sexta-feira, 17 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14481: Os nossos seres, saberes e lazeres (87): Berlim, cidade ainda hoje invisivelmente dividida: as marcas da guerra e do terror (Parte IV) (Luís Graça): o muro da nossa vergonha europeia...


Berlim > "East Side Gallery" > 22 de março de 2015  > O famoso beijo entre dois "camaradas"... [O artista, ele próprio russo, passou por cima da idiossincracia do "beijo russo",  deu à sua pintura mural uma outra conotação, histórica e política, a do beijo da morte... Entre os russos, o beijo na boca entre dois homens nada tem de chocante ou homofóbico, é de acordo com a tradição russa um grande sinal de afeto e gratidão...]


Господи! Помоги мне выжить среди этой смертной любви [em russo], Gospodi! Pomogi mne vyzhit' sredi etoy smertnoy lyubvi [em russo transliterado]

Mein Gott, Hilf Mir Diese Tödliche Liebe Zu Überleben [em alemão] |

Tradução: My God, Help Me to Survive This Deadly Love [inglês]   | Meu Deus, ajuda-me a sobreviver a este amor mortal [português]...


1. Um dos mais famosos grafitos da "maior galeria de arte ao ar livre, do mundo", a chamada "East Side Galllery", situada numa  seção de mais de 1,3 km, na parte oriental do antigo muro de Berlim, que escapou ao camartelo...

É um dos lugares obrigatórios dos percursos da "ostalgie"... [Um neologismo, usado pelos berlinenses, que deriva de Ost (leste) e Nostalgie (nostalgia)... Mais do que um sentimento, é um negócio, o turismo da "ostalgie" que alimenta museus, privados, excursões, visitas guiadas, restauração, hotelaria, arte, cultura...Não há, na Alemanha de hoje,  "saudades" do regime da RDA onde parece que havia emprego para todos na proporção inversa da liberdade... Em relação ao passado (nazismo, holocausto, guerra, muro de Berlim, reunificação...) os alemãs lá vão fazendo, como podem, o difícil "coping".... Até inventaram um palavrão para designar esse fenómeno: Vergangenheitsbewältigung, a arte alemão de saber lidar com o passado...

Apesar de tudo, parece-me que, a nível público, os alemães (ou pelo menos os berlinenses) fazem-no melhor do que nós, que ainda não conseguimos fazer o luto de muita coisa, e nomeadamente a perda do nosso cordão umbilical histórico com o "além-mar" (, desde a nossa frota do bacalhau e a nossa marinha mercante, até às "joias da coroa" ultramarinas, India e Angola, por ex.) ou o debate sereno sobre o Estado Novo, a guerra colonial / guerra do ultramar / guerra de África, o 25 de abril e a descolonização...

Como é sabido, o muro esteve de pé entre 1961 e 1989,  dividindo não só os berlinenses e os alemães, como o próprio continente europeu. A ser apropriada a expressão "muro da vergonha", ele foi historicamente o muro da vergonha de todos, nós, europeus... A reunificação da Alemanha, em 3 de outubro de 1990, marca o fim da chamada guerra fria, que opôs a Rússia soviética aos seus antigos aliados ocidentais da II Guerra Mundial (EUA, Inglaterra e França). Desgraçadamente, outros muros, menos visíveis, se estão a erguer na Europa de hoje, enter o norte e o sul, entre o oeste e o leste... A Rússia, por exemplo, é um urso ferido e humilhado,, o que não é bom para ninguém...

A guerra fria marcou a nossa geração e as duas superpotências (EUA e URSS) diglariaram-se em muitos pontos do mundo  (da Coreia a Cuba, do Vietname a Angola). através de terceiros a quem armamaram ou apoiaram de muitas outras maneiras [, como foi o caso da ex-Guiné portuguesa, onde a G3 era  alemã ocidental, e a Kalash era russa; no caso da ex-RDA, todos os três movimentos nacionalistas lusófonos, PAIGC, MPLA e FRELIMO, que combateram contra o exército colonial português, beneficiaram da "solidariedade internacionalista" (sic) dos alemães de leste].

O mural é do artista russo Dmitri Vladimirovich Vrubel (n. 1960) e data de 1990 (restaurado em 2005) (*). Esta pintura mural pretende caricaturar o dirigente comunistas Leonid Brezhnev  (1906-1982), russo, e o presidente Erich Honecker (1912-1994), alemão oriental, num dos seus famosos "beijos fraternos" (saudação tradicional russa).  Dimitri Vrubel reproduziu aqui uma célebre foto tirada em 1979, por ocasião da celebração do 30º aniversário  da fundação da República Democrática Alemão (RDA). A pintura mural tem as seguintes dimensões: 365 cm × 480 cm.



