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quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22940: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XVI: brutal ataque ao destacamento e tabanca de Missirá na véspera do Natal de 1966


Foto nº 1 > Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá > Malan Soncó, Régulo de Missirá com o Alferes Crisóstomo




Foto nº 2 > Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá > 
O Régulo de Missirá e os homens grandes da tabanca de Missirá com o “novo” alferes de pé entre ele e o seu irmão; com os homens grandes estão os 3 furriéis do 2º pelotão : Agostinho Neiva, de pé à direita, o furriel Lopes no meio e no lado esquerdo o furriel Bonifácio.




Foto nº 3 > Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá > 
Esta foto com as bajudas de Missirá evidencia o bom relacionamento existente.


Foto nº 4 > Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá > Mesmo  num destacamento havia momentos de descontracção. Não sei qual a ocasião . Na foto estou com o novo médico do BCAÇ 1888, Paulo Patracki que substituiu o medico Francisco Pinho da Costa que tinha sido evacuado para Bissau e daí para Lisboa, vítima duma mina em 21 de Agosto de 1966.


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


A CCAÇ 1439 teve como unidade mobilizadora o BII 19 (Funchal), partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967, tendo passado por Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole, Missirá, Fá Mandinga. O comandante era o cap mil inf Amândio Manuel Pires, já falecido. Alferes (milicianos): Freitas (Funchal, Madeira), Crisóstomo (Torres Vedras, hoje a viver em Nova Iorque), Sousa (Vila Nova de Famalicão), Zagalo (Lisboa, ator de teatro, já falecido).






João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)
(a viver em Nova Iorque desde 1977,
depois de ter passado por Inglaterra e Brasil)


I. Continuação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil at inf, CCAÇ 1439 (1965/67)


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque) (*)


Parte XVI: Dia 23 de Dezembro de 1966 : Ataque ao destacamento e tabanca de Missirá



1. O ataque a Missirá foi um choque para todos. O Régulo de Missirá (Foto nº 1)  era como um amigo para todos e isso refletia-se na população com quem tínhamos um relacionamento muito bom, direi quase de família (Fotos nºs 2 e 3).

Virei a saber que,  depois de termos ido embora,  o mesmo relacionamento continuou como tive o prazer de ler nos escritos e livros de Beja Santos, especialmente no seu “Diário da Guiné, em Terras de Soncó.” As fotos que acima de reproduzem, tiradas antes do ataque,  ilustram bem este bom relacionamento

Embora o destacamento de Missirá nesta data ainda estivesse sob a responsabilidade da CCaç 1439 no Enxalé, o destacamento de Missirá já tinha recebido nesta altura, como já tinha sucedido em Porto Gole, o reforço de um pelotão de nativos, (o Pel Caç Nat 54, segundo me informaram) devidamente treinados pelas NF, comandado pelo Alferes Marchand. Isto dava mais flexibilidade e possibilidades à CCaç  1439 para outras “tarefas”.



Foto nº 5 >
 Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá >  Aspeto geral da tabanca



Foto nº 6 > Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá > O sold trms Júlio Martins Pereira.

Estas duas fotos (nº 5 e 6) são da autoria de Júlio Pereira : a 1ª mostra parte da tabanca; na 2ª foto o Júlio Pereira e o seu rádio de transmissões no largo dessa tabanca

Fotos (e legendas): ©  Júlio Martins Pereira  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].





Foto nº 7 >
 Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá  > O 
Alferes Marchand, cmdt do Pel Caç Nat 54, no dia do ataque do IN a Missirá.



Foto nº 8 >
 Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá  > O alf mil Freitas.



Foto nº 9 >
 Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 1439 (1965/67) > Destacamento de Missirá >  Sob o comando do Alferes Freitas (foto nº 8)  veio uma coluna do Enxalé, na qual me incorporei. Nesta foto, aqui estou eu,   “sem poder acreditar”, olhando os resultados do ataque.  O ex-fur mil José António Viegas, do Pel Caç Nat 54. tem também excelenets fotos do dia seguinte ao ataque a Missirá: vd. postes  P2105 e 2107 (**).


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



2. No dia 23 de Dezembro de 1966,  o IN atacou em grande força o destacamento de Missirá com efectivo muito numeroso, cercou toda a tabanca, tendo utilizado morteiro 82, canhão sem recuo, metrelhadoras pesadas 12.7 e toda a espécie de armamento automático.

"As NF reagiram convenientemente pelo fogo e com calma, não permitindo,  apesar do incêndio declarado na tabanca em consequência do fogo IN e do grande volume da forca atacante,  qualquer desmoralização nas nossas fileiras. 

"O ataque que durou cerca de 75 minutos alertou as forcas aquarteladas em Enxalé que,  não tendo ligação rápida com o destacamento de Missirá, decidiram ir em seu auxílio. Devido à distância Enxalé-Missirá, as forças idas do Enxalé quando chegaram à região de Missirá não encontraram já os elementos atacantes,  tendo-se verificado que os mesmos tinham dispersado para N por vários itinerários."

Resultados: f
eita uma batida a toda a zona  em volta de Missirá foi encontradomo seguinte material:

  • 1 granada de mão defensiva REGD-5;
  • 1 cunhete de granadas para canhão sem recuo;
  • vários invólucros de calibre 12,7 e 7,62 e uma fita de met 12,7.

O IN sofreu baixas confirmadas em número não estimado. Não houve baixas nas NT. A população civil, por seu turno,   sofreu 4 mortos e três feridos,  os quais foram evacuados para Bissau.

Do incêndio resultaram avultados prejuízos materiais- quer em material de querra e aquartelamento, quer em artigos de cantina e rancho em virtude de terem ardido 3 casas pertencentes à tropa e 5 à população civil.

Diversos - Foi salientado na acção o seguinte pessoal:

  • Régulo de Missirá, Malan Soncó;
  • Soldado Cond Auto  nº 5406064, António dos Santos Campos;
  • Soldado At nº 820 27666, Armando Félix Dionf, do Pel  Caç Nat 54.

Todos estes elementos foram louvados pelo Exmo Comandante Militar.

Referência apreciativa do Agrupamento 24:

"Comunico a V.Excia que causou a melhor impressão, neste Comando, a decisão tomada pelo Comandante da CCaç 1439 e medidas que pôs em prática para interceptar o IN, atacá-lo e aniquilá-lo se possível.

Gorou-se o esforço dispendido por falta de contacto mas o poder de determinaçnao daquele comandante, sua capaciade para montar uma operação, espírito de sacrifício e combatividade de suas tropas ficou bem vincado, o que me apraz registar.”

(Continua)
____________

Notas do editor:


(**) Vd. postes de:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22939: Blogoterapia (300): O tempo passa, mas as suas marcas ficam (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493)

1. Mais um artigo do nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74) para a nossa série Blogoterapia, enviado ao nosso Blogue em mensagem de 24 de Janeiro de 2022:


O tempo passa, mas as suas marcas ficam

Foi no dia 24 de janeiro do ano de 1972, faz hoje meio século, que fiz a minha primeira viagem de avião rumo à Guiné, depois de na condição de militar ter passado um ano menos um dia na metrópole.

