quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16944: Os nossos seres, saberes e lazeres (194): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 3 de Agosto de 2016:

Queridos amigos,
Prossegue o périplo à volta do Cabril do Zêzere, uma região que assombra pela natureza das penedias e fragas e pelo diálogo que o rio Zêzere estabelece entre duas regiões gémeas na natureza e diversas na organização administrativa. Tudo mudou no século XX quando Salazar deu luz verde para o plano hidroelétrico e nasceram três barragens em torno do Zêzere: Bouçã, Cabril e Castelo de Bode, surgiram opulentas albufeiras, houve o chamariz de novas oportunidades de trabalho, cresceu a curiosidade turística com a facilidade dada pela ponte sobre a barragem, ligando Pedrógão Grande à Sertã. Mas foi a ponte do Granada, no vale do Zêzere, a mais alta ponte da Península Ibérica, no itinerário do IC8 Figueira da Foz-Castelo Branco que trouxe mais promessas. Só que o tão almejado desenvolvimento do interior continuou limitado à indústria da madeira.

Um abraço do
Mário


Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (2)

Beja Santos

Lê-se a páginas 539 do VI Volume de Portugal Antigo e Moderno, Dicionário Geográfico, Estatístico, Corográfico, Heráldico, Arqueológico, Histórico, Biográfico e Etimológico de todas as cidades, vilas e freguesias de Portugal e de um grande número de aldeias, de 1875: “Pedrógão Pequeno (antigamente Pedrógão do Crato ou Pedrógão do Priorado) é uma vila situada num platô, próximo da esquerda do Zêzere, e da famosa ponte do Cabril, e é uma das mais bonitas da província e uma das doze vilas do grão-priorado do Crato. Apesar de pequena tem a vila seis igrejas. A famosa e antiga ponte de Cabril é toda de cantaria e com três arcos. Tem 62,4 metros de altura, e está muito bem conservada. Foi esta vila cabeça do antiquíssimo concelho, suprimido depois de 1834. Tinha Câmara, Juiz Ordinário, Paços do Concelho e respetivos Escrivães. Ufana-se esta vila de ser a pátria de António Gregório Leitão, jovem e esperanço poeta, a quem a morte arrebatou quando o seu peregrino talento principiava a ser conhecido”.


Foi a barragem do Cabril quem aqui me fez chegar, dela desfruta-se duas panorâmicas distintas: a albufeira e o vale do Zêzere. Subi à encosta, aí me desgracei com uma casa derrancada mas cheia de caráter. Não se entra num lugar sem estabelecer uma relação amigável com envolvente, neste caso Pedrógão Pequeno, aldeia de xisto, beneficiou de um programa de reabilitação, vezes sem conta me demoro na praça principal, com pelourinho.



Agora um desabafo: manter um jardim nesta penedia onde os construtores derramaram uns centímetros de terra para ver brotar hortas e jardins, é um verdadeiro quebra-cabeças, para quem não vive em permanência. Aos poucos, e com a prestação de serviço de alguém que aqui vem regar à mangueira o plantio, temos as dálias, as azálias, lírios, margaridas, cresce a vinha, rosmaninho, alfazema, há uma tangerineira e três laranjeiras. É um regalo para os olhos, e um agradável relaxamento andar acocorado a arrancar as ervas daninhas, a enterrar novos catos, a fazer novas experiências.



Vamos agora fazer um pequeno passeio pela vila. Mais acima mostrou-se a Praça Velha, de belas cantarias, o visitante tem para desfrute “casas de brasileiro”, a igreja matriz erigida no século XVI e com as transformações do costume, daí poder-se dizer que nela coexistem elementos renascentistas e barrocos, é a Igreja de S. João Batista. O Paço da Junta de Freguesia remonta ao século XVII, pertenceu ao priorado do Crato, nesta casa nasceu em 1813 Eduardo Maria Leitão de Melo Queiroz, o último capitão das milícias locais, há capelas e junto à Praça Velha, restaurada temos a Capela da Misericórdia, obra do século XVII e século XVIII. O visitante mais afoito pode visitar o Cabril do Granada, a ponte filipina, a bela ponte da Levada do Cabril e percorrer o Moinho das Freiras, atravessando o seu túnel. Em próxima incursão, dou-vos imagem de um cenário para um dia muito feliz passado na região, aqui se come uma deliciosa sopa de peixe e os pratos regionais são o bucho e os maranhos.




(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16916: Os nossos seres, saberes e lazeres (193): Pedrógão Pequeno e o Cabril do Zêzere (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P16943: Recortes de imprensa (84): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado por Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pintcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte II




Jornal "Nô Pintcha" > Bissau > Sítio na Net > Folha de rosto, da edição de 1 dezembro de 2016




1.  Um dos nossos amigos da Guiné-Bissau chamou-nos a atenção para um artigo de homenagem à memória de Fidel Castro (1926-2016), por ocasião da sua morte, no passado 25 de novembro, publicado no jornal "Nô Pintcha", e que seria da autoria de Fernando Delfim Silva, conhecido ex-governante, professor universitário e influente analista político.

[Julgo que terá sido diretor do liceu de Bafatá, a seguir á independência, segundo informação do nosso amigo Cherno Baldé, na altura aluno do ensino secundário em Bafatá; licenciado em filosofia na antiga URSS, é autor de "Guiné-Bissau: páginas de história política, rumos da democracia, Bissau, 2003 vd. aqui "nota de leitura" do Mário Beja Santos, capa do livro à esquerda].

Recorde-se que esta publicação, "Nô Pintcha"  (, primeiro sob a forma de semanário e agora bissemanário) tem hoje mais de 40 anos, tendo sido criado em 1975. Tem um sítio na Net desde 2010. É considerado um jornal oficial ou oficioso (, não percebo muito bem qual é o seu estatuto editorial atual...). A leitura das suas páginas é,todavia,  imprescindível para se conhecer a moderna história da Guiné-Bissau.


 O nosso interesse focou-se na "ajuda internacionalista" cubana ao PAIGC, sobre a qual temos publicado aqui vários postes nos últimos tempos, e nomeadamente os da autoria do Jorge Araújo.. É um  "tema mal amado" e sobretudo  ainda muito pouco conhecido dos antigos combatentes portugueses que estiveram no TO da Guiné. Alguns de nós estivemos em situações  de combate com os cubanos (médicos, artilheiros, instrutores, etc.), que passaram pelo TO da Guiné (um total que não deve ter ultrapassado a centena.)

A principal fonte citada ainda é a cubana, neste caso o livro do antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri, Oscar Oramas (e que é mais uma hagiografia do que uma biografia de Amílcar Cabral, não sendo o autor propriamente um historiador e um académico).

Pode ser que, entretanto, surjam outras fontes independentes. O que é difícil... Tanto em Cuba como na Guiné-Bissau só agora, muito lenta e tardiamente, e nalguns casos tarde de mais, é que se começa a recolher, tratar e divulgar informação até há pouco classificada sobre a "luta de libertação".

