"Depois da flagelação de 19 de Março de 1969, em que perdi todos os meus livros (e discos),escrevi a muitos amigos que prontamente vieram em meu auxílio.
"O Mário Braga foi um deles. Tinha-o como uma referência da litertura neo-realista, sempre me dei bem com os seus contos,admirava-lhe a postura cívica. Ele veio até Missirá com livros de norte-americanos. Foi grande tradutor,e a sua mulher é nome obrigatório da tradução em Portugal. Falei já da tradução do Mário Braga, O silêncio e o Mar, de Vercors, que me deu uma grande companhia. Fui há dias ao seu aniversário, qualquer dia fará 90 anos"...
"Um dia fui visitar o Ruy Cinatti e ele disse-me: Estou a posar três vezes por semana para a minha vizinha. Vou ter quadro de artista, ela melhorou-me bastante.
"A Maluda estava na época no pico da notoriedade, já com as suas janelas e telhados. Vivia na Travessa da Palmeira nº12, 3º Esq., era portanto vizinha do Cinatti. Habituei-me a este belo quadro que estava pendurado na sala, não muito longe de um óleo do António Dacosta, obra que o Cinatti muito estimava. Um dia ofereceu-me esta fotografia que meti numa moldura e estava na minha secretária. Por testamento, este quadro faz hoje parte do património da Obra do Gaiato. É pena que não seja exposto num museu, nem que fosse a título temporário ou numa exposição dedicada ao Cinatti. Vamos esperar".
Fotos e legendas : © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviado a 17 de Julho último. Correspondente ao episódio nº 57 (e último) da I Série da OperaçãoMacaréu à Vista, ou ao primeiro volume das suas memórias do Cuor, correpondendo cronologicamente ao seu 1º ano de comissão (1).
Caro Luís, aqui vai o texto revisto. Agora, começa a penitência da revisão geral, da ordenação da papelada toda. Estive a pensar, vou ordenar tudo por mesas: melhora os textos, dá uma melhor sequência ao leitor. Recebe um grande abraço do Mário.
Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (6)
por Beja Santos (2)
Para o Ruy Cinatti
Ruy, Dear Father:
Agradeço-lhe do coração a sua carta. Tem razão, sou palavroso, manipulador, forço as palavras como forço as pessoas. E o resultado vê - se nos meus pseudo-poemas e nas relações humanas. Sensibilizou-me o seu poema "De um postal seu":
Donde sei
pra onde
não se sabe
sou
retirante.
O resto
irá por carta
ou
pelo telefone
- . -
Que outros relatem
o meu cansaço.
Eu anuncio
o poder da morte
lembrando tudo o que me prende à vida.
Viver a pedir,
receber, porquanto
quem recebe deve
- estranha condição.
Eu nunca pedi.
Devo solidão.
As minhas notícias, hoje não são famosas. Continuo punido, não posso ir a férias, vou repensar a minha vida e as decisões que vou tomar com a Cristina. Por aqui, com o contigente de Missirá reduzido, com a obrigação diária de irmos a Mato de Cão e fazermos uma emboscada, com a tropa doente em plena época das chuvas, ainda com obras em acabamento, estou atado de pés e mãos. Há quem pretenda consolar-me em Bambadinca dizendo que não há mais exigências operacionais para Missirá e Finete... como se eu pudesse desdobrar-me ou fazer uma vida operacional deixando dois aquartelamentos às moscas, entregues à população civil.
Dentro do que é possível fazer, há um pouco mais de conforto neste quartel, não tem falhado a abastecimeto de arroz para a população civil, os salários são pagos a tempo e horas, não há neste tempo sinais das destruições de Março, conseguimos pagar a um professor para dar aulas às crianças, acabou-se um paiol de munições e combustíveis, os cozinheiros podem fazer esparguete com chouriço, feijão com carne enlatada, galinha com legumes em conserva, a padaria funciona, temos no frigorífico águas Perrier e Vichy, os inimigos de Missirá e Finete sabem que andamos constantemente na mata.
Procuramos ajudar as famílias nos seus cultivos, não é fácil mantermos aqui centenas de pessoas na época das sementeiras mas é muito bonito ver as hortas cheias de tomate e beringela, as papaias são deliciosas, a população civil leva sempre um reforço militar quando vai cultivar para as antigas tabancas, há uma, chamada Canturé, entre Missirá e Finete, cheia de cajueiros, laranjeiras e limoeiros, com imensos morros de baga-baga, que é uma beleza. Tenho as consciência tranquila de que há empenho, uma boa relação entre civis e militares, o inimigo em respeito. Mas não podemos fazer mais nada, não posso levar civis para os patrulhamentos, não os posso pôr nas emboscadas nem nos reforços.
Os guerrilheiros estão relativamente perto de Missirá, no Gambiel, onde trabalhou o Prof. Armando Cortesão, colega do Teixeira da Mota. A propósito, estive com ele no início de Julho, jantámos, ofereceu-me livros e revistas (daí na sua carta escrever: "O Teixeira da Mota diz-me que V. está metido num buraco, vivendo como uma toupeira", o que não é verdade pois não me escondo debaixo da terra). Estou doente e não sei como resistir a algumas dores. Há dias, numa emboscada, um dos meus colaboradores mais capazes perdeu a cabeça e chamou-me branco assassino, sei muito bem que são frases demenciais, gritadas no instante, mas deixam marcas profundas, laceram o tecido afectivo, destroem a confiança. Enfim, o primeiro ano de guerra está feito, não sei por quanto mais tempo estarei em Missirá, adoro as gentes, a floresta, pergunto-me às vezes como é que esta experiência enformará o jovem adulto que sou. Receba a saudade e a profunda estima.
Carta para Luís Zagalo Matos
Estimado Luís Zagalo,
Desculpe ser breve. A Missirá civil e militar quer notícias suas. A sua recordação está muito vincada nesta gente que cultiva o heroísmo. Posso compreender que V. pretende esquecer o que aqui viveu, mas asseguro-lhe que deixou memórias e amigos. Tornou-se uma lenda em Missirá. Todos falam de si como aquele que não tinha medo, que se dava ao respeito, que se interessava pelos problemas de todos. Estamos a viver um período difícil, subtraíram-nos mais soldados milícias, quase que não posso dar passo sem contar quem vai e quem fica, quem está doente ou vai de férias.
Despeço-me com uma novidade: regressou o bom senso, Enxalé voltou ao sector de Bambadinca. Eu vou comemorar, farei como V. fazia tantas vezes, meto-me ao caminho e vou almoçar com os camaradas de lá, na primeira oportunidade (espero que não se tenha esquecido que são cinquenta quilómetros ida e volta). A gente de Madina está muito activa, acabo de ter a notícia que foram descobertas nos Nhabijões várias canoas enterradas no lodo, com que eles fazem a cambança a partir da bolanha de Gambana. Ali perto, há dias, encontrei uma coluna de noite, escusa de me perguntar se havia mais militares ou população civil, morreu uma mulher, os outros fugiram porque um dos meus cabos perdeu a cabeça e desatou aos gritos. Escreva, por favor. Bem gostava de lhe mandar toda a estima que vejo no olhar de toda a gente quando se fala em Luís Zagalo.
Portugal > Bilhete postal > Edição Lifer - Porto, s/d. Colecção Postales Escudo de Oro > Impresso en España / Print in Spain, Barcelona / Nº 516 > Vouzela (Portugal) > Vista panorâmcia / Panoramic view / Vue panoramique...Enviado ao Alf Mil Mário Beja Santos, SPM 3778, por sua mãe:
S. Pedro do Sul, 27/8/1969:
Meu estimado e querido filho: Estou sem notícias tuas há uma semana. Mas possivelmente [há] atrasos na correspondência... De Lisboa, escrever-te-ei uma longa carta. Peço que rezes pelas minhas melhoras e que as águas produzam o seu efeito na minha saúde. Sigo com o Rudolfo para casa. Estive aqui 15 dias. Vês como é lindo, este sítio ? Muito tenho pensado em ti, meu querido filho. Como estarás de saúde ? (...).
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Carta para Ângela Carlota Gonçalves Beja
Querida Mãezinha,
Fiquei muito contente em saber que as suas férias nas termas de S. Pedro do Sul lhe trouxeram mais saúde. Cá recebi os seus livros, adorei o do Ruben A. Como se recorda, dediquei-lhe um programa que fiz nos serviços mecanográficos, onde trabalhei, fou uma exposição em 1966, depois disso ele recebeu-me na sua casa perto do Estremoz quando lá fui com o Ventura Porfirio fazer a reportagem sobre uma colecção de Cristos para o jornal Encontro. A sua autobiografia (O mundo à minha procura) é uma obra-prima.
Venho informá-la de que a redacção da minha punição foi alterada mas os dois dias de punição mantêm-se, pelo que só a poderei ver no próximo ano, se Deus quiser. Peço-lhe que não se mortifique, a vida continua, eu vou resistir como me ensinou. Ainda chove muito por aqui, mas estou cheio de saúde, o trabalho prossegue. Pergunta-me se vou ficar aqui mais tempo. Nada sabemos, até há uns meses atrás as comissões estavam divididas em doze meses em locais de alto risco e doze meses em locais com mais tranquilidade (em Bolama, por exemplo, a dar instrução). Agora é diferente, permanecemos praticamente nos mesmos locais e sempre ligados à mesma tropa. Fico contente quanto a este aspecto, a minha relação com os soldados guineenses é fraternal, gosto muitíssimo deles.
Estou a preparar a documentação para me casar, indeciso quanto à deslocação da Cristina, dadas as novas circunstâncias. Rezo todos os dias pela sua saúde, sinto-me cada vez mais feliz pela formação que me deu, sem ela eu não teria sabido resistir a todas as dificuldades com que me defrontei e defronto. Aceite a muita saudade e receba muitos beijinhos.
Carta para Cristina Allen
Meu adorado Amor,
Começo por te dar notícias de um livro arrebatador que trouxe de Bissau, A sangue frio, do Truman Capote. A tradução é preciosa, da mulher do Mário Braga, a Maria Isabel. Ao princípio, eu não sabia se estava a ler uma reportagem, um documentário ou um romance. Capote anuncia que o livro se baseia em relatos oficiais e em entrevistas. Começa-se a ler e fica-se confuso: ficção ou realidade? Fala-se de uma aldeia onde houve o assassínio de uma familía de quatro pessoas. O autor descreve com tanta agudeza o pai austero, o dia-a-dia de uma mãe convencional e dois jovens perfeitamente triviais, que se vacila entre a reportagem e o romance. Os diálogos, as descrições, as entrevistas são impressionantes. Depois a polícia descobre os dois homicídas. Regressa a confusão: é o autor que conversa com os homicidas? O detective é mesmo aquele homem que se chama Dewey? Os dois homicidas mataram por ódio ou por dinheiro? São centenas de páginas que se lêem com grande comoção, tal o gigantismo da palavra.
Enquanto lia este romance-documentário (existirá este género literário?) eu interrogava-me, roído de inveja, se não era um livro como este que gostaria de escrever sobre esta guerra da Guiné. Felizmente que tenho consciência da falta de méritos literários, mas gostava de dignificar um dia a epopeia nestas terras dos Soncós.
Obrigado por tudo quanto me tens escrito, os sopros de coragem e de ternura que aqui fazes chegar. Para ser sincero contigo, como tu gostas, ainda não me refiz da acusação de "branco assassino". Sei que vai sarar, mas sei também que me vou olhar de maneira diferente. Mantendo-se a punição, e sabendo-se agora em definitivo que só voltarei em 1970 aí, e não antes de Agosto, vamos ter de tomar os dois decisões importantes. Do meu lado, vou reagir à ofensa desta punição injusta, vou procurar de novo recorrer. Já me disseram que não é fácil recorrer de uma punição de um oficial general, mas estou por tudo.
Prometo-te que volto a Bafatá, para refazer os nossos documentos, já que havia declarações mal preenchidas, não estava lá o teu nome completo, faltava até a morada do meu pai ( a que propósito é que tenho que pôr a morada do meu pai, sendo eu maior e vacinado?). Não sei se estou a ser praxado, mas também me informaram que tenho de pedir ao comandante de Bambadinca autorização para o enlace. E lá vou ouvir de novo o secretário do Sr. Administrador, com o seu bigodinho à Clark Gable, a explicar-me o que é um casamento com separação de bens e uma convenção antenupcial. Nós não vamos desmoralizar. Sê prudente, não sofras com tudo aquilo que não se deve sofrer só porque não se compreende. Vivemos os dois esta agrura, não deixemos que as lágrimas se percam na terra.
Assim se passou um ano desde que a chorar me acenaste para o "Uíge". Graças a ti, ao ânimo que me trazes todos os dias, aconteceu este milagre de eu ter aprendido a resistir, a saber ultrupassar as dificuldades. Aprendi a fazer contas, a saber o que era a gestão de um quartel, aprendi a meter-me na mata profunda, a encarar como uma obrigação o defender e o combater. Não sabia o que era matar, aconteceu e não sei se voltará a acontecer. Sinto-me muitas vezes entorpecido, tenho saudades do cinema, do teatro, da música, do bailado, das conferências, das exposições, dos meus queridos amigos. Mas a vida ensina-nos as prioridades de um momento, colamo-nos a elas, e, a uma dada altura, descobrimos que valeu a pena e aceitamos a mudança como uma dádiva do Senhor.
