelecer a união, cabendo à mãe a confeção de um prato à base de farinha de arroz transportado por um grupo de mulheres grandes à casa do pretendido noivo. Durante a fase de noivado, o noivo deve levar ofertas constantes à família da noiva, geralmente sob a forma de produtos que retira do mato e do mar. O trabalho desenvolvido pela Tiniguena pormenoriza os produtos associados à gastronomia, os produtos florestais, os produtos de mar.

Em jeito de conclusão, escreve-se:  
“O domínio sobre as técnicas e os saberes associados a cada um dos produtos presentes na tradição Bijagó revela décadas de aperfeiçoamento. O conhecimento e respeito dos diferentes ciclos de regeneração das espécies na natureza tem permitido ao Bijagó da Formosa explorar e tirar proveito da rica biodiversidade do arquipélago. A gestão consciente e responsável dos recursos naturais é uma estratégia crucial para assegurar a continuidade do modo de vida Bijagó. Passados alguns anos desde a atribuição do estatuto de Área Marinha Protegida, permanece o desafio da adequação entre os avanços inevitáveis da modernidade e da globalização e a conservação dos valores e princípios intrínsecos ao saber tradicional Bijagó”.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16777: Antropologia (25): Um sonô, o mais valioso tesouro artístico da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52)

Guiné 61/74 - P18559: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (55): 25 de Abril: somos ingratos?


1. Mensagem do António Rosinha:


Data: 25 de abril de 2018 às 10:36
Assunto: 25 de Abril, Somos ingratos?


[ António Rosinha, foto à  direita, 2007, Pombal, II Encontro Nacional da Tabanca Grande]

(i) beirão, tem 110 referência no nosso blogue;

(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua ativo, com maior ou menor regularidade, a participar no nosso blogue, como como autor e comentador;

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, sendo fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário' (sic);

(vi) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;

(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';

(ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos cornos';

(x) ao Antº Rosinha poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo". ]


2. Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (55) > 25 de Abril: somos ingratos ?


Os guineenses  entusiastas do PAIGC, doutrinavam os jovens da JAC, Juventude Amílcar Cabral, que o nosso, (do tuga) 25 de Abril se devia aos Combatentes da Liberdade da Pátria, o PAIGC.

Daí a minha surpresa de boca aberta, que tive dificuldade em a fechar, quando um colega meu guineense, topógrafo, que tinha vindo de Kiev com o seu curso, me atira à cara:

"Vocês os portugueses fazem uma festa tão grande com o 25 de Abril, e não têm vergonha de nem nos agradecerem aos guineenses, pois que fomos nós os responsáveis por essa vossa revolução."

Isto  nos anos 80, em que a história ainda estava muito a quente, fiquei sem reacção, e ainda hoje não tenho qualquer reacção muito lógica a uma tal questão posta por um balanta, topógrafo formado em Kiev.

Com toda a sinceridade e sem cinismo e sem nacionalismos, aprendi muitas coisas com os filósofos africanos, guineenses e angolanos, com quem nós, portugueses,  convivemos 500 anos.

E continuamos a conviver com imensos africanos, nós e toda a Europa.

Também os africanos tiveram muita influência na vida de Portugal durante mais de metade da nossa existência como Portugal.

Dá que pensar, naquilo que fazem de nós, aqueles com quem nos metemos. Isto para o bem e para o mal.

Quando se fala que foi a "luta" dos trabalhadores e progressistas...etc., (o nosso discurso oficial, anual), que fez o 25 de Abril, temos de facto que distribuir a responsabilidade por todos, do «Minho a Timor».

Porque, penso eu, a luta deve continuar e não parar no tempo.

Uma reacção minha a isto tudo, é que se o 25 de Abril se tem dado em 1961, não tinhamos feito a Guerra do Ultramar (13 anos), e não tínhamos 5 PALOP.
Isto eu não disse ao meu amigo topógrafo, e não sei se lhe dissesse tal coisa, se ele me agradeceria de todo o coração, ou se não acreditava nessa tão grande responsabilidade do português.

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18536: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (54): no tempo em que havia uma irmandade 'intercolonial' e um cabo-verdiano, um são-tomense ou um goês se sentia em casa num país como Angola

Guiné 61/74 - P18558: Efemérides (275): O 25 de Abril de 1974... visto de Bissau, através de aerogramas enviados por Jorge Gameiro ( REP / ACAP / QG / CC) à sua esposa Ana Paula Gameiro e ao seu filhinho Nuno Gameiro... Documentação comprada no OLX, há 5 ou 6 anos (Carlos Mota Ribeiro, Maia) - Parte II

Carlos Mota Ribeiro... Foto da
sua página no Facebook.
1. Continuação da publicação dos aerogramas de Jorge Gameiro [ REP / ACP / QG /CC, Bissau, 1974],  relativos aos acontecimentos pós-25 de abril... Cópias desses aerogramas foram-nos enviadas pelo leitor (e futuro membro da Tabanca Grande, Carlos Mota Ribeiro, engenheiro, residente na Maia, filho do nosso querido amigo, camarada e coeditor Eduardo Magalhães Ribeiro; estes documentos foram comprados por ele há 5 ou 6 anos no OLX.