Acrescente-se, em todo o caso, que a .lista (referida pelo "Nô PIntcha")  dos  mortos cubanos (em combate, por acidente ou por doença) está incompleta: por esemplo, em 6 de janeiro de 1969. não morreu apenas um cubano, mas sim três (conforme quadto abaixo, que de resto precisa de ser revisto e completado, adicionando-se as baixas naté 1974)),

Os subtítulos e os negritos são da responsabilidade do autor [, Fernando Delfim Silva], bem, como os parênteses curvos. Os parênteses retos da nossa responsabilidade (LG).



Quadro elaborado pelo Jorge Araújo  (2016)


2. Recortes de imprensa > O apoio de Cuba à luta de guerrilha do PAIGC > Parte II
Excertos de: "Nô Pintcha", Bissau, de 1 de dezembro de 2016 > "Morrel El Comandante". [com a devida vénia...]




Guiné- Conacry > Conacri > PAIGC > Fevereiro de 1967 > O comandante 'Moya' ou 'Moja' (para os guineenses)  (Victor Dreke, n. 1937) assume o comando da missão militar cubana. Ei-lo aqui com Amílcar Canarl.. Foto do "Nô Pintcha" (edição em papel) (com a devids vénia).


Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral >
Pasta: 07057.012.006 | Título: Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau | Assunto: Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau, assinados pelo Comandante R. Moya [Victor Dreke]. Relação dos militares preparados pelos técnicos cubanos na frente do Boé (até 30 de Abril de 1967), relação do pessoal cubano distribuído pelas diversas frentes e hospitais do PAIGC. Apontamentos manuscritos de Amílcar Cabral. | Data: Domingo, 30 de Abril de 1967 - Quarta, 6 de Dezembro de 1967 |  Fundo: DAC - Documentos Amílcar.
[Reproduzida a 1ª págima, com a devida vénia]
Citação:(1967-1967), "Relatórios da missão dos internacionalistas cubanos na Guiné-Bissau", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40209 (2017-1-10)


[...] Um esforço de guerra notável, sem falhas, histórico.


1964

O PAIGC solicita ajuda ao Encarregado de Negócios de Cuba, em Conacri, para que cinco dos seus membros recebam treinamento militar em Cuba.

1965


Maio – Chega o barco “Uvero” à Guiné-Conacri com ajuda cubana para o PAIGC, com alimentos, armas e medicamentos.

1966

Abril – Chega a Conacri o grupo avançado de três artilheiros e dois médicos, comandado pelo Tenente António Lahera Fonseca;

Junho (1966) – Chega por via marítima, ao Porto de Conacri, o grupo de 25 combatentes cubanos chefiado pelo Tenente Aurélio Riscard Hernandez

1967

Fevereiro – O comandante “Moja” (Victor Dreke) assume o comando da missão militar cubana;

Abril – Chega a Conacri o barco “Andrés Gonzalez Lines”, levando pessoal militar e meios materiais;

24 bolseiros do PAIGC chegam a Cuba para realizar estudos superiores, devendo 4 deles fazer treinamento militar.

Dezembro – Chega a Conacri o barco cubano “Pinar del Rio” com pessoal militar e meios materiais;


Abrem-se, na Guiné-Bissau, três escolas para superação militar dos combatentes sob a direção de instrutorescubanos.

Em Boké, território da Guiné Conacri, cria-se a escola de enfermagem.

1968

Agosto – Abre-se na Guiné-Bissau, a primeira escola para o fabrico de explosivos, sob a direção de instrutores cubanos.

1969

Chegada a Conacri da motonave cubana “Matanzas” com pessoal e meios materiais;

1970


Novembro, chega a Conacri o barco “Conrado Benítez” com meios materiais e pessoal militar.

1972


Maio (3-8 de maio) – Realiza-se a primeira visita do Comandante em Chefe Fidel Castro à Republica da Guiné. Fidel tem uma importante entrevista com Amílcar Cabral em que tratam temas relacionados com a ajuda cubana.

Junho – Uma delegação militar chefiada pelo Comandante Raúl Diaz Arguelles visita os territórios libertados da Guiné-Bissau.

Chega a Conacri o barco cubano “Las Villas” com pessoal militar cubano e ajuda material ao PAIGC;

Uma delegação militar conduzida pelo Comandante Raul Diaz Arguelles, chega a Conacri para planificar e executar uma operação contra o quartel de Guiledje. Chegada de um grupo de oficiais cubanos para participar na planificação da operação contra Guiledje.


Sangue cubano derramado pela independência da Guiné-Bissau

Assinalo aqui não o conjunto das (dezenas de) operações militares em que participaram combatentes cubanos, mas apenas aquelas em que se registaram perdas humanas do lado cubano ou algum revés que tivesse ocorrido nesse âmbito.

1967


Julho – Realiza-se um ataque de artilharia e infantaria ao quartel de Binar, na Frente Norte e outro ao quartel de Mejo, na Frente Sul. No último ataque morre o combatente cubano Feliz Barrientos Laporté [, em 3 de julho]

Julho – [A 19] morre o soldado cubano Radamés Sanchez Bejarano no ataque de artilharia à Bedanda.

Agosto – [ A 8] morre o soldado cubano Eduardo Solís Renté no ataque de artilharia ao quartel de Binta.

1968

Novembro – [A 14]: A Morre o combatente cubano Radamés Despaigne Lubert no ataque ao quartel de Gadamael


1969


Janeiro – Ataque de artilharia ao quartel de Ganturé. Durante as ações morre o combatente internacionalista 1° Tenente Pedro Casimiro Llopins durante o bombardeamento da aviação portuguesa.

Novembro (dia 16) – É capturado o Capitão Pedro Rodriguez Peralta numa emboscada das tropas portuguesas.

1970

Novembro – Chega a Conacri o barco “Conrado Benítez” com meios materiais e pessoal de relevo militar. O barco é atacado por um avião não identificado (…) e um médico e um marinheiro são feridos.


Em jeito de conclusão


[...] O objetivo deste texto foi apenas o de render uma homenagem à memória do Comandante Fidel Castro, grande amigo do povo guineense.

Como já o disse, este texto vai dedicado à juventude guineense que precisa de conhecer os momentos mais altos da nossa luta de libertação nacional, da nossa história, os seus protagonistas – e talvez o mais admirável – , saber que houve gente que veio de longe, correndo todos riscos, bater-se por nós, pela nossa dignidade nacional.

Quanto a mim, decidir publicar estas linhas, foi um dever indeclinável de reconhecimento, de gratidão, de memória. Na verdade não há palavras que cheguem para expressar toda a nossa gratidão ao povo cubano. Obrigado El Comandante. Hasta siempre…[...]


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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 10 de janeiro de 2017 > Guiné 63/74 - P16940: Recortes de imprensa (83): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado pro Fernando Delfim Silva e oscar Oramas ("Nô Pin«tcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte I

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16942: Inquérito 'on line' (98): total de respostas: 112. Resultados: mais de metade (53,6%) não vê impossibilidade de o inimigo de ontem ser amigo hoje... Menos de um terço (30,4%) é mais cauteloso, responde "talvez, depende das circunstâncias"



Foto nº 1

Foto nº 1 A
Guiné > Região de Quínara > Fulacunca > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974 > Vinda de um bigrupo (c. 50 elementos) do PAIGC, por sua iniciativa. Aqui, um grupo mais restrito (15 elementos,. "armados até aos dentes"mas já pouco disciplinados a avaliar pela falta de aprumo ,...)  com o alf mil Jorge Pinto, nosso grá-tabanqueiro. em visita, a seu pedido expresso,  ao porto fluvial de Fulacunda, por onde era feito o   reabastecimento das NT  [ vd. porto fluvial, no rio Fulacunda, poste P12368];
Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Percebe-se,  pelas fotos nº 1 e 1A, que   a "confiança", por parte dos militares do PAIGC, ainda era incipiente... Estávamos em julho de 1974... Vinham bem armados...