As voltas a que a vida tantas vezes nos obriga!
Na madrugada do dia 22 fui levar a minha esposa à maternidade do hospital da Nazaré, onde naquela manhã nasceu o meu filho. À tarde fui lá vê-los… sem me ter despedido… na manhã do dia seguinte apanhei o autocarro que me levou até Lisboa, onde ao início da tarde eu me fui apresentar no DGA, enquanto eles continuavam na maternidade.

No dia 24, a manhã ainda vinha longe quando o avião em que viajei levantou voo do aeroporto militar de Figo Maduro. Depois de uma viagem lenta… chegamos a Cabo Verde.
Em Lisboa, quando embarcamos, a temperatura era de cerca de quatro graus, quando chegamos ao aeroporto dos Espargos, na Ilha do Sal, estavam trinta.
Depois de lá termos estado durante algum tempo, não muito, voltamos a levantar voo para concluir a viagem até ao aeroporto de Bissalanca, na Guiné. Se eu já ia completamente baralhado… quando lá cheguei fiquei ainda mais, o que talvez fosse normal… Para mim tudo aquilo era novo, começando pela minha primeira viagem de avião (logo a caminho da guerra…) onde seguia também uma senhora envergando traje militar, soube depois que era uma enfermeira paraquedista, alguém disse que ela estava a regressar depois de ter ido acompanhar um ferido.
Eu desconhecia que existiam enfermeiras nas forças armadas…

Desde que saí do aeroporto de Bissalanca até chegar aos Adidos, para mim, era como se tudo fosse um mundo novo… tal era o excesso da minha ignorância em relação aquilo com que ali estava a ser confrontado.
Depois de ter passado quase um mês nos Adidos, uma nova viagem de avião, agora até Bafatá, e nova surpresa, o Dacota em que viajei tinha os bancos em madeira, iguais aos das viaturas. Depois de termos chegado a Bafatá, eu e mais alguns que tinham viajado comigo, seguimos um novo rumo - agora em viatura para Bambadinca, a que se seguiu mais uma viagem no mesmo dia até Mansambo, onde, junto com os velhinhos, já se encontrava a Companhia que eu fui integrar.

Daquilo que fiz ontem, algumas dessas coisas, hoje, eu já não tenho a certeza. Mas estas continuam a manter-se vivas na minha mente. Ainda que há já muito tempo as tenha arrumado… só as visito quando eu entendo necessário.
Para alguns dos mais novos, e mesmo de outros menos velhos, talvez pensem que nós éramos tontos, ou atrasados, por termos seguido por aqueles trilhos… Mas os tempos eram outros. Aconteceu a alguns que estavam no estrangeiro, quando chegava o seu tempo regressavam ao nosso país para cumprir o serviço militar. Não porque gostassem de lutar contra alguém, muito menos sabendo que iam para a guerra. Mas sim porque gostavam da sua terra e dos seus.

Alguns tinham saído clandestinamente do nosso país, no início da guerra, e gostavam de poder regressar para estar algum tempo junto da família e dos amigos, mas não podiam… Porque se voltassem, alguém que não desejavam se podia encontrar com eles.

Era assim naquele tempo!...

António Eduardo Ferreira

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22427: Blogoterapia (299): Ter muita gente por perto não significa sempre estar-se acompanhado (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493)

Guiné 61/74 - P22938: "Alfero Cabral ca mori": Lista, por ordem numérica e cronológica, das 94 "estórias cabralianas" publicadas (2006-2017) - Parte III: de 40 a 59

 


Uma caneca que ainda vai fazer furor entre as bajudas da Guiné-Bissau, na próxima incarnação do "alfero Cabral": "Kiss me, I'm an Alfero" [Beija-me, sou um Alfero]... Imagem que ilustrou a "estória" nº 56, acompanhada da seguinte legenda: "Quando eu voltar à Guiné, em vez dos 'corpinhos' 
[, sutiãs]... , vou oferecer às Bajudas, estas belas canecas"...


Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Lista das estórias cabralianas, por ordem numérica e cronológica - Parte III: De 40 a 59 (*):

São "estórias"publicadas no nosso blogue, entre novembro de 2008 e maio de 2010. 

Jorge Cabral (1944-2021), ex-alf mil at art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mndinga e Missirá, 1969/71), era muito querido e popular entre a malta da Tabanca Grande: basta referir, por  exemplo, que o seu poste de parabéns,  do dia 6/11/2009 (P5221) teve 1531 visualizações e 30 comentários.

E a propósito, da "estória" nº 56 (Cum caneco, alfero apanhado à unha!), escreveu na altura o nosso editor LG o seguinte:

(...) "A cabraliana, a estória cabraliana, é já um género literário, reconhecido e estudado na Universidade. Daqui uns anos alguém fará douramentos sobre este material altamente revelador da dissonância cognitiva e falta de alinhamento dos bandos que, na Guiné, por detrás do arame farpado, defendiam a honra da Pátria (Bruno dixit)...

Como se pode deduzir da leitura de mais esta cabraliana, o boato (desmoralizante) tinha um efeito dissolvente no moral das nossos tropas, como um dia opinou um PIDE/DGS à minha frente, no Café do Teófilo, em Bafatá. Como é possível imaginar o nosso Cabral, o único, o verdadeiro (porque o outro era um renegado...), apanhado à unha e depois em altos conciliábulos e quiçá orgias com o Corca Só e a sua corja de Madina/Belel ?!...

Ainda bem que o Cabral tem, por fim, a oportunidade histórica e soberana de, aqui, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, lavar a sua honra e reafirmar o seu impoluto patriotismo. A guerra da Guiné foi demasiado real para a gente sequer poder ficcioná-la ou fazer humor negro, com ela, com os seus heróis e com as suas vítimas.(...)



(...) Claro que lembro do Tosco! Havia pretas, mulatas e até uma chinesa. Todas, mais os copos, trataram-me da saúde. Entrava sempre a coxear, por via dos descontos… Mas o meu preferido era o Bolero, onde jantava no primeiro andar, antes do Tango em baixo, tocado a rigor por uma orquestra de cegos. Ainda lá fui após o 25 de Abril. A mesma orquestra, as mesmas putas, mas a música mudara – Todos em coro cantávamos a Internacional (...).

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

(...) De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho (...)

26 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

(...) Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só entrara em greve, mas no Batalhão acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos (...).

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)

(...) Cumbá, a terceira mulher do Maunde, ainda uma menina, sentiu as dores de parto, ao princípio da noite. Às duas da manhã sou lá chamado. Está muito mal e as velhas não sabem o que fazer. Eu também não. Vamos para Bambadinca. Chegamos, mas Cumbá morre e com ela a criança não nascida. Amparo o Maunde, que chora e grita:-Duas vacas, Alfero, duas vacas! (...)

27 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

(...) O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse (...).

2 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3963: Estórias cabralianas (45): Massacres e violações (Jorge Cabral)

(...) Corria o ano de 1968, quando prestes a concluir o Curso, não resisti ao convite do Estado – Férias pagas em África, com grande animação e desportos radicais. Primeiro o estágio-praia para os lados da Ericeira, findo o qual, tive um grande desgosto. Tinham-me destinado ao turismo intelectual – secretariado. Felizmente as cunhas funcionaram e consegui ser reclassificado em atirador, tendo passado a frequentar no Alentejo, o estágio-campo. Terminado este, ainda vivi muitos meses de tristeza e inveja ao ver os meus camaradas integrarem satisfeitos numerosas excursões, as quais iam embarcando (...).