Dói muito não poder fazer planos para o futuro. Missirá, a sua defesa e o seu combate, é o que tenho ao alcance da mão. Promete-me que me continuas a ajudar. Um belo dia, descobriremos os dois que mais um ano se passou. E que estamos preparados para viver um grande amor. Muito cansado, e para te dizer a verdade doente, beijo-te daqui até Lisboa.
_______
Notas dos editores:
(1) Vd. último post desta série: 20 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!
(2) nVd. post de 22 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1870: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (51): Cartas de um militar de além-mar em África para aquém em Portugal (5)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
domingo, 5 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2030: Estórias do Zé Teixeira (19): A G3ertrudes encravada que salvou duas vidas (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)
Guiné > CCAÇ 2381, Os Maiorais ( Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70) > O 1ºCabo Enfermeiro Teixeira, em Empada, em 1969, com a sua namorada, a G3ertrudes, com quem irá manter um conflituosa relação que acabará mal. Quem lhe manda, entretanto, um grande Alfa Bravo (abraço) é um dos antigos Maiorais, o ex-Fur Mil Armas Pesadas Samouco, José Manuel Samouco.
Como o mundo é o pequeno e o nosso blogue já é grande, conheci-o pessoalmente, na Praia da Areia da Areia, a caminho da Praia de Vale de Frades, no nosso passeio matinal. Ele reconheceu-me, do blogue... Demos um grande abraço e ficámos um bom bocado à conversa. Ex-bancário, ex-dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Bancários do Sul e Ilhas (durante 10 anos), acaba de reformar-se, prometendo mandar algum material documental para o blogue. Tem casa aqui na Praia da Areia Branca. Falámos, inevitavelmente, dos Maiorais, do Alf Belo e do enfermeiro Teixeira, do blogue, de uma próxima ida à Guiné... Ao fim da tarde, ligo o computador e temos o Zé Teixeira em cena... Nem de propósito! Telepatia ? Boa continuação de férias para o pessoal da Tabanca Grande que se pode dar a esse luxo! Desculpa, Carlos, de meter o bedelho no teu serviço... (LG).
Foto: © Zé Teixeira (2006). Direitos reservados.
A G3ertrudes encravada que salvou duas vidas,
por Zé Teixeira
O Encontro
Na quinzena de campo (IAO) que antecedeu a partida para Guiné, deram-me uma companheira, a namorada que, afirmaram, me ia acompanhar durante todo o tempo em que ia estar na guerra. Se houvesse alguma infelicidade, me acompanharia até ao caixão. Era uma G3 ou a G3ertrudes.
Disseram-me também para a tratar com carinho. Cuidar dela era cuidar de mim próprio.
1º. Trazê-la sempre limpa e asseada, sobretudo o cano, para que a baba, ao tentar sair, furiosa por não conseguir devido a sujidade, não rebentasse o cano. Pois, na pior das hipóteses, as tiras de aço voltavam-se para trás e atingiam o crânio do atirador, mandando-o de volta no sobretudo de madeira.
2º. Pôr-lhe creme (óleo) nas partes mais sensíveis, para responder rapidamente aos estímulos.
3º. Sempre travadinha, para não fazer asneiras.
4º. Nunca a abandonasse, pois, se perdida, dava origem no mínimo, mais meio ano de comissão. O importante era chegar, sempre, ao aquartelamento com uma G3ertrudes.
Durante os primeiros três meses, foi de facto, a minha companheira preferida e inseparável. Pendurada no meu ombro, ao lado da bolsa de enfermeiro. Deitada a meu lado à sombra de uma árvore protectora do sol e do IN, ou no chão de cimento na caserna em Ingoré.
Antes da partida, prometera a mim mesmo não lhe tocar nas partes sensíveis, porque vomitavam fogo, matavam vidas e isso não fazia parte da minha missão como enfermeiro e muito menos dos meus planos. Cantei de alegria, quando soube que as sortes me tinham destinado a ser enfermeiro, convencido que escaparia à guerra dura e que com o meu trabalho iria minimizar dores e, quem sabe, salvar vidas.
Da guerra dura e crua, não escapei, mas cumpri, apesar dos parcos conhecimentos da arte de enfermagem que me proporcionaram, a missão que me destinaram, com dedicação.
O início do fim de uma relação impossível
Ao fim de três meses de companhia dedicada, algo de grave se passou que me levou a repudiar a G3ertrudes para sempre.
Estávamos em plena época das chuvas. Partimos de Buba às seis da matina com destino a Aldeia Formosa , terra até então desconhecida, onde deveríamos chegar à tarde.
A CCAÇ 1792 veio buscar-nos. Os Lenços Azuis foram, assim, testemunhas no meu baptismo de fogo em aquartelamento. Mal chegámos (tínhamos ido ao seu encontro), fomos recebidos com fogo cruzado das duas margens do Rio, mas foi só o susto. Uma amostra do que nos ia esperar no futuro.
Para além de uma enorme coluna de viaturas carregadas com mantimentos, seguiam três obuses de 14 cm. Toneladas de aço a atravessar lamaçais contínuos, pontes montadas e desmontadas por nós e o IN à espreita.
Ao meio da tarde, depois de uma tempestade de... abelhas, quando tínhamos andado, apenas uns três quilómetros, uma traiçoeira mina destrói a 5.ª viatura, a das transmissões, levantando uma nuvem de lama. As transmissões terminaram a sua missão.
Ficámos isolados do mundo. Aparentemente, os quatro camaradas que voaram com o sopro, ficaram apenas combalidos, mas um deles, o rádiotelegrafista, projectado com o forte impacto, ao cair, ficou ferido interiormente. A morte foi-se aproximando lentamente. A vida dele caminhava para o fim devido à perda de sangue, que não podíamos controlar. Só uma evacuação urgente o salvaria. Tínhamos ficado sem comunicações.
Foram tremendamente dolorosos, para mim e para os enfermeiros das duas companhias, viver estes momentos, horas, de vida, a lutar sem armas, pela vida de um camarada que se apagava. Ele sentia que as forças lhe estavam a escapar. Nós sentíamo-nos impotentes para o salvar. Só o milagre do helicóptero, que não aparecia, porque ninguém sabia, que aquela jovem vida se estava a apagar.
- Já não vejo ! - gritava.
- Ajudem-me a levantar - balbuciava ele, mesmo no fim, com a esperança de ainda conseguir recuperar forças e poder gritar bem alto Safei-me! Mas não. Não era possível. O seu destino fora traçado, quando alguém pegou num lápis e riscou o nome dele, assinalando-o para ser mobilizado para a guerra. A guerra que ele não queria...
O sol começou a esconder-se como que envergonhado e o camarada irmão disse adeus à vida, serenamente, sem pressas, em silêncio...
Na azáfama de tratar os feridos, esqueci-me da G3ertrudes. Foi posta de lado, esquecida, algures. Agora, era preciso procurá-la. Onde? Tinha-lhe perdido o lugar.
Apareceu uma abandonada junto a uma árvore. Deitei-lhe a mão. Estava safo. E segui caminho.
Uma noite sem sono, com milhares de mosquitos a perseguirem-me e o IN à espreita.
Até que o Sol raiou de novo e com ele a ordem de marcha. A partida para o desconhecido. Chão que eu nunca pisara. Lama e mais lama. Mata cerrada. Grandes palmeiras que furaram a selva verdejante à procura do sol, apontavam o céu...
Não demorou muito a aparecer o IN. A coluna era demasiado longa e pesada. Lentamente lá se ia movendo à procura do destino. Deu para emboscarem a frente. Recuaram face à forma como ripostamos e voltaram a atacar a retaguarda.
O meu baptismo de fogo na mata
Deitado sobre os rodados das viaturas, com o coração a bater como nunca o tinha sentido, escutava o tiroteio que me rodeava, ao ritmo dos rebentamentos das morteiradas que me faziam vibrar violentamente os tímpanos. A G3ertrudes, a meu lado muito quietinha, quando senti que estava a ser incomodado directamente. Alguém estava a querer brincar às guerrinhas comigo. As balas assobiavam muito por perto e vinham do alto. Olhei para as palmeiras e vislumbrei fogachos de luz.
A raiva contida, pela morte do camarada, veio ao de cima.
- Ah! G3ertrudes de um raio! Anda cá.
Apontar, disparar e... um tremendo coice, um som seco e abafado, seguido de um ruído estranho.
À minha frente jazia a G3ertrudes, com o cano esventrado em tiras. Uma espécie de fole, ou balão.
Fui desarmado para que pudesse cumprir o voto de não matar na guerra para onde me atiraram sem me perguntar.
Deus esteve comigo neste momento. Contrariamente ao que me disseram na instrução de armamento, o cano não abriu em leque, o que a acontecer, muito provavelmente se viria espetar no meu crânio e era a morte certa. O tapa-chamas foi o impecilho que me salvou a vida. Uf! Desta já escapei.
A G3 que no dia anterior tinha encontrado abandonada pertencia ao Salvaterra Bernardes (*), natural de Salvaterra de Magos. Um jovem português, deficiente motor e deficiente mental, que assassinos (não encontro nome mais apropriado)´apuraram para todo o serviço militar, fez a recruta e a especialização como atirador e veio cair na CCAÇ 2381, quando já aguardávamos embarque para a Guiné.
A arma na mão deste homem, não servia para nada. Não tinha utilidade prática. Limpeza para quê? O cano estava cheio de areia. A bala encontrou resistência e provocou o seu rebentamento, mas estava lá o tapa-chamas.
Salvou-me a vida, impedindo o rebentamento em leque e... talvez, assim se tenha salvo a vida do IN que procurava atingir-me.
Restou apenas encolher-me e esperar que a fraca pontaria do adversário desse resultado, o que aconteceu para meu bem.
Não houve feridos de nossa parte. A coluna seguiu caminho.
O divórcio
A meio da tarde a aviação localizou-nos, o héli veio buscar os feridos do dia anterior e a vida continuou. Chegamos ao destino ao fim da tarde, ou seja vinte e quatro horas depois do previsto. Localizei a minha arma na mão do Salvaterra, fiz o relatório que me exigiram para abater a arma destruída e... para não mais ser tentado a fazer fogo e correr o risco de matar vidas humanas, fui entregar a minha arma ao quarteleiro, sob a ameaça do capitão que me daria uma porrada se me apanhasse sem a minha G3ertrudes.
Fui só e apenas enfermeiro durante o resto da comissão. Afinal era a minha missão (2).
Zé Teixeira
__________
Nota do autor:
(*) Vd. a descrição que o José Belo faz do Soldado Salvaterra [no post anterior]:
Pobre Salvaterra que aparentava ser uma figura de comédia. Uma caricatura barata de Soldado. Desde o quico, às botas, do cinturão à G3, tudo nele estava mal vestido, mal assentado. Um sorriso contínuo, não irónico, mas de assustado nervoso. Uma cara continuamente contorcida por pequenos espasmos, enquanto a saliva lhe escorria continuamente de um dos cantos da boca.
Sofria de grave doença motora, atrofiamento muscular, acompanhados de acentuada debilidade mental. Era totalmente impossível ao pobre do Soldado Salvaterra controlar os mais simples movimentos. Acertar o passo pelos outros quando marchava, coordenar os movimentos dos braços, e muito menos, com o movimento das pernas.
Na ordem unida tornava-se o momento certo das gargalhadas gerais, perante a crescente irritação, e falta de paciência, dos responsáveis. Nas aulas de ginástica o circo repetia-se! Tropeçava continuamente sempre que pretendia correr. Caía desamparado, ao solo, ao pretender saltar um simples degrau de escada. O primeiro degrau da escada!
______________________________
Notas do editor:
(1) Vd. último post desta série > 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1853: Estórias do Zé Teixeira (17): Quando não se acautela a vida, a morte pode espreitar
(2) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
Como o mundo é o pequeno e o nosso blogue já é grande, conheci-o pessoalmente, na Praia da Areia da Areia, a caminho da Praia de Vale de Frades, no nosso passeio matinal. Ele reconheceu-me, do blogue... Demos um grande abraço e ficámos um bom bocado à conversa. Ex-bancário, ex-dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Bancários do Sul e Ilhas (durante 10 anos), acaba de reformar-se, prometendo mandar algum material documental para o blogue. Tem casa aqui na Praia da Areia Branca. Falámos, inevitavelmente, dos Maiorais, do Alf Belo e do enfermeiro Teixeira, do blogue, de uma próxima ida à Guiné... Ao fim da tarde, ligo o computador e temos o Zé Teixeira em cena... Nem de propósito! Telepatia ? Boa continuação de férias para o pessoal da Tabanca Grande que se pode dar a esse luxo! Desculpa, Carlos, de meter o bedelho no teu serviço... (LG).
Foto: © Zé Teixeira (2006). Direitos reservados.
A G3ertrudes encravada que salvou duas vidas,
por Zé Teixeira
O Encontro
Na quinzena de campo (IAO) que antecedeu a partida para Guiné, deram-me uma companheira, a namorada que, afirmaram, me ia acompanhar durante todo o tempo em que ia estar na guerra. Se houvesse alguma infelicidade, me acompanharia até ao caixão. Era uma G3 ou a G3ertrudes.
Disseram-me também para a tratar com carinho. Cuidar dela era cuidar de mim próprio.
1º. Trazê-la sempre limpa e asseada, sobretudo o cano, para que a baba, ao tentar sair, furiosa por não conseguir devido a sujidade, não rebentasse o cano. Pois, na pior das hipóteses, as tiras de aço voltavam-se para trás e atingiam o crânio do atirador, mandando-o de volta no sobretudo de madeira.
2º. Pôr-lhe creme (óleo) nas partes mais sensíveis, para responder rapidamente aos estímulos.