Em tempo oportuno agradeci ao Jorge Pinto a sua genersoidade  e a sua franqueza ao enviar-nos estas e outras fotos de encontros "amigáveis" com o PAIGC no pós 25 de Abril. Há camaradas deste tempo que ainda têm relutância em partilhá-las, no nosso blogue. Podia comprender-se tal atitude até há uns atrás, dado o "receio de crítica" por parte dos pares, sobretudo pelos "velhinhos" que apanharam os duros anos do iníco da guerra ou que combateram o PAIGC no tempo de Spínola.

Sabemos que expor estas fotos, é também expor-nos... Mas, como temos dito, seria uma pena não as publicar e, mais tarde, vê-las no contentor do lixo ou na feira da Ladra, vendidas pelos herdeiros ao desbarato...

Não é desonra nenhuma "posar" para a fotografia com o "inimigo de ontem"... Acontece, aconteceu em (quase) todas as guerras que, como tudo na vida humana, chegam a um fim... (Se calhar,  mais difícil do que   continuar a guerra, é saber fazer e manter a paz.).

Ao mesmo tempo também há, de parte a parte, a humana curiosidade em "conhecer o outro" que nos combatia, que se calhar nos teve, no mato, debaixo da mira da Simonov, ou da Kalash ou do RPG... ou que despejou carregadores de G3 contra o "filho da p... do turra" emboscado por detrás daquele bagabaga, junto à aquele bissilão na orla da mata, na picada que ia ter à bolanha e ao rio, naquele dia e naquela hora... Lembras-te, camarada ?

O Jorge Pinto [, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74] é  natural de Turquel, Alcobaça; foi  professor do ensino secundário, ensinou história, e está reformado.

Sublinhe-se a grande lição que ele nos dá,  a coragem,  a naturalidade, o fair-play e  a dignidade com que o Jorge Pinto aparece nas fotos. A propósito comentou ele na devida altura:

 "A 'exigência' da ida ao porto de Fulacunda, no mesmo dia da visita, considerei-a inútil, pois não fomos fazer nem ver nada de novo. Nesta viagem de 4/5 km iam cerca de 15 (guerrilheiros), bem armados, conforme fotos demonstram. Da parte das NT ia eu, um furriel e o cabo condutor, totalmente desarmados. Nenhum elemento da população nos acompanhou. Esta ficou dentro do recinto que era cercado por arame farpado conversando com os restantes elementos do PAIGC"...

II. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"O MEU INIMIGO DE ONTEM 

NUNCA PODERÁ VIR A SER MEU AMIGO" (*)


1. Não, nunca poderá vir a ser meu amigo > 13 (11,6%)

2. Sim, poderá vir a ser meu amigo > 60 (53,6%)

3. Talvez, depende das circunstâncias > 34 (30,4%)

4. Não sei responder > 5 (4,4%)

Total > 112 (100,0%)



Total de votos apurados: 112  | Inquérito encerrado em 9/1/2017, àS 18h36.


III. Comentários:
(i) Luís Graça (*)

Como em todas as guerras, os "dois" lados nunca estão preparados para fazer a paz... Na Guiné, se a guerra tivesse acabado, mais cedo, em 1969/71, quando eu lá estive, confesso que também não saberia como agir... Nem eu nem os restantes graduados da minha CCAÇ 12... Isso era tanto verdade para nós como para o PAIGC... Fomos preeparados (mal) para fazer a guerra, não estávamos "programados" para fazer a paz...

O António J. Pereira da Costa que era oficial do quadro nunca deve ter tido "aulas" sobre como proceder em caso de cessar fogo e conversações de paz... Nenhum dos lados previa, em teoria, essa hipótese. A guerra acaba com a vitória sobre o inimigo...

No fundo, o nosso "nacional-porreirismo!" mais não foi do que uma manifestação do nosso proverbial sentido de desenrascanço e vontade para pôr um ponto final num conflito que já lavrava há 13 anos, sem um fim (razoável) à vista...

A paz está no ADN dos seres humanos, faz parte do património genético dos portugueses... E na realidade é bem maia difícil fazer a paz do que a guerra... Exige muito mais sabedoria, inteligência emocional, capacidade de negociação, empatia, comunicação, "pôr-se na pele do outro", saber ouvir, etc.

Admiro os nossos camaradas que estavam na Guiné no 25 de Abril e que apanharam com a "batata quente" nas mãos... O PAIGC estva com pressa de chegar a Bissau e ocupar o palácio do governador... os nossos camaradas estavam com pressa de chegar a casa, e na metrópole jovens maoístas e tostkistas tentavam impedir a partida de barcos com "carne para camhão", gritava no cais da Rocha de Conde de Óbidos, "nem mais um soldado para as colónias", Em 4 de maio de 1974, militantes do MRPP impedem, pela primeira vez, um embarque de tropas para as colónias...


(ii) Carlos Vinhal (**)

Acho que estamos a balancear entre extremos o que acaba por confundir um pouco. O título do P16905 diz: Inimigos de ontem, amigos de hoje - uma frase afirmativa. Eu no meu poste escrevi: Inimigos de ontem, amigos de hoje? - uma frase interrogativa
O título da sondagem é: O meu inimigo de ontem nunca poderá ser meu amigo - outra frase afirmativa, mas de sentido contrário da primeira.

Houve apenas uma pequena minoria (o reforço é propositado) que teve oportunidade de contactar e abraçar o inimigo depois de terminada a guerra. O que cada um fez, se abraçou, ignorou ou evitou o ex-IN é com cada qual. Nós, os mais velhos, que entramos e saímos em estado de guerra, só podemos falar de nós próprios e da nossa eventual reacção.
Como refere o Torcato Mendonça noutro local, provavelmente eu cumprimentava cordialmente o meu antagonista, se possível, ambos desarmados, e até com continência se essa pessoa tivesse no seu exército um posto superior ao meu. A isto chama-se respeito e não amizade.  Abraçar o ex-IN, acho que: "nunca, jamais, em tempo algum".

Já agora uma pequena achega ao comentador acima. O meu camarada Alferes Couto ficou em bocadinhos O meu camarada Soldado Vieira ficou esventrado por um rocket O meu camarada Barbosa ficou todo "furado" com estilhaços

Não participei em nenhum jogo electrónico de guerra, era mesmo guerra com tiros, armas pesadas e minas, tudo a sério. E muito importante, cada um de nós só tinha uma vida, não havia segunda hipótese.