31 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4114: Estórias cabralianas (46): Inspecção Militar: E todos os tinham no sítio... (Jorge Cabral)

(...) Pois, também eu naquela manhã de Junho me dirigi à Avenida de Berna, ao Quartel do Trem Auto, onde hoje funciona a [Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da] Universidade Nova [de Lisboa].Éramos mais de cem, altos e baixos, loiros e morenos, alguns mancos, pitosgas muitos, um quase corcunda, três gagos e dois tontos. Mandaram-nos despir e pôr em fila, numa literal e verdadeira bicha de pirilau. (...)



(...) Calma, simpática, acolhedora, a Vila de Vendas Novas. Bom vinho, petiscos, raparigas bonitas. Que mais podia aspirar o Aspirante? No Quartel fazia tudo, isto é, nada. Acumulara cargos, Justiça, Acção Psicológica, Revista, Cinema e ainda os discursos da Peluda.Cumpria gostosamente um peculiar horário. Após o toque de alvorada, às vezes de ressaca, de cara por lavar e barba por fazer, corria para a Formatura Geral, onde... passava revista ao Pelotão. Meia hora depois, abancava no Bar e tomava um lauto pequeno almoço, antes de regressar à cama. (...)


8 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4155: Estórias cabralianas (48): A Bandolândia ou uma aula de história em... 2092 (Jorge Cabral)

(...) O Cidadão – Aluno XI7 frequenta a décima semana do Curso Unificado – Primário, Secundário, Universitário, o qual segundo as normas da Declaração de Cacilhas, lher irá conferir o Diploma da Sabedoria.Claro que, quando entrou na escola, já dominava muitas das matérias que antigamente demoravam anos a aprender, pois logo em criança lhe implantaram um chip com todos os conhecimentos básicos. Porém XI7, hoje chegou à aula cheio de dúvidas. É que encontrou uma fotografia do seu trisavô, vestido com uma farda e empunhando um instrumento, talvez uma arma.(...)

12 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4326: Estórias cabralianas (49): Cariño mio... Muy cerca de ti, el ultimo subteniente romántico (Jorge Cabral)

(...) Dois dias depois de chegado a Bambadinca em meados de Junho de 69, fui mandado montar segurança no Mato Cão. Periquitíssimo, cumpri todas as regras, vigiando a mata de costas para o rio, sem sequer reparar na beleza da paisagem.Mal sabia então, que ali havia de voltar dezenas de vezes, durante o ano que passei em Missirá. Pelo menos uma ida por semana para ver passar o Barco, no que se transformou numa quase agradável rotina.(...)


(...) - Meu Alferes! Meu Alferes! Já chegou o Senhor Abade! - O cozinheiro Teixeirinha, todo eufórico, gritava, à porta do meu abrigo.- Abade - pensei comigo - , o Puím?Magro, simples, humilde, o único Capelão que conheci na Guiné, viera de sintex e, antecipando-se, não esperara por ninguém, entrando no Quartel. Logo após o descanso, a missa foi celebrada, mesmo ao lado da Cantina, no local da Escola. Fiéis, sete, dois comungantes e o Padre, de paramentos verdes. (...)


(...) Tanto nas Tabancas Fulas como nas Mandingas, o Alfero actuava à vontade com as Bajudas, perante a complacência dos Homens e Mulheres Grandes… Aliás não ia além de um acariciar voluptuoso, acompanhado com promessas de encontros no Quartel. Na altura teria merecido o cognome de Apalpador. (...) Em Novembro de 1969, visitou uma Tabanca Balanta, Bissaque [, a norte de Fá, ], e ficou deslumbrado com a beleza das Bajudas, designadamente peitoral…

22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4723: Estórias cabralianas (52): Em 20 de Julho de 1969, também eu poisei na Lua... (Jorge Cabral)

(...) Na Guiné, há mês e meio, mas já em Fá, havia nessa tarde muito calor. O pessoal dormia e toda a gente procurara a aragem possível. Em silêncio, o Quartel repousava… Eu porém, em tronco nu, saíra, a caminho da fonte mais pequena. Resolvera isolar-me, para escrever, calculem, um poema… Lá chegado, ainda nem escolhera um poiso confortável, quando vejo surgir, não sei de onde, um vulto de mulher, apenas com uns panos, caindo da cintura. (...)

28 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4750: Estórias cabralianas (53): A estranha doença do soldado Duá (Jorge Cabral)

(...) Quando uma noite, em Missirá [, o último destacamento de Bambadinca, a norte do Rio Geba, no Cuor,] o Alfero passava ronda, ficou estupefacto, ao constatar que todos os Soldados de Sentinela se encontravam acompanhados das respectivas Mulheres.- Mas que se passa? – indagou…- É por causa da doença! O Duá apanhou a doença do Victor!- Doença do Victor? (...)

(...) Nem um mês tinha de Guiné e já andava a experimentar todas as mezinhas recomendadas pelo Nanque . Bem, todas não. Nunca bebeu a primeira urina da manhã, remédio infalível para o estômago mas ainda no outro dia o receitou a uma distinta senhora, que calculem, se zangou com ele, por se pensar gozada. Tomou porém todas as demais, desde afrodisíacos a um chá para a tristeza, que o deixou eufórico durante quase toda a comissão… Apesar de tantos tratamentos, a verdade é que o Alfero gozava de excelente saúde. (...)

17 de Outubro de 2009 >Guiné 63/74 - P5117: Estórias cabralianas (55): Marqueses e murquesas ou... Peludas e Peluda... (Jorge Cabral)

(...) Há mais de 30 anos, que montei Escritório [de advogado] na Passos Manuel, entre o Jardim Constantino e o Intendente. Um bom local, com velhos da sueca, sem-abrigo alcoolizados e fanadas matronas em pré-reforma. Eu gosto. Aqui na Rua, já quase todas as lojas mudaram de ramo. Ultimamente, surgiram os Gabinetes de Fotodepilação. A propósito e não sei bem porquê, pois os pensamentos tal como as palavras são como as cerejas, lembrei-me primeiro de Pero Vaz de Caminha e do desembarque em Terras de Vera Cruz, quando os marinheiros depararam com as índias nuas, mostrando “suas vergonhas tão altas e cerradinhas”. E depois da Guiné. De uma espantosa conversa ao serão. O Alferes, os Furriéis, os Cabos, como de costume, falavam de tudo e de coisa nenhuma… Nessa noite, discutia-se um tema interessante – pêlos púbicos. Delas, claro está (...)

28 de Outubro de 2009 > Guiné 53/74 - P5172: Estórias cabralianas (56): Cum caneco, alfero apanhado à unha! (Jorge Cabral)

(..) Há uns dias telefonou-me o nosso Amigo Durães [, da CCS/do BART 2917, Bambadinca, 1970/72]. Estava em Setúbal, com um ex-cabo do Pelotão de Intendência de Bambadinca, o qual lhe jurava que o Alferes Cabral de Missirá havia sido, em 1971, apanhado à mão, quando regressava ao seu Destacamento.

Desaparecido durante dias, fora muito bem tratado pelo pessoal de Madina, passando a não ser incomodado pelos Turras. Garantia o homem da Intendência, a absoluta veracidade do evento, conhecido por todos os seus Camaradas. Queria o Durães saber se eu confirmava o facto. (...)


