(...) "Os Círios são outra manifestação religiosa presente neste Santuário com características populares onde algumas comunidades cristãs, desde tempos antigos, organizam peregrinações ao Santuário do Senhor Jesus para louvar e dar graças em cumprimento de promessas. Nestas celebrações mantêm-se as tradições antigas como o Canto da Loas e a Gaita de Foles; depois das três voltas em redor do templo fazem as ofertas dos frutos da terra." (Fonte: Santuário Senhor Jesus)A motivação dos tabanqueiros da Tabanca do Atira-te ao Mar é a mais diversa diversa: uns vão para matar saudades do tempo de infância e adolescência em que iam integrados em peregrinação de família ou no círio da sua terra, sendo esta uma festa sacro-profana; outros vão por simples curiosidade etnogáfica; outros por devoção; e outros ainda pelo lado lúdico... Fazer uma caminhada, a pé, de cinco / seis horas horas é obra na nossa idade...Mesmo com o apoio do "carro vassoura"...
No adro do santuário, sob frondosas árvores seculares, fazer-se-à depois um piquenique: a "chef" Alice fez uma tachada de "dobrada à moda da Lourinhã" (ou "tripas à moda do Porto", conforme lhe quiserem chamar)...Cada "peregrino" ou "romeiro" acrescenta mais qualquer coisinha ao farnel coletivo: o pão, o vinho, as azeitinas, o queijo, as pataniscas, os pastelinhos de bacalhau, a sericaia, etc... que "o santo é pobre mas bem agradecido"...
O que importa, afinal, é o convívio e o melhor conhecimento das tradições populares da nossa região estremenha. E, nos tempos que correm, exorcizar os fantasmas, reais e imaginários, desta pandemia que teima em não deixar-nos em paz...
A escassas centenas de metros do Santuário fica a Quinta dos Lorigos, Bacalhôa Budda Eden, que tabém vale uma visita...
2. Sobre o a história do Santuário, lemos na Wikipedia:
(...) Remonta a uma primitiva ermida sob a invocação de São Pedro, padroeiro da freguesia desde o século XIV.
A atual igreja remonta ao século XVI, tendo ruído a primitiva, provavelmente, no grande terramoto de 1531. Pelas descrições feitas nos assentos de óbito, pode verificar-se que no início do século XVII a igreja já tinha as feições que tem hoje. As memórias paroquiais de 1758 não referem qualquer dano causado pelo terramoto de 1755, facto que a ter acontecido deveria ter sido referido, uma vez que era uma das questões colocadas.
Nas aludidas memórias paroquiais, de 1758, é referida a existência dos altares colaterais (um deles já é referido em 1607, num assento de óbito, dedicado a Nossa Senhora da Graça) e a capela-mor já é descrita com as características que tem hoje, nomeadamente o facto de o altar-mor estar separado da tribuna, sem santos na banqueta, com duas imagens a ladear a tribuna, e no vão da tribuna a imagem do Senhor Jesus. Esta descrição da igreja, assim como os assentos de óbito, e as características das cantarias do arco do cruzeiro e dos altares colaterais e da talha dourada do camarim da imagem do senhor Jesus, contrariam a lenda de que a construção da igreja é do século XIX.
Dos finais do século XIX e inícios do século XX, será a capela do Senhor dos Passos, as tribunas da capela-mor, os braços laterais do coro alto e alguns elementos decorativos, como estuques, azulejos e talha dourada. (...)
3. Lenda da imagem do Senhor Jesus:
Segundo o nosso camarada Joaquim da Silva Jorge, natural de Ferrel, ex-alf mil, CCAÇ 616, Empada, 1964/66, BCAÇ 619, Catió, 1964/66), de "Ferrel através dos tempos" (edição de autor, junho de 2019, 388 pp.),, há várias versões da lenda, mas é esta que se cont na sua terra:
(...) "Vinha um almocreve de Ferrel como seu burro, carregado de peixe para vender, e viu um grande caixa que as ondas tinham arrojado à praia. Pegou na caixa sem grande esforço, apesar das dimensões, e pô-la em cima do burro, continuando o seu caminho até ao local da venda do peixe. Depois de ter andado muito tempo, a caixa começar a ficar cada vez mais pesada até que, chegando a um ponto mais alto com árvores, onde existia uma pequena capela em honra de São Pedro, o burro não conseguia aguentar nem andar mais. Então o homem descarregou a caixa e foi chamar o prior, que a abriu. Depararam-se então com a imagem de Jesus crucificado, que foi recolhida e exposta à veneração pública. A história depressa de espalhou e deu origem ao início da devocção dos círios" (pp. 125/126).
4. O círio de Ferrel, uma festa sacro-profana
O círio de Ferrel é, historicamente, "o maior, em duração de tempo e em número de pessoas, que visita o Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal" (p. 127). Nas páginas 127/133, o Joaquim Jorge descreve, com detalhe, o ritual do círio da sua terra, dos anos 60, e as loas que se cantavam durante três dias (sábado, domingo e segunda-feira). Este círio realiza-se sempre no 4º domingo de setembro. Já o do Seixal da Louirinhã é em dia fixo, o dia 7 de Setembro, integrado nas festas anuais da terra.