(iii) Cândido Cunha (**)

Carlos Vinhal,tal como tu afirmas,também "Não participei em nenhum jogo electrónico de guerra, era mesmo guerra com tiros, armas pesadas e minas, tudo a sério. E muito importante, cada um de nós só tinha uma vida, não havia segunda hipótese." E,usámos as mesmas maquinetas de guerra que tu. Formámos a CART 11, depois CCaç 11 que ficou sediada até 74 em Paúnca. Pois, Vinhal, eu também não esqueço as minas entre Piche e Canquelifá em julho ou aggosto de 69 ,(seis mortos),um dos quais um cabo enfermeiro todo negro da explosão,que um srg como louco, tentava acordar .Tivemos sorte, sim, senhor, foi termos saído de lá em 70.Como não esqueço aquela noite e madrugada já perto de me vir embora,em que estive a contar histórias ao Aladje Silá que ficou a esvair-se em sangue à espera do Allouette que pousou cerca das 7:30. Ele morreu quinze minutos antes. Como sabes,  o Salazar ,não nos tinha fornecido meios capazes de nos evacuar de noite. Lembro-me do 1º,durante umas fogachadas em Nova Lamego, quando eles andavam a preparar os Katiuschas que passavam e rebentavam a quilómetros, ironizando comigo e a dizer-me que os meus "amigos" nos queriam matar. Portanto, nós hoje, e também graças ao 25 de Abril, escolhemos os amigos que quisermos. Nem hoje  nem nesse tempo os culpei pela Guerra .Já agora prefiro a amizade do que o "respeitinho" militar e a continência !


(iv) José Diniz Carneiro de Sousa e Faro (**)

Não poderá ser meu amigo, acho que será trair os meus camaradas que morreram. Os abraços que vi via TV em 74, entre inimigos de ontem e amigos de hoje, eram de alívio por parte dos meus camaradas (era um chegar ao fim de uma guerra), mais do que de amizade. Os altos Comandos Militares, não tiveram Dignidade na Rendição e da parte do inimigo muito menos,  foi um "Adeus, oh vai-te embora".  Os nossos mortos não mereciam nem tão pouco o Povo da Guiné que ficou entregue a uma mão cheia de recalcados. Passados este anos todos ficaram muito pior. Portanto o "Tal abraço" não passou disso mesmo. Abraços.


(v) António J. Pereira da Costa (*)

Há quem diga que a guerra é o bastão da cólera de Deus. Por isso a guerra cairia em cima dos povos que se "portaram" mal. Era uma teoria. Creio que já está em desuso.

As FA [Forças Armadas] são, portanto, uma espécie de pau que bate no cão e, muitas vezes, a guerra torna-se tão impopular que as FA - de ambos os beligerantes - ficam responsáveis pela guerra, perante o povo a que pertencem. É uma leitura deficiente por partir da ideia de que há guerra porque há FA e não o contrário. É como se dissesses que as pessoas são mortas porque há navalhas e facas... Ou seja o cão tem tendência a morder no pau em vez de se atirar ao homem que lhe bate. É assim com quase todos os povos e exemplos não faltam...

Do mesmo modo que a guerra é determinada por quem manda ou a quem os povos concedem autoridade para os conduzir, a paz é feita pelos mesmos que a determinaram. Não há muitos exemplos de pazes feitas, no terreno, entre forças combatentes, nem sequer tréguas. Por isso é natural que os combatentes não estejam preparados para fazer a paz. De outro modo poderiam fazê-la sem ordens e era uma "desgraça". Além disso, a guerra é feita para impor a nossa vontade ou objectivos ao inimigo e, por isso,  quem faz a guerra aprendeu (normalmente) a fazê-la e mais nada. Por consequência não está preparado para fazer a paz. 

O afastamento do ex-inimigo é o último assomo de valentia que resta ao derrotado. Como, neste caso, foi o PAIGC que atingiu os objectivos e a guerra é um fenómeno total que colide com todas as áreas de actividade de um país, é por isso que eu digo que o PAIGC venceu a guerra.

Claro que a sobranceria do vencedor é um factor a ter em conta e em África, naquele tempo (e talvez hoje ainda) muito mais.  Não sei, mas já tenho admitido que, na sua maioria, os guerrilheiros, em pouco dias, descobriram a pobreza que se adivinhava e reconheceram que o partido não iria conseguir dominar correctamente a situação, por nada ter para dar.

Em resumo, vivia-se melhor junto das NT do que junto da guerrilha e, a partir daí era sempre em perda. Mas, no fundo, eles também queriam deixar de sofrer e de morrer.
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Guiné 61/74 - P16941: Convívios (776): XXIX Encontro do pessoal da Magnífica Tabanca da Linha, dia 19 de Janeiro de 2017, em Cascais (Manuel Resende / Jorge Rosales)



1. Mensagem do nosso camarada Manuel Resende (ex-Alf Mil Art da CCAÇ 2585/BCAÇ 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71) com data de 8 de Janeiro de 2017:


MAGNÍFICA TABANCA DA LINHA 

29.º CONVÍVIO

19 DE JANEIRO DE 2017

Amigos, vai-se realizar no próximo dia 19 de Janeiro de 2017, o 29.º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha, no Restaurante "O NOSSO CANTINHO", já conhecido do Convívio anterior, e cuja morada aparecerá no fim da mensagem.

Como de costume, as inscrições são feitas da mesma forma, ou seja: 
- No Facebook, neste grupo, clicando em "VOU" (não esquecer de indicar o número de pessoas, se se justificar). 
- Por e-mail ou telefone, para: Jorge Rosales - jorge.v.rosales@gmail.com - 914 421 882 
- Manuel Resende - manuel.resende8@gmail.com - 919 458 210 

INSCRIÇÕES ATÉ 16-01-2017

E M E N T A:
- Pão, Azeitonas, Paio, Queijo fresco, Salgados... 
- Sopa: de legumes 
- Prato: Polvo à lagareiro 
- Sobremesas: Frutas e doces à escolha 
- Cafés 
- Bebidas: Vinho branco e tinto do Douro, cerveja, sumos, águas 

Nota: Quem não quiser este prato pode pedir outro em alternativa, dos que houver disponíveis. Deverá fazer o pedido à chegada, para que tudo saia ao mesmo tempo. 

Preço: 20 € 

Como chegar até lá: 
Este restaurante fica situado em Alvide - Cascais, junto à Auto-estrada A5, saída Alvide, onde existiam as instalações da Mercedes. 
Rua ou Estrada das Tojas, n.º 192A. 
GPS: 38, 43, 30.87; - 9, 25, 25.46 

Apareçam. 

Um abraço a todos 
Manuel Resende 
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16778: Convívios (775): Almoço anual dos veteraníssimos ex-combatentes da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Ponte de Sôr, no passado dia 5...Este ano fomos só vinte, mas o nosso poeta Francisco Santos continua vivo e inspirado (José Colaço)

Guiné 61/74 - P16940: Recortes de imprensa (83): Na morte de Fidel Castro, o apoio de Cuba ao PAIGC é relembrado pro Fernando Delfim Silva e Oscar Oramas ("Nô Pin«tcha", Bissau, 1 de dezembro de 2016) - Parte I




1. Um dos nossos amigos da Guiné-Bissau chamou-nos a atenção para um artigo de homenagem à memória de Fidel Castro (1926-2016), por ocasião da sua morte, no passado 25 de novembro, publicado no jornal "Nô Pintcha", e que seria da autoria de Fernando Delfim Silva, conhecido ex-governante, professor universitário e analista político. 

