quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26006: A CCAÇ 675 - A Gloriosa - Relação das minas que tanto nos fustigaram (Belmiro Tavares, ex-Alf Mil)



CCAÇ 675

Relação das minas que tanto nos fustigaram

Datas e consequências

As minas são, como soe dizer-se, autênticos diabos à solta; outros demónios, também estuporados, são as emboscadas e as armadilhas. De entre todas… que o diabo escolha!

A Primeira mina - que tão profundamente nos marcou - 28/12/1964 – eram 12H30 – na estrada de Bigene, entre Sansancutoto e Genicó-Mandinga. Vínhamos duma patrulha ao nosso “far-west”. A mina explodiu sob a roda de trás, direita, da segunda viatura, o unimog MG-01-86, conduzido pelo sold. cond. auto n.º 2577, Virgílio M. M. Carvalho (mais conhecido por “Malveira”). Foi seguida duma emboscada duríssima!

Provocou:
a) Um morto – o fur. mil. Álvaro M. Vilhena Mesquita; ele seguia, precisamente, sobre a roda que fez explodir a mina. Segundo a opinião abalizada do nosso Dr. Barata, no local, quando o Mesquita “aterrou” já nos tinha “abandonado”… para sempre.
b) 3 feridos muito graves:
- Sold. at. n.º 2085, António Filipe – quase quatro anos de internamento, no HMP, em Lisboa.
- 1.º cabo n.º 2231, M. Craveiro da Silva – mais de três anos no HMP.
- Sold. trans. n.º 2978, Severino D. M. Nunes – dezoito meses internado no HMP.
Nota: Enquanto esteve internado, o António Filipe fez o 5.º ano dos liceus – uma proeza digna de registo.
c) Quatro feridos ligeiros:
- Sold. at. n.º 2096, J. Tomás Marques;
- Sold. at. n.º 1909, F. Ribeiro dos Santos;
- Alf. mil. J. M. Fernandes Costa;
- Sold. nativo n.º 06/63/U- Nashastima Dum.
D) Do unimog sinistrado restou, apenas:
- Um pneu;
- O depósito da gasolina;
- Um monte de ferros retorcidos e calcinados.
Valeu-nos a presença, entre nós, do Padre Eterno… que conduzia a primeira viatura.


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Segunda mina – 05/01/1965, cerca das 17H00, na picada de Guidage, a meio caminho, entre Cufeu e Ujeque – precisamente, oito dias, após a primeira. Era uma ameaça incomensurável!
Vínhamos de uma badalada “operação”, na península de Sambuiá; demolimos quanto, por ali, havia de pé!

Esta mina foi detetada pelo sold. cond. auto n.º 2775, Firmino A. Carola Padre Eterno, ao volante da sua GMC.
Ele contou:
- Encabeçando a coluna, eu vinha a seguir as pegadas de uma vaca, na areia da “picada”; de repente, em vez das pegadas, apareceu o rasto dum pneu. Como a viatura não tinha travão de pé, eu usei o de mão com toda a força; a GMC parou, ficando uma roda de cada lado da mina.
O nosso furriel Pedra barafustou e eu respondi:
- “Está ali uma mina!”
Ele não acreditou e meteu lá o pé; apercebendo-se daquela bomba, ele quase virou “calhau”!
Alguém que gosta de se rir e fazer rir os outros, comentou:
- Tu seguiste as pegadas da vaca mas, na verdade, o que tu tiveste foi uma vaca… do caraças.
O indómito inventor do “quadrado móvel” provocou a explosão da mina, no local, sem riscos para ninguém.


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Terceira Mina – 09/03/1965, ao fim da tarde, junto ao entroncamento de Genicó – Mandinga.

Explodiu sob a roda da frente direita da 6.ª viatura – caso estranho!
- Seria telecomandada?
Suspeitou-se que sim mas – não seria, certamente! - Havendo viaturas com mais de vinte pessoas a bordo, não selecionariam uma com apenas cinco.
Provocou:
- Dois feridos muito ligeiros:
- Sold. cond. auto n.º 2569, J. Galvão de Oliveira (o Barbosa);
- Um soldado africano (ou milícia?) cujo ferimento foi tão ligeiro que o seu nome não ficou… para a história.