22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5522: Estórias cabralianas (57): As duas comissões do Alfero... ou a sua dolce vita em Bissau, segundo a Avó Maria e a Menina Júlia (Jorge Cabral)


(...) A foto do Alfero, fardado de Alferes, no cais do Xime, comprova o que Avó Maria sempre disse. O seu neto Jorge deu-se muito bem na Guiné. Até porque, para ela, nunca saiu de Bissau, que devia ser igual à Lourenço Marques dos anos trinta, quando por lá passou. Essa a razão porque o Alfero, cumpriu simultaneamente duas comissões, uma em Fá e Missirá, outra na capital frequentando os bailes do Governador, os quais descrevia com pormenor em longas cartas, nas quais também falava das eloquentes homilias que ouvira na Sé Catedral. (...)


26 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5889: Estórias cabralianas (58): O Dia do Patacão e a Dívida do Alfero (Jorge Cabral)

(...) Tenho a certeza que os primeiros cabelos brancos do Alfero lhe nasceram nos dias do Patacão.
No final de cada mês, deslocava-se a Bambadinca a fim de levantar o dinheiro para pagar os ordenados aos Militares do Pelotão e aos Milícias. Era o dia do Patacão, ansiado por todos e ainda mais pela multidão de credores, que desde manhã acorria ao Quartel. Usurários, Pré-Sogros e Sogros, Batoteiros Profissionais, Dgilas, Alcoviteiros, Fanatecas, Músicos… havia sempre alguém à espera que o Alfero liquidasse as dívidas dos seus homens. Todos devedores, incluindo o Alfero, que prometera pagar, em prestações suaves, a conta do Fontória, onde em férias, numa noite, oferecera de beber a todos e terminara na Esquadra da Praça da Alegria. (...)


10 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6364: Estórias cabralianas (59): Notícias do Ano 2050, quando formos todos UPV e morarmos num Velhil (Jorge Cabral)


(...) Tenho como sabem, uma máquina do tempo, na qual viajo ao passado. Porém hoje a máquina avariou e em vez de recuar os quarenta anos programados, avançou e eis-me aqui no ano de 2050. Estou vivo e ainda trabalho pois agora já ninguém tem direito à Reforma. Exerço as minhas funções no Instituto da Promoção da Pobreza. Preparo um Estudo sobre o Empobrecimento Lícito e o certo é que já sei as conclusões – empobrecer é legítimo, justo, lícito e patriótico. (...)


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Nota do editor:


4 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22874: "Alfero Cabral ca mori": Lista, por ordem numérica e cronológica,  das 94 "estórias cabralianas" publicadas (2006-2017) - Parte I: de 1 a 19


segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22937: Notas de leitura (1413): A utopia de André Álvares d’Almada, Revista Sintidus, nº. 1, de 2018 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
Saudemos o aparecimento da revista Sintidus, aqui se junta a referência para ter acesso ao seu conteúdo total. Privilegiou-se a chamada de atenção para o artigo de Raul Mendes Fernandes para as motivações narrativas de André Alvares d'Almada e o seu "Tratado Breve dos Rios de Guiné do Cabo Verde", aquele que será o mais belo documento de apresentação da Senegâmbia, no final do século XVI. Este marinheiro e mercador, Cavaleiro da Ordem de Cristo sonhava que Filipe II apoiasse o povoamento da região com gente vinda de Cabo Verde e lança o seu canto da sereia: afastamento das nações rivais, aproveitamento das riquezas, criação de uma nova classe de proprietários rurais naquele ponto da África Ocidental. As coisas não correram de feição, mas a narrativa é um dos documentos literários mais empolgantes de tudo quanto se escreveu na língua portuguesa.

Um abraço do
Mário



A utopia de André Álvares d’Almada

Beja Santos

A revista "Sintidus", cujo primeiro número saiu em 2018, é uma nova publicação científica na Guiné-Bissau e vale a pena conhecer-lhe os objetivos e ter acesso à versão online para aquilatar da sua importância (ver SINTIDUS).

Chamou-me a atenção o artigo “A viagem do olhar de André Alvares d’Almada”, da responsabilidade do investigador Raul Mendes Fernandes (ramefes@gmail.com). Com base na antropologia social, o cientista disseca as motivações que levaram, em 1594, o Capitão Álvares d’Almada, natural de Santiago, a publicar o "Tratado Breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde" desde os Rios de Sanagá até aos Baixos de St.ª Ana; de todas as Nações dos Negros que há na dita Costa, e dos seus Costumes, Armas, Trajes, Juramentos e Guerras. É consensualmente a mais luminosa das narrativas daquilo que se convencionou chamar literatura de viagens do século XVI, é uma obra com mensagem, bem intencional, e aquele viajante, marinheiro, soldado, quase etnógrafo e mercador do século XVI é uma verdadeira prestação de contas endereçada a Filipe II de Espanha e I de Portugal. Homem do seu tempo, Almada pretende convencer o monarca que só há vantagens em povoar uma parte do território da África Ocidental que dá pelo nome dos Rios de Guiné do Cabo Verde com os habitantes das ilhas de Santiago e Fogo, e daí o acervo informativo luxuriante, uma quase monografia escrita em viagem sobre reinos, conflitos e guerras, modos de vida, organização da produção e comércio nos ditos Rios da Guiné.

Almada sabe que o Brasil está a ser colonizado e que Madrid tem os olhos postos nas minas de Potosi, esta “carta de sedução” tem um móbil que é a sugestão implícita de que se pode construir uma zona intermediária entre a Índia e Portugal e utilizar a força de trabalho dos escravos africanos, os moradores de Santiago seriam os agentes da civilização e do negócio, eles iriam jogar um papel estratégico entre a Europa, a Índia e o Brasil. Pretende demonstrar que o povoamento até à Serra Leoa acrescentaria fé e fazenda, embargaria o caminho à concorrência estrangeira. Isto na lógica de que ainda vigorava a divisão do mundo decorrente do tratado de Tordesilhas. Recorde-se que este homem nascido em Santiago era um militar que se distinguira na defesa desta ilha contra ataques dos corsários, recebera o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo. Almada sonha com a cristandade e vê nesta região que também pode ser conhecida por Senegâmbia um processo de deslocação atlântica da economia oeste-africana, região onde o fluxo de escravos está no auge, segundo os números que o investigador adianta, a região designada por Senegâmbia e Ilhas Atlânticas era a maior fornecedora de escravos do continente africano, ao longo do século XVI terá fornecido aproximadamente 150 mil escravos. Este tráfico conhecerá profundas alterações com o crescimento de outros fornecedores como a Costa de Ouro, Baía de Benim e Baía do Biafra. Diz o autor que Álvares d’Almada testemunha as fortes ligações que os mercadores Mandingas estabeleciam com o comércio de longa distância no interior do continente, fala no Mandimança, o imperador negro a quem todos os negros da Guiné dão obediência, descreve ao pormenor os mercadores, as suas trocas comerciais e os mercados ao longo do Rio Gâmbia. Descrições cuidadas, como a que faz dos mercadores Mandingas:
“Este ouro, que aqui trazem, vem o mais dele em pó, e dele em peças e muito fino. Estes mercadores são bem entendidos, assim nos pesos como no mais. Trazem balanças mui subtis, marcetadas de prata, e cordões de retrós. Trazem os escritórios pequenos de couro cru, sem fechos, e nas gavetas trazem os pesos, que são de latão da feição de dados; e o marco é como uma maçã de espada. Trazem este ouro em canos de penas grossas de aves, e em ossos de gatos, escondido tudo em atilhos metidos pelos vestidos. Desta maneira, porque passam por muitos reinos, e são roubados muitas vezes, sem embargo de trazerem as cáfilas capitães e gente de guarda; e há cáfila que traz mais de mil frecheiros”.