Recorde-se que esta publicação (primeiro semanário e agora bissemanário)  tem hoje mais de 40 anos, tendo sido criado em 1975. Tem um sítio na Net desde 2010. É considerado um jornal oficial ou oficioso [não percebo muito bem qual é o seu estatuto editorial atual...].

Foi-nos inclusive remetido um recorte (parcial) desse artigo, digitalizado, mas com fraca resolução. O artigo foi reproduzido no portal do jornal "Nô Pintcha", de 1 de dezembro de 2016, mas sem indicação de autor. Pode ser lido aqui na íntegra: título: "Morrel El Comandante".

Com a devidas vénia, e para conhecimento de uma comunidade de leitores lusófonos mais vasta do que a dos leitores habituais do "Nô Pintcha", vamos reproduzir aqui, em duas partes, alguns excertos desse extenso artigo...

O nosso destaque vai em particular para a "ajuda internaciionalista" cubana ao PAIGC, sobre a qual temos publicado aqui vários postes nos últimos tempos.  É um tema ainda muito pouco conhecido dos antigos combatentes portugueses que estiveram no TO da Guiné. A principal fonte citada ainda é a cubana, neste caso o livro do antigo embaixador de Cuba na Guiné-Conacri,  Oscar Oramas. Pode ser que, entretanto, surjam outras fontes. De r4esto, tanto em Cuba como na Guiné-Bissau é que, só muito lenta e tardiamente, e nalguns casos muita tardiamente de mais, é que se começa a recolher, tratar e divulgar informação até há pouco classificada...

Os subtítulos e os negritos são da responsabilidade do autor [, Fernando Delfim Silva],  bem, como os parênteses curvos. Os parênteses retos da nossa responsabilidade (LG).


2. Recortes de imprensa > O apoio de Cuba à luta de guerrilha do PAIGC > Parte I


Excertos de: "Nô Pintcha", Bissau, de 1 de dezembro de 2016 >  "Morrel El Comandante". [com a devida vénia...]


[...] Fidel, Amílcar e nós

[...] Fidel “descobriu” Cabral através do Comandante Che, que em 1965 andou pela África “espalhando” generosamente a solidariedade do povo cubano para com os povos africanos, incluindo nessa onda solidária, os combatentes guineenses e cabo-verdianos unidos no PAIGC. Che encontrou-se com Cabral, e, claro, contou a Fidel. Só no ano seguinte (1966), Fidel e Cabral se vão encontrar, em Havana, na Conferência internacional -chamada “Tricontinental – de solidariedade com os povos em luta, da África, Ásia e América Latina.Da empatia, nasceu a amizade, a admiração, o respeito entre os dois homens, dois líderes.

O Comandante Che Guevara primeiro; o Comandante Fidel a seguir, ambos cristalizama mesma imagem valorativa: Amílcar Cabral era, já em 1966, o mais impressionante dos líderes africanos; alguém que transmitia confiança, um homem em quem se podia confiar: sério, inteligente, responsável, competente nas coisas que fazia, carismático. [...]

[...] Cabral e a revolução cubana

Cabral, por sua vez, não só admirava Fidel: a revolução cubana foi para ele uma das suas fontes de inspiração; ficaria definitivamente impressionado com a ética dos seus dirigentes, a começar pela do seu líder, Fidel. Na sua muito discutida tese de “suicídio da pequena burguesia”, o pano de fundo que está lá é o peso, digamos assim, do fator subjetivo, a importância da qualidade politica e moral dos dirigentes e quadros, o papel primordial do líder. Alias, Cabral, disse-o, explicitamente: tomem o exemplo de Cuba, o compromisso ético, a atitude moral da liderança cubana. O exemplo pessoal que os dirigentes devem transmitir à sociedade – de abnegação, do espirito de sacrifício, de entrega total ao bem comum -, sob pena de trair a confiança do povo, trair os objetivos progressistas da revolução, romper o contrato social [...]

Cuba > Havana > Janeiro de 1966 > Amílcar Cabral com Fidel Castro, em Cuba por ocasião da Conferência Tricontinental.

Fonte: Fundação Mário Soares > Portal Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral. (Com a devida vénia...)

Citação: (1966), "Amílcar Cabral com Fidel Castro", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43973 (2016-10-11)



[...] O fator cubano

Agora passo a palavra a Óscar Oramas, discípulo de Fidel, companheiro de Cabral, logo, um amigo do povo guineense. Faço-o à intenção da juventude guineense, que precisa de conhecer o que se fez no passado, de um passado de orgulho nacional, de um passado de dignidade que outrora se construiu com a solidariedade dos cubanos, com sangue cubano, com a valentia dos soldados de Fidel.

As palavras, como já o disse, são de Óscar Oramas; a sua seleção e arrumação bem como os subtítulos – dos excertosdo seu livro Amílcar Cabral, Para além do seu tempo– já são da minha responsabilidade.[...]


[,,,] Che e Amílcar


[,,,] Entre os compromissos estabelecidos por Che em África figura o apoio material e politico ao PAIGC. Como consequência disso, no mês de abril de 1965 parte do porto de Matanzas o barco cubano “Uvero” com um considerável carregamento de alimentos, medicamentos e utensílios médicos, uniformes, alfaias agrícolas e armas com destino a esta organização, assim como a outros movimentos revolucionários africanos. (...)


O Comandante Jorge Serguera, então Embaixador de Cuba em Argélia, cumprindo as orientações de Che, a quem havia acompanhado no périplo africano, espera o cargueiro em Conakri (aonde que chega a 11 de maio), e faz a entrega da primeira ajuda solidária cubana ao PAIGC.


Paralelamente, intensifica-se a preparação de militares cubanos (…) que, voluntariamente se oferecem para apoiar os movimentos de libertação africanos (...)


(...) Em dezembro desse mesmo ano, viaja para Havana uma delegação do PAIGC, conduzida por Amílcar Cabral e integrada (…) por Domingos Ramos, Pedro Pires, Joaquim Pedro Silva (Baró) e Vasco Cabral, para participar na I Conferência de Solidariedade com os Povos da África, Ásia e América Latina (Conferência Tricontinental) que se celebra de 3 a 9 de janeiro de 1966.


Convidado por Fidel, Amílcar Cabral percorre com ele a Sierra del Escambray, situada a sul do centro da Ilha, onde conhece “in situ” passagens importantes da guerra revolucionária cubana (…) Óscar Oramas que acompanha Fidel no percurso com Amílcar, é designado Embaixador de Cuba na República da Guiné, com o objetivo central de manter relações bilaterais com o PAIGC.


Amílcar explica a Fidel das necessidades materiais que o PAIGC enfrenta para desenvolver a gesta libertadora e o Chefe da revolução cubana promete-lhe ajuda em assessoria e equipamento militar, assim como pessoal de saúde.,


.Março de 1966 – O Comandante em Chefe informa o Presidente Sékou Touré, por intermédio do Embaixador Oramas, da decisão cubana de ajudar o PAIGC e solicita autorização para encaminhar essa ajuda através do território guineense. O Presidente aceita o pedido de Fidel Castro.