3º. Sempre travadinha, para não fazer asneiras.
4º. Nunca a abandonasse, pois, se perdida, dava origem no mínimo, mais meio ano de comissão. O importante era chegar, sempre, ao aquartelamento com uma G3ertrudes.
Durante os primeiros três meses, foi de facto, a minha companheira preferida e inseparável. Pendurada no meu ombro, ao lado da bolsa de enfermeiro. Deitada a meu lado à sombra de uma árvore protectora do sol e do IN, ou no chão de cimento na caserna em Ingoré.
Antes da partida, prometera a mim mesmo não lhe tocar nas partes sensíveis, porque vomitavam fogo, matavam vidas e isso não fazia parte da minha missão como enfermeiro e muito menos dos meus planos. Cantei de alegria, quando soube que as sortes me tinham destinado a ser enfermeiro, convencido que escaparia à guerra dura e que com o meu trabalho iria minimizar dores e, quem sabe, salvar vidas.
Da guerra dura e crua, não escapei, mas cumpri, apesar dos parcos conhecimentos da arte de enfermagem que me proporcionaram, a missão que me destinaram, com dedicação.
O início do fim de uma relação impossível
Ao fim de três meses de companhia dedicada, algo de grave se passou que me levou a repudiar a G3ertrudes para sempre.
Estávamos em plena época das chuvas. Partimos de Buba às seis da matina com destino a Aldeia Formosa , terra até então desconhecida, onde deveríamos chegar à tarde.
A CCAÇ 1792 veio buscar-nos. Os Lenços Azuis foram, assim, testemunhas no meu baptismo de fogo em aquartelamento. Mal chegámos (tínhamos ido ao seu encontro), fomos recebidos com fogo cruzado das duas margens do Rio, mas foi só o susto. Uma amostra do que nos ia esperar no futuro.
Para além de uma enorme coluna de viaturas carregadas com mantimentos, seguiam três obuses de 14 cm. Toneladas de aço a atravessar lamaçais contínuos, pontes montadas e desmontadas por nós e o IN à espreita.
Ao meio da tarde, depois de uma tempestade de... abelhas, quando tínhamos andado, apenas uns três quilómetros, uma traiçoeira mina destrói a 5.ª viatura, a das transmissões, levantando uma nuvem de lama. As transmissões terminaram a sua missão.
Ficámos isolados do mundo. Aparentemente, os quatro camaradas que voaram com o sopro, ficaram apenas combalidos, mas um deles, o rádiotelegrafista, projectado com o forte impacto, ao cair, ficou ferido interiormente. A morte foi-se aproximando lentamente. A vida dele caminhava para o fim devido à perda de sangue, que não podíamos controlar. Só uma evacuação urgente o salvaria. Tínhamos ficado sem comunicações.
Foram tremendamente dolorosos, para mim e para os enfermeiros das duas companhias, viver estes momentos, horas, de vida, a lutar sem armas, pela vida de um camarada que se apagava. Ele sentia que as forças lhe estavam a escapar. Nós sentíamo-nos impotentes para o salvar. Só o milagre do helicóptero, que não aparecia, porque ninguém sabia, que aquela jovem vida se estava a apagar.
- Já não vejo ! - gritava.
- Ajudem-me a levantar - balbuciava ele, mesmo no fim, com a esperança de ainda conseguir recuperar forças e poder gritar bem alto Safei-me! Mas não. Não era possível. O seu destino fora traçado, quando alguém pegou num lápis e riscou o nome dele, assinalando-o para ser mobilizado para a guerra. A guerra que ele não queria...
O sol começou a esconder-se como que envergonhado e o camarada irmão disse adeus à vida, serenamente, sem pressas, em silêncio...
Na azáfama de tratar os feridos, esqueci-me da G3ertrudes. Foi posta de lado, esquecida, algures. Agora, era preciso procurá-la. Onde? Tinha-lhe perdido o lugar.
Apareceu uma abandonada junto a uma árvore. Deitei-lhe a mão. Estava safo. E segui caminho.
Uma noite sem sono, com milhares de mosquitos a perseguirem-me e o IN à espreita.
Até que o Sol raiou de novo e com ele a ordem de marcha. A partida para o desconhecido. Chão que eu nunca pisara. Lama e mais lama. Mata cerrada. Grandes palmeiras que furaram a selva verdejante à procura do sol, apontavam o céu...
Não demorou muito a aparecer o IN. A coluna era demasiado longa e pesada. Lentamente lá se ia movendo à procura do destino. Deu para emboscarem a frente. Recuaram face à forma como ripostamos e voltaram a atacar a retaguarda.
O meu baptismo de fogo na mata
Deitado sobre os rodados das viaturas, com o coração a bater como nunca o tinha sentido, escutava o tiroteio que me rodeava, ao ritmo dos rebentamentos das morteiradas que me faziam vibrar violentamente os tímpanos. A G3ertrudes, a meu lado muito quietinha, quando senti que estava a ser incomodado directamente. Alguém estava a querer brincar às guerrinhas comigo. As balas assobiavam muito por perto e vinham do alto. Olhei para as palmeiras e vislumbrei fogachos de luz.
A raiva contida, pela morte do camarada, veio ao de cima.
- Ah! G3ertrudes de um raio! Anda cá.
Apontar, disparar e... um tremendo coice, um som seco e abafado, seguido de um ruído estranho.
À minha frente jazia a G3ertrudes, com o cano esventrado em tiras. Uma espécie de fole, ou balão.
Fui desarmado para que pudesse cumprir o voto de não matar na guerra para onde me atiraram sem me perguntar.
Deus esteve comigo neste momento. Contrariamente ao que me disseram na instrução de armamento, o cano não abriu em leque, o que a acontecer, muito provavelmente se viria espetar no meu crânio e era a morte certa. O tapa-chamas foi o impecilho que me salvou a vida. Uf! Desta já escapei.
A G3 que no dia anterior tinha encontrado abandonada pertencia ao Salvaterra Bernardes (*), natural de Salvaterra de Magos. Um jovem português, deficiente motor e deficiente mental, que assassinos (não encontro nome mais apropriado)´apuraram para todo o serviço militar, fez a recruta e a especialização como atirador e veio cair na CCAÇ 2381, quando já aguardávamos embarque para a Guiné.
A arma na mão deste homem, não servia para nada. Não tinha utilidade prática. Limpeza para quê? O cano estava cheio de areia. A bala encontrou resistência e provocou o seu rebentamento, mas estava lá o tapa-chamas.
Salvou-me a vida, impedindo o rebentamento em leque e... talvez, assim se tenha salvo a vida do IN que procurava atingir-me.
Restou apenas encolher-me e esperar que a fraca pontaria do adversário desse resultado, o que aconteceu para meu bem.
Não houve feridos de nossa parte. A coluna seguiu caminho.
O divórcio
A meio da tarde a aviação localizou-nos, o héli veio buscar os feridos do dia anterior e a vida continuou. Chegamos ao destino ao fim da tarde, ou seja vinte e quatro horas depois do previsto. Localizei a minha arma na mão do Salvaterra, fiz o relatório que me exigiram para abater a arma destruída e... para não mais ser tentado a fazer fogo e correr o risco de matar vidas humanas, fui entregar a minha arma ao quarteleiro, sob a ameaça do capitão que me daria uma porrada se me apanhasse sem a minha G3ertrudes.
Fui só e apenas enfermeiro durante o resto da comissão. Afinal era a minha missão (2).
Zé Teixeira
__________
Nota do autor:
(*) Vd. a descrição que o José Belo faz do Soldado Salvaterra [no post anterior]:
Pobre Salvaterra que aparentava ser uma figura de comédia. Uma caricatura barata de Soldado. Desde o quico, às botas, do cinturão à G3, tudo nele estava mal vestido, mal assentado. Um sorriso contínuo, não irónico, mas de assustado nervoso. Uma cara continuamente contorcida por pequenos espasmos, enquanto a saliva lhe escorria continuamente de um dos cantos da boca.
Sofria de grave doença motora, atrofiamento muscular, acompanhados de acentuada debilidade mental. Era totalmente impossível ao pobre do Soldado Salvaterra controlar os mais simples movimentos. Acertar o passo pelos outros quando marchava, coordenar os movimentos dos braços, e muito menos, com o movimento das pernas.
Na ordem unida tornava-se o momento certo das gargalhadas gerais, perante a crescente irritação, e falta de paciência, dos responsáveis. Nas aulas de ginástica o circo repetia-se! Tropeçava continuamente sempre que pretendia correr. Caía desamparado, ao solo, ao pretender saltar um simples degrau de escada. O primeiro degrau da escada!
______________________________
Notas do editor:
(1) Vd. último post desta série > 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1853: Estórias do Zé Teixeira (17): Quando não se acautela a vida, a morte pode espreitar
(2) Vd. post de 14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVI: O meu diário (Zé Teixeira) (fim): Confesso que vi e vivi
Guiné 63/74 - P2029: Da Suécia com saudade (3) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (3): O Soldado Salvaterra ou mais uma peça de carne para canhão
Mais um trabalho do camarada ex-Alf José Belo (que vive na Suécia desde 1976), como sempre encaminhado até nós pelo nosso companheiro Zé Teixeira.
Ambos pertenceram ao 2.º GComb da CCAÇ 2381, Os Maiorais (Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
Tudo servia para carne para canhão
por José Belo (1)
Era cedo. Uma daquelas manhãs geladas, húmidas, cinzentas, dos invernos de Abrantes.
O Pelotão ia formando na parada para mais um dia de instrução enquanto se aguardava o embarque para a Guiné.
Um dos Furriéis dirigiu-se para mim, acompanhado por um Soldado.
-Meu Aspirante, este é o Salvaterra! Apresentou-se ontem. Faz parte da Companhia e foi colocado no 2.º Pelotão!
Olhei-o pasmado. À minha frente estava o que aparentava ser uma figura de comédia. Uma caricatura barata de Soldado. Desde o quico, às botas, do cinturão à G-3, tudo nele estava mal vestido, mal assentado. Um sorriso contínuo, não irónico, mas de assustado nervoso. Uma cara continuamente contorcida por pequenos espasmos, enquanto a saliva lhe escorria continuamente de um dos cantos da boca.
Tentei, com a ajuda do Furriel, melhorar, dentro do possível, todo o caos que era o fardamento do Soldado. Foi o nosso primeiro contacto!
A partir daí, o Soldado Salvaterra tornou-se no involuntário palhaço do Pelotão. Sofria de grave doença motora, atrofiamento muscular, acompanhados de acentuada debilidade mental. Era totalmente impossível ao pobre do Soldado Salvaterra controlar os mais simples movimentos. Acertar o passo pelos outros quando marchava, coordenar os movimentos dos braços e, muito menos, com o movimento das pernas.
Na ordem unida tornava-se o momento certo das gargalhadas gerais, perante a crescente irritação, e falta de paciência, dos responsáveis. Nas aulas de ginástica o circo repetia-se! Tropeçava continuamente sempre que pretendia correr. Caía, desamparado, ao solo, ao pretender saltar um simples degrau de escada. O primeiro degrau da escada!
OS ANOS SESSENTA! O período em que nas escolas, jornais, televisão e rádio, nos
bombardeavam com o Portugal do Minho a Timor. Dos terroristas fanáticos, que pretendiam destruir a civilização Cristã - Ocidental em Africa, subvertendo os bons nativos resultantes de séculos de Portugalidade - missionária!
O período em que Camões foi apropriado para ser usado, e abusado, como bandeira da... Lusitaneidade! Não o Luís Vaz, exilado, empobrecido - vivendo de amigos - nos extremos do Império. O que nem dinheiro tinha para a viagem de regresso! Mas antes o Luís de Camões! Sacro! Divinizado de espada em punho...e Lusíadas debaixo do braço!
Era o período em que Os Descobrimentos e os descobridores quase se tornavam conversa de pequeno-almoço em família. Tanto se falava, a nível educacional e governamental, no Infante D. Henrique que não sobrava tempo para lembrar que o mesmo tinha introduzido a lucrativa escravatura negra na Europa de então, tornando-se um dos mais ricos do Reino.
Gravura do Livro da Terceira Classe, Ed. Domingos Barreira, 4ª Ed., 1958, por onde todos estudámos e aprendemos a amar a Pátria. Era, no entanto, um manual profundamente ideológico... servindo o propósito de um Estado, sem legitimidade democrática, de educar o povo, do berço à tumba.... (LG)
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
No Portugal dos anos sessenta quem seriam os Excelentíssimos Membros da Junta Médica que apurou o Soldado Salvaterra para todo o serviço Militar? Quem seriam os Excelentíssimos responsáveis militares que, depois de O VEREM, acabaram por o mobilizar como Atirador de Infantaria para a Guiné? Com essas Excelências, de certo modo, as contas ficaram provisoriamente assentes aquando dos primeiros tempos de Abril-74.
Mas comigo próprio? O Aspirante comandante do pelotão em que o Soldado Português - Salvaterra era o MÁRTIR, o palhaço, o momento constante de irritação? O jovem conduzido, ou melhor, imbuído, a repetir...gestas de antanho? Não era a nossa geração que se apropriava da História; era a História que se apropriava de nós!
Mais do que o remorso e a vergonha, é a pergunta: - Como foi possível que o Aspirante, militarão, ingénuo e estúpido, não tenha então reagido? Não tenha sequer exigido da parte dos superiores a atenção para o caso do pobre doente que era o Soldado Salvaterra?
Hoje, olhando-me ao espelho da memória, o que mais me assusta, é que ENTÃO ... nem sequer me dei ao trabalho de nisso pensar!