É uma leitura sem rival, parece que regista tudo, ou é espião ou máquina registadora: como se vestem os mercadores mouros, as armas, as mercadorias dos circuitos de troca e atinge o seu apuro quando pretende imprimir à sua narrativa a configuração de que aquele mundo é paraíso terreal, e situa-se aqui aquele que será porventura o seu parágrafo emblemático:
“Esta terra é tão abundante de tudo que nada lhe falta; abastada de muitos mantimentos, muito fresca de ribeiras de água, laranjeiras, cidreiras, canas-de-açúcar, muitos palmares, muita madeira excelente. Povoando-se viria a ser de maior trato que o Brasil, porque no Brasil não há mais do que açúcar, e o pau, e algodão; nesta terra há algodão e o pau que há no Brasil, e marfim, cera, ouro, âmbar, malagueta, e podem-se fazer muitos engenhos de açúcar, há ferro, muita madeira para os engenhos, e escravos para eles”.

Segue-se a descrição dos reinos, de quem neles vive, não se esquece da navegabilidade dos rios, que há água potável, mas também animais, o que constitui a farmacopeia africana.

Como refere em conclusão o autor, a utopia de Almada construiu-se a partir da crença de que o Brasil era um sonho incerto, Sua Majestade bem podia apostar na ocupação territorial daquela ditosa Senegâmbia, assim afastaria as nações rivais, podia contar com segurança na economia esclavagista e criar uma nova classe de proprietários rurais.

A “carta de sedução” ficou para a História como documento inexcedível como observação e apresentação a um monarca de um novo mundo próspero ao seu alcance. Só que a utopia foi frustrada, o mundo deu outras voltas. E escreve o investigador: “O testemunho que nos deixou Almada revela de forma percursora uma nova visão sobre os homens e a natureza que passaram a figurar na sua narrativa como recursos a serem explorados. Neste sentido Almada é um autor moderno”.

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22927: Notas de leitura (1412): “África Dentro”, por Maria João Avillez; Texto Editores, 2010 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22936: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XXX: Alberto de Sousa Flores, alf inf (Almada, 1896 - França, CEP, 1918)

Júlio Alberto de Sousa Flores (1896 - 1918)


Nome: Júlio Alberto de Sousa Flores

Posto: Alferes de Infantaria

Naturalidade: Almada

Data de nascimento :16 de Fevereiro de 1896

Incorporação: 1916 na Escola de Guerra (nº 265 do Corpo de Alunos)

Unidade: 4ª Bateria de Morteiros Médios, Regimento de Infantaria n.º 18

Condecorações

TO da morte em combate:  França (CEP)

Data de Embarque:  18 de Julho de 1917 

Data da morte:  9 de Abril de 1918

Sepultura: 

Circunstâncias da morte Na batalha de 9 de Abril foi dado como desaparecido, julgando-se ter falecido por ferimentos recebidos durante o ataque alemão.

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António Carlos Morais da Silva, hoje e ontem


1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um oficiais oriundos da Escola do Exército e da Escola de Guerra que morreram em combate, na I Guerra Mundial, nos teatros de operações de Angola, Moçambique e França (*).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva, cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor da AM, durante cerca de 3 décadas; é membro da nossa Tabanca Grande, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 14 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22905: In Memoriam: Cadetes da Escola do Exército e da Escola de Guerra (actual Academia Militar), mortos em combate na 1ª Guerra Mundial (França, Angola e Moçambique, 1914-1918) (cor art ref António Carlos Morais Silva) - Parte XIX: Joaquim Vidal Pinheiro, ten art (Porto, 1892 - França, CEP, 1918)

Guiné 61/74 - P22935: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXV: Berlim, Alemanha, 1969








Imagens, que julgamos do domínio público, referentes a Berlim, antes da "queda do muro" (que só aconteceria, vinte anos depois, em 9 de novembro de 1989)



1. Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo", da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74. (*)

Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp);  é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem já mais de 300 referências no blogue.

Texto e fotos recebidos em 26/11/2021. Sendo uma viagem realizada em 1969, pode parecer um "anacronismo" publicar este texto nesta série, que é pós-Guiné, o mesmo é dizer, pós-25 de abril de 1974...Mas já aqui publicámos um outro texto do autor, ainda mais "anacrónico", sobre Hamburgo, datado de  1967. Não era fácil, todavia,  para um português, viajar nesse tempo pelos países da então "cortina de ferro", a Europa de Leste... Dada esta explicação sobre o contexto, aqui vai o texto do nosso camarada António Graça de Abreu, que desde cedo, se tornou  o "globetrotter" que conhecemos, o viajante compulsivo com duas voltas ao mundo, em cruzeiros... As fotos não devem ser dele, sendo mais provavelmente oriundas da Net, sem referência à fonte. São imagens que, todavia,  nunca mais gostaríamos de ver na nossa Europa. Vd. também os quatro postes que o nosso editor Luís Graça publicou em 2015, na sequência de uma estadia em Berlim, em março desse ano (***)


Berlin, Alemanha, 1969

por António Graça de Abreu


Ano de 1969. Venho desde Hamburgo (**), no Ford Escort na longa viagem desde Lisboa, atravessando agora tristes fronteiras de uma mesma pátria alemã, percorrendo autoestradas antigas construídas no tempo do Hitler, caminhos então modernos que tanto facilitaram a mobilidade da poderosa máquina de guerra nazi.

Antes da chegada a Berlin, ao entrar na Alemanha de Leste, a polícia e soldados da DDR (Deutsche Demokratische Republik) vasculham tudo, levantam os bancos do carro, metem-se por baixo do veículo, inspecionam, verificam, fazem perguntas após perguntas em sucessivos controles dos passaportes e dos papéis do seguro.

Chego a Berlin Ocidental, em tempos gelados de Guerra Fria. Numa transversal da Kurfürstendamm, a principal avenida da cidade, encontramos alojamento não muito caro num hotelzinho alojado num velho prédio impiedosamente bombardeado durante a 2ª. Guerra Mundial, mas restaurado, reconstruído a preceito, com cicatrizes a disfarçar meio escondidas em quase todos os patamares, esconsos e paredes. Camas confortáveis, um pequeno almoço substancial e saudável, o descanso possível após umas tantas emoções fortes.

Berlin Ocidental, cidade sitiada pela República Democrática Alemã, tem sobrevivido com dificuldade às asfixiantes tragédias da História. Por aqui respira-se alguma liberdade, o engenho e a capacidade de cada um a fazer-se, a exercitar-se na construção de milhões de quotidianos diferentes, melhores.