Os aerogramas (o primeiro datado de Bissau, 30/4/1974) (*) eram dirigidos à esposa do Jorge Gameiro, Ana Paula Gameiro. O casal tinha um filho de tenra idade, Nuno Gameiro, cujo paradeiro o Carlos Mota Ribeiro gostaria de poder descobrir para lhe poder oferecer esta correspondência que ele provavelmenmte nunca terá lido. Como nos ex0licou o Carlos Mota Ribeiro:

(...) Em relação aos aerogramas comprei-os a alguém no OLX, já foi há uns 5 ou 6 anos e não me recordo do nome da pessoa que mos vendeu, lembro-me que os comprei por terem o sentido histórico do 25 de Abril de 74 e os achei muito interessantes.

Como tenho um colega britânico que se interessa pela Revolução dos Cravos, enviei-lhe as fotos dos aerogramas com a tradução em inglês para ele dar uma leitura e compreender o sentimento que alguns jovens tinham naquela época e naqueles dias conturbados.

Quando estava a transcrever o mencionado no aerograma, fiquei a pensar no Nuninho (Nuno Gameiro) do aerograma e do carinho daquele pai pelo filho. Por isso entrei em contacto contigo para tentar encontrar o tal Nuninho e lhe fazer chegar a meia dúzia de aerogramas que tenho, enviados pelo seu pai, da Guiné Portuguesa para a Metrópole.

É claro que apenas lhos vou oferecer, se o Nuno Gameiro quiser esta recordação dos pais, pode nem querer saber deste assunto ou não dar qualquer valor sentimental aos aerogramas, mas como para mim este tipo de itens tem muito valor e são documentos que considero históricos, guardo-os religiosamente na minha coleção particular sobre o Ultramar Português. [...]




Primeira parte do aerograma datado de Bissau, 6 de maio de 1974

2. O segundo aerograma, datada de Bissau, 6 de maio de 1974, é a seguir reproduzido:

Bissau 06.05.74

Minha Paula, meu amor:

Ontem também não tive cartinha tua, estou morto por receber notícias tuas depois do dia 25 [de Abril], agora com este atraso até tenho medo que te tivesse acontecido alguma coisa,  ao seres por exemplo apanhada de imprevisto nalguma manifestação.

Não me sai da cabeça o que os Pides fizeram para culminarem a sua tão nojenta e porca atuação,  disparando uma rajada de metralhadora de uma janela da sua antiga sede [na] Rua António Maria Cardoso, rajada essa que foi ferir mortalmente 4 jovens e um trabalhador que ali se encontravam. Além disso ainda deixaram feridas 40 e tal pessoas.

Mas não,  também penso que,  se não tenho recebido cartinha tua,  é com certeza devido ao atraso dos correios normal que inicialmente [...] assim como os aviões chegaram a estar paralisados, mas amanhã talvez tenha mais sorte. 

Hoje pela primeira vez me chegaram às mãos jornais e um Século Ilustrado com imagens coloridas do que foi o primeiro 1.º de Maio Português e, palavra, ultrapassou toda a ideia que eu tinha. Já ouvi também ontem pela primeira vez o hino à libertação portuguesa do 25 de Abril,  “Agora o Povo unido jamais será vencido”. 

Acabei também agora de ouvir algumas declarações de Manuel Alegre para a Voz da Liberdade,  aliás BBC. Pois a Voz da Liberdade,  agora com o retorno de Manuel Alegre,  terminará os seus trabalhos já que agora os meios de informação e comunicação são totalmente livres,  deixa de ser necessária a presença de uma rádio clandestina. 

Li também uma notícia onde se adivinhava um congelamento das rendas de casa até se definir e resolver finalmente o problema da habitação, e é bom que essa exploração termine bem depressa pois assim, e assim será mais um grande beneficio, um enorme bem para o nosso inicio de vida. Não é,  amor querido? 

Quanto ao problema do ultramar continua a não ser bem definido,  ouvi a conferência de imprensa dada pelo General Gomes da Costa,  esperemos pois pela Assembleia Constituinte que será eleita até meados deste mês, vamos lá a ver, as opiniões divergem e deixam uma pessoa,  que está aqui,  totalmente confusa. Esperemos mais algum tempo.  pelo menos o cessar-fogo imediato já era um grande passo em frente, assim terminaria a morte estúpida e sem justa causa dos homens que...