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Quarta Mina – dia 11/04/1965, junto à segunda ponte da bolanha de Cufeu – seriam 06H45.

Foi seguida de uma violentíssima emboscada, a partir da margem direita da bolanha.
O local foi, inteligentemente, escolhido! Os independentistas não eram burros!
No fim da bolanha, a estrada curvava, ligeiramente, à direita e os nossos adversários colocaram-se mesmo no enfiamento da estrada que sobrelevava a bolanha.
Ao entrar naquela zona alagadiça, foram criados, naturalmente, espaços significativos, entre as viaturas – contrariamente ao que já estava determinado.
Na frente, seguia a mercedes do sold. cond. auto n.º 2466, J. A. Jesus Alexandre, bastante isolada.
A mina era comanda, a distância! Temos a certeza! A explosão ocorreu antes que a roda a pisasse.
Assim, os danos no pessoal foram mínimos. O único ferido foi o condutor atrás citado – ferido ligeiro (aparentemente), num pé. Foi evacuado para o HM de Bissau e, logo, para o HMP, em Lisboa.
Em consequência… passou à disponibilidade, porque já tinha mais de quinze meses de comissão.
Devido à explosão, o motor da mercedes (pesaria mais de meia tonelada) “voou” e “mergulhou” na bolanha, onde ficou submerso; talvez se encontre lá, ainda! O mesmo aconteceu à espingarda G3 do sold. at. n.º 2176, M. Duarte Frade que seguia, ao lado do condutor.
Os independentistas, nossos adversários, abrigados atrás de árvores e no “enfiamento” da estrada, desencadearam uma violentíssima emboscada. Logo, o Frade “roubou” a espingarda a um milícia e, absolutamente sozinho, enfrentou, corajosamente, todo o “peso” brutal daquela emboscada, abrigando-se, na “cratera” provocada pela explosão da mina anticarro.
Os outros militares “avançaram por lances”, ao longo da via demasiado estreita; sentiram enormes dificuldades para, passando ao lado da viatura sinistrada, se irem juntando ao Frade; alguns rastejaram sob a mercedes para aumentar o número de combatentes, na cabeça da coluna.
Apercebendo-se que o número de soldados, lá na frente, ia aumentando e temendo poder vir a ser cercados, os guerrilheiros “deram corda aos sapatos”; terão procurado refúgio, em Sambuiá, donde terão partido – só pode!

Segundo averiguámos, haveria, ali, mais de trinta guerrilheiros; terão aguardado pela nossa tropa, durante dois ou três dias.
Hoje, não tínhamos, ali, o Padre Eterno mas… valeu-nos o Jesus Alexandre! Tínhamos sempre boas companhias!


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Quinta Mina – 13/05/1965 – cerca das 08H00, próximo de Faer, região de Sanjalo.

Provocou um ferido ligeiro (perfuração do tímpano), o sold. at. n.º 1887, António S. Gregório; não chegou a ser evacuado para o HM 241, em Bissau, porque, por si só, ou devido aos medicamentos ministrados, o tímpano regenerou-se.
A intensíssima deslocação de ar, provocada pela explosão da mina, foi tal que “enfureceu” um enxame de abelhas localizado na árvore sob a qual a mina explodiu. Alguns militares viram-se obrigados a abandonar as espingardas para se defenderem das “abelhas loucas”, à bofetada.
O senhor Ribeiro, o madeireiro de Binta, levou tantas e tão intensas picadas que o nosso médico, Dr. Barata, teve de o tratar, durante vários dias, quase em permanência.
A velha GMC (heroica resistente da segunda GG) teve de ser rebocada. Fomos bafejados pela sorte, porque era o dia de Nossa Senhora de Fátima e porque o Padre Eterno estava ao nosso lado, mais uma vez, mas… a sua viatura preferida foi pró maneta! Antes a viatura que os homens!


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Sexta Mina – Estrada de Guidage, ao lado da antiga tabanca de Ujeque – 10/02/1966, cerca das 11horas.