SOLDADO DE PORTUGAL - SALVATERRA BERNARDES - PRESENTE!
(O Maioral do 2.º Pelotão da CCAÇ 2381 – Salvaterra Bernardes - já faleceu.)
José Belo
_________
Nota de CV:
(1) Vd. postas anteriores desta série:
6 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1818: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (1): Hino à Guiné que nós conhecemos
26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 – P1883: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70 (2): Periquitos, no Rio Cacheu, sem munições
Ambos pertenceram ao 2.º GComb da CCAÇ 2381, Os Maiorais (Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70).
Tudo servia para carne para canhão
por José Belo (1)
Era cedo. Uma daquelas manhãs geladas, húmidas, cinzentas, dos invernos de Abrantes.
O Pelotão ia formando na parada para mais um dia de instrução enquanto se aguardava o embarque para a Guiné.
Um dos Furriéis dirigiu-se para mim, acompanhado por um Soldado.
-Meu Aspirante, este é o Salvaterra! Apresentou-se ontem. Faz parte da Companhia e foi colocado no 2.º Pelotão!
Olhei-o pasmado. À minha frente estava o que aparentava ser uma figura de comédia. Uma caricatura barata de Soldado. Desde o quico, às botas, do cinturão à G-3, tudo nele estava mal vestido, mal assentado. Um sorriso contínuo, não irónico, mas de assustado nervoso. Uma cara continuamente contorcida por pequenos espasmos, enquanto a saliva lhe escorria continuamente de um dos cantos da boca.
Tentei, com a ajuda do Furriel, melhorar, dentro do possível, todo o caos que era o fardamento do Soldado. Foi o nosso primeiro contacto!
A partir daí, o Soldado Salvaterra tornou-se no involuntário palhaço do Pelotão. Sofria de grave doença motora, atrofiamento muscular, acompanhados de acentuada debilidade mental. Era totalmente impossível ao pobre do Soldado Salvaterra controlar os mais simples movimentos. Acertar o passo pelos outros quando marchava, coordenar os movimentos dos braços e, muito menos, com o movimento das pernas.
Na ordem unida tornava-se o momento certo das gargalhadas gerais, perante a crescente irritação, e falta de paciência, dos responsáveis. Nas aulas de ginástica o circo repetia-se! Tropeçava continuamente sempre que pretendia correr. Caía, desamparado, ao solo, ao pretender saltar um simples degrau de escada. O primeiro degrau da escada!
OS ANOS SESSENTA! O período em que nas escolas, jornais, televisão e rádio, nos
bombardeavam com o Portugal do Minho a Timor. Dos terroristas fanáticos, que pretendiam destruir a civilização Cristã - Ocidental em Africa, subvertendo os bons nativos resultantes de séculos de Portugalidade - missionária!
O período em que Camões foi apropriado para ser usado, e abusado, como bandeira da... Lusitaneidade! Não o Luís Vaz, exilado, empobrecido - vivendo de amigos - nos extremos do Império. O que nem dinheiro tinha para a viagem de regresso! Mas antes o Luís de Camões! Sacro! Divinizado de espada em punho...e Lusíadas debaixo do braço!
Era o período em que Os Descobrimentos e os descobridores quase se tornavam conversa de pequeno-almoço em família. Tanto se falava, a nível educacional e governamental, no Infante D. Henrique que não sobrava tempo para lembrar que o mesmo tinha introduzido a lucrativa escravatura negra na Europa de então, tornando-se um dos mais ricos do Reino.
Gravura do Livro da Terceira Classe, Ed. Domingos Barreira, 4ª Ed., 1958, por onde todos estudámos e aprendemos a amar a Pátria. Era, no entanto, um manual profundamente ideológico... servindo o propósito de um Estado, sem legitimidade democrática, de educar o povo, do berço à tumba.... (LG)
Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.
No Portugal dos anos sessenta quem seriam os Excelentíssimos Membros da Junta Médica que apurou o Soldado Salvaterra para todo o serviço Militar? Quem seriam os Excelentíssimos responsáveis militares que, depois de O VEREM, acabaram por o mobilizar como Atirador de Infantaria para a Guiné? Com essas Excelências, de certo modo, as contas ficaram provisoriamente assentes aquando dos primeiros tempos de Abril-74.
Mas comigo próprio? O Aspirante comandante do pelotão em que o Soldado Português - Salvaterra era o MÁRTIR, o palhaço, o momento constante de irritação? O jovem conduzido, ou melhor, imbuído, a repetir...gestas de antanho? Não era a nossa geração que se apropriava da História; era a História que se apropriava de nós!
Mais do que o remorso e a vergonha, é a pergunta: - Como foi possível que o Aspirante, militarão, ingénuo e estúpido, não tenha então reagido? Não tenha sequer exigido da parte dos superiores a atenção para o caso do pobre doente que era o Soldado Salvaterra?
Hoje, olhando-me ao espelho da memória, o que mais me assusta, é que ENTÃO ... nem sequer me dei ao trabalho de nisso pensar!
SOLDADO DE PORTUGAL - SALVATERRA BERNARDES - PRESENTE!
(O Maioral do 2.º Pelotão da CCAÇ 2381 – Salvaterra Bernardes - já faleceu.)
José Belo
_________
Nota de CV:
(1) Vd. postas anteriores desta série:
6 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1818: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (1): Hino à Guiné que nós conhecemos
26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 – P1883: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70 (2): Periquitos, no Rio Cacheu, sem munições
sábado, 4 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2028: A História da CART 3492: Afinal, não regressaram todos (Álvaro Basto)
No Niassa foram todos
1. A propósito do encontro da CART 3492, escrevi ao Álvaro Basto:
Álvaro, caro Camarada,
Os meus agradecimentos pela tua saudação à minha entrada como co-editor. Estive a ver as imagens do vosso encontro e não deixo de te dizer como compreendo bem a alegria que tiveste em ver os teus camaradas, tantos anos já passados. E para vos felicitar por terem regressado todos. Será que li bem? Regressaram mesmo todos?
Era bom demais naqueles tempos.
2 . Em resposta, o Álvaro Basto, emendou:
Meu caro amigo e camarada,
Quando dizia termos voltado todos, referia-me a todos os elementos que constituiam a CART 3492. Efectivamente não tivemos qualquer baixa em combate.
Tivemos uma única baixa. O soldado Eduardo Ribeiro Oliveira que morreu de hemorragia interna num estúpido acidente com a arma, e a quem na altura prestei todo o auxílio possível e para quem a evacuação "Y" tardou mais de uma hora.
Foi uma morte trágica e patética pela estupidez do acidente em si.
Em cima da ponte sobre o rio Pulon onde tínhamos um destacamento, o Eduardo tentou acertar num enorme "peixe-fula" e a bala fez ricochete num dos enormes parafusos que prendiam as tábuas da ponte vindo-o a atingir no abdómen. Ainda o consegui manter vivo até à chegada do helicópetro mas faleceu a caminho de Bissau.
O peixe não era este mas era um semelhante.
Um grande abraço,
Alvaro Basto
_____________________
Nota do co-editor vb:
A morte do Eduardo Oliveira é um retrato das mortes estúpidas que ocorreram à margem da guerra. Claro, a guerra, em si mesmo, é estúpida, sobre ela as palavras já foram todas ditas. Mas as mortes fora da metralha não doeram menos.
E, quantas destas aconteceram?
Afinal, não éramos nós mesmos que dizíamos uns para os outros, aqui na Guiné já não há nada para espantar.
1. A propósito do encontro da CART 3492, escrevi ao Álvaro Basto:
Álvaro, caro Camarada,
Os meus agradecimentos pela tua saudação à minha entrada como co-editor. Estive a ver as imagens do vosso encontro e não deixo de te dizer como compreendo bem a alegria que tiveste em ver os teus camaradas, tantos anos já passados. E para vos felicitar por terem regressado todos. Será que li bem? Regressaram mesmo todos?
Era bom demais naqueles tempos.
2 . Em resposta, o Álvaro Basto, emendou:
Meu caro amigo e camarada,
Quando dizia termos voltado todos, referia-me a todos os elementos que constituiam a CART 3492. Efectivamente não tivemos qualquer baixa em combate.
Tivemos uma única baixa. O soldado Eduardo Ribeiro Oliveira que morreu de hemorragia interna num estúpido acidente com a arma, e a quem na altura prestei todo o auxílio possível e para quem a evacuação "Y" tardou mais de uma hora.
Foi uma morte trágica e patética pela estupidez do acidente em si.
Em cima da ponte sobre o rio Pulon onde tínhamos um destacamento, o Eduardo tentou acertar num enorme "peixe-fula" e a bala fez ricochete num dos enormes parafusos que prendiam as tábuas da ponte vindo-o a atingir no abdómen. Ainda o consegui manter vivo até à chegada do helicópetro mas faleceu a caminho de Bissau.
O peixe não era este mas era um semelhante.
Um grande abraço,
Alvaro Basto
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Nota do co-editor vb:
A morte do Eduardo Oliveira é um retrato das mortes estúpidas que ocorreram à margem da guerra. Claro, a guerra, em si mesmo, é estúpida, sobre ela as palavras já foram todas ditas. Mas as mortes fora da metralha não doeram menos.
E, quantas destas aconteceram?
Afinal, não éramos nós mesmos que dizíamos uns para os outros, aqui na Guiné já não há nada para espantar.
Guiné 63/74 - P2027: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (Fernando Barata)
1.Mensagem, de 31 de Julho, do Fernando Barata, ex-Alf Mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72):
Caro Luís Graça: Por attachment estou a enviar-te elementos sobre o Guido Brazão (1) , obtidos na Resenha Histórico-Militar.
Ele pertenceu à CCAV 2748 do BCAV 2922.
Abraço F. Barata
_________
Nota dos editores:
(1) Vd. post de 30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2012: Em busca de... (7): Meu irmão, Guido de Ponte Brazão da Silva, alferes, morto em Canquelifá, em 1970 (Conceição Brazão)
Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui A. Ferreira)
Autor: Rui Alexandrino Ferreira
Título: Rumo a Fulacunda. 2ª ed. (1)
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2003. [1ª ed., 2000].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.
1. Excerto do livro de memórias Rumo a Fulacunda, do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2003), pp. 37/40. (Subtítulos e comentário de L.G. Fixação do texto: co-editor vb).
É uma singela homenagem do nosso blogue ao Rui, que hoje faz 64 anos. Longa vida, Rui (ou Ruizinho, para os amigos mais íntimos)!
(...) Na madrugada do dia sete de Outubro, lá iniciaram a marcha para o objectivo, de início em bicha de pirilau, uma com a outra logo a morder-lhe os calcanhares.
À medida que o tempo ia passando e o aquartelamento ia ficando mais longe, o passo foi-se tomando mais lento, os ouvidos mais apurados, os olhos mais atentos, todos os sentidos em alerta permanente, numa concentração profunda.
Pausadamente!...Penosamente, lá iam avançando... Subitamente, com o inesperado habitual, deflagrou o tiroteio. O cantar característico das costureirinhas turras (pistola metralhadoras PPSH) feria os ouvidos e eriçava os nervos.
Milagrosamente não houve nem mortos nem feridos a lamentar, de início. Na frente, que entretanto já havia sido, pelo Capitão Pita Alves, dividida em três colunas de progressão, a que se encontrava mais à direita, onde se integrava o Alferes Vasco Cardoso, directamente visada pelo ataque, ficou, imobilizada, retida pelo fogo das armas ligeiras e metralhadoras do inimigo.
- Tomar posições de defesa! - gritou o Alferes.
- Reagrupar à retaguarda! - comandava bem lá de trás o maior da 23, Capitão de Artilharia Pita Alves, estratega e Comandante-em-Chefe da operação.
Seis homens isolados e perdidos na frente
No meio da confusão que se instalou e que a diversidade das pseudo ordens, opiniões, alvitres e sugestões que se seguiram mais agravou, as colunas viram-se partidas em vários segmentos. Numa das frentes o Alferes e mais cinco homens fixados pelo intenso tiroteio turra, não conseguiam juntar-se à retaguarda ou reintegrar-se na força.
Por seu lado, ninguém ali, conseguia esboçar qualquer tipo de reacção. Sufocados pelo tiroteio, desorientados, metidos cegamente na boca do lobo, impreparados para um confronto tão desigual, sem que alguém tivesse conseguido pôr ordem naquela periquitada, o grosso das Companhias retirou da zona, dispersa e desordenadamente.
Os seus elementos foram chegando a Fulacunda, desfasados no tempo e em pequenos grupos isolados. Uns quantos agora..., outros tantos tempos depois..., ainda mais alguns quando já se pensava no pior.
Isolados frente aos turras permaneciam ainda vivos os seis transviados. Batiam-se com o desespero e a raiva de quem luta pela sobrevivência. Nado e criado em África, Vasco Cardoso, era dos elementos mais válidos da Companhia. Habituado ao calor e à humidade, entendia-se perfeitamente com o clima e não estranhava o mato. Nele se movia, habitualmente, com o desembaraço dum lisboeta no Chiado. Apaixonado caçador como quase todo o bom africano, este era-lhe familiar. O instinto de conservação levava-o debalde, à busca de uma qualquer solução.
Ia adiando o desastre que já pressentia, fazendo a um tempo pagar bem caro o preço da sua vida e dando oportunidade a que algo sucedesse. Poucos que eram, mantinham ainda em respeito o mais que numeroso grupo inimigo, esperançados na ajuda que certamente lhes prestaria alguma das Companhias.