(Continua)

Fotos (e legendas): © Carlos Mota Ribeiro (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

[Revisão e fixação de texto: Carlos Mota Ribeiro / Luís Graça]

Translation to English:

Bissau 06.05.74
My Paula, my love:
Yesterday also I did not have your letter, I am dead to receive news of you after the 25th, now with this delay until I am afraid that something happened to you, for example, caught unexpectedly in some manifestation, I do not go out of my head what the PIDEs did to culminate his disgusting and sordid performance by firing a blast of machine-gun from a window of his former headquarters Rua António Maria Cardoso, a blast that was mortally wounded 4 young people and a worker who were there besides left 40 injuries and such people , but I also do not think that if I have not received your letter is certainly due to the delay of the normal post office that initially as the planes came to be paralyzed, but tomorrow may have more luck. Today, for the first time, newspapers have come to my hands and a century illustrated with colorful images of what was the first of May. Portuguese and word surpassed the whole idea that I had, I also heard yesterday for the first time the anthem to the Portuguese liberation of the April 25 "The united People will never be defeated." I also just now heard some statements from Manuel Alegre for the voice of freedom alias BBC. For the voice of freedom now with the return of Manuel Alegre will finish his work since now the means of information and communication are totally free is no longer necessary the presence of a clandestine radio. I also read a story where one could guess a freeze on household incomes until finally defining and finally solving the problem of housing, and it is good that this exploration ends very soon, as it will be a great benefit, a great good for our beginning of life. Is not that sweetheart? As for the problem of overseas continues to be not well defined I heard the press conference given by General Gomes da Costa hopefully then by the Constituent Assembly that will be elected until the middle of this month, let's see, opinions diverge and leave a person who is here totally confused, let's wait some more time at least the immediate cease-fire was already a big step forward, so would end the stupid death and without just cause of the men who...

[To be continued]

[Translation by Carlos Mota Ribeiro]
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Nota do editor:

(*) Últiimo poste da série > 24 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18557: Efemérides (274): O 25 de Abril de 1974... visto de Bissau, através de aerogramas enviados por Jorge Gameiro ( REP / ACAP / QG / CC) à sua esposa Ana Paula Gameiro e ao seu filhinho Nuno Gameiro... Documentação comprada no OLX, há 5 ou 6 anos (Carlos Mota Ribeiro, Maia) - Parte I

terça-feira, 24 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18557: Efemérides (274): O 25 de Abril de 1974... visto de Bissau, através de aerogramas enviados por Jorge Gameiro (REP / ACAP / QG / CC) à sua esposa Ana Paula Gameiro e ao seu filhinho Nuno Gameiro... Documentação comprada no OLX, há 5 ou 6 anos (Carlos Mota Ribeiro, Maia) - Parte I






Bissau, 30/4/1974

Minha Paula, meu amor: 

Perdoa-me não te ter escrito ultimamente, mas isto tem andado numa tensão fora de série. Eu ando parvo, quase me custa a acreditar em tudo o que vejo e ouço, ontem pensámos que era o fim com a extinção da D.G.S. [Direção-Geral de Segurança]. Os africanos revoltaram-se, então partiram e despedaçaram tudo, agora já acalmaram, pois todos os detidos foram postos em liberdade. 

E agora não te preocupes, amor, que o problema era só com a D.G.S., queriam devorá-los. Agora, a nós resta-nos aguardar, todos ficamos com uma esperança, por aquilo que está feito até aqui. Uma viva ao gen Spínola e ao nosso Movimento [MFA - Movimento das Forças Armadas],  impõe-se o homem que pode agora realmente mostrar o que era, e que o que realmente fez aqui, foi poderosamente atrofiado pelo Governo então existente.

Daqui para a frente tudo será diferente, verás, amor, pela primeira vez depois de 40 anos se ouve falar em liberdade, a qual sentimos bem dentro de nós, e nos é flagrante [sic]. 

Sindicatos, imprensa, eleições totalmente livres, desaparecimento da inflação, do aumento de custo de vida, será já dentro muito em breve que teremos finalmente bairros modernos com muitas zonas verdes nos arredores de Lisboa, abaixo os caixotes do J. Pimenta, verás, amor, como agora as rendas irão baixar. 

Resta aguardar,  pois tudo o que a Junta de Salvação Nacional se propõe fazer, não é em 2 dias, mas pelo menos já nos podemos congratular pelos nossos filhos, que não conhecerão Portugal minado por um governo fachista [sic].

Por hoje vou terminar, meu amor. Amanhã, agora que isto começa a ficar calmo e acabam as prevenções, já te poderei escrever com mais calma. É verdade, diz ao Carlos que quem está cá comigo é o filho do Mário Pais, uma pessoa que ele conhece muito bem. Beijinhos ao nosso Nuninho, do papá que o adora, do teu Jorge toda a alegria e a certeza de que a nossa vida  a partir de agora ainda será mais facilitada. 

Um milhão de beijos com todo o meu amor. Vitória! Teu, só teu, para sempre. Jorge.