As viaturas passaram no local, a caminho de Guidage; como não estava prevista grande demora, aquele sempre perigoso local não ficou sob vigilância da n.t. (nossa tropa), contrariamente ao que era habitual.
O instalador de minas estaria de atalaia e, em tempo breve, tê-la-á colocado. Com a pressa ou temendo que nós aparecêssemos, a mina não terá ficado, devidamente, “camuflada” – graças a Deus!
Foi detetada e, logo, “levantada” pelos nossos “sapadores privativos” – que não tínhamos. Os tais sapadores foram substituídos por “voluntários acautelados”. A mina foi levantada… sem qualquer perigo – há horas de sorte! Era uma TM46.
Em resposta, enviámos para a base de Sambuiá, via SPM, com pedido de urgência, meia dúzia de granadas de morteiro. Pretendíamos avisar aquela base temível que estávamos todos vivos… ainda.
Aquela mina seria – pensámos nós – uma resposta dos guerrilheiros a uma “falsa e desconexada visita” àquela base, alguns dias antes.
As nossas “chefias” deveriam saber que, se decidimos “bater”, temos de agredir mesmo, em força, porque na guerra não há lugar a “cócegas” e, quem não bate… leva!

Conclusão: devemos ter em conta que as alterações que levámos a cabo para proteção do nosso pessoal, iam dando bons frutos.
O diabo não está sempre atrás da porta!
Azar desmedido na primeira! Sorte nas restantes! Coisas da vida!

Região do Oio - Localização de Binta
© Infografia Luís Graça & Camaradas da Guiné

Após a primeira mina, era necessário mudar o rumo dos acontecimentos.
Teríamos de inovar! Não podíamos esquecer o facto de termos Nossa Senhora de Fátima, o Padre Eterno e o Jesus Alexandre do nosso lado. Tivemos essas ajudas, é certo, mas teríamos de cumprir a nossa parte.
Vejamos as alterações (materiais e comportamentais) que pusemos começámos a pôr em prática, após a primeira mina.
Como sempre, a primeira palavra (inovação) pertencia ao nosso mui ilustre capitão; de seguida, era a vez dos subalternos, dos furriéis e dos próprios soldados colocarem aquelas ideias em prática. Todos nos orgulhávamos de obedecer às ordens ou sugestões de tão distinto oficial do nosso Exército.
Vejamos quais foram as decisões colocadas em prática para minimizar (ou tentar diminuir) os efeitos perniciosos das minas anticarro:
- As viaturas passam a circular sempre com pequenos intervalos entre si.
- Cada condutor tem de pisar o rasto da viatura que o precede.
- As viaturas não podem circular a mais de 30/40 km hora;

Nota: os nossos condutores terão sido ensinados, durante a instrução que, se, em alta velocidade, pisassem uma mina, quando ela explodisse, eles já estariam longe… e fora de perigo. Parece inacreditável que alguém ensinasse isso mas… era o que eles diziam. Tal ensinamento “não tinha pés nem cabeça” ou “não tinha ponta por onde se lhe pegasse” ou “não tinha pernas para andar”.
- Os estrados das viaturas vão ser cobertos com uma espessa camada de terra cuidadosamente peneirada para evitar (ou diminuir) o efeito dos estilhaços.
- Sempre que possível, as estradas serão “picadas” com estiletes metálicos para detetar minas. Aquelas barras metálicas afiladas na base eram os “detetores… dos pobres”!
- Serão colocados sacos de terra, sob os assentos, da cabina.
- O piso da cabina será coberto por uma espessa camada de terra crivada.
- Serão colocados sacos de terra sobre os guarda-lamas.
- Usaremos calhas de madeira no enfiamento dos pedais para proteger os pés dos condutores.

Enfim! Aumentámos o peso das viaturas mas as pessoas (a parte mais importante) passavam a ter mais e melhor proteção.
Coincidência ou não, as minas, como vimos, deixaram de ter os efeitos altamente perniciosos como os que sofremos com a primeira mina.
Valeu a pena!
Nada fazer (alterar) seria a maior asneira!