Umas semanas depois de concluída a Conferência Tricontinental, parte para Conacri uma pequena delegação militar encarregada de conhecer no terreno a situação da luta armada, para determinar o apoio militar que Cuba poderá dispensar, contribuindo para o desenvolvimento da luta.


Maio de 1966 – partem para a República da Guiné os primeiros grupos de assessores militares e médicos cubanos que colaborarão como PAIGC. Um grupo de sete companheiros fá-lo por via aérea, e outro de duas dezenas, fá-lo no navio Lídia Doce, levando, ainda, uma nova remessa de material para apoiar a guerra de libertação. (…)


Os primeiros cubanos que haviam chegado, anteriormente, para explorar as condições existentes na guerra pela independência nacional guineense e que haviam sido enviados para a região de Boé, na Guiné-Bissau, são chamados no mês de junho à República da Guiné para uma reunião com Amílcar Cabral, na Escola do PAIGC na zona de Ratoma, onde são apresentados aos dirigentes da organização que ali se encontram. O ambiente é de alegria e com o decorrer do tempo estabelece-se uma grande confiança entre uns e outros, baseado no respeito mútuo.Durante a estada dos primeiros instrutores cubanos na zona de operações de guerrilha de Boé, observam-se algumas deficiências no “modus operandii” da guerrilha (…)


Uma vez distribuídos os assessores cubanos pelas diferentes frentes de guerrilha com base nas decisões de Amílcar a vida diária vai demonstrando a impossibilidade de assessorar e corrigir a tática da luta sem a participação direta nas ações.A primeira operação de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos é a efetuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de novembro de 1966 [em que morre Domingos Ramos, LG]

[...] O Comandante Victor Dreke (, Moja, o “Moia”, para os guineenses, ) assume o comando da missão militar cubana (Fevereiro de 1967)


Amílcar Cabral decide então que um grupo de assessores militares cubanos, que se encontra no Sul, seja transferido para Frente Norte, juntamente com alguns médicos. (…) Com o objetivo de as Frentes Norte, Leste e Sul ficarem, assim, cobertas com a assessoria militar e médicos cubanos.

A experiência no Sul havia sido muito satisfatória tanto com o Chefe da Frente João Bernardo Vieira (Nino), como com Úmaro Djaló, Arafan Mané e outros chefes e combatentes. Na verdade, no Norte havia algum receio e inclusive alguns chefes militares manifestaram o seu desacordo com a presença cubana nessa região. A atitude do segundo Comandante da frente Norte, Chico Mendes, difere por completo da dos outros chefes, como Inocêncio Kani (…)

A presença miliar cubana é acompanhada de uma importante ajuda em armamentos que a União Soviética fornece ao PAIGC. Em muitos casos os soviéticos forneciam novos armamentos, que nem sequer eram do conhecimento dos assessores cubanos, e que são testados nos campos de combate na Guiné-Bissau. 
Assim, o PAIGC recebe lança-roquetes GRAD [, e não GRAP, também conhecidos como o "jato do povo", LG], canhões sem recuo de 82 mm, e roquetes portáteis Strela 2 que só tinham sido usados pelos soviéticos em manobras internas, mas cuja eficácia real em combate ainda não conheciam. Os soviéticos solicitam aos assessores cubanos informações sobre a eficiência de tais armamentos em combate real.
Não se pode negar a importante contribuição que significou a ajuda soviética, mas deve ficar claro que jamais um soviético passou para além de Boké, na República da Guiné, e que os únicos estrangeiros que participaram, diretamente, nas ações da luta de libertação, ombro a ombro com os guerrilheiros guineenses, foram os cubanos. [...]

(Continua)

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P16939: Parabéns a você (1193): Bernardino Parreira, ex-Fur Mil Inf da CCAV 3365 e CCAÇ 16

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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16933: Parabéns a você (1192): Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798 (Guiné, 1965/67)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Guiné 61/74 - P16938: Efemérides (242): Homenagem a Vitor Manuel Parreira Caetano (Mário Pinto, ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71)



1. Mensagem do Mário Pinto [ex-fur mil at art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá", Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1969/71]



Homenagem a Vitor Manuel Parreira Caetano


Camaradas,


Vai decorrer no próximo dia 9 de Abril de 2017, uma homenagem pela Câmara de Beja, no dia do Combatente, ao Sold. Vitor Manuel Parreira Caetano, da minha CART. 2519, falecido em combate.

Junto a comunicação que recebi via e-mail.

Um abraço
Mário Pinto






Proposta de homenagem a Vitor Manuel Parreira Caetano

Na sequência de diligências efectuadas no sentido de dar continuidade ao processo referido informo os interessados que:

1- Em 27 de Agosto de 2014 em reunião da Junta de Freguesia de Beringel e uma vez que não havia registos da doação da sepultura perpétua em que se encontra foi deliberado registar a doação em acta ficando assim regularizada a situação;


2- Em reunião ordinária da mesma Junta de 07/10/2016 foi aprovada por unanimidade a Proposta de Homenagem ao Soldado Vitor M.P. Caetano a realizar em 09 de Abril de 2017, por ocasião das comemorações do Dia Nacional do Combatente .


Nota: a data é por enquanto indicativa mas curiosamente coincide com o Aniversário de nascimento de Homenageado.


O programa será apresentado oportunamente.

Cumprimentos a todos os Ex-Combatentes

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Nota do editor

Último poste desta série:

2 DE DEZEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16792: Efemérides (241): 98º aniversário do Armistício da Grande Guerra: Núcleo de Loures da Liga dos Combatentes, em colaboração com a Câmara Municipal de Loures: homenagem aos combatentes tombados durante a Grande Guerra e da Guerra do Ultramar, em 13/11/2016 (José Martins)

Guiné 61/74 - P16937: Memórias de Gabú (José Saúde) (66): Noratlas


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem, desta sua série.

As minhas memórias de Gabu

Noratlas

Os estridentes sons que rompiam no horizonte

O Noratlas é um avião de transporte militar de construção francesa, sendo que o asa delta foi um bimotor construído pela Nord-Aviation na década de 1940. Ao que se sabe o número de exemplares iniciais terão rondado os cerca de 400 exemplares e o concurso público lançado pela Força Aérea Portuguesa para a sua aquisição registou-se em 1947, encomendando-se então dois protótipos os quais foram construídos no ano seguinte.

Conhece-se, porque é real, que a aeronave foi substancialmente utilizada pela Força Aérea na guerra colonial, ou guerra do Ultramar, como muitos dos camaradas preferem chamar-lhe. Não vamos pois entrar pelo campo do pormenor, tão-pouco alimentar opiniões que cada um perfilha e que muito respeitamos.

Em Gabu passei horas infinitas a fazer proteção avançada ao dito cujo. Os estridentes sons dos motores do Noratlas perdiam-se nos azulados céus guineenses e na imensidade de um horizonte sempre infindável.