Fotos (e legendas): © Carlos Mota Ribeiro (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


[ Revisão e fixação de texto: Carlos Mota Ribeiro / Luís Graça]




Translation to English

Bissau 30.04.74

My Paula, my love:

Forgive me for not having written to you lately, but this has been going on in an unrelenting tension, I walk silly it almost costs me to believe everything I see and hear, yesterday we thought it was the end, with the extinction of D.G.S. the Africans revolted then left and shattered everything, now they have calmed because all the detainees have already been released, and now do not worry love that the problem was only with the DGS wanted to devour them, now we have to wait , we are all left with a hope, for what is done until a living to General Spinola and our movement is imposed the man who can now really show what he was, and what he has done here has been powerfully atrophied by the government existing, from now on everything will be different you will see love for the first time after 40 years right inside us and it is flagrant. Unions, the press, totally free elections, the disappearance of inflation from the cost of living, it will be very soon that we will finally have modern neighborhoods with many green areas on the outskirts of Lisbon, under the crates of J. Pimenta, you will see love on how now the rents are going to go down, we have to wait for everything that the “Junta de Salvação Nacional” (National Salvation Board) proposes to do, we can congratulate our children, who will not know Portugal undermined by an Fascist Government (Fascist = Dictatorial). For Today I will finish my love tomorrow now that this begins to be calm and ends, the precautions I can already write to you with more calm, it is true tells Carlos that who is here with me is the son of Mário Pais a person whom he knows very well . Kisses to our Daddy's Nuninho who adores your Jorge all the Joy and the certainty that our life from now on will still be made easier.

A million kisses with all my love - Victory - your only yours forever: Jorge


[Translation by Carlos Mota Ribeiro]



Carlos Mota Ribeiro... Foto da sua página no Facebook.
1. Mensagem do nosso leitor, Carlos Mota Ribeiro, engenheiro, residente na Maia, com data de 13 de março último:



Assunto : Guiné - Aerograma de Jorge Gameiro

Caro Luís Graça.,

Sou o filho do [Eduardo] Magalhães Ribeiro, teu colega do Blogue [, nosso coeditor]

Há uns anos atrás comprei meia dúzia de aerogramas, no OLX, de um combatente que esteve na Guiné na altura do 25 de Abril de 74, chamado Jorge Gameiro. Envio-te um deles em anexo para analisares.

Gostaria de identificar o combatente em questão e tentar oferecer os aerogramas ao filho Nuno Gameiro (filho do senhor ). Consegues-me ajudar?

Um grande e forte Abraço.,

Carlos Mota Ribeiro



Guiné > Bissau > Primeiros dias a seguir ao 25 de abril de 1974 > As primeiras manifestações da população local, com cartazes de tipo "abaixo a DGS", "Viva o Spínola"... Foto do álbum  de J. Casimiro Carvalho.

Foto (e legenda): © J. Casimiro Carvalho (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

2. Resposta do editor Luís Graça, com data de 14 de março último:

Carlos: 

Fico muito sensibilizado pelo teu gesto... O Nuno Gameiro, filho do Jorge e da Ana, nunca terá, por certo,  lido este e os outros aerogramas do pai... O exemplar que me mandaste tem interesse documental, pelo local e a data (Bissau, 30/4/1974) e pela referência aos acontecimentos pós-25 de Abril em Bissau...  e à expetativas que gerou, nos militares metropolitanos e na população guineense.

O Jorge Gameiro devia ser um alferes ou furriel miliciano, trabalhava na ACAP - Repartição de Ação Psicológica e Apoio às Populações, do QG (Quartel General), em Bissau [REP/ACAP/QG/CC]. E fala no Movimento [das Forças Armadas]. Era, pelo que se deduz, um tipo "politizado". Pelo tipo de letra, desenhada, e pela referência aos famigerados "caixotes do J. Pimenta", poderia ser arquiteto, ou estudante das Belas Artes... (É uma intuição minha).

O prédio nº 5 da Av Mouzinho de Albuquerque, em Lisboa, existe,  corresponde hoje ao código postal 1170-257. Podes ver no Google Map. Pertence à Junta de Freguesia de Penha de França. Quanto ao apelido, conheço alguns Gameiro, aqui em Lisboa, e no Facebook há vários Nuno Gameiro... 

Este jovem que procuras deve ter 40 e picos anos... Mas não será fácil identificar as pessoas em causa, só lá indo bater à porta... Muito provavelmente o casal já não mora lá, e deve ser da idade dos teus pais. Um deles pode ter morrido, ou então o casal pode ter-se divorciado... E o filho terá seguido a vida dele. É possível até que emigrado, ou esteja a trabalhar no estrangeiro, como já te aconteceu a ti...

A quem é que compraste as cartas ? É difícil saber, podem ter ido parar às mãos de um alfarrabista... Outra hipótes é mandares uma carta para este endereço: tens o código postal...

No prédio, ao lado, no nº 5A, há o Centro Fotográfico Manuel dos Santos & Figueiredo Lda [Avenida Mouzinho Albuquerque 5-A, Lisboa], com o telefone nº 218 145 982, código postal 1170-257 LISBOA...  Descobri nas páginas amarelas... Tomei a liberdade de ligar e atendeu-me o dono do centro fotográfico: está lá desde 1974, instalado uma semana antes do 25 de abril !... Infelizmente não conhece ninguém desta família Gameiro. Expliquei o que procurava... Respondeu-me que tem uma senhora, no seu prédio, no 1º andar com um  nome parecido, Ana Paula ou Ana, viúva, de 60 e tal anos, mas que sempre terá vido aqui, neste prédio, o 5A, e não no 5.