Lisboa, abril de 2024

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Nota do editor

Vd. post de 26 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25983: A CCAÇ 675 - A Gloriosa - Como se “inventou” e gerou o mito – verdadeiro da Gloriosa CCaç 675 (Belmiro Tavares, ex-Alf Mil)

Guiné 61/74 - P26005: (De) Caras (221): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de setembro de 2024:

Queridos amigos,

Devo a seguinte explicação. Adquiri inicialmente um conjunto de aerogramas, posteriormente perguntei à minha fornecedora se podia remexer lá no saco e ver se havia ainda alguma correspondência da Guiné. Apareceram, de facto, mais cartas do tenente Nuno Barbieri, mas datadas de Luanda, no nosso blogue só trato da Guiné e não vi razão para abrir exceções. 

O que obtive foram mais cartas de um amigo de Paulo António, o alferes Pedro Barros e Silva. Começo por uma carta extensa (publica-se agora só metade), toda esta correspondência foi escrita em 1966, o autor é uma pessoa incontestavelmente informada e culta, a redação comprova-o. 

Vista à distância, tratou com argúcia e pertinência certas observações, outras falhou redondamente, caso do Senegal, naquele mesmo ano de 1966 o PAIGC, depois de um encontro entre Senghor e Cabral, viu a sua vida facilitada com o transporte de pessoal e armamentos através de diferentes corredores; e não passava de pura especulação a possibilidade do PAIGC implantar uma estrutura governamental no Quitafine. 

Esta carta é merecedora da nossa atenção.

Um abraço do
Mário



Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (3)

Mário Beja Santos

Dei conta ao leitor que nas minhas deambulações pela Feira da Ladra vou sempre cumprimentar potenciais fornecedores, um deles dispõe em cima da sua banca álbuns fotográficos, caixas com velhos bilhetes-postais, fotografias avulsas, maços de aerogramas (infelizmente só de Angola e Moçambique), material avulso, desde programas de ópera a teatro de revista, tudo para satisfazer a clientela de colecionistas, que ali aparece em número apreciável. 

Bato quase sempre com o nariz na porta, mas desta feita apareceram para ali, primeiramente, quatro cartas destinadas a Paulo António Osório de Castro Barbieri, duas escritas pelo seu irmão na Guiné, Nuno Barbieri, e outras duas escritas por um alferes na Guiné, seu amigo, Pedro Barros e Silva, SPM 0368. 

Posteriormente, e depois de pedir à Sra. D. Amélia se tinha mais cartas dentro dos seus sacos, apareceram outras escritas pelo tenente Nuno Barbieri mas relacionadas com a sua presença em Angola, e mais duas de um alferes amigo de Paulo António, Pedro Barros e Silva. 

Já aqui se publicaram as duas cartas de Nuno Barbieri para Paulo António, vejamos agora uma das quatro cartas de Pedro Barros e Silva, datada de 17 de agosto de 1966 (as demais cartas são igualmente de 1966):

“Meu caro Paulo,

Escrevo esta carta na esperança que ainda siga para amanhã no avião militar. O mais provável é que ou o avião não segue ou não segue a carta. Enfim, tenta-se. Recebi a tua carta que chegou, como sempre, em boa altura. Já começava muito seriamente a temer que tivesses ficado submergido sob a avalanche dos exames, mestres, doutores e professores. Felizmente que te safaste com vida e fiquei bastante satisfeito por saber que os teus exames te tinham corrido positivamente. Podes crer que o meu patriotismo ficou ao rubro quando li que tinhas arrancado um 16 a tal coisa da História. Por momentos até acreditei que tivesses entrado no bom caminho. A Pátria que tanto fez por ti não merece as tuas ingratidões. Como já vai sendo habitual, a seguir aos teus exames, aos teus embates ferozes com a sapiência, entras gosse-gosse na tua caverna da Outra Banda, lá ficas a desintoxicar e a descontrair. Eu é que já estou bem necessitadinho de uma caverna pois começo a ficar nas lonas.

Já estou farto desta merda toda. Queres crer que não me importava nada, mesmo nadinha, poder estar fazendo uns estudos sobre essa tal fauna estival de que falas. Bem, espero que as pesquisas decorram frutuosamente e que a tua loura Fúria (loura ou morena?) te não prejudique nos teus trabalhos.