Se o aterrar e o levantar voo na pista nova de Gabu era por vezes muito rápida, outras ocasiões havia em que todo o processo se protelava no tempo. Logo, a duração da visita, em chão fula, obedecia a desconhecimentos de causa horária que levava o pessoal da proteção avançada nunca consumir informações plausíveis sobre uma previsível inconstância temporária entretanto deparada. Sentíamos, sim, que situações houve em que os ponteiros do relógio, embora rolando de mansinho, atiravam o pessoal para o desespero.

O Noratlas era um aparelho possante e que servia para transportar as tropas e outros bens que as hostes militares sediados no mato muito bem acolhiam. Mantimentos frescos, entre outros, ou ainda correio, proveitos religiosamente sempre esperados com ansiedade.

Voei no Noratlas quando se deu a nossa retirada de Gabu. Creio que no dia 5 de setembro de 1974, se a memória não me falha e após a entrega do aquartelamento ao PAIGC. O seu interior era substancialmente amplo. Os bancos eram colocados nas laterais, sendo o barulho dos motores ensurdecedores.

Mas como a viagem se pautava pela alegria do regresso a Lisboa, sendo que pelo meio ficou uma breve estadia no Cumeré, os sons vindos dos ditos motores era matéria de somenos importância.

Sei que o trajeto entre Gabu e Bissau deixou-me saudades. Foi a primeira vez que experimentei viajar a bordo do Noratlas. Claro que o desconforto da aeronave foi coisa de menor importância.

O meu registo do avião passava pelas muitas horas em que me aprontei com o meu grupo a defender a sua segurança. Ou, noutras ocasiões em vê-lo, por fora, para recolher o material transportado para a região de Gabu, sob o controlo do BART 6523. 

E foi precisamente numa dessas tarefas que morreu o soldado Damásio. Eis um pequeno texto que retirei do meu livro “GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU”, que relata o fatídico fim:

“Em parte incerta da obra “AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU”, tive o cuidado em expressar, com enfâse, que houve mortes que nada tiveram a ver com o conflito. Sou testemunha de uma morte estúpida, e única, de um soldado da CCS do meu Batalhão na pista de aviação, numa situação considerada aparentemente normal e quando nada o fizesse prever. Mas infelizmente aconteceu.

Coube-me a tarefa para tratar o assunto de perto. Chamava-se simplesmente Damásio e era um dos soldados do meu grupo. Numa manhã, perfeitamente vulgar, o soldado Damásio integrou um grupo cujo objetivo único passava por descarregar bens alimentícios originários de Bissau e que vinham a bordo de um avião. Fez-se o habitual cordão para facilitar o serviço, sendo que o Damásio se colocou entre as duas viaturas destinadas ao carregamento.

Num ápice, uma das viaturas tentou a aproximação a outra que se encontrava estacionada por perto e numa manobra arriscada – marcha atrás – embateu na traseira da outra, sendo que o embate ficou marcado, infelizmente, pela morte imediata do Damásio que naquele momento se encontrava entre as duas viaturas. Foi horrível. Morreu esmagado.

Como um dos líderes do grupo, tive a missão de organizar o espólio do infeliz Damásio e enviá-lo depois para a família. Não foi fácil lidar com toda a situação. O Damásio era um moço educado. Fazia amigos, facilmente. E eu fui um deles. Sei que guardei durante vários anos um documento onde tinha descriminado todas as suas pertenças pessoais que na altura mandei para os seus familiares. Nada faltou. Lembro-me do derradeiro adeus. As lágrimas dos camaradas que viram partir para a eternidade – a tal viagem sem regresso – um jovem que vivia, certamente, um mundo de sonhos.  

Senti, na altura, o vazio nas almas que se abateu sobre os seus familiares. Como explicar-lhes tamanha fatalidade! E nós, homens que convivíamos com ele diariamente, lá longe sem nada podermos transmitir aos seus entes queridos. Impunha-se aconchegar o seu profundo desespero, todavia a distância ditava, apenas, o carpir mágoas pelo seu infeliz último adeus. Ficavam as amarras do silêncio. 

O Damásio ficou-me eternamente na memória.  Até sempre, camarada!"


Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

7 DE NOVEMBRO DE 2016 > Guiné 63/74 - P16696: Memórias de Gabú (José Saúde) (65): Ramos, Furriel Miliciano/Ranger que desertou para o PAIGC



Guiné 61/74 - P16936: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (8): o comandante do destacamento de Mato Cão "travestido" de... mandinga


Foto nº 1


Foto nº 1A


Foto nº 1 B


Foto nº 1 C


Foto nº 2


Foto nº 2 A


Guiné >Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mato Cão > Pel Caç Nat 52 (1973/74) > O comandante do destacamento em traje mandinga.


Fotos (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Ediçãor: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Luis Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro, que foi alf mil da CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/73) e do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)

O lisboeta Luís Mourato Oliveira, com família materna na Lourinhã, era de rendição individual... Veio de Cufar, no sul, região de Tombali, para o CIM de Bolama, por volta de julho de 1973, para fazer formação antes de ir comandanr o Pel Caç Nat 52, no setor L1, zona leste (Bambadinca), região de Bafatá.


Foi o último comandante do Pel Caç Nat 52. Ele irá terminar a sua comissão em Missirá e extinguir o pelotão, em agosto de 1974, 

Eis algumas fotos do tempo em que o alf mil Luís Mourato Oliveira passou no destacamento de Mato Cão, cuja principal missão era proteger as embarcações que circulavam no Rio Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca.

Destaque para as foto nº 1 e 2: o comandamte do destacamento em traje...mandinga

 Sobre o Mato Cão, que era um lugar mítico, temos já mais de 70 referências... Pertencia ao subsetor do Xime. Por lá passaram diversos camaradas nossos, membros da Tabanca Grande...

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Guiné 61/74 - P16935: Notas de leitura (918): O tráfico de escravos nos rios de Guiné e ilhas de Cabo Verde (1810-1850), por António Carreira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Outubro de 2015:

Queridos amigos,
António Carreira é indiscutivelmente o primeiro obreiro nas investigações acerca do tráfico de escravos nos rios da Guiné, tendo-as confrontado com o seu impacto no arquipélago de Cabo Verde. Este estudo privilegia o período crítico da abolição da escravatura, decidida pelas grandes potências que estavam a postos para entrar em África. Carreira remonta a sua análise a séculos anteriores e mostra como a nossa presença era tão débil que os negreiros estrangeiros por ali circulavam impunemente. E abolida a escravatura, as autoridades de Londres matraqueavam constantemente Lisboa para que fizesse algo que impedisse o tráfico ilícito. Ficamos igualmente a conhecer quem eram os grandes traficantes instalados na Guiné, antes e após a abolição da escravatura. Estes escravos foram predominantemente para o Brasil (Maranhão e Pará) e para as Antilhas, preferencialmente para Cuba.

Um abraço do
Mário


O tráfico de escravos nos rios de Guiné e ilhas de Cabo Verde (1810-1850)

Beja Santos

Em 1981, a Junta de Investigações Científicas do Ultramar dava à estampa um ensaio a que o seu autor, António Carreira, denominou “subsídios para o seu estudo” do tráfico de escravos, no momentoso período da abolição da escravatura e do controlo praticado pelas autoridades britânicas.