Uma sugestão minha é publicarmos esta documentação no nosso blogue...Pode ser que alguém da família Gameiro ou um amigo nos leiam... Fiz o tratamento do aerograma e transcrevi, acima, o seu conteúdo... Se concordares, publicamos. È uma pena que esta correspondência de guerra vai parar ao caixote do lixo, como acontece na maior parte dos casos... É um testemunho de uma época e de um camarada nosso que soube tranquilizar a jovem esposa, dando-lhe notícias, reconfortantes, do que se estava a passar em Bissau, à data do 25 de Abril.

Um grande abraço, Luis

3. Resposta do Carlos Ribeiro, no dia seguinte, 15 de março de 2018:

Caro Luís Graça.,

Obrigado por teres partilhado a tua análise comigo, fizeste algumas observações que me tinham passado completamente despercebidas. A tua experiencia de vida e cultural é extraordinária, muito obrigado por teres partilhado essas informações e o teu ponto de vista,  comigo,  sobre o assunto.

Em relação aos aerogramas comprei-os a alguém no OLX, já foi há  uns 5 ou 6 anos e não me recordo do nome da pessoa que mos vendeu, lembro-me que os comprei por terem o sentido histórico do 25 de Abril de 74 e os achei muito interessantes.

Como tenho um colega britânico que se interessa pela Revolução dos Cravos, enviei-lhe as fotos dos aerogramas com a tradução em inglês para ele dar uma leitura e compreender o sentimento que alguns jovens tinham naquela época e naqueles dias conturbados.

Quando estava a transcrever o mencionado no aerograma,  fiquei a pensar no Nuninho (Nuno Gameiro) do aerograma e do carinho daquele pai pelo filho. Por isso entrei em contacto contigo para tentar encontrar o tal Nuninho e lhe fazer chegar a meia dúzia de aerogramas que tenho,  enviados pelo seu pai,  da Guiné Portuguesa para a Metrópole.

É claro que apenas lhos vou oferecer, se o Nuno Gameiro quiser esta recordação dos pais, pode nem querer saber deste assunto ou não dar qualquer valor sentimental aos aerogramas, mas como para mim este tipo de itens tem muito valor e são documentos que considero históricos, guardo-os religiosamente na minha coleção particular sobre o Ultramar Português.

Se concordares,  vamos fazer o seguinte: Vou digitalizar os aerogramas e enviar-tos juntamente com a transcrição que fiz para Word, e tu fazes o favor de os publicar no teu Blogue e vamos assim tentar encontrar o Nuninho. Acho que até é um assunto que podes publicar na altura do 25 de Abril, até seria engraçado…

Um grande abraço, Carlos Ribeiro


4. Resposta do LG, na volta do correio:


Carlos: estamos de acordo... Por volta da data do 25A, fazemos um ou mais postes com esses teus aerogramas... Para se perceber melhor a história, o teu interesse por esta documentação,  podes inclusive mandar, para publicação,  a tua versão em inglês...É possível até que a gente, com sorte, localize,  o Nuno Gameiro, que deve ser um pouco mais velho do que tu, não ?...

Talvez um dia destes eu passe por lá, pela rua, e faça uma discreta investigaçãom de qualquer modo já temos a informação, negativa, do vizinho do centro fotográfco... Outra hipótese era mandares uma carta para este endereço...É muito pouco provável que ainda lá morem os pais do Nuno... O que será feito deles ?... As cartas para terem ido parar ao OLX é porque houve uma contecimento de vida dramático: separação / divórico, falecimento de umdos conjuges (, mais provável..).

Concordo contigo: são testemunhos preciosos de uma época, de um país, de duas gerações, a tua e a do Nuno Gameiro, e a nossa, a da heração que fez a guerra e a paz... Quero que a seguir entres para a Tabanca Grande, apresentado pelo teu pai...ou por mim!... Estou muito grato pelo teu gesto de grande nobreza e sensibilidade... E, de resto, há muito que fazes parte desta grande família que é a Tabanca Grande, a cujos encontros anuais, a alguns, já tens vindo com o teu pai.

Um abração, Luís 

5. Nova mensagem de LG ao Carlos, com data de 21 do corrente:

Carlos: avançamos esses aerogramas por altura do 25 de Abril ? Pode ser que o Nuno ou o pai ou a mãe deem sinais de vida... Grande abraço. Luís

PS - Ficaste de me mandar mais aerogramas...


6 Última mensagem do Carlos Ribeiro,  com data de hoje, às 02:04

Voa noite Luís Graça.,

Espero que esteja tudo bem contigo.

Passei os aerogramas ao meu pai para ele digitalizar e os enviar para ti. Ele estava a tratar disso hoje, ou melhor ontem... Visto já serem duas da manhã.