Que nunca chegou!... Foram-se esgotando as munições. Aos poucos... Aos poucos foram entrando em desespero...
Numa tentativa suicida para inverter a situação romperam o contacto em louca e desorientada correria. Tendo conseguido estabelecer alguma distância entre o minúsculo grupo que constituíam e o numeroso efectivo que o perseguia, a trégua de pouco lhes serviu.
E é pelo relato do Soldado José Vieira Lauro, único sobrevivente daquele grupo que se pode aquilatar a vastidão do desastre.
Perdidas as noções do tempo e das distâncias, perseguidos, acossados, encurralados, cercados, sem pausas para pensar ou tentar coordenar ideias, sem rumo e sem direcção, completamente desorientados, sem saber sequer onde estavam, na maior confusão sobre a localização do aquartelamento, indecisos para onde ou por onde progredir, durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias jogaram tragicamente ao 'gato e ao rato' em manifesta desigualdade. Desigualdade que se foi agravando com o desenrolar do tempo e com a passagem dos dias, cada vez mais sujeitos à hostilidade dum mar verde que os envolvia, tolhia e amedrontava, cada vez mais rejeitados por uma selva que os não reconhecia e onde não tinham lugar.
Sem hipóteses de sobrevivência, facilmente referenciados dada a impossibilidade de integração ou mesmo de dissimulação no meio ambiente que os rodeava, pressionados pela perseguição feroz que o inimigo lhes movia, foram-se desgastando fisicamente e vendo definhar a pouca força moral que ainda restava.
As duas primeiras baixas do grupo
A própria fé que um acordar redentor fizesse com que, em vez da trágica realidade, da dura e cruel situação em que se encontravam, nada mais fosse que um tremendo pesadelo, se desvaneceu.
Afastada por inverosímil e absurda essa hipótese, sem o menor sinal de ajuda, sem a mínima sombra dum apoio, sentiam que o mundo donde provinham, completamente alheado das suas fraquezas, se tinha esquecido das suas angústias e mais grave ainda já duvidava das suas existências.
Abandonados, isolados, completamente entregues a si próprios e às desventuras que o destino lhes reservara, vencidos pelo desânimo, vergados pelo infortúnio, progressivamente se quebrou a pouca resistência que sobrava.
Já só um milagre os salvaria da morte. Milagre que não aconteceu... Sustidos pelo rio que lhes barrava o caminho, encerradas assim as já poucas saídas que lhes restavam, tudo começava a consumar-se.
Uma bala mais certeira trespassou, no segundo dia, um deles, provocando a primeira baixa no grupo...
O corpo para ali ficou abandonado, repasto para os bichos!... Ao terceiro dia caiu o segundo. Mais um despojo que para ali ficou esquecido a marcar tragicamente a transitoriedade da vida. Tal como o primeiro o seu corpo para ali ficou de qualquer maneira, insepulto.
O desespero leva a dois suicídios
No último dia em que funestamente tudo se consumou, um dos sobreviventes entrou em desespero. Não conseguindo suportar todo aquele sofrimento, toda aquela imensa pressão, no limite do controlo sobre as já pouco lúcidas faculdades mentais, em absoluta crise emocional, sem conseguir sequer imaginar uma saída redentora, só a morte se lhe afigurava como solução libertadora. Profundamente deprimido e a caminho da alienação total, pôs termo à vida e ao sofrimento, com um tiro na cabeça.
No auge do desespero e numa tentativa suicida, à partida absolutamente condenada ao fracasso, um tentou a salvação através do rio, por onde se meteu...para nunca mais ser visto. Jaz com certeza morto, algures... E se não teve por benção e por morte o afogamento, serviu de repasto aos crocodilos no que certamente terá sido um final dramático.
A morte do Alferes Vaco Vardoso e a rendição do Soldado José Vieira Lauro
O Alferes foi o último a ser abatido e o Soldado Lauro, largou a arma e entregou-se… De nada lhe serviria o sacrifício da vida. Teve início então o longo calvário que se seguiu.
A caminhada rumo à fronteira, só atingida ao fim de vinte e dois dias de marcha, onde as canseiras, a dor e o sofrimento lhe causavam bem menor mágoa que o sentimento de culpa, o profundo abatimento e a vergonha de se sentir prisioneiro. A esse angustiante estado de alma se aliava o enorme desconforto motivado pelo receio do desconhecido, agudizado pela incerteza do futuro.
Só, inacreditavelmente só, como nunca se tinha sentido, possuído por uma tristeza mais negra que a pele dos próprios captores que o conduziam, caminhava como se fosse um autómato. Da fronteira para Conackri, o transporte em viatura, a entrevista com o próprio Amilcar Cabral, a recusa em ler para a rádio Argel, onde alguns compatriotas então brilhavam, fosse o que fosse contra Portugal, a clausura numa prisão, num antigo forte colonial Francês, na cidade de Kindia, cerca de uma centena de quilómetros a nordeste de Conackri.
Aí, onde sob o enorme portão fronteiriço se podia ler Maison de Force de Kindia foi encontrar o 1.° Sargento Piloto-aviador Sousa Lobato, primeiro militar português que o PAIGC aprisionou quando, no sul da província, teve de efectuar uma aterragem de emergência numa bolanha, corria o ano de 1963.
Permaneceu em cativeiro, trinta longos meses. Foi libertado num gesto de boa-vontade, em 1968 e entregue à Cruz Vermelha Internacional que o fez chegar a Lisboa.
Não esqueceu os tempos maus que por lá passou mas nunca foi alvo de procedimentos vexatórios ou de maus tratos. Era um prisioneiro de guerra, assim foi considerado e como tal tratado. Nesse aspecto e unicamente reportando-me à Guiné, se alguém teve razões de queixa, não foi seguramente a tropa portuguesa. O próprio Amílcar Cabral nunca se cansou de afirmar que a luta era contra o Regime Colonialista que então detinha o poder em Portugal e nunca contra o povo português.
Entretanto em Fulacunda, procedia-se ao rescaldo da operação. Formadas as Companhias já a meio da tarde, quando se começou a recear que mais ninguém conseguisse regressar, contavam-se os efectivos.
À medida que o tempo ia passando e o aquartelamento ia ficando mais longe, o passo foi-se tomando mais lento, os ouvidos mais apurados, os olhos mais atentos, todos os sentidos em alerta permanente, numa concentração profunda.
Pausadamente!...Penosamente, lá iam avançando... Subitamente, com o inesperado habitual, deflagrou o tiroteio. O cantar característico das costureirinhas turras (pistola metralhadoras PPSH) feria os ouvidos e eriçava os nervos.
Milagrosamente não houve nem mortos nem feridos a lamentar, de início. Na frente, que entretanto já havia sido, pelo Capitão Pita Alves, dividida em três colunas de progressão, a que se encontrava mais à direita, onde se integrava o Alferes Vasco Cardoso, directamente visada pelo ataque, ficou, imobilizada, retida pelo fogo das armas ligeiras e metralhadoras do inimigo.
- Tomar posições de defesa! - gritou o Alferes.
- Reagrupar à retaguarda! - comandava bem lá de trás o maior da 23, Capitão de Artilharia Pita Alves, estratega e Comandante-em-Chefe da operação.
Seis homens isolados e perdidos na frente
No meio da confusão que se instalou e que a diversidade das pseudo ordens, opiniões, alvitres e sugestões que se seguiram mais agravou, as colunas viram-se partidas em vários segmentos. Numa das frentes o Alferes e mais cinco homens fixados pelo intenso tiroteio turra, não conseguiam juntar-se à retaguarda ou reintegrar-se na força.
Por seu lado, ninguém ali, conseguia esboçar qualquer tipo de reacção. Sufocados pelo tiroteio, desorientados, metidos cegamente na boca do lobo, impreparados para um confronto tão desigual, sem que alguém tivesse conseguido pôr ordem naquela periquitada, o grosso das Companhias retirou da zona, dispersa e desordenadamente.
Os seus elementos foram chegando a Fulacunda, desfasados no tempo e em pequenos grupos isolados. Uns quantos agora..., outros tantos tempos depois..., ainda mais alguns quando já se pensava no pior.
Isolados frente aos turras permaneciam ainda vivos os seis transviados. Batiam-se com o desespero e a raiva de quem luta pela sobrevivência. Nado e criado em África, Vasco Cardoso, era dos elementos mais válidos da Companhia. Habituado ao calor e à humidade, entendia-se perfeitamente com o clima e não estranhava o mato. Nele se movia, habitualmente, com o desembaraço dum lisboeta no Chiado. Apaixonado caçador como quase todo o bom africano, este era-lhe familiar. O instinto de conservação levava-o debalde, à busca de uma qualquer solução.
Ia adiando o desastre que já pressentia, fazendo a um tempo pagar bem caro o preço da sua vida e dando oportunidade a que algo sucedesse. Poucos que eram, mantinham ainda em respeito o mais que numeroso grupo inimigo, esperançados na ajuda que certamente lhes prestaria alguma das Companhias.
Que nunca chegou!... Foram-se esgotando as munições. Aos poucos... Aos poucos foram entrando em desespero...
Numa tentativa suicida para inverter a situação romperam o contacto em louca e desorientada correria. Tendo conseguido estabelecer alguma distância entre o minúsculo grupo que constituíam e o numeroso efectivo que o perseguia, a trégua de pouco lhes serviu.
E é pelo relato do Soldado José Vieira Lauro, único sobrevivente daquele grupo que se pode aquilatar a vastidão do desastre.
Perdidas as noções do tempo e das distâncias, perseguidos, acossados, encurralados, cercados, sem pausas para pensar ou tentar coordenar ideias, sem rumo e sem direcção, completamente desorientados, sem saber sequer onde estavam, na maior confusão sobre a localização do aquartelamento, indecisos para onde ou por onde progredir, durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias jogaram tragicamente ao 'gato e ao rato' em manifesta desigualdade. Desigualdade que se foi agravando com o desenrolar do tempo e com a passagem dos dias, cada vez mais sujeitos à hostilidade dum mar verde que os envolvia, tolhia e amedrontava, cada vez mais rejeitados por uma selva que os não reconhecia e onde não tinham lugar.
Sem hipóteses de sobrevivência, facilmente referenciados dada a impossibilidade de integração ou mesmo de dissimulação no meio ambiente que os rodeava, pressionados pela perseguição feroz que o inimigo lhes movia, foram-se desgastando fisicamente e vendo definhar a pouca força moral que ainda restava.
As duas primeiras baixas do grupo
A própria fé que um acordar redentor fizesse com que, em vez da trágica realidade, da dura e cruel situação em que se encontravam, nada mais fosse que um tremendo pesadelo, se desvaneceu.
Afastada por inverosímil e absurda essa hipótese, sem o menor sinal de ajuda, sem a mínima sombra dum apoio, sentiam que o mundo donde provinham, completamente alheado das suas fraquezas, se tinha esquecido das suas angústias e mais grave ainda já duvidava das suas existências.
Abandonados, isolados, completamente entregues a si próprios e às desventuras que o destino lhes reservara, vencidos pelo desânimo, vergados pelo infortúnio, progressivamente se quebrou a pouca resistência que sobrava.
Já só um milagre os salvaria da morte. Milagre que não aconteceu... Sustidos pelo rio que lhes barrava o caminho, encerradas assim as já poucas saídas que lhes restavam, tudo começava a consumar-se.
Uma bala mais certeira trespassou, no segundo dia, um deles, provocando a primeira baixa no grupo...
O corpo para ali ficou abandonado, repasto para os bichos!... Ao terceiro dia caiu o segundo. Mais um despojo que para ali ficou esquecido a marcar tragicamente a transitoriedade da vida. Tal como o primeiro o seu corpo para ali ficou de qualquer maneira, insepulto.
O desespero leva a dois suicídios
No último dia em que funestamente tudo se consumou, um dos sobreviventes entrou em desespero. Não conseguindo suportar todo aquele sofrimento, toda aquela imensa pressão, no limite do controlo sobre as já pouco lúcidas faculdades mentais, em absoluta crise emocional, sem conseguir sequer imaginar uma saída redentora, só a morte se lhe afigurava como solução libertadora. Profundamente deprimido e a caminho da alienação total, pôs termo à vida e ao sofrimento, com um tiro na cabeça.
No auge do desespero e numa tentativa suicida, à partida absolutamente condenada ao fracasso, um tentou a salvação através do rio, por onde se meteu...para nunca mais ser visto. Jaz com certeza morto, algures... E se não teve por benção e por morte o afogamento, serviu de repasto aos crocodilos no que certamente terá sido um final dramático.
A morte do Alferes Vaco Vardoso e a rendição do Soldado José Vieira Lauro
O Alferes foi o último a ser abatido e o Soldado Lauro, largou a arma e entregou-se… De nada lhe serviria o sacrifício da vida. Teve início então o longo calvário que se seguiu.
A caminhada rumo à fronteira, só atingida ao fim de vinte e dois dias de marcha, onde as canseiras, a dor e o sofrimento lhe causavam bem menor mágoa que o sentimento de culpa, o profundo abatimento e a vergonha de se sentir prisioneiro. A esse angustiante estado de alma se aliava o enorme desconforto motivado pelo receio do desconhecido, agudizado pela incerteza do futuro.