No terceiro dia na cidade, ida a Berlin Oriental. Tento e consigo entrar com o meu Escort pelo Checkpoint Charlie. Outra vez infindáveis controles, verificação de documentos, suspeitas de sermos uns perigosos espiões a soldo não sei bem de quem. O que vêm cá fazer? Turistas? Sim, meine Mutter, meine Schwester, eine Freundin und ich, (a minha mãe, a minha irmã, uma amiga e eu). O que querem ver? Trazem carro e tudo, porquê a viagem à Alemanha Democrática? Respondo, preencho mais papelada, lá me vou desenrascando no meu alemão, os dois anos de liceu mais um ano de estudo e trabalho em Hamburgo fazem de mim um falante nada vesgo no que à deutsche Sprache, a língua alemã diz respeito, o que também levanta suspeitas aos polícias da DDR.

Em Berlin Oriental, a cidade tem pouco trânsito automóvel, a sensação de uma grande silêncio, não a azáfama e correrias do capitalismo do outro lado do muro. Andamos uns quilómetros por dentro de Berlin Oriental, falta cor e alegria à cidade. Paramos, passeamos num jardim. Não falamos com ninguém, ninguém fala connosco. As pessoas movem-se, vão à luta à sua maneira, trabalham, mas parecem viver numa paz, numa tranquilidade instaurada por decreto.

Há ainda dezenas, centenas de edifícios por reconstruir, bombardeados pelos aviões aliados em 1945, ou esventrados nos combates de rua quando os soldados russos, e logo depois os aliados, entraram e ocuparam Berlin. O grande edifício do Reichstag (uma espécie de Parlamento), ainda em reparações, é uma assustadora sombra do passado.

Guio o carro pela avenida Unter den Linden. Ao fundo, a porta de Brandenburgo, ex-libris da capital alemã, fica neste lado oriental. Logo depois, diante da Berlin Ocidental começa mais uma vez o muro e as barreiras de arame farpado. Mandam-me voltar para trás, a estranha sensação de conduzir um automóvel numa cidade cortada ao meio pelos homens, com obstáculos, polícia e soldados vigilantes por todo o lado.

Muros, guaritas levantadas, metralhadoras prontas a disparar, as barreiras de arame farpado a dividir as duas Berlins, uma sensação de desconforto e mal estar.

Regresso a Berlim Ocidental. Na avenida Kurfürstendamm entro na Kaiser Wilhelm Gedächtniskirche, ou seja, a igreja construída em 1890 em memória do Kaizer Guilherme I, brutalmente bombardeada pelos aliados num raid aéreo em 1943. Lá dentro, no que resta da nave central retalhada pela guerra, um órgão toca Johann Sebastian Bach. A música faz estremecer as paredes do templo, levanta um hino à Alemanha, enobrece o coração dos homens.

António Graça de Abreu

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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 31 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22418: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XIII: Hamburgo, Alemanha Federal, 1967

(***) Vd. postes de

31 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14424: Os nossos seres, saberes e lazeres (80): Berlim, cidade ainda hoje invisivelmente dividida: as marcas da guerra e do terror (Parte I) (Luís Graça) 

domingo, 23 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22934: In Memoriam (425): Vasco Pires (1948-2016), um grande abraço, camarada, amigo e companheiro, lá onde estiveres!... Só agora soube do teu falecimento (Carlos Arnaut, ex-alf mil , 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72)


Vasco Pires (Anadia, 1948- Porto Seguro, Brasil, 2016), ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72, é o primeiro à esquerda, de óculos escuros, no final da comissão, em Ingoré, região do Cacheu, 1972.


Foto (e legenda): © Vasco Pires (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72, tem dez referências no nosso blogue; entrou para a Tabanca Grande em 12/9/2020):


Data - 23 jan 2022 12:32
Assunto - Vasco Pires


Bom dia, caro Luís.

Só hoje, ao ler o nosso blogue, tive conhecimento da funesta notícia do desaparecimento do meu camarada e amigo Vasco Pires, galante comandante do pelotão de obuses de Gadamael (*).

Como só me juntei à Tabanca Grande em 2020, embora já seguisse o blogue há tempos, não soube do seu falecimento quando vós atempadamente o noticiaram.(**)

A inevitável contagem decrescente da nossa geração levou prematuramente este meu camarada e amigo, do meu curso de Vendas Novas, mas com quem não me cheguei a cruzar no TO da Guiné, nem em Bissau calhou encontrarmo-nos, já que quer um quer outro só por ali passámos de raspão.

Foi com imenso prazer que, anos mais tarde, estava eu envolvido na montagem com dois amigos de uma unidade de preparação e engarrafamento de aguardente, que o fornecedor dos nossos depósitos em aço inox fosse a empresa do Vasco Pires.

Grandes abraços e vários almoços intermináveis, em Peniche e em Anadia, selaram contratos e levaram-nos de regresso aos tempos de cadetes e suas patifarias, lembrando figuras do curso, tentando adivinhar por onde andariam.

Soube, tempos mais tarde, por um dos seus comerciais que ele tinha saído do País, perdendo-lhe então o rasto já que eu próprio também deambulei para outras latitudes.

As memórias perduram, um grande abraço Vasco, lá onde estiveres. (***)

Carlos Arnaut
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22928: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (1): CART 6252/72 (Bissássema, Tite, Gadamael, Bafatá, 1972/74)

(**) Vd. poste de 31 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16663: In Memoriam (268): Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23º Pel Art (Gadamael, 1970/72), acaba de morrer, em Porto Seguro, Brasil (Pedro Araújo, seu afilhado)

Guiné 61/74 - P22933: Blogpoesia (763): "Quando o nome é maior que a pessoa"; "Os botões caem" e "De nariz arrebitado", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66):


Quando o nome é maior que a pessoa

O talento que põe certas pessoas acima da normalidade apouca a pessoa que o tem.
Beethoven. Einstein e tantos mais se apagam perante a celebridade da sua obra.
Talvez seja o preço que a natureza cobra pela admiração que toda a gente lhes rende.
Pelo privilégio do pedestal.
Prefiro ser mais rasteiro.
Ficar na sombra.
Quanto mais alto se sobe, normalmente, maior a queda.
Abençoados os simples porque deles é o reino dos céus...


Berlim, 16 de Dezembro de 2021
11h
Jlmg


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Os botões caem

Mesmo bem pregados, à máquina ou à mão.
Não ficam para sempre.
Como a gente. Ninguém cá fica.
Nem para a semente.
Para nós há um campo santo.
Que tudo aproveita.
A terra é insaciável.
Não destrói.
Vêm os vermes. Chama-lhes um figo.
Só os ossos. Nada os quer.
Para quê tanta vaidade?...


Berlim, 17 de Dezembro de 2021
9h27m
Jlmg


********************

De nariz arrebitado

Andar de nariz arrebitado oculta um medo.
E é perigoso.
Olhar para o ar se cai num buraco ou pisa uma silva.
Faz sangrar.
Mais vale andar atento.
Ser normal. Comedido.
Tudo se vê a tempo.
Tudo é lucro.


Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22802: Blogpoesia (763): "Rosto alegre"; "Verdes anos" e "A vida não é um concurso", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22932: Agenda cultural (797): Museu do Aljube, Resistência e Liberdade, Lisboa: exposição temporária, de 13/1 a 20/3/2022: "A Guerra Guardada: Fotografias de Soldados Portugueses em Angola, Guiné e Moçambique (1961-74)



Duas exposições (temporárias) de temática colonial 
para ver em 2022, no Museu do Aljube Resistência e Liberdade, rua de Augusto Rosa, 42 • 1100-059 Lisboa | Telefone: +351 215 818 535 | Email: info@museudoaljube.pt

Transportes Públicos: Elétrico 12 | Elétrico 28 | Autocarro 737 | Metro – Estações da Baixa Chiado e Terreiro do Paço | Acessibilidade: Acessível a pessoas com mobilidade reduzida.