Grande abraço, Carlos Mota Ribeiro

[O Eduardo Magalhães Ribeiro acaba de  nos mandar o 2º aerograma do Jorge Gameiro, que tem data de 6 de maio de 1974, a publicar no nosso blogue, no próximo poste; vamos ter a agradável presença de ambos, em Monte Real, no nosso XIII Encontro Nacional, a realizar em 5 de maio de 2018; até lá, o Eduardo está "intimado" a apresentar o filho à Tabanca Grande: passará a ter lugar, à sombra do nosso poilão, sob o nº 773]
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de abril de  2018 > Guiné 61/74 - P18525: Efemérides (273): No 24º aniversário da Apoiar - Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas do Stress de Guerra: "Ter que matar para sobreviver", texto de Mário Gaspar, originalmente publicado no jornal Apoiar, nº 2, jul / set 1996

Guiné 61/74 - P18556: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXVIII-B: As minhas viagens por terras do Cacheu, em 1969


Foto nº 1 >  Cacheu, 1969 > Ruas de Cacheu


Foto nº 2  > Cacheu, 1969 > Cais do Cacheu


Foto nº 3 > Cacheu, 1969 > Vista da cidade do Cacheu, a partir do rio


Foto nº 4 > Cacheu, 1969 > Vista do quartel


Foto nº 5 > Cacheu, 1969 > Edificío dos correios e casa do chefe dos correios

Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotohgráfico   do Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem mais de 4 dezenas de referências no nosso blogue:


Mensagem de de 23 de março último:

(...) Estas são algumas de muitas sobre as diversas viagens que fazia no tal barco da Engenharia, o Sintex, com 2 motores fora de borda, entre São Domingos e Cacheu. Umas vezes em serviço, e outras nem por isso, mais desenfiado e para 'desopilar' daquele local que chamei de 'Campo de concentração de S. Domingos'.

Normalmente íamos todos bem, 4 pessoas apenas, depois na vinda já vinha tudo com a cabeça à volta. Ia com o Alferes Gatinho, da CART 1744, ele era um prato, e passávamos bons momentos.
Fica para a história desta passagem por aquelas terras.

Cacheu era de longe muito mais importante que São Domingos, aliás era a região que dava o nome a Sao Domingos.

O pessoal de lá recebia-me muito bem, não faltava nada. (...)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P18555: Parabéns a você (1425): David Guimarães, ex-Fur Mil Art MA da CART 2716 (Guiné, 1970/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18544: Parabéns a você (1424): António Branquinho, ex-Fur Mil Inf do Pel Caç Nat 63 (Guiné, 1969/71)

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18554: 14º aniversário do nosso blogue (2): Os meus parabéns por esta caminhada de 14 anos... Quanto ao XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande, eu bem gostaria de estar, fisicamente, convosco, mas tenho infelizmente uma agenda pesadíssima no mês de maio... Ficará para o próximo ano, se Deus quiser (Virgílio Teixeira, Vila do Conde)

1. Mensagem do Virgíllio Teixeira,  ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já mais de 45 referências no nosso blogue:

Data: 23 de abril de 2018 às 16:24

Assunto: XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande |  Parabéns por estes 14 anos de vida do blogue

Caros amigos e camaradas Luís Graça, Carlos Vinhal e todos os nossos camaradas que passaram pela Guiné:

Com os Votos de Parabéns por esta caminhada de 14 anos à volta do nosso Blogue (*), que ficará na história como ela foi contada por aqueles que a viveram e não por historiadores que pouco sabem ou virão a saber o que foi aquilo.

Desejos sinceros que esta tarefa vá até ao fim, e esse fim será quando todos já 'da lei da morte se foram libertando'. e outros virão que de uma forma ou outra vou continuar a dar a conhecer ao nosso mundo como foi aquela guerra, que muitos teimam em não a compreender, não aceitar, ou simplesmente querem ignorar e apagar tudo, como se isso fosse possível.

A minha mensagem para os que se vão sentar à sombra do Grande Poilão, em Monte Real, no dia 5 de Maio de 2018, eu estarei com todos em pensamento, mas que tenham um dia muito Feliz, com a Família sempre ao seu lado, e acima de tudo com muita Saúde, o bem mais precioso que temos, e com o avançar dos anos cada vez mais precisamos dela.

Para aqueles que tiveram a curiosidade de ver e ler os meus Postes, quero dizer que por vezes me excedo demais em comentários, não consigo avistar à distância as consequências das minhas palavras, isto não é por feitio, mas por defeito. Se tiver dito ou escrito algo que tivesse ferido alguém, prometo pelo menos que de futuro terei mais cuidado, os meus Postes vão saindo à medida que o nosso Editor tiver tempo, pois é uma grande tarefa para ele, só da minha parte são mais de 1000 imagens. Fiz uma grande obra, organizar, digitalizar, numerar, legendar, datar, comentar, sei lá, coisas que nunca teria pensado nisso caso não tivesse a 'Coragem' de entrar nestas redes sociais, dar a cara e contar a sua vida, por muito pouco interesse que tenha para muitos, mas é a minha vida...

