Instalações da Sociedade de Geografia antes de vir para a Rua das Portas de Santo Antão
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2020:
Queridos amigos,
A Sociedade de Geografia vai entrar num período de consternação, chegou a hora do Ultimatum britânico, como veremos das atas das sessões anuncia-se um tanto sub-repticiamente, nos anos anteriores fala-se muito dos estudos científicos, dos caminhos-de-ferro, e subitamente chega um tenente-coronel que faz uma exposição mais do que minuciosa sobre a presença portuguesa e os conflitos surdos que estão a surgir com os ingleses, mais adiante o mesmo tenente coronel lança um brado alerta em dezembro de 1889 e Luciano Cordeiro, indiscutivelmente a figura motora da Sociedade de Geografia de Lisboa deste tempo, faz aprovar uma moção histórica, é um texto vigoroso, de indiscutível firmeza e patriotismo. Ninguém desconhece que o Ultimatum de janeiro de 1890 terá consequências profundissimas na vida portuguesa, é como que uma espada de Dâmocles no prestígio do rei D. Carlos, o símbolo da realeza, sobre o qual irão cair as maiores acusações, emerge o republicanismo, culturalmente o país será avassalado pelo decadentismo, toda aquela humilhação é um rastilho de pólvora que conduzirá à incapacidade dos partidos do constitucionalismo perceber que se vivem horas de emergência, seguir-se-á o governo de João Franco, depois o regicídio e as peripécias do curto reinado de D. Manuel II, finge-se que nada tem a ver com aquela humilhação e aquele abatimento provocados pelo Ultimatum, mas todo aquele entusiasmo em pôr de pé o III Império não naufragou na praia, a República tomará porta-estandarte.
Um abraço do
Mário
O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (5)
Mário Beja Santos
Recapitulando os textos anteriores, verifica-se que os primeiros dez anos de vida da Sociedade de Geografia de Lisboa nos conduzem ao melhor conhecimento das aspirações das camadas sociais que apostavam com entusiasmo no levantamento do III Império Português. África seria o coração do novo Império, o do Oriente era então um amontoado de pequenas parcelas e o Brasil tornara-se independente. Havia que ocupar África, conhecê-la e defendê-la da cobiça de outras potências, a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha, a Itália, os bóeres da África do Sul, e até mesmo Leopoldo da Bélgica, sonhavam em fazer recuar as possessões portuguesas. A leitura das atas das sessões destes primeiros anos permite conhecer o que estes homens sugerem, que ideologia possuem, como funciona este grupo de pressão constituído por membros da aristocracia, políticos influentes, cientistas, financeiros, comerciantes e, a diferentes níveis, muitos curiosos. Dá-se como demonstrado que esta Sociedade de Geografia de Lisboa cresceu e enrijeceu como impressionante grupo de pressão, é inegável o papel histórico que desempenhou: no incremento das explorações, como as de Serpa Pinto, Capelo e Ivens, nos estudos sobre hidrografia, cartografia, o Meridiano de Greenwich… Mas nem tudo se concentra exclusivamente em Angola e Moçambique, aqui e acolá há referências ao termalismo no Gerês, a estudos etnológicos e antropológicos, ao Padroado Português do Oriente, às cristandades da Índia e Ceilão.
Passada esta década de verdadeiro entusiasmo, vejamos agora o período que precede o Ultimatum Britânico. Continuam a aparecer trabalhos do foro das ciências filológicas, geográficas e etnológicas, caso do Dicionário Corográfico de Moçambique, os dialetos crioulos de Cabo Verde. Em 1887 presta-se homenagem ao falecido Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, António Augusto de Aguiar. Na primeira sessão de janeiro de 1888, um sócio apela a que se iniciem as investigações demográficas nas províncias de além-mar, “a fim de que possam apreciar-se as qualidades e aptidões da raça tropical e as suas tendências para formar colónias e dar incremento à população indígena na África Central”. O cunho científico da Sociedade revela-se bastante apurado, já dera parecer no ano anterior sobre o sistema internacional de boias e balizas. O novo Presidente é o Conselheiro Francisco Maria da Cunha. Dá-se igualmente parecer para que a Sociedade empreenda a publicação de um Dicionário Toponímico Português, em que se determinem quanto possível os nomes de lugares portugueses em todas as épocas e onde igualmente constem as designações locativas dadas pelos descobridores, viajantes e escritores portugueses aos diversos lugares por onde andaram.