Só, inacreditavelmente só, como nunca se tinha sentido, possuído por uma tristeza mais negra que a pele dos próprios captores que o conduziam, caminhava como se fosse um autómato. Da fronteira para Conackri, o transporte em viatura, a entrevista com o próprio Amilcar Cabral, a recusa em ler para a rádio Argel, onde alguns compatriotas então brilhavam, fosse o que fosse contra Portugal, a clausura numa prisão, num antigo forte colonial Francês, na cidade de Kindia, cerca de uma centena de quilómetros a nordeste de Conackri.
Aí, onde sob o enorme portão fronteiriço se podia ler Maison de Force de Kindia foi encontrar o 1.° Sargento Piloto-aviador Sousa Lobato, primeiro militar português que o PAIGC aprisionou quando, no sul da província, teve de efectuar uma aterragem de emergência numa bolanha, corria o ano de 1963.
Permaneceu em cativeiro, trinta longos meses. Foi libertado num gesto de boa-vontade, em 1968 e entregue à Cruz Vermelha Internacional que o fez chegar a Lisboa.
Não esqueceu os tempos maus que por lá passou mas nunca foi alvo de procedimentos vexatórios ou de maus tratos. Era um prisioneiro de guerra, assim foi considerado e como tal tratado. Nesse aspecto e unicamente reportando-me à Guiné, se alguém teve razões de queixa, não foi seguramente a tropa portuguesa. O próprio Amílcar Cabral nunca se cansou de afirmar que a luta era contra o Regime Colonialista que então detinha o poder em Portugal e nunca contra o povo português.
Entretanto em Fulacunda, procedia-se ao rescaldo da operação. Formadas as Companhias já a meio da tarde, quando se começou a recear que mais ninguém conseguisse regressar, contavam-se os efectivos.
- Seis! Faltavam seis homens! Dois da 1420 (o Alferes Vasco Cardoso e o Soldado-telefonista n.o 1020/64 Armando Leite Marinho)e quatro da 1423(o 1.° Cabo Fernando de Jesus Alves e os Soldados José Ferreira Araújo, Armando Santos e José Vieira Lauro. (...)
2. Comentário do editor L.G.:
Rumo a Fulacunda era o grito de guerra, muito pouco guerreiro, da Companhia de Caçadores 1420, em cujas fileiras ingressou o Alf Mil Rui Ferreira, substituindo um camarada desaparecido em combate, o Vasco Cardoso, nado e criado em Angola, como o Rui.
Neste episódio o Rui reconstitui, com maestria e grande tensão narrativa, as trágicas circunstâncias em que o Alf Mil Vasco Cardoso, à frente de um pequeno grupo de homens, perseguidos durante três dias por um numeroso grupo IN, morreu, depois de ver morrer mais quatro homens ... O sexto elemento, o soldado Lauro, rendeu-se e foi feito prisioneiro. Foi o único do grupo que restou , para nos contar esta, que é uma das mais trágicas estórias da guerra da Guiné.
______________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)
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sexta-feira, 3 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2025: O cruzeiro das nossas vidas (7): Viagem até Bolama com direito a escalas em Leixões, Mindelo e Praia (Henrique Matos)
O Rita Maria (1952-1978) era um navio misto de 1 hélice da frota da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes (SG), construído pela CUF nos Estaleiros da AGPL. Tinha um comprimento de 103 metros e estava preparado para acomodar 70 passageiros.
Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.
Fonte: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.
Uma viagem diferente,
por Henrique Matos
Penso que, tal como tantos outros que partiam com a “alma a sangrar” mas em navios cheios de militares, tive sorte com a viagem para a Guiné.
Em pleno verão, 10 de Agosto de 1966, com mar chão, saiu de Lisboa o “Rita Maria”, navio misto de carga e passageiros, que nesta viagem levava poucos militares sendo a maioria dos passageiros civis, nomeadamente estudantes, com destino a Cabo Verde. Ainda foi a Leixões só para meter carga, depois Mindelo e Praia com paragens curtas e finalmente Bissau.
A bordo do “Rita Maria” com mais 2 Alf. Mil. companheiros de viagem em rendição individual, cujos nomes não me lembro. Só sei que o do meio era do Porto com especialidade em Adminsitração Militar o que nos fazia inveja porque se sabia que não ia sair de Bissau. O da direita era de Santarém e também tinha como destino uma zona de intervenção. Tanto eu como o do Porto não tínhamos no cais qualquer pessoa a quem dizer adeus, mas impressionou-me bastante a despedida do “Santarém” como lhe chamávamos, dos familiares e namorada. Penso que a cara dele nesta foto ainda reflecte um pouco o que lhe ia na alma.Penso que, tal como tantos outros que partiam com a “alma a sangrar” mas em navios cheios de militares, tive sorte com a viagem para a Guiné.
Em pleno verão, 10 de Agosto de 1966, com mar chão, saiu de Lisboa o “Rita Maria”, navio misto de carga e passageiros, que nesta viagem levava poucos militares sendo a maioria dos passageiros civis, nomeadamente estudantes, com destino a Cabo Verde. Ainda foi a Leixões só para meter carga, depois Mindelo e Praia com paragens curtas e finalmente Bissau.
Curiosidades de Bolama
Numa rua de Bolama com o cais ao fundo, eu com o Alf. Mil. Baptista que estava colocado em São João, um destacamento de Tite, que ficava mesmo frente a Bolama do outro lado do canal. Ao fundo desta rua, à esquerda, havia um monumento curioso ( por estar naquele sítio) que fotografei.
Este monumento que representa destroços de avião, tinha a seguinte legenda: “Mussolini ai caduti di Bolama”, seu autor Quirino Rugger e inaugurado no mês de Dezembro de 1931
Para quem gosta de esclarecer as coisas impunha-se perguntar: quando? porquê?
E as respostas são: em 17 de Dezembro de 1930 sairam de Orbetello(Itália) 14 hidroaviões para estabelecer uma ligação com Brasil, sob o comando de Italo Balbo.
Bolama, onde chegaram no dia 25 de Dezembro, seria o último ponto de paragem em África por ser o mais próximo de Porto Natal no Brasil.
Permaneceram vários dias em Bolama para reparações e à espera de condições atmosférias favoráveis.
Quando decidiram levantar a 5 de Janeiro, de noite, cairam 2 aparelhos causando 5 mortos.
Chegaram ao Rio de Janeiro no dia 15.
O Post CLXXIII do Blogue-fora-nada de 16/8/2005 faz referências a este monumento.
Cartaz que circulou para comemorar o evento
Eu que sou um “curioso ajuntador de selos” encontrei em tempos na internet um postal à venda enviado de Bolama a 27-12-1930 por um daqueles aviadores, com selos tipo “CERES”, que então se usavam em Portugal e Colónias.
Fotos ©: Henrique Matos (2007). Direitos reservados
_________________________
Nota do co-editor CV
Monumento que o Duce, Benito Mussolini, mandou erguer na antiga capital da Guiné aos "caduti di Bolama".
Dele escreveu Dons Rachelle Mussolini ao Autor desta reportagem:
'Ammiro veramente i portighesi che non l' hanno distrutto comme ésuscesso cuá in Itália' [Admiro verdadeiramente os portugueses que o não destruiram como aconteceu cá em Itália"(...)
Finalmente: Bolama que tem em si um dos raros monumentos ao esforço fascista de paz, quando Mussolini e Ítalo Balbo tentaram o cruzeiro aéreo para unir Roma ao Brasil. Com efeito, dois dos aparelhos despenharam-se em Bolama e a missão esteve em riscos de se malograr. Tal não aconteceu porque a tenacidade de Ítalo Balbo a isso se opôs.
Resta desse desastre o belo monumento aos «Caduti di Bolama» no qual se reproduz um aspecto dos destroços dos aviões — duas asas, uma das quais ainda erguida aos céus e a outra quebrada e caída em terra.
O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim.
Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama.
Ao lado, a águia da fábrica de hidro-aviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat.
É curioso notar que este será um dos raros monumentos do fascismo, no mundo, que no fim de 1945 não foi apeado. Virado para diante e no alto, o distintivo dos fáscios olha ainda com alienaria o futuro, no seu feixe de varas e no seu machado, a lembrar a grandeza da Roma do passado.
Foto e excerto de texto retirado de: Guiné 63/74 – CLXXIII: Informação e Propaganda: os 'grandes repórteres' de guerra em
http://www.blogueforanada.blogspot.com/2005_08_14_archive.html
Selecção e notas de A. Marques Lopes
Guiné 63/74 - P2024: A discoteca de Missirá ou alguns dos discos da minha vida (Beja Santos) (1): De Verdi a Beethoven
1. Texto do Beja Santos enviado a 26 de Julho.
Alguns dos discos da minha vida (Parte I):
Comentários: Graças à solicitude do sempre discreto e formiga/ abelha Humberto Reis, posso mostrar-vos algumas das preciosidades que adquiri em Bafatá, depois de ter perdido todos os meus discos na flagelação de 19 de Março de 1969.É praticamente o que me resta depois de termos passado para os CD, tudo o mais ofereci para vendas de organizações não lucrativas.
A «Tosca» é sublime: do 2º Acto que se filmou no Covent Garden vê-se claramente o pânico da assistência quando Maria Callas «apunhala» Tito Gobbi, tal a expressividade da interpretação.
Comoveu-me sempre «La Bohème» pelo refinado do fraseado moderno misturado com o sopro romântico em cima da navalha, a roçar o lamechas.
Beethoven é sempre o camarada que me aponta o caminho, nem que eu vá de rastos.Nos momentos de profunda decepção e solidão em que vivíamos tantas vezes, foi junto do mestre de Bona que fui pedir a coragem que fugia debaixo dos pés.
E Joan Sutherland era o lirismo puro, a disciplina total. Comoveu-me em 22 de Abril de 1974. em S.Carlos, em La Traviata, ao lado de Alfredo Kraus e Matteo Manuguerra (a Cristina foi vê-la a 24, fiquei a tomar conta da Joana, então com pouco mais de 2 anos).
Depois da oração, a música foi a minha âncora,a par da escrita e das leituras.Para que conte.E mais um abração, querido Humberto.
quinta-feira, 2 de agosto de 2007
Guiné 63/74 - P2023: A História da CART 3492 / BART 3873 (Xitole, 1972/74) ou mais de 2 anos em meia dúzia de linhas (Álvaro Basto)
Mobilização
a)-Nota Circular
A Nota Circular nº 4496/PM - procº 18/3873 da 1ª Repartição do Estado Maior do Exército, datada de 4 de Novembro de 1971, ordenou que se procedesse à mobilização do Batalhão de Artilharia nº 3873, o qual renderia,na Província da GUINÉ, o BART 2917 a atingir o termo da sua comissão de serviço.
b)-Unidade Mobilizadora
Foi Unidade mobilizadora o Regimento de Artilharia Pesada nº 2 (RAP 2), em V.N.GAIA
c)-Pessoal
O pessoal que compôs o seus quadros - CCS, CART 3492, CART 3493 e CART 3494 - era metropolitano de origem, natural em grande parte do Norte (Minho e Douro) e Centro (Beiras), particularidade conducente à afirmação de que a Áfruca constituía, para a maioria, quase uma incógnita mais ou menos próxima da imaginação de cada um.
d)-Concentração
A concentração dos novos mobilizados começou a 15 de Novembro de 1971 e terminou a 27 do mesmo mês.
e)- Instrução
A instrução geral decorreu a um nível positivo e satisfatório. Apesar do clima frio e do meio ambiente em nada se assemelharem aos do Continente Africano, deficiência parcialmente suplantada, porque a I.A.O. viria a ter lugar já na Ilha de Bolama, de 29 de Dezembro de 1971 a 27 de Janeiro de 1972, os resultados obtidos foram animadores.
O esforço do Comando e Instrutores visou não apenas consciencializar o Soldado do tipo sui generis de luta a enfrentar, como também ministrar-lhe o adequado endurecimento físico e destreza operacional, de maneira a evitar surpresas fatais no teatro da guerra.