Carreira tinha à sua disposição uma matéria-prima indiscutível, os livros alfandegários. Porque os navios que se dirigissem àquelas paragens, quer dos contratadores, quer dos traficantes, teriam obrigatoriamente de registar a entrada na Alfândega da Ribeira Grande, de Santiago, e aí receber o língua (intérprete) para então rumar aos rios. E completada a carregação do navio, este era obrigado a voltar à Ribeira Grande a fim de fazer o despacho, pagar os direitos e então seguir para os portos de destino. Nas praças da Guiné fazia-se o controlo da saída de escravos, era deste modo que se assegurava os recursos financeiros derivados da ocupação das ilhas de Cabo Verde, procedimento que não agradava às autoridades dos rios, e muito menos aos traficantes. A Coroa tinha plena consciência do papel da Ilha de Santiago no apoio ao comércio dos rios e à navegação de longo curso para o Brasil.

Após a Restauração, surgiu a ideia de autorizar o despacho dos navios nos portos de carregamento em vez de irem fazê-lo a Cabo Verde. Há um despacho do Concelho Ultramarino que nos permite saber que “antes da aclamação de El-Rei D. João IV saíam todos os anos de Cacheu para as Índias de Castela 2 ou 3 mil escravos e agora não chegavam 600”. E assim se legalizou a saída direta dos rios da Guiné para o Brasil dos navios de escravos. Aumentou o tráfico clandestino, era impossível a quem estava em Cacheu, Ziguinchor e Bissau inspecionar tão vastíssimas águas. Em litígio com Espanha, o monarca português pretendia dificultar ao máximo o fornecimento de escravos às Índias de Castela, fazendo desviar a corrente do tráfico para o mercado do Brasil. Mas não foram medidas as consequências de que tal medida vibrava um duríssimo golpe a toda a economia de Cabo Verde. Entretanto, a Coroa pretendeu dar alguma autoridade à Praça de Cacheu: criaram-se cargos de Provedor da Fazenda Real, de Feitor e de Escrivão; passou a exigir-se a rigorosa escrituração dos direitos cobrados e, ainda, que “os navios que saírem de Cacheu, em direção ao Brasil serão obrigados a apresentar certidão do número de escravos despachados naquela praça”. Logo a seguir, outra lei procurou corrigir ou atenuar os efeitos da anterior, isentando pessoas que da Guiné embarcassem escravos para Cabo Verde a pagar direitos. Como observa Carreira, a medida foi habilmente aproveitada pelos traficantes sediados em Cabo Verde que passaram a comprar escravos nos rios, traziam-nos para o arquipélago e depois exportavam-nos para as Antilhas e o Brasil. No final do século XVII, deu-se ordem à Companhia de Cacheu e Cabo Verde a construir a fortaleza de Bissau.

Voltando à questão das taxas de direitos a incidir sobre escravos, os regimentos e provisões mostravam-se formalmente rigorosos: a proibição de qualquer tipo de comércio com estrangeiros; a perseguição dos tangomaos nos rios da Guiné; a fiscalização rigorosa de todos os escravos e marfim antes dos navios partirem.

É nestas consultas que Carreira consegue apurar números sobre os escravos. No período de 1756 a 1777 em que o setor dos rios de Guiné e Cabo Verde esteve sob a administração direta da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão esta empresa exportou mais de 20 mil escravos para o Maranhão, para o Pará e para Cabo Verde. Carreira adianta que os números compulsados andarão longe da realidade, terão saído mais escravos do que os registados.

Em fins do século XVIII, o governo criou a Sociedade do Comércio Exclusivo das Ilhas de Cabo Verde e Rios da Guiné, era a sucessora da Companhia do Grão-Pará. Pouco se conhece da sua atividade. Conhecem-se os direitos de saída exatamente no momento em que se prepara a abolição da escravatura. A tabela pela entrada estipulava o seguinte: escravo lotado, 1800 réis; mascavado, 1200 réis; mulecos, 900 réis, mulecos fêmeas, 800 réis; mulecos mascavados, 400 réis.

A economia cabo-verdiana afundava-se, e a agravar o estado geral da crise sobreveio a grande fome em 1772-1774 que vitimou cerca de 22 600 pessoas numa população de 70 000. A economia das ilhas apoiava-se no apanho da urzela e da tecelagem de panos da terra. A urzela dora desde sempre o produto-base de exportação para a Europa, onde se aplicava na tinturaria de tecidos finos. Mas a economia portuguesa não podia absorver tanta urzela e a coroa declarou-se incapaz de acudir à crise de negócios nas ilhas e deu o monopólio a um negociante, o Sargento-Mor Manuel António Martins, monopólio que durou 19 anos. Outros acontecimentos políticos, na aurora do liberalismo, avassalaram Cabo Verde. As autoridades de Lisboa deportaram sob a acusação de miguelista o Batalhão de Infantaria n.º 21, afeto a D. Miguel, que o vulgo alcunhou de “Batalhão Caipira”, iniciava-se um período de tumultos, que acabou com fuzilamentos.

Os rios da Guiné, o comércio geral decaía, a navegação estrangeira por ali andava impune. E nos rios da Guiné estalaram os conflitos étnicos que se irão prolongar até aos últimos anos do século XIX, o principal acontecimento foi a derrota dos Mandingas face aos Fulas. É um período que possibilitou a proeminência de algumas famílias abastadas como Carvalho de Alvarenga e João Marques de Barros. Carreira apresenta uma folgada lista de reinóis (naturais do reino) e cabo-verdianos, e dá-nos conta das atividades de duas importantes figuras: o Coronel Joaquim António de Matos, reinol, e Caetano José Nosolini, cabo-verdiano.

Após o Congresso de Viena, a proibição da escravatura entrou na ordem do dia, mas foram décadas em que o tráfico prosseguiu, inclusive os navios espanhóis apoiados em Cabo Verde navegavam com a bandeira portuguesa. Teve expressão o apresamento, Carreira dá os números, são impressionantes. As exigências diplomáticas de Londres eram muito fortes, é o caso da carta que em Maio de 1835 o embaixador inglês Howard de Walden comunicou ao ministro português o apresamento de uma escuna transportando a bordo 164 escravos pertencentes ao governador de Bissau. Num relatório do diretor de Alfândega de Bissau, datado de 22 de Dezembro de 1857 e dirigido ao Visconde de Sá da Bandeira, afirma-se que em 1842 se cessou a exportação de escravos de Bissau e Cacheu. Não terá sido assim, pois em 1849 há uma nova carta britânica emanada do ministério dos Negócios Estrangeiros referindo que continua a ter lugar a presença de navios negreiros. E Carreira termina dizendo que embora esta questão não tenha sido posta num tom altamente admoestador, tudo indica que tinha havido um recrudescimento do tráfico ilícito nos rios da Guiné.

E quando o tráfico desapareceu completamente, havia que descobrir outras potencialidades para o desenvolvimento económico. É nesta altura que se olha a sério para a Guiné como forte fornecedor de alguns produtos agrícolas.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16924: Notas de leitura (917): A Libertação da Guiné, de Basil Davidson, Penguin Books, 1969 (Mário Beja Santos)