Entretanto, concede-se a Medalha de Honra da Sociedade a Paiva de Andrade, mas os caminhos-de-ferro são preocupação permanente e em 5 de março de 1888 Luciano Cordeiro fez uma exposição sobre a linha do caminho-de-ferro de Lourenço Marques a Pretória e na sua sequência aprovou-se a seguinte moção: “A Sociedade de Geografia continuando a interessar-se vivamente pela prosperidade e segurança do distrito de Lourenço Marques, e congratulando-se pelas diligências e medidas tendentes a acautelar e a prevenir as necessidades e perigos da transformação que se está operando naquele distrito, faz votos por que se empreguem todos os esforços para consolidar, desenvolver e garantir a mais rápida e completa nacionalização de Lourenço Marques como parte integrante e inalienável do território e nação portuguesa”. As sessões da Sociedade diversificam os temas, tanto se apela à organização do serviço de pescas no continente e ilhas como se emite parecer sobre as obras públicas no Ultramar e a construção dos caminhos-de-ferro ou na Índia ou de Ambaca e Lourenço Marques.
Estamos já em 1889, e na aparência ainda não se sente a carga explosiva que está a caminho, o Ultimatum Britânico. Em março, o Major Serpa Pinto, acalorado e patriótico, mandou para a Mesa uma proposta para que a Sociedade tornasse a insistir para que se formasse uma Sociedade Antiescravagista Portuguesa, que secundasse e auxiliasse a generosa propaganda aberta na Europa pelo Cardeal Lavigerie contra o tráfego da escravatura. No mês seguinte, destaca-se o Tenente-Coronel Joaquim José Machado que discursou largamente acerca das condições das nossas colónias na costa oriental e também na costa ocidental de África, chamando a atenção da Sociedade para que se representasse ao governo com relação à expansão colonial inglesa que é extraordinária e rápida nos territórios portugueses do sul de África e à qual precisamos opor medidas enérgicas, marcando fronteiras e afirmando a ocupação portuguesa; passando à costa ocidental, falou da extrema riqueza do planalto de Moçâmedes e da necessidade urgentíssima de abrir comunicações com o litoral a fim de que o desenvolvimento se amplie. Foi uma enorme comunicação, ocupou-se de muita coisa: reocupação de Maputo, dos impraticáveis limites fixados pela sentença de MacMahon, da vontade de toda a gente de Maputo em ser governada por portugueses, das intrigas de alguns ingleses contra Portugal, da urgência em marcar fronteiras para o norte do rio Incomati, chamou a atenção para a “inglezação” de Lourenço Marques e os seus perigos; a necessidade de aumentar a população portuguesa em Moçambique. É um documento extenso, espalha-se por 45 páginas das atas das sessões, e tanto quanto parece é de leitura obrigatória para os investigadores que se ocupam deste período colonial e focados nesta região.
Começa também a falar-se nas comemorações da descoberta da Índia, tem-se em mente a Exposição Internacional Marítima e Colonial de 1897. E o que até agora pareciam sinais de alarme já emite fumos de incêndio. Em novembro de 1889, o Tenente-Coronel José Joaquim Machado prossegue com informações do que se está a passar nos territórios de África que delimitavam a Província de Moçambique.