Horário: Aberto de Terça-feira a Domingo das 10h00 às 18h00. Última entrada às 17h30. Encerra segundas-feiras e nos feriados de 1 de janeiro, de 1 de maio e de 25 de dezembro.

A Guerra Guardada

13 DE JANEIRO A 20 DE MARÇO DE 2022

Fotografias de Soldados Portugueses 
em Angola, Guiné e Moçambique (1961-74)

Durante os anos da guerra, milhares de jovens recrutados para Angola, Guiné-Bissau e Moçambique tiraram fotografias daquilo que os rodeava: os camaradas, os quartéis, as paisagens, o quotidiano, as populações civis, o aparato militar. Estas imagens escaparam à censura do regime, e foram guardadas ou enviadas pelo correio como provas de vida à distância.

Alguns destes homens construíram laboratórios improvisados, outros acederam a laboratórios oficiais. Vários frequentaram lojas de fotografia que floresceram com a procura gerada pela guerra, muitos compraram e trocaram imagens. Assim construíram os arquivos fotográficos de que agora mostramos partes.

Cinquenta anos após o início do conflito, algumas coleções de antigos soldados foram destruídas, como se o passado se pudesse apagar nesse gesto. Outras, com o desaparecimento dos seus donos, ficaram órfãs. Muitas sobrevivem ainda, conservadas em álbuns ou em caixas, analógicas ou digitalizadas, e são mostradas em círculos restritos ou partilhadas nas redes sociais.

A Guerra Guardada explora coleções pessoais de homens que em tempos foram soldados. A maioria foi recolhida através de entrevistas presenciais no quadro de uma investigação etnográfica em curso no ICS-ULisboa. As restantes estão publicadas em diversos sítios e arquivos da internet. Dispersas um pouco por todo o país, retratam um tempo e um espaço distantes, e mostram uma guerra vivida mas também imaginada. Banais ou extraordinárias, revelam os muitos mundos de uma guerra longa e anacrónica que foi mandada combater pela ditadura. Que possam provocar diálogos em democracia.

Curadoras
Maria José Lobo Antunes e Inês Ponte
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“A Guerra Guardada” – Visita Orientada pelas curadoras
9 de fevereiro de  2022 - 16H00
Museu do Aljube Resistência e Liberdade

As curadoras Maria José Lobo Antunes e Inês Ponte orientam uma visita à exposição “A Guerra Guardada – Fotografias de Soldados Portugueses em Angola, Guiné e Moçambique (1961-74)” .

Duração aproximada: 1h | Entrada livre, sujeita a inscrição em: inscricoes@museudoaljube.pt

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“A Guerra Guardada” – Visita Orientada com Aniceto Afonso
16 de março de 2022 - 16H00
Museu do Aljube Resistência e Liberdade

Uma visita à exposição “A Guerra Guardada – Fotografias de Soldados Portugueses em Angola, Guiné e Moçambique (1961-74)” com Aniceto Afonso, historiador militar.

Duração aproximada: 1h | Entrada livre, sujeita a inscrição em: inscricoes@museudoaljube.pt

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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de janeiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22926: Agenda cultural (796): Próxima apresentação do último livro do José Saúde ("Aldeia Nova de São Bento"): Beja, Biblioteca Municipal de Beja José Saramago, 3ª feira, dia 25 de janeiro de 2022, pelas 21h00

sábado, 22 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22931: Companhias e outras subunidades sem representantes na Tabanca Grande (2): CART 2338, "Os Incansáveis" (Fá Mandinga, Nova Lamego, Canjadude, Cheche, Buruntuma, Pirada e Paiunca, 1968/1969)



CART 2338, "Os Incansáveis"  (Fá Mandinga, Nova Lamego, Canjadude, Cheche, Buruntuma, Pirada e Paiunca, 1968/1969)


 1. Contrariamente à sua "irmã-gémea", a CART 2339 (Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69),  a que pertenceram saudosos camaradas e amigos nossos, como o Carlos Marques dos Santos e Torcato Mendonça, dois históricos do nosso blogue, a CART 2338 (Fá Mandinga, Nova Lamego, Canjadude, Cheche, Buruntuma, Pirada e Paunca, 1968/1969) não tem ninguém que aqui a represente condignamente.  

Tem escassas 14 referências no nosso blogue (, contrariamente à CART 2339, que tem 213) mas não tem nenhum representante registado. 

O único nome que temos é do ex-alf mil  José Luís Dumas Diniz, responsável pela segurança da coluna da retirada de Madina do Boé, a fatídica coluna que teve o trágico acidente, na travessia de jangada, no Rio Corubal, em Cheche, em 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios).  

Falei um vez com ele ao telefone e convidei-o para integrar a Tabanca Grande.  Cheguei até ele através do seu ex-colega de trabalho, amigo e contemporâneo, o ex-alf mil trms, Fernando Calado, da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), membro da nossa Tabanca Grande, e também meu contemporâneo da Guiné (estivemos juntos, em Bambadinca, entre julho de 1969 e maio de 1970). 

Foi o Fernando Calado que me falou dele e me pôs em contacto com ele, José Luís Dumas Diniz. É uma peça-chave para a história do desastre de Cheche. Já correram rios de tinta sobre este trágico acidente,  mas mas ainda nos falta, em primeira mão, o depoimento deste ator-chave, o nosso camarada da CART 2338 que era responsável pela segurança da jangada... Ele vive entre Cascais e Coruche, se bem percebi... Mostrou-se disponível para dar a sua versão, a publicar no blogue.

O Diniz foi julgado, creio, em tribunal militar, e foi absolvido... O próprio Spínola terá sido uma das testemunhas de defesa... Era preciso um "bode expiatório", o elo mais fraco da cadeia hierárquica...

Prometemos que um dia destes, eu, ele e o Fernando Calado, iríamos  até à Casa do Alentejo para pôr a conversa em dia... Dificuldades de agenda, de parte a parte, não nos permitiram  realizar esse encontro, dificuldades eesas que se agravaram com a história da pandemia de Covid-19. Mas o assunto não está esquecido, mesmo que já se tenham passado mais de meio século sobre os aconteciment0s (, 53 anos, em 6 de fevereiro de 2022).


Companhia de Artilharia n.º 2338

Identificação: CArt 2338

Unidade: Mob: RAL 3 - Évora

Cmdt: Cap Mil Art João Carlos Palma Marques Alvesn | Cap Art Manuel João de Azevedo Paulo

Divisa: "Os Incansáveis"

Partida: Embarque em 14Jan68; desembarque em 21Jan68 | Regresso: Embarque em 04Dez69

Síntese da Actividade Operacional

Em 24Jan68, seguiu para o aquartelamento de Fá Mandinga, a fim de efectuar instrução de adaptação operacional, na região de Xitole, de 06 a 13Fev68 e seguidamente tomar parte na actividade do BArt 1904, tendo actuado em diversas acções e operações nas regiões de Galo Corubal, Enxalé, Mato Cão, Ganguiró e Dongal Siai, entre outras.