Resposta ao teu email, vou separar em 2 assuntos:

1 - Quanto ao tema do XIII Encontro Nacional, vamos ver se consigo explicar as minhas angústias:

- no dia 5/5, é o XIII Encontro Nacional no Palace Hotel de Monte Real, da família da Guiné, no qual gostaria de estar presente;

- mas no dia 6/5, é o dia da Mãe, que anualmente é uma reunião habitual de família a que não posso faltar; já não tenho mãe, mas os meus 3 filhos ainda têm, os meus 4 netos felizmente também, e os conjugues dos meus filhos também todos têm; enfim, tenho de estar disponível;

- e no dia 12/5, é o Almoço anual do meu batalhão, na Mealhada, que não vou para não sobrecarregar o meu corpo, e porque terá este ano pouco interesse, não só porque é a nível apenas de CCS, eu sou sempre o mais graduado que aparece, e o mais velho - 75 anos -, e lá tenho que fazer as honras do Convento e os discursos, coisa que não me é muita agradável, após o repasto. Além disso no ano seguinte faremos o almoço dos 50 anos da chegada a casa, e esse será em Tomar e é a nível de todo o Batalhão. Vou guardar para essa altura.

E depois,  no dia 25 de Maio, é o meu aniversário de casamento - 47 anos - e é costume passar uns dias fora... E ainda, depois tenho que estar presente, ainda em Maio, 'na festa de fim do curso secundário' do meu neto mais velho - 17 anos -, do seu Colégio no Porto, que vai realizar-se nas instalações da Alfândega do Porto.

... E mais o que haverá só neste mês.
Eu acho que já não tenho «arcaboiço» para tanta coisa, terei de dar prioridade a umas coisas com prejuízo de outras.

Por isso é muito improvável que eu possa aparecer no XIII Encontro da Tabanca Grande, que gostaria de fazer parte, de conhecer as pessoas, de partilhar as minhas aventuras e em especial as minhas loucuras, mas se não for este ano, haverá de certeza no próximo ano, desde que não haja tanta coincidência de datas umas em cima das outras;

Lamento mas espero que seja compreendido, eu fico muito stressado com isto tudo, e já não há remédio. Por cada saída ando a recuperar uns dias.

Em relação ao casal de Guilhabreu - Vila do Conde, não conheço. Mas agradeço esse interesse.

[...]

Um abraço para toda a camaradagem.
Virgílio Teixeira

Em 23-04-2018

Guiné 61/74 - P18553: Notas de leitura (1060): “Integração Nacional na Guiné-Bissau desde a Independência”, por Christoph Kohl, no Caderno de Estudos Africanos do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, n.º 20, Janeiro de 2011 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2016:

Queridos amigos,
Não se pode deixar ter em atenção a argumentação expendida por este antropólogo social alemão: o nível da integração nacional é relativamente forte, apesar da diversidade étnica. Ao longo de décadas, constituíram-se cimentos para o sentimento nacional: o crioulo como língua veicular, as mandjuandades, a rejeição à fragmentação étnica, a expulsão dos invasores no conflito militar de 1998-1999, as festas carnavalescas. No entanto, apesar deste sentimento nacional, os guineenses sentem-se desafetados do Estado, vítimas dos políticos e há um termo crioulo que surge sempre quando se fala (e muitas vezes se fala) de pobreza, infelicidade e miséria: koitadesa.

Um abraço do
Mário


A integração nacional na Guiné-Bissau

Beja Santos

No Caderno de Estudos Africanos do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, n.º 20, referente a Janeiro de 2011 e organizado pelo investigador Gerhard Seibert sob o título “Identidades, Percursos e Clivagens nos PALOP”, tem particular interesse para aqueles que estudam a Guiné o artigo de Christoph Kohl denominado “Integração Nacional na Guiné-Bissau desde a Independência”. Christoph Kohl é antropólogo social.

O que o autor dá como apurado é que na Guiné-Bissau o nível de integração nacional é relativamente forte, apesar da diversidade étnica. Este caso de integridade nacional baseia-se na ideologia e política do antigo movimento independentista e na prática do jovem Estado pós-colonial onde se advogou um modelo de unidade nacional da diversidade étnica. Mas também nesta pesquisa se apurou que os guineenses vitimizam a sua nação quando a confrontam com o Estado. Uma invasão estrangeira durante o conflito militar de 1998-1999 reforçou ainda mais a integração nacional. Nesse mesmo conflito apurou-se uma ingerência da diplomacia francesa que se colocou ao serviço de Nino Vieira, no fim do consulado deste as instalações diplomáticas francesas foram assaltadas e destruídas, houve mesmo que vir ao auxílio das tropas francesas presentes.

Após descrever os pontos mais relevantes da luta armada e do papel do PAIGC, o autor refere-se à era de Luís Cabral a que se sucede o consulado de Nino Vieira que a despeito do multipartidarismo em que já decorreram as eleições de 1994 manteve o autoritarismo político e fomentou lutas pelo poder na esfera político-militar. A despeito dos rótulos de “frágil”, “colapsado”, “fraco”, etc, existe uma forte consciência nacional em que o crioulo é um verdadeiro cimento.

Muitos estados africanos têm sido qualificados nos anos mais recentes por fracos, não-Estados, frágeis, mas apesar destas nomenclaturas, as respetivas nações têm sobrevivido. É importante separar analiticamente os conceitos de Estado e de nação. Mesmo se um Estado é apresentado como inteiramente disfuncional, ou seja, o seu funcionamento não corresponde ao clássico modelo europeu baseado na terminologia de Max Weber, o Estado continua a existir se é caracterizado por uma pronunciada identidade nacional, mesmo que haja uma fraca identificação da nação com o Estado – é o que se pode verificar em muitos países que vêm no Índice dos Estados Falhados.