Em dezembro, Luciano Cordeiro declarou que se havia reunido a Direção juntamente com a Comissão Africana para apreciar e resolver acerca das propostas do Tenente-Coronel Machado. Alguém mandou para a Mesa a seguinte proposta:“Proponho que seja nomeada uma comissão que estude as bases para a organização de uma companhia nacional, à qual sejam conferidos amplos poderes para utilizar toda ou parte da província de Moçambique, valorizando as inúmeras riquezas que ali existem inertes”. Luciano Cordeiro riposta, era absolutamente contrário à organização de companhias soberanas e que só admitia soberania no Estado. Citava-se a Companhia das Índias, mas devia lembrar que a Inglaterra sentia o solo da Índia tremer-lhe debaixo dos pés e que não estava longe o momento em que perdesse aquele grande império, que afinal não conseguira senão escravizar. A Austrália havia-se desenvolvido sem companhias soberanas, e era um império civilizado. Não receava, pois, a nova companhia sul-africana, recentemente organizada em Inglaterra, se finalmente a nossa administração e a nossa política colonial se resolvessem a serem o que deviam ser: previdentes, práticas e enérgicas; mas que cada povo tinha os seus processos e as suas tradições, e que não sendo Portugal um povo de mercantões como o povo inglês, não lhe parecia ser este o modo de opor-se à invasão inglesa nos territórios africanos. Há nuvens negras no horizonte e aprova-se uma moção relativamente a uma nota diplomática em que o governo britânico protesta junto do governo português contra a área atribuída ao distrito do Zumbo pelo decreto que o reconstituiu, e declara não reconhecer nenhum direito ao exercício da soberania portuguesa nestes territórios. A moção refere que não há fundamento para a ocupação ou jurisdição britânica em todos estes territórios, tudo isto deve derivar de falsas e capciosas informações geográficas, históricas e políticas com que o espírito de seita e aventura tem ultimamente pretendido iludir a opinião sobre a influência de Portugal em África. E o documento assinado em 2 de dezembro de 1889 por Luciano Cordeiro, a moção da Sociedade de Geografia reza o seguinte: “1.º - Faz votos porque a diplomacia britânica, melhor informada, lealmente afaste o equívoco em que evidentemente labora, de sobre a antiga cordialidade e recíproco respeito dos dois países, cujo honrado acordo tão proveitoso há sido e tão necessário é à paz e à civilização de África; 2.º - Confia que os poderes públicos, inspirados na vontade unânime e na incontestável justiça da nação, manterão firmemente o direito e a integridade da soberania portuguesa; 3º - E afirma que os territórios incorporados no distrito de Zumbo e os das zonas do Zambeze, do Chire e do Niassa a que se refere a nota inglesa, sempre, desde as suas primeiras descobertas e explorações, feitas pelos portugueses, foram em boa ciência e segundo o direito, considerados como incluídos na influência e na tradição jurisdicional da soberania de Portugal, tendo sido e estando por ela ocupados onde e como entende conveniente e sem interrupção de nenhuma outra soberania culta, em qualquer tempo e lugar”.
E assim chegamos à sessão de 20 de janeiro de 1890, espelha a indignação pelo Ultimatum, chovem protestos, distingue-se o de Luciano Cordeiro, fazem-se propostas concretas de afastamento dos interesses britânicos: deixar de usar a libra-esterlina, cunhando moeda do tipo da convenção monetária de que fazem parte alguns países continentais, abolindo o curso legal da moeda inglesa; denúncia do tratado luso-britânico de 1842; decretar um imposto especial de residência para os ingleses estabelecidos na metrópole, etc.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22286: Historiografia da presença portuguesa em África (267): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (4) (Mário Beja Santos)
1 comentário:
Na fotografia vemos o prédio da Rua Capelo, gaveto com a Rua Ivens, no Chiado-Lisboa, agora reconstruído mantendo toda a sua bela fachada provavelmente para um condomínio de luxo, julgo não ter sido a última morada da Sociedade de Geografia de Lisboa antes da mudança definitiva em 1897 para a Rua das Portas de Santo Antão. Parece que a SGL saiu deste prédio em 1891 e passou para o Palácio das Chagas, no Largo do Calhariz, até à data da mudança em 1897.
Valdemar Queiroz
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