Em 13Abr68, foi colocada em Nova Lamego, a fim de substituir a CArt 1742 na função de intervenção e reserva do sector do BCaç 2835 e cumulativamente do Agr 2957.

De 12Jul68 a 26Mar69, estabeleceu a sua base operacional em Canjadude, com um pelotão destacado em Ché-Ché (desde 04Ju168 até à sua evacuação em 10Fev69, na operação "Mabecos Bravios"), tendo actuado em diversas acções e operações, patrulhamentos e escoltas realizadas nas regiões de Canjadude, Ché-Ché, Galo Corubal e Satecuta, entre outras.

Em 20Abr69, por saída da CCaç 1790, assumiu, cumulativamente, a responsabilidade do subsector de Nova Lamego.

Em 22Mai69, foi substituída pela CCaç 2317, tendo seguido por escalões, em 11 e 22Mai69, para Buruntuma, a fim de efectuar a sobreposição e rendição da CArt 1742; em 29Mai69, assumiu a responsabilidade do respectivo subsector de Buruntuma, com um pelotão destacado em Camajabá-Ponte do Rio Caium, ficando integrada no dispositivo e manobra do BArt 2857.

De 19 a 310ut69, por troca, por escalões com a CCaç 2401, foi transferida para o subsector de Pirada, com um pelotão destacado cm Paúnca, voltando à dependência do BCaç 2835 e integrando-se no seu dispositivo e manobra.

Em 01Dez69, foi rendida no subsector de Pirada pela CCaç 2617 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações > Tem História da Unidade (Caixa n.º 82 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág. 458.
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Guiné 61/74 - P22930: Os nossos seres, saberes e lazeres (488): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (34): Faiança polícroma, corda seca, ponta de diamante, o azulejo decorativo visto à lupa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Prossegue a visita ao Museu Nacional do Azulejo, desta feita com alguns casos de pormenor, caso do fabuloso silhar de azulejos com a história do chapeleiro António Joaquim Carneiro, um pequeno mostruário da evolução do século XVIII para o século XIX, onde se fala do arco de azulejos, da Fábrica do Rato, da Fábrica Roseira sem esquecer aquela faiança polícroma como macacadas e cenas de caça, e até três azulejos que nos falam que o conhecimento científico conhecia aplicação didática, muito bela, por sinal.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (34):
Faiança polícroma, corda seca, ponta de diamante, o azulejo decorativo visto à lupa


Mário Beja Santos

O acervo do Museu Nacional do Azulejo é de tal modo rico e variado que se justifica de termo-nos em certos aspetos de belas e impressivas manufaturas. Recorde-se de que logo à entrada já se viu uma evolução história da azulejaria até à segunda metade do século XVI, onde começa a identidade do azulejo português, viu-se como a pintura cerâmica barroca deu novo alento, apareceram pintores de grande qualidade a trabalhar silhares de azulejos, emolduraram-se retratos, surgiram fábricas, como a Real Fábrica de Louça ao Rato e todo o século XIX se distinguirá por um conjunto de fábricas de grande qualidade. Será o caso da Fábrica Roseira, ativa em Lisboa entre 1832 e 1930, fica na história do azulejo português pelos seus padrões versáteis, os seus motivos seriados, produzidos de modo industrial, quem tinha dinheiro gostava de ver as sua casas apalaçadas com estatuas, telhas, beirais e goteiras decoradas, as fachadas com azulejos dentro de uma nova estética urbana. Veja-se a primeira imagem, poderá ajudar o visitante em interessar-se pelos arcos de azulejos, uma das marcas d’água da engenhosidade de Rafael Bordalo Pinheiro na sua fábrica de Caldas da Rainha.
Outro aspeto que pode merecer a atenção do visitante, e já falamos das figuras de convite, são aqueles painéis humorísticos, caso de O Casamento da Galinha, um dos painéis mais ricos e extraordinários da azulejaria à escala mundial, falamos de cenas de caça, como abaixo se mostra e de altíssima qualidade.
Atenda-se que os temas religiosos eram essenciais em igrejas, capelas e outros lugares de culto, podiam mesmo aparecer em corredores como cobertura parietal. Veja-se a qualidade da policromia deste painel centrado em S. João Batista. O mesmo se poderá dizer do painel seguinte que revela uma cena muito lógica, com a curiosidade de parecer que está debruado como um tapete.
A devoção a S. António é permanente na espiritualidade portuguesa desde a Idade Média, daí não ser incomum um santo marcar presença nos templos, como aqui se evidencia.
A imagem que se segue faz parte da história do chapeleiro António Joaquim Carneiro, e vale a pena reproduzir o que Maria Antónia Pinto de Matos escreve no guia do museu: “Ao longo dos séculos XVII e XVIII o azulejo em Portugal serviu de suporte a narrativas religiosas, mitológicas, cenas de um quotidiano mais ou menos real. No final do século XVIII, começam, timidamente, a surgir exemplos da utilização do azulejo como instrumento de ostentação da burguesia ascendente, sendo neles retratados sinais de riqueza de uma classe emergente. Destes, talvez o mais espetacular seja o conjunto de sete painéis encomendados por António Joaquim Carneiro, um homem cujo nascimento humilde obrigou a vir para a cidade aprender o ofício de chapeleiro e cujo sucesso lhe permitiu o casamento com uma viúva rica. A sua prosperidade permitiu-lhe construir uma fábrica com a sua residência anexa, espaço para o qual mandou fazer, para perpetuar a sua história, este conjunto de painéis. Cada um deles surge legendado, permitindo ao observador acompanhar o percurso do chapeleiro do enquadramento de motivos neoclássicos, diretamente inspirados nos frescos das antigas casas romanas. No conjunto que hoje nos parece próximo da banda desenhada, a narrativa da vida do chapeleiro surge sobre as cenas, como me descrita em fitas desenroladas, que se designam cartelas”.
A azulejaria não esqueceu as novidades científicas, aqui se deixam três azulejos que chamam a atenção do visitante para a importância deste conhecimento.
É deste piso superior que se dá um pormenor do Claustro concebido por Diogo de Torralva, e dá para procurar analogias com o chamado Claustro D. João III, no Convento de Cristo em Tomar.
A todo o momento, os diferentes percursos, e até mesmo até ao século XX, que o itinerário museológico e museográfico é para entendermos e descodificarmos a evolução do azulejo e termos em consideração o seu incontornável desempenho estético, seja no silhar de azulejos, na faiança polícroma, como aproveitamos modelos espanhóis, como a chamada Ponta de Diamante, os revestimentos ditos de tapete, frequentes nos frontais de altar, as cenas de caça, a mitologia, os motivos florais ou a evocação do monarca, neste caso de D. Fernando II, marido de D. Maria II.
E por aqui nos ficamos, em breve a visita finda no extraordinário conjunto que dá pelo nome Grande Vista de Lisboa, uma das joias mais preciosas do Museu Nacional do Azulejo e que é um documento único para a história de Lisboa, pois mostra-nos a cidade vista a partir do rio Tejo antes do terramoto de 1755.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22909: Os nossos seres, saberes e lazeres (487): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (26): A Arte Religiosa também conta neste portentoso Museu Nacional do Azulejo (Mário Beja Santos)