Ensinou-se, exemplificou-se e corrigiu-se: são as três palavras sintetizadoras da actividade preparatória. Aliás, a prévia Escola de Quadros obedecera às mesmas directrizes.
f)-Despedida
A cerimónia de despedida constou de Missa celebrada pelo Capelão da Unidade no Mosteiro da Serra do Pilar; alocução de um Oficial Superior, representante do Exmo. Governador da Região Militar do Porto ao que se seguiu desfile das tropas em parada e almoço de confraternização na Messe de Oficiais do RAP2.
g)-Composição Inicial
-Cap. Mil Nº Mecanográfico 11835857 - António Victor R. Mendes Godinho
-Alf. Mil NM 01028270 - Joaquim Manuel M. Mexia Alves
-Alf. Mil NM 08932566 - José Maria Gambôa Gonçalves Dias
-Alf. Mil NM 17889869 - Manuel Laurindo de Oliveira
-Alf. Mil NM 10305670 - António Carvalhão V. B. Barroso
-1.º Sarg NM 52055011 - Abílio Pereira Dias
-1.º Sarg Art NM 52129911 - João de Alegria Dias Ceia
-Fur. Mil NM 00005170 - Artur Manuel Soares
-Fur. Mil NM 01525771 - António Augusto Borges de Pinho
-Fur. Mil NM 01650171 - José Manuel dos Reis Vilela
-Fur. Mil´NM 05657171 - Abílio Pereira de Brito
-Fur. Mil NM 06032471 - Mário Nunes dos Santos
-Fur. Mil NM 06071271 - Acácio Marcelo Alves Duarte
-Fur. Mil NM 07198071 - Daniel dos Anjos Faceira
-Fur. Mil NM 07861171 - Fernando dos Santos Pires
-Fur. Mil NM 09219171 - Carlos Ernesto Corunha Magalhães
-Fur. Mil NM 13217971 - Manuel Joaquim Novais Maçães
-Fur. Mil NM 16101271 - Carlos Alberto Duarte Nunes
-Fur. Mil NM 17398773 - António José da Silva Costa
-Fur. Mil NM 18951070 - Álvaro Manuel Oliveira Basto
-Fur. Mil NM 13335571 - Carlos Alberto Simões Andrade
-1.º Cabo NM 00395271 - Joaquim Santos Silva
-1.º Cabo NM 01106871 - João Manuel Pires de Arruda
-1.º Cabo NM 01376171 - Manuel Martins Lourenço
-1.º Cabo NM 01976571 - Sezinando Pereira Fernandes
-1.º Cabo NM 02445171 - Artur Ascenção Pereira
-1.º Cabo NM 04982571 - José Estêvão Vasques Agostinho
-1.º Cabo NM 06301973 - Agostinho Antunes Correia
-1.º Cabo NM 07147571 - António dos Santos Costa
-1.º Cabo NM 10484471 - José da Encarnação Silva
-1.º Cabo NM 11158371 - Júlio Augusto Rolo Bicho
-1.º Cabo NM 12451871 - Manuel Fernando dos Santos Moreira
-1.º Cabo NM 12748771 - Carlos Alberto Festas Fernandes
-1.º Cabo NM 13263071 - António Simões Ribeiro
-1.º Cabo NM 13266971 - Abílio Vidal dos Santos
-1.º Cabo NM 13290271 - António Pinto Ferreira
-1.º Cabo NM 13292371 - António Alves Leite
-1.º Cabo NM 13300471 - Armindo Carneiro Simões
-1.º Cabo NM 13311871 - Manuel da Costa Nogueira
-1.º Cabo NM 13320171 - Abel Pereira de Matos
-1.º Cabo NM 13320271 - João Nogueira Mesquita Machado
-1.º Cabo NM 13350471 - Mário Manuel Casimiro Barata
-1.º Cabo NM 13378971 - Albano Tavares Quental
-1.º Cabo NM 13379671 - Amândio José Neves dos Santos
-1.º Cabo NM 13391471 - António Manuel Pereira Moreira
-1.º Cabo NM 13422971 - Orlando Luís Almeida de Oliveira
-1.º Cabo NM 13442871 - António Veloso de Sousa
-1.º Cabo NM 13444471 - Justino Monteiro de Araújo Gonçalves
-1.º Cabo NM 13519171 - Fernando Rodrigues Vasques
-1.º Cabo NM 13528771 - Adriano da Silva Marques
-1.º Cabo NM 13549871 - Horácio Nascimento Fresta
-1.º Cabo NM 14947571 - Adérito dos Santos Possacos
-1.º Cabo NM 15157471 - Jorge Manuel Oliveira Barbosa
-1.º Cabo NM 15801671 - António dos Santos Ferreira
-1.º Cabo NM 18874171 - Jaime Leonardo Pereira Soares
-1.º Cabo NM 19596169 - António Carlos Silva
-Soldado NM 01650971 - Joaquim da Fonseca Ferraz
-Soldado NM 04387971 - Armando Gonçalves Freixo
-Soldado NM 07086471 - Manuel da Cunha Pereira
-Soldado NM 07449071 - Belmiro Fernando Pinto Azevedo e Sousa
-Soldado NM 07687671 - António Arantes Carvalho
-Soldado NM 07865171 - Henrique Casimiro Gomes dos Santos
-Soldado NM 08041871 - Licínio José de Oliveira
-Soldado NM 08224271 - Felismino Marques Cortês
-Soldado NM 08275071 - Evangelista da Conceição Martins
-Soldado NM 09054671 - Eduardo Ribeiro de Oliveira (Morto em Dez/1972, em acidente)
-Soldado NM 09736671 - Agostinho da Silva Machado
-Soldado NM 09768871 - Bernardo Fernandes Lopes
-Soldado NM 09831271 - José Gregório Casal Mendonça
-Soldado NM 10203471 - Salvador António Conceição Soares
-Soldado NM 10709671 - Fernando Augusto Lopes
-Soldado NM 11439971 - Acácio Pereira Medeiros
-Soldado NM 13252671 - António Maria de Almeida e Silva
-Soldado NM 13268971 - Álvaro Manuel Rodrigues Pereira
-Soldado NM 13275971 - Jorge Nelson Borges Loureiro
-Soldado NM 13278071 - Manuel Maria Alves de Oliveira
-Soldado NM 13280271 - Benjamim Soares da Silva Morais
-Soldado NM 13280471 - Agostinho da Silva Amador
-Soldado NM 13282271 - Eduardo Pinto
-Soldado NM 13284771 - Alexandrino José Macedo da Fonseca
-Soldado NM 13307171 - Manuel Ilídio de Oliveira Simões
-Soldado NM 13309671 - Luís Ferreira Coelho
-Soldado NM 13311471 - José Gregório de Oliveira Bernardo
-Soldado NM 13313871 - Manuel Marques da Silveira
-Soldado NM 13332371 - Ramiro de Almeida Braga
-Soldado NM 13332571 - Fernando de Oliveira Soares
-Soldado NM 13335871 - Manuel Carlos Magalhães da Silva Neto
-Soldado NM 13340671 - Carlos dos Santos Miguel
-Soldado NM 13347971 - Jorge da Cunha Pinto
-Soldado NM 13349771 - João dos Santos Zeferino
-Soldado NM 13368271 - Joaquim Moreira Soares
-Soldado NM 13374671 - Manuel Fernando de Sousa Pereira
-Soldado NM 13374871 - Adelino Cordeiro Paraíso
-Soldado NM 13385871 - Eduardo Ramos Leite
-Soldado NM 13391071 - António Maria da Costa
-Soldado NM 13392971 - António Lopes dos Santos
-Soldado NM 13394071 - Agostinho do Carmo Lopes
-Soldado NM 13395571 - Manuel da Silva Queirós
-Soldado NM 13398371 - José Alves de Queirós
-Soldado NM 13405671 - Arcanjo Silva de Oliveira
-Soldado NM 13411071 - Mário Rodrigues de Oliveira
-Soldado NM 13411971 - Eduardo Castro Alves de Pinho
-Soldado NM 13423271 - Fernando Nunes Martins
-Soldado NM 13424271 - António Brochado Mendes
-Soldado NM 13426471 - Joaquim Lopes Cardoso
-Soldado NM 13428271 - Alberto Lincho
-Soldado NM 13428871 - Manuel Moreira de Carvalho
-Soldado NM 13436571 - Alfredo Manuel Gonçalves Quelhas
-Soldado NM 13440471 - Carlos Alberto de Sousa Vieira
-Soldado NM 13444171 - Alcides Tavares Simões
-Soldado NM 13445071 - Antero da Silva Caetano
-Soldado NM 13452271 - Júlio Girão dos Santos Rosas
-Soldado NM 13460171 - António de Sá Alves Fardilha
-Soldado NM 13464771 - César Manuel da Graça
-Soldado NM 13468471 - Horácio Fernandes Pais
-Soldado NM 13470071 - Fernando Ferreira Tavares
-Soldado NM 13477871 - Manuel Francisco Lopes Rocha
-Soldado NM 13479571 - Jorge Manuel Correia da Silva
-Soldado NM 13480471 - António Gonçalves Marques
-Soldado NM 13484771 - Manuel Mendonça Correia
-Soldado NM 13494071 - Abílio Moreira Rosas
-Soldado NM 13499671 - Eduardo dos Santos Pereira
-Soldado NM 13500671 - Américo Ramos Fonseca
-Soldado NM 13502271 - Victor Manuel Soares Ferreira
-Soldado NM 13507971 - Carlos Adelino Nunes de Sousa Mendes
-Soldado NM 13511771 - José Caldeira Salvador
-Soldado NM 13516371 - Domingos Pereira Alves
-Soldado NM 13516671 - Luís da Silva Santos
-Soldado NM 13519771 - António Vieira da Rocha
-Soldado NM 13520471 - Albino de Azevedo Oliveira
-Soldado NM 13521271 - Arcindo dos Santos Perpétuo
-Soldado NM 13521671 - António Marto Lopes
-Soldado NM 13522771 - António da Silva Gomes
-Soldado NM 13567671 - Emídio de Carvalho Gonçalves
-Soldado NM 13570271 - António de Jesus Moreira
-Soldado NM 13575271 - António Costa
-Soldado NM 14905971 - António dos Santos Paroleiro
-Soldado NM 14908871 - José Júlio Costa
-Soldado NM 14926571 - José Ribeiro Barbosa Pinto
-Soldado NM 14935871 - João Carlos Dourado dos Santos
-Soldado NM 14949871 - Américo Duarte Pinho
-Soldado NM 14955371 - António Ribeiro dos Santos
-Soldado NM 14961671 - Joaquim José Baião Bravo
-Soldado NM 15143371 - Serafim Nunes de Sousa
-Soldado NM 15153871 - Toni Carvalho dos Santos Barreira
-Soldado NM 15156571 - Casimiro de Almeida Carvalho
-Soldado NM 15158071 - Serafim Taveira Carvalho
-Soldado NM 15195271 - José Araújo da Costa
-Soldado NM 15201971 - Manuel José Soares de Oliveira
-Soldado NM 15224471 - Manuel José de Almeida Rocha
-Soldado NM 15239271 - António Augusto Rego
-Soldado NM 15252671 - Guilherme Guerreiro Lima
-Soldado NM 15260271 - José António de Jesus Loureiro
-Soldado NM 15261771 - Fernando Amílcar das Neves Ferreira
-Soldado NM 15315771 - David Rodrigues de Oliveira Peixoto
-Soldado NM 16571970 - Augusto Fernando Rodrigues Neiva
Deslocamento para o CTIG
a)- Licença de Mobilização
Ainda antes do embarque, entraram os homens do Batalhão e da CART 3492 de Licença de Mobilização, nos termos do Artº 20º das NNCCMU, entre 29 de Novmebro e 8 de Dezembro de 1971, considerando-se em condições de partida depois de 16DEC71, partida verificada a 22 de Dezembro de 1971, após adiamento de 4 dias
b) Vila Nova de Gaia — Lisboa
Com as cerimónias da despedida a 21 de Dezembro , a CART 3492 e o Batalhão de Artilharia 3873 deslocou-se a 22, por caminho de ferro, de V.N.Gaia para Lisboa (Sta Apolónia).
Daqui, viaturas militares transportaram-na para o Cais de Alcântara, onde por volta do meio-dia, a bordo do N/M Niassa, largou rumo à Guiné.
c) Lisboa —Bissau —Bolama
Decorridos 6 dias, atracou-se às vistas de Bissau e logo de seguida tomou-se uma LDG para Bolama.
Desembarcaram no próprio dia as CCS, CART 3492 e CART 3493, enquanto no outro dia coube a vez das CART 3494 e 3521.
d) Recepção
BArt 3483 em Bolama, no CIM
Gen Spínola dá as boas-vindas
Em 02 de Janeiro de 1972, pelas 11hOO, o Governador e Comandante Chefe, General António de Spínola, passou revista às tropas em parada no C.I.M., acompanhado pelo Comandante do BART 3873, pronunciando então uma alocução. Escutaram-se palavras de boas-vindas e exortação perante os obstáculos a vencer. Sucedeu-se uma reunião de trabalhos com Oficiais e Sargentos em conjunto primeiro, separadamente depois.
e) Rumo aos Destinos
e) Rumo aos Destinos
Ultimado o período final da Instrução, foi o Contingente conduzido, novamente em L.D.G. até ao Xime, localidade onde aportou a 28 de Janeiro de 1972.
-Em 13FEV72 grupo IN tentou implantar 1 mina A/C na picada Xitole - Ponte Rio Pulon o que não consumou, graças à aproximação da NT em missão de patrulhamento.
-Em 15FEV72 foi accionada pela 4ª viatura duma coluna de reabastecimentos ao XITOLE urna mina A/P reforçada em (XIME 7B1— 53), danificando aquele veículo militar. A 3 metros do local detectou-se e levantou-se, fora da picada, outra mina A/P sobreposta a uma A/C.
-operação Piriquito Raivoso, de 10 a 11FEV72, com forças das CART 3492 e 2716 que patrulham as áreas de SATECUTA e GALO CORUBAL e forças das CART 3494 e 2715 que patrulham a Ponta do Inglês - Ponta Varela - Poidon.
O 1º agrupamento (E, F) destruiu 16 palhotas e apreendeu 1 granada de RPG; o 2º agrupamento (A, B) sofreu uma flagelação sem consequências e capturou 1 granada de RPG
Nas zonas dos Rios Bissari e Samba Uriel forças da CART 3493 formam o 3º agrupamento (C,D). Em Bambadinca uma DO armada assegurava o apoio aéreo. Não houve contactos IN.
-Operação Trampolim Mágico de 24 a 26FEV72, com 4 Gr Comb da CART 3492 reforçada por 1 Gr Comb da CCAÇ 3489 e outro da CCAÇ 3490, integrando o agrupamento Laranja, 4 Gr Comb da CART 3493 reforçada por 2 Gr Comb da CCAÇ 3491 integrando o agrupamento Castanho, desembarcam conjuntamente na presença do Governador e Comandante Chefe, após batimento de zona pela artilharia da LDG e da FAP. Paralelamente aqueles agrupamentos atravessam as regiões de Ponta Luís Dias e Tabacuta.O 1º agrupamento (E, F) destruiu 16 palhotas e apreendeu 1 granada de RPG; o 2º agrupamento (A, B) sofreu uma flagelação sem consequências e capturou 1 granada de RPG
Nas zonas dos Rios Bissari e Samba Uriel forças da CART 3493 formam o 3º agrupamento (C,D). Em Bambadinca uma DO armada assegurava o apoio aéreo. Não houve contactos IN.