Berlim >"East Side Gallery" A> 22 de março de 2015  >  Outra não menos famosa pintura... Em primeiro plano, o símbolo da RDA, o "Trabant" (ou "Trabi", em linguagem coloquial), a versão alemão oriental do... "carro do povo". Em segundo plano, o beijo dos "camaradas"  Brezhnev e Honecker... Autor: Lake.


2. A "East Side Gallery" tem trabalhos de 118 artistas de 21 diferentes países, que usaram diferentes técnicas plásticas para  comentar, livremente, num hino à paz e à liberdade, acontecimentos políticos decisivos dos anos em que caiu o muro de Berlim (1989) e acabou a guerra fria (1990)....

A "East Side Gallery" fica ainda no centro histórico de Berlim, na Mühlenstraße,  em Friedrichshain-Kreuzberg, estendendo-se ao longo da margem direita do rio Spree que atravessa Berlim e Brandemburgo.


 Berlim > "East Side Gallerey" > 22 de março de 2015 > O histórico dirigente soviético Mikhail Gorbachev  (n. 1931),  fazendo da foice e do martelo um "volante simbólico" da história,  provável referência à sua política de reformas, consubstanciadas nas palavras de ordem Glasnost Perestroika... Foi-lhe atribuído, muito justamente,  o Prémio Nobel da Paz (1990). O mural está muito "vandalizado", não consegui saber quem era o autor...


Berlim >"East Side Gallery" > 22 de março de 2015 > A arma (sempre desconcertante e saudável) do humor...




Berlim > "East Side Gallery" A> 22 de março de 2015  > A Alice Carneiro,  nossa grã-tabanqueira, e a mana Nitas, na iminência de serem "atropeladas" por um Trabi (**)...




Berlim > "East Side Gallery" A> 22 de março de 2015  > A Alice, ao longo do muro, saturado de grafitos... Esta parte correspondia, no passado, ao território de Berlim Oriental.


Berlim > "East Side Gallery" A> 22 de março de 2015  >  Uma secção do muro que foi deslocada da localização original, pro razões de acesso ao rio Speer... Do lado direito da foto era Berlim ocidental e do lado esquerdo, Berlim Oriental... Ao fundo a famosa ponte de tijolo, a Oberbaumbrücke, que foi em tempos a mais comprida da cidade (, datando de 1896). Continua a ser um dos ícones da cidade. Foi dinamitada, a secção central, pelos alemães em abril de 1945 para atrasar a chegada do exército vermelho.  Com a criação do Muro, em 1961, a ponte passou a servir de fronteira entre o leste e o oeste. Havia aqui  um dos "checkpoints" dos alemães orientais. Foi posteriormente reconstruída e devolvida ao seu esplendor em 1994.



Berlim > "East Side Gallery" A> 22 de março de 2015  > Também há marcas de "tugas"... que por aqui passaram recentemente e quiseram deixar a sua "peugada"... Neste caso, de uma Rita Gaião e de uma Carol...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados

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Notas do editor:

(*) Vd., postes anteriores >

9 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14450: Os nossos seres, saberes e lazeres (85): Berlim, cidade ainda hoje invisivelmente dividida: as marcas da guerra e do terror (Parte III) (Luís Graça)

1 de abril de 2015 > Guiné 63/74 - P14428: Os nossos seres, saberes e lazeres (82): Berlim, cidade ainda hoje invisivelmente dividida: as marcas da guerra e do terror (Parte II) (Luís Graça)

31 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14424: Os nossos seres, saberes e lazeres (80): Berlim, cidade ainda hoje invisivelmente dividida: as marcas da guerra e do terror (Parte I) (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 15 de abril de  2015 > Guiné 63/74 - P14472: Os nossos seres, saberes e lazeres (86): Bruxelles, mon village (Parte 1) (Mário Beja Santos)


1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Grande reportagem.

Tudo a ver com a nossa guerra africana daqueles anos 60/70

Para lá daquele muro, bi-diariamente todo os países tinham uma emissora a transmitir em português para Portugal, África e Brasil.

Eles de Kalash, nós de G3.

Aí, já os Ingleses e Franceses e Belgas tinham desisitido de África.

Hoje, os africanos pedem diariamente responsabilidades por esse abandono, atravessando a nado o mediterrâneo a caminho da Europa.