"Memórias
da Minha Aldeia"
Camaradas,
É no silêncio dos meus 70 anos que os neurónios com os
quais a minha saudosa mãe me trouxe ao mundo, e que continuam ativos no mundo
da escrita, que persisto em trazer a público uma infinidade de lembranças que,
caso não houvesse alguém que ousasse enveredar por tamanha aventura, muito do
passado cairia no limbo do esquecimento. Sim, na verdade prometi, um dia,
elaborar um livro sobre a terra que me viu nascer: Aldeia Nova de São
Bento.
Confesso que produzir uma obra onde as imensidões de
memórias das gentes da minha aldeia proliferam, investigando em “oceanos”
profundos não foi, de facto, tarefa fácil. Nesta panóplia de sucessivas
narrativas, procurei deixar os nomes de todos os meus conterrâneos que morreram
na guerra colonial, ou se quiserem na guerra do Ultramar, designadamente na
Guiné.
O texto que aqui vos deixo é o tema com que abro e
fecho o meu próximo livro: “Memórias da Minha Aldeia”.
Introdução
Nasci em Aldeia Nova de São Bento no dia
23 de novembro de 1950 e sou filho de Francisco Saúde e de Ana dos Reis
Romeiro, ambos naturais da povoação.
Oriundo de uma família humilde, gente que
“comeu o pão que o diabo amassou”, mas cujo princípio familiar passou por me
colocarem a estudar num ensino secundário, ensino este que ia para além da
então trivial quarta classe, foi, de facto, o literal propósito dos meus pais,
aliás, pessoas simples, mas que oportunamente se identificaram com uma enorme
solidez humana que motivou o homem que hoje sou.
Neste contexto, e num desafio permanente
às “Memórias da Minha Aldeia”, deixo escrito, neste livro, parte das raízes da
minha infância e dalguns pormenores de profissões que marcaram,
inequivocamente, épicas gerações, onde os “mestres” foram personalidades que
inspiraram épocas inesquecíveis, sendo que o seu labor ficará eternamente
contemplado. Para além dessas inequívocas lembranças, recordo ainda alguns dos
nossos conterrâneos que ficarão perpetuamente expostos numa montra de
eloquentes e requintadas individualidades.
Mas, além de tudo o que aqui vos deixo
escrito, o que é sempre muito pouco, preocupei-me em falar sobre a origem da
nossa Aldeia, do seu Padroeiro São Bento, da Festa das Santas Cruzes, um dos
nossos ícones anuais, assim como a envolvência da Procissão, do nosso fabuloso
Cante Alentejano, do simbolismo das Santas Cruzes feitas em casas de devotos,
enfim, uma panóplia de narrativas avulsas indiscriminadas no tempo e que dão
maior força a esta obra trabalhada com imensa ternura e paixão.
É,
ainda, plenamente crível que articulemos histórias genuínas da nossa terra e,
obviamente, dos seus antigos usos e costumes. Recupero, também, narrativas
inseridas num outro livro que em tempos lancei para os escaparates, mas que
julgo apresentarem-se determinantes para a composição de recordações do
antigamente e que jamais o esqueceremos.
Reconheço,
porém, que muito mais haveria para expor nesta obra. Mas, neste mundo da
escrita, sempre perplexo, o autor procura, neste caso, dar uma imagem do
universo aldeão, embora o faça meticulosamente, sem preconceitos e isento de
presumíveis susceptibilidades.
A todos um bem-haja!
Quando um homem se põe a recordar…
É inevitável mergulhar nas profundezas das límpidas
águas oceânicas que se apaziguam miraculosamente na costa alentejana, ou de
viajar entre as searas loiras que rodeavam a aldeia, onde o cantar dos grilos
na primavera entoava uma melodia encantadora, e trazer à estampa pequenas
lembranças da nossa terra que orgulhosamente definem o que foram as vivências
do passado.
Procurei, embora sinteticamente, recordar os tempos
antigos, os hábitos, as imagens que entretanto se foram diluindo com o suceder
das épocas, as amizades, a pureza dos nossos costumes, de pessoas que deixaram
vincadas os seus saberes, ou as suas artes, as fotos que escrupulosamente
recolhi, algumas delas oferecidas, mas aonde fica o meu profundo agradecimentos
a todos que comigo colaboraram, fornecendo-me essas imagens que trabalhei com
um amplíssimo carinho, as suas identificações, ou tirando-me pontuais dúvidas
em relação ao tema tratado, ou alertando-me para pequenas hesitações que
oportunamente foram dizimadas, o profícuo carácter dos homens no seu trabalho
quotidiano, enfim, uma panóplia imensa de narrativas a que me predispôs
executar, ficando registada uma obra que eu próprio considero sempre inacabada.