Vale a pena voltar a reproduzir aqui o supracitado autor, com a reconstituição da memória do Círio de Ferrel:
(...) "Começava sexta-feira, com o gaiteiro a tocar pelas ruas da povoação, anunciando o início da festa. A partida era no dia seguinte, sábado, depois do almoço, Um pouco antes tocava o sino da igreja para lembrar que estava próxima a hora da partida. No Largo de Nossa Senhora da Guia juntavam-se os que iam e também os que ficavam. Estes iam ver a partida do Círio. O Juiz da festa levava o Guião com a cruz a abrir e a seguir o Anjo com a bandeira do Senhor Jesus e atrás uma grande multidão. Iniciavam-se assim três voltas à igreja, findas as quais o Anjo dava o sinal de partida cantando as loas da despedida da nossa aldeia" (pág. 127).
(...) Apareceu o belo dia / Por nós todos desejado / Dia de gozo e prazer / A Jesus dedicado (...) (pág. 128).
(...) "O sino tocava a repique e começava a partida em galeras, trens, carroças, burros e alguns a pé, talvez cumprindo alguma promessa. Todos levavam enxergas e mantas, galinhas e coelhos e, no princípio da semana, já tinha partido a galera do João Maltez, carregada de lenha para todos. Seguiam pela Atouguia, Serra d'El-Rei, Olho Marinho, Pó, Roliça e São Mamede e costumavam parar e saudar as igrejas destas localidades.
(...) "Finalmente chegava-se ao Santuário. Ao portão do recinto esperam aqueles que partiram nas vésperas. Formava-se a procissão com o guião, o pendão, os mordomos, o Anjo e o povo e iniciavam-se as três voltas à igreja em louvor da Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, no fim das quais o Anjo cantava as Loas da chegada que rezavam assim:
(...) Vinde ó povo desta terra / O Senhor Jesus venerar / Dia em que o Círio de Ferrel / O vem aqui visitar (...) (pág. 129)
(...) "Logo após, entrava-se na igreja para uma primeira visita ao Senhor Jesus, deixando o Guião e o pemdão junto do altar. Entretanto ocupavam-se as casas dos romeiros; acomodavam-se. As mulheres fazaim o jantar enquanto os homens iam arrecadar os animais nas cocheiras e tratar deles. Depois do jantar. já noite dentro, começava o bailarico. Os povos das aldeias vizinhas eram avisados pelo foguetório. Os rapazes eram livers de dançarem com todas as raparigas, os homens com todas as mulheres, os habitantes das aldeias vizinhas com as nossas raparigas e os nossos rapazes com as raparigas de lá; trocavam-se pares durannte a dança. O folguedo prolongava-se até de madrugada.
"Chegava o domingo com a 'Festa de Igreja' ou Missa que era celebrada pelas quinze horas. A manhã era aproveitada para visitar a imagem do Senhor Jesus, beijar-lhe os pés, deixar uma esmola, colocar uma vela ou pagar alguma promessa. Entretanto as mulheres iam preparando o almoço que era ao ar livre. (...)
"A festa da igreja começava com a saudação solene ao Senhor Jesus cantada pelo Anjo:
(...) Bendita é a cruz / Do Senhor Sagrado / Em que o Bom Jesus / Foi por nós pregado (pág. 130) (...)
(...) "Depois da missa começavam as arrumações dos apetrechos levados e a aparelhar os animais e por volta das 17 horas formava-se a procissão para dar três voltas à igreja (...) Na despedida o Anjo cantava assim:
(...) Adeus Senhor Jesus do Carvalhal / Adeus ditoso lugar / Agora na retirada / Deve-nos acompanhar. (...) (pág. 131).
(...) Deitava-se um foguete e era a partida.À entrada da Atouguia da Baleia faz-se uma paragem para esperar pelos mais atrasados a fim de que a caravana se recompanha e para impressionar os nossos vizinhos. (...) O gaiteiro não parava de tocar. A entrada no largo da igreja [ de Ferrel] era triunfal. Seguiam-se as três voltas à igreja e no fim ouvia-se o Anjo cantar os últimos versos das loas:
(...) Aqui chegámos enfim / Em alegre romaria / Trazendo nossos corações / Cheios de prazer e alegria (...)
(...) Terminva assim a parte religiosa do nosso Círio, mas a festa ia continuar à noite e no dia seguinte com animados bailes. A festa tinha três dias: sábado, domingo e segunda-feira" (pág. 132).
...Claro que hoje a tradição já é não o que era, conclui o nosso Joaqyim Jorge... Mas os nossos amigos ferralejos continuam a ir lá, todos os anos, ao Santuário do Bom Jesus do Carvalhal, no 4º domingo de setembro.
O nosso editor promete lá ir ter depois, finda a sessão de fisioterapia, às 11h20...Alguém tem que fazer a reportagem e provar o rancho... LG
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Nota do editor:
Último poste da série >26 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22317: Tabancas da Tabanca Grande (6): O régulo vitalício, José Belo, da sempre saudosa Tabanda da Lapónia, de regresso de Key West, traz-nos uma história da espionagem russa e sueca durante a guerra fria, em 1982, ao tempo ainda de Olof Palm