Actuaram em apoio, o agrupamento Azul (CART 3494 mais 2 Gr Comb da CCAÇ 12), agrupamento Amarelo (GEMIL’s 309 e 310), agrupamento Preto (CCAÇ 349 (-)), agrupamento Verde (CCP 123), 1 parelha de Fíats de BISSAU, 1 parelha de T-6, 2 helicópteros e 1 heli-canhão (Bambadinca). Foram recolhidos 32 elementos da população, apreendida documentação e material de secundária importância e destruídas várias tabancas. As NT sofreram 11 evacuados por cansaço, insolação e desidratação.
Março
-Em 06 às18H05 um grupo IN não estimado, flagelou durante cerca de 4 minutos o Destacamento da Ponte RPulon, sem consequências.
Abril
-Em 04 às l8H20 um grupo IN, em número não estimado, flagelou durante 5 minutos o Aquartelamento do Xitole, causando 5 feridos ligeiros às NT.
-Em 15 às 19H20 um grupo IN flagelou o Destacamento da Ponte RPulon durante 3 minutos sem consequências.
Maio
-No dia 4 detectou-se e levantou-se 1 mina A/P a 5 metros do pontão do RJagarajá e do lado esquerdo da picada no sentido Xitole/Bambadinca.
-Operação Lanço Nocturno (18/19MAIO72) realizada no corredor do Quirafo / R Pulon / Mina / Galo Corubal por forças da CCAÇ 12 a 2 Gr Comb, da CART 3492 a 4 Gr Comb, da CART 3493 a 3 Gr Comb. e o Pel Caç Nat 52.
Não se viram vestígios nem houve contactos com o inimigo.
Junho
-Em 24, às 21h30, 1 grupo IN não estimado flagelou a A/D de Cambessê por 2 minutos sem consequências.
-Dois dias depois o Xitole e a sua base militar são alvo duma tentativa de golpe de mão, abortada pela descoberta oportuna que a liquidou à nascença.
Julho
- Neste período, o IN não se manifestou na zona.
Agosto
-Em 21, às 08h45, um grupo IN não estimado flagelou durante 8 minutos o Aquartelamento do Xitole com canhão S/R, sem consequências.
-Em 29 das 07H00 às 12H00 executou-se a acção Golias 5 por 2 Gr Comb da CCAÇ 12, 2 da CART 3492, 2 da CART 3493 e 1 Pel Erec da 3431 em segurança à coluna de abastecimento Bambadinca / Mansambo / Xitole / Saltinho / Bambadinca. Não houve contactos, nem se viram vestígios IN.
Setembro
-Em 13 às 06H20 um grupo IN de 75 elementos flagelou durante 6 minutos o Xitole a partir de 3 bases de fogos, sem consequências.
-No dia 27, 1 Gr Comb, quando patrulhava Endorna activou 2 minas A/P, tendo ficado gravemente feridos 2 auxiliares nativos, pouco depois evacuados. Seguidamente detectou-se e destruiu-se outra mina A/P.
Outubro
-A 18 pelas 12h00 o Xitole é de novo flagelado, todavia sem consequências. As manchas de sangue descobertas pelas NT no reconhecimento posterior mostram que os guerrilheiros não ficaram incólumes.
-Acção Golias 8 a 30, das 07h30 às 16h00. Participaram 3 Gr Comb da CCAÇ 12, igual número da CART 3492 e 2 da CART 3493, como segurança à coluna de reabastecimento a Mansambo / Xitole / Saltinho. Decorreu sem incidentes.
Novembro
-Em 12 o Aquartelamento do Xitole foi alvo de uma flagelação durante 20 minutos, não havendo consequência a assinalar.
-Em 22, 1 membro dum grupo IN accionou 01 mina A/P reforçada, implantada pelas NT nas imediações do aquartelamento, sofrendo 2 mortos confirmados.
-Em 30, o Xitole e o seu Destacamento da Ponte RPulon foram simultaneamente flagelados durante 20 minuto, prolongando-se a acção contra o 1º por mais de 25 minutos. Na retirada, 1 atacante accionou 01 mina A/P, colocada pelas NT, falecendo no local. Não houve perdas da nossa parte.
Dezembro
-A 12 às 12h00, o IN activou 1 mina A/P, montada pelas NT, para protecção próxima do aquartelamento, tendo morrido no local 3 elementos e outro ficado gravemente atingido.
1973
Janeiro
-A 6 às 19H05 um grupo IN não estimado flagelou o Xitole, utilizando canhão S/R e armas ligeiras, causando 1 ferido ligeiro à população.
Nota-se a probabilidade de nesta acção terem colaborado com as forças regulares, forças da FAL (Forças Armadas Locais, réplica da nossa Milícia).
-Em 4 das 06H00 s14H30 foi executada a acção Golias 11, por 3 Gr Comb da CCAÇ 12, 3 da CArt 3493 e 3 da CArt 3492 na protecção à coluna de reabastecimento a Mansambo / Xitole / Saltinho. Sem consequências.
Fevereiro
-Apenas o Destacamento da Ponte RPulon foi pressionado 5 minutos no dia 10 às 14h40 por um grupo não estimado que utilizou RPG e metralhadora ligeira. Apesar da hora, sem consequências.Março
-Acção Gadanha 22 por 2 Gr Comb da CART 3492 em 02, das 05h00 às13h00, com patrulhamento e emboscada, percorrendo Xitoel / Pte RPulon / Culobo / Benate / (XIME 7A8-43). Sem consequências.
-No dia 14 a acção “GOLIAS 14” de protecção à coluna de reabastecimento Bambadinca / Saltinho / Bambadinca, por 2 Gr Comb da CCAÇ 12, 2 Gr. Comb da CART 3493, 3 Gr Comb. da CART 3492 e 1 PEL EREC 3431, empenhados das 07h00 às 17h00.
1 Gr Comb da CART 3492 foi atacado à distância. Sem consequências.
Abril
-Em 11 às 18H40 o aquartelamento do Xitole foi flagelado com 2 canhões S/R durante 18 minutos, s/ consequências. A última flagelação verificara-se em 06JAN73.
-Acção Golias 15 na protecção à coluna reabastecimento Bambadinca / Mansambo / Xitole / Saltinho / Bambadinca, por 3 Grs. comb. da CART 3492, 2 da CART 3494, 1 cedido pelo BCAÇ 5872 e outro da mesma Unidade em reforço à CCS/BART 3873. Sem contactos.
-Em 10 a acção Gabão 9 por forças da CART 3492 a 3 grs. comb. e CART 3494 a 2. Estas últimas detectaram e levantaram 3 minas A/P e 01 A/C em (XIME 7A1-95).
-No mesmo dia, das 05H00 às 16H00, a acção Guarida 28 executada pela CCAÇ 12 a 3 grs.comb. na região da PTA VARELA escutou pelo nosso rádio ONKYO uma transmissão em Espanhol provando a reorganização do IN naquele Zona por especialistas cubanos.
Maio
-Em 27 às 09H15 a segurança à coluna Bambadinca / Xitole foi flagelada durante 4 minutos, s/ consequências.
-Acção “GAMBIARRA-4” realizada em 09 das 23H00 às 17H00 do dia 10, por 3 grs. Comb./CART 3492 na zona da cambança de SECO BRAIMA. Não teve qualquer contacto.
-Acção “GOLIAS-2l’ em 27 das 09H00 às 18H00 na protecção à coluna de reabastecimentos de BAMBADINCA / MANSAMBO / XITOLE / SALTINHO, por 3 grs. comb. da CART 3492, Pel Milícias 370, 1 Gr. Comb. cedido pelo CAOP-2 e 1 Pel. ERec 3431.
1 Gr. Comb. / CART 3492 empenhado na segurança foi flagelado em (XIME 7C5-28), mas s/ consequências.
Junho
-Acção “GARBO-1” de 13 às 17H00 a 14 às17H00 em MANSAMBO / JOMBOCARI / Região de MINA / MANSAMBO pela CAR.T 3494, CCAÇ 12 e CART 3492 que monta emboscada em XITOLE / GALO CORUBAL. A doença súbita dum Soldado, a carecer de evacuação e a recusa do guia prosseguir, não permitiram o avanço até ao objectivo. Cerca das 04H30 ouviram-se 02 tiros na direcção SE.
Julho
-Em 02 às 18H30, 1 grupo IN não estimado flagelou o Aquartelamento do XITOLE, do ponto (XITOLE 9A3-89) durante 22 minutos. As NT reagiram com fogo de Mort 10,7 e 81, desconhecendo-se se provocaram ou não baixas ao atacante. Sem consequências para as NT.
Agosto
-Acção “GUIADOR 1” da CART 3492 a 02 Gr Comb. em coordenação com a CCAÇ 3490 na. Intercepção dum possível grupo Inimigo infiltrado a partir da REP GUINÉ. Foi percorrido o trajecto XITOLE / CAMBESSÊ / AMEDALAI / SINCHA SAIDO / TENDINTO / TANGALI / GUNTIM/ SINCHA LANJAL /XITOLE. Sem vestígios, nem contacto com o IN .
Setembro
-Acção “Guinar 2” pela CART 3492 a 3 Gr Comb na região de SATECUTA/GALO CORUBAL/SECO BRAIMA; CART 3494 a 3 Gr Comb na protecção à retaguarda; PMIL 370 na picagem do itinerário MANSAMBO/PTE R.TIMINCO. Sem contactos.
Outubro
-A 29, O XITOLE voltou a ser flagelado da margem esquerda do R.CORUBAL. A população teve 1 morto, 1 ferido grave e 2 feridos ligeiros.
-Acção “GUINAR 3” da CART 3492 a SATECUTA e BISSAU NOVO na qual se espalharam panfletos de A. Psicológica
Novembro
- Acção Golias 3 pelas CART 3492, 3494, 1 Gr Comb do BCAÇ 3872, 1 Pel Rec Fox e Pel Mil 370, de interesse logístico, em reabastecimento a Mansambo / Xitole / Saltinho.
- Acção “GUINAR 8” pela CART 3492 na região de SATECUTA./GALO CORUBAL em que foram destruídas 04 palhotas
1974
Janeiro
-Em 31, 17h45, o Xitole foi flagelado durante 25 minutos com 4 Canhões S/R incendiando 8 palhotas. NT sem consequências.
-Acção Lua Nova da CART 3492 a Setecuta. Sem consequências.
Fevereiro
-A 06 às12h30, 1 grupo IN calculado em 20 guerrilheiros flagelou o Destacamento da PE do Rio Pulon com RPG e armas ligeiras aproximadamente durante 10 minutos. A nossa reacção, através dos Mort 81 do destacamento e 10,7 do Xitole foi completada pela saída de 2 Gr Comb deste último aquartelamento que detectando a presença do inimigo se lançou prontamente em sua perseguição, obrigando-o a retirar desordenadamente e a abandonar 14 granadas de RPG e a sofrer várias baixas, como o provam os rastos de sangue deixados. NT sem consequências.
- A 19 às 08H00 a segurança à coluna Bambadinca/Xitole, encontrando-se emboscado 1 Gr Comb da CART 3492, trava contacto com uma força de guerrilheiros que progredia em direcção à picada. Foi comunicado ao Xitole o que se passava, tendo logo saído 2 Gr Comb em reforço. Entretanto o Gr Comb emboscado tentou o envolvimento, dispersando o inimigo em várias direcções o que dificultou a. perseguição. As NT capturaram 2 carregadores de Espingarda ática e 1 granada de RPG, provocando provavelmente baixas, como o atestam as rastos de sangue observados. NT sem consequências.
Março de 1974– o Regresso
Do Xitole para Bissau
Findos os 24 dias da sobreposição com o BCAÇ 4616/73 (iniciados a 13 de Fevereiro e terminados a 8 de Março), partiu a CART 3492 do Xitole via Bambadinca para o Xime em coluna auto e dali até Bissau numa LDG. Ficaram os seus homens alojados no D.A. de Brá.
Em Bissau
Na sua estadia em Bissau, a CART 3492 conjuntamente com a CART 3494 prestou ainda serviços de protecção ao cais de Bulola em 12, 13, 14 e 15, durante a descarga de munições do navio Arraiolos e, de 21 a 25, segurança ao Niassa.
Cerimónia de despedida
Às 09 horas da manhã do dia 21, teve lugar no Quartel do D.A. o cerimonial de despedida das tropas, na presença do Gõvernador e Com-Chefe, do Cmdt Militar e de outras altas patentes do Exército.
O General Bettencourt Rodrigues, acompanhado pelo Cmdt do BART 3873, passou revista às tropas em parada, seguindo-se a leitura dos Factos e Feitos mais importantes, a evocação dos mortos em combate, a leitura do louvor colectivo, conferida pelo Comdt Militar do CTIG, o discurso pronunciado pela autoridade máxima da Província e o desfile.
Nas palavras que então proferiu, o Governador reconheceu, enalteceu e agradeceu, em nome da Nação, todo o esforço e sacrifício dos Militares que compunham o Batalhão, pelo País e pela sua Província da Guiné.
De Bissau para Lisboa
O regresso da CART 3492 à Metrópole, via aérea TAM, efectuou-se no dia 1 de Abril de 1974.
Fixação de texto: Co-editor vb
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