Os ideólogos europeus estavam convencidos que havia uma incontestável congruência nas entidades políticas e nacionais. Acreditava-se que uma homogeneidade cultural e étnica constituía a nação-Estado. No estudo sobre a Guiné-Bissau, é patente haver posições da nação contra o Estado. Para se perceber esta tensão, é preciso ir mais atrás, às fundações da Nação. Em contraste com líderes como Touré, Nkrumah ou Machel, Cabral não supunha ser necessário erradicar as identidades étnicas para afirmar a nova identidade nacional. Cabral estava convencido que fora ultrapassada a era dos grupos étnicos, dizia abertamente que todos poderiam avançar juntos em unidade.

A nação-Estado pós-colonial foi constituída por um partido, o PAIGC. A transformação da sociedade pós-independente pautou-se por um severo controlo político, uma expansão da burocracia, um novo regime em que foram excluídos os apoiantes dos portugueses e eliminados os dissidentes. As instituições eram controladas pelo Estado, o tribalismo passou a ser silenciado, era assunto tabu. Muitos dos elementos da elite dirigente do PAIGC estavam influenciados pela ideia europeia do Estado-nação. A esta recetividade agregou-se o anti-imperialismo marxista, apresentava-se como uma atrativa ideologia que prometia a liberdade face à denominação colonial. Entretanto, os sentimentos nacionais foram crescendo à volta do crioulo, das mandjuandades e as diversões carnavalescas, é esta a tese do autor.

 Guineenses em manifestação, arvorando sempre a bandeira do país

O crioulo é linguagem veicular interétnica por excelência. Recorde-se que durante a luta armada a Rádio Libertação privilegiava o crioulo. Passo a passo, o crioulo transformou-se de uma frente linguística do meio condutor do projeto da nação-Estado.

Mandjuandades são instituições de assistência mútua, são espaços de sociabilidade; há mandjuandades cristãs, muçulmanas e multiétnicas.

Depois da independência, era a Juventude Africana Amílcar Cabral quem coordenava as festas do Carnaval, a partir de 1984 será a Direção-Geral da Cultura a liderar o acontecimento. O Carnaval veio a criar uma identidade comum.

O autor questiona as ameaças postas pela fragmentação étnica. O exemplo mais evidente é Kumba Ialá e a tentativa de balantização do regime. O antigo Presidente da República foi frequentemente acusado de manipular e explorar vínculos étnicos para ganhar apoios e votos. Nas eleições presidenciais de 2005, puseram frente a frente Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá, Nino insinuou os perigos de uma absoluta islamização de poder caso Malam Bacai Sanhá ganhasse. Nino apresentava o rival como um Mandinga quando este era de etnia Beafada. Isto fazia parte de uma estratégia deliberada para desacreditar Sanhá aos olhos dos Fulas. Porém a convivência pacífica nos grupos étnicos não foi profundamente afetada.

Passando para o conceito de vitimização da nação, recorde-se que os guineenses continuam a sentir-se comprometidos com a sua nação apesar de se sentirem desafetados do Estado. Os guineenses dão de si próprios um retrato de comunidade solidária de vítimas. O termo crioulo koitadesa deriva dos termos portugueses pobreza, infelicidade e miséria. Os guineenses têm uma longa experiência de autoritarismo e uma mentalidade de dependência, o que faz com o cidadão veja a classe política como aquela que procura o auto-favorecimento onde os políticos são indiferentes aos interesses nacionais. Algo se modificou com o conflito político-militar de 1998-1999. Este conflito é o exemplo mais eloquente de que uma população heterogénea pode cerrar fileiras face à chegada de tropas estrangeiras, a população guineense acabou por os encarar como inimigos da Nação. Outro aspeto curioso deste conflito é que as fações lideradas por Nino Vieira e Ansumane Mané reclamavam representar em nome da nação. A fação de Nino insistia na legitimidade constitucional e nos compromissos de assistência militar mútua com o Senegal e a Guiné-Conacri. A Junta Militar reclamava estar a combater pelo bem-estar da nação e acusava Nino Vieira de corrupção e má governação isto a par das reivindicações para melhores condições para a tropa e para os veteranos combatentes. A maior parte da população apoiou a Junta Militar enquanto as tropas estrangeiras eram consideradas como invasoras e uma ameaça para a nação guineense.

A França procurou aproveitar-se para ganhar influência política e económica, havia já um longo historial da presença francesa na região, no Casamansa, rios Nuno e Cacine no século XIX. O Senegal e a Guiné Conacri tinham pretensões quanto à Guiné-Bissau, tudo acabou por favorecer o sentimento nacional guineense.

Por último, recorda o autor, convém não esquecer que a nação guineense se construiu depois da função do Estado independente. Em suma, a Guiné-Bissau viu primeiro construída a nação e continua problemática a construção do Estado.
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18542: Notas de leitura (1059): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (31) (Mário Beja Santos)