Outros, com engenho e arte, que lhe dêem continuidade.
Aqui não ficam resquícios sobre a plenitude de
pequenos teores feitos com base no bem-querer que nutro pela terra que um dia
me viu nascer e que um dia me irá consumir. Aqui “não há filhos nem enteados”,
todos foram tratados de igual modo. Reconheço que a narrativa exposta não é
completa. Sim, porque “quem conta um conto acrescenta-lhe sempre mais um
ponto”. É normal e fica a minha aceitação. Perduram, porém, as muitas horas,
dias e meses dedicados a uma investigação que paulatinamente foi tomando corpo
e que aqui vos deixo com muito amor.
Quando um homem se põe a recordar, é perfeitamente
admissível que nem tudo de momento lhe ocorra. Todos temos histórias guardadas
e cada um de nós trabalhamo-las de acordo com o nosso pensar e vivência.
Ainda assim, e não obstante as eventuais animosidades,
procurei não desertar dos propósitos a que me lancei quando me iniciei nos
trabalhos das “Memórias da Minha Aldeia”. Neste contexto, deixo-vos uma foto,
eu sentado na bica de água já desativada no ano de 1969, e que serviu
similarmente de inspiração para a execução desta longa maratona, tendo em linha
de conta que o meu pensamento, naquele instante, parecia premeditar que o mundo
da escrita faria parte do meu futuro.
Obrigado aos meus caríssimos conterrâneos, em especial a todos que comigo colaboraram, e das fotos que despretensiosamente me enviaram, permitindo-me, com a devida vénia, ter conseguido levar “a carta a Garcia”!
Um abraço, camaradas,
José Saúde
Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523
Mini-guião de colecção particular: ©
Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em: 9 DE JUNHO DE 2021 Guiné 61/74 - P22267: (Ex)citações (386): Valeu a pena andarmos todos à porrada, nós, e os ingleses, e os bóeres, e os alemães, e os cuanhamas, e os hereros, naquele Cu de Judas que era o sul de Angola e o Sudoeste Africano? (António Rosinha / Valdemar Queiroz)
4 comentários:
Zé, conta com mais um fiel leitor das "Memórias da Minha Aldeia"... Recordar é preciso. E é um ato de grandeternura...
Quantos de nós (, a grande maioria!) não vão levar consigo, para a cova, as memórias da sua infância, da sua terra, da sua pequena cidade, vila, aldeia ?!...
Sorte tem a Aldeia Nova de São Bento, hoje vila, por ter um filho com o teu talento literário!...
Quando é que é o lançamento do livro ? Dá notícias, e convida também os vizinhos de Vila Verde de Ficalho, ou pelo menos o meu amigo dr. Edmundo Sá, diretor do centro de saúde de Serpa e teu vizinho de Beja...
Um abraço fraterno... Luís
É verdade, Zé, a tua terra também faz parte do "martirológio" dessa guerra estúpida e inútil para a qual fomos mobilizados...
Recordo que em 34 mortos na guerra do ultramar / guerra colonial, naturais do concelho de Serpa, 10 eram oriundos da freguesia de Vila Nova de São Bento (, na altura Aldeia Nova de São Bento, tendo passado a vila em 1988)....
DEsgraçadamente, a tua terra também tem vindo a perder população como todas as terras do interior profundo do país: 8842 habitantes em 1950; 7678 (em 1960); 5406 (em 1970); e... 3072 (em 2011) (informação da Wikipédia).
Tanto quanto se sabe, e o Manuel Macias, meu amigo e camarada de Pelotão na guerra da Guiné, também em tempos me explicou, o povo resolveu juntar duas antigas aldeias numa só e nasceu uma aldeia nova apadrinhada por São Bento.
E assim apareceu a Aldeia Nova de São Bento.
Até no cante se arranjou/adaptou em vez 'à minha terra' passou a 'Aldeia Nova':
'Lá vai Serpa, lá vai Moura
As Pias ficam no meio
E quem for à Aldeia Nova
Não há que houvera receio'
E o gentílico passou a ser aldenovense ou aldeanovense.
Agora por razões autárquicas deixou de ser Aldeia e passou a Vila, até estará certo, mas porquê "Nova" se nem sequer existe uma "Velha".
Lá terá de se alterar o gentílico e letra do cante, e parece que a localidade está a perder população e não me faz pensar como seria passar a cidade.
Agora venha livro "Memórias da Minha Aldeia" do nosso camarada Zé Saúde, que pelos vistos tem muitas memórias da Aldeia que o viu nascer.
Abraços
Valdemar Queiroz
Ficamos a aguardar, as "Memórias da Minha Aldeia", grande Amigo e Ranger Saude. Forte Abraço.
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