Escrever sobre a situação da Guiné não me parece muito simples. Mas deixemos o perlapié para dezembro, quando eu aí for. Por agora, vou procurar mostrar-te alguns aspectos da situação. Acertaste quando escreveste que eles tocam e nós dançamos. Contudo, não é bom esquecer que não são eles os regentes.

Quando cá cheguei entretive-me durante uns tempos a analisar as relações entre os militares e a população civil. Desta exceptuei os que vieram para a Guiné posteriormente à eclosão da porrada. A presença dos militares é tolerada. Na verdade, o máximo que nos parece ser permitido é pedir que não nos chamem muito alto filhos da puta. Esmagados pelo nosso complexo de culpa, nós, os maus e impuros, vamos atafulhando de dinheirinho as algibeiras dos bons e puros. Talvez eles nos deixem de chamar nomes feios.

Não julgues que este modo de pensar é característica exclusiva dos ‘velhos’. Uma boa parte dos novos também acha que se a gente tratar bem os pretinhos estes nos perdoariam por todos os séculos de chicotada que têm no lombo (se os visses trabalhar perguntarias para que serve o chicote) e passariam a ser bons cristãos e bons portugueses. Normalmente, após terem bebidos uns goles de água da bolanha mudam de ideias e então querem é pisgar-se. Mas isto tem que ser visto no contexto geral das estratégias que uma e outra parte utilizam. As ideias-base da nossa estratégia coincidem com as ideias-base da estratégia inimiga. Diferem no sinal. Assim, enquanto a estratégia do IN é ativa, conquistadora, lançada para um futuro, a nossa é passiva, conservadora, projeção do passado (dos tais 5 séculos).

Assim, bem podemos bradar aos quatro ventos que o IN ataca indistintamente brancos e negros. Será que também não haverá maus negros, traidores que a troco de uns patacões estão prontos a lutar (e alguns bastante bem) do nosso lado?

Nem tudo que é do lado de lá está o lugar deles e efetivamente é lá que está a grande maioria. E porquê? Quando nós dissemos aos Felupes, aos Sossos, aos Fulas, aos Balantas, aos Mandigas, a todos esses selvagens que se odiavam de morte, que eram todos portugueses, todos filhos do mesmo Deus que também era o nosso, quando os afastámos dos seus usos, deturpámos e aviltámos os seus sítios, os arrancámos à tabanca e os lançámos na cidade, não fizemos mais que criar as condições que permitiram a atual situação. Quando o IN proíbe severamente o tribalismo e os privilégios tribais, chama-os a todos guineenses, dá-lhes o português como língua única, limita-se a continuar aquilo que nós iniciámos e que incompreensivelmente continuamos. Quanto a mim, tendo em linha de conta um e outro dispositivo, a derrota é inevitável, a menos que se alterem certos factores externos que influem decisivamente e são susceptíveis de alterar profundamente a situação. Eles tocam, mas não são eles os donos dos instrumentos.

Parece-me que o factor mais importante é a atitude que os EUA possam vir a tomar. Até que pontos os ianques estarão dispostos a auxiliar-nos a ganhar esta guerra (no fundo, trata-se somente de impedir os outros de a ganharem, já que nós somos insuficientemente incompetentes para o fazer).

Vou deixar propositadamente para trás as nossas possibilidades de conquistar a mão da donzela. Há muito que andamos afastados destas lides e andamos esquecidos. Durante algum tempo ainda pensei que quiséssemos empatar a disputa (engolindo à pressa mais vitaminas), hoje cheguei à conclusão de que não temos a audácia e força para a desempatar. Assim, esperemos que o outro pretendente tenha uma paralisia infantil. Ora o outro pretendente é o PAIGC (que tem dois primos raquíticos, a FLING e a FLING combatente). As surpresas do rapaz dependem da atitude que tomarem uns parentes um pouco mais idosos: o Senegal e a Guiné.

Como é óbvio, a posição desses é determinada pelos cataventos da História. Ora sopram daqui, sopram dali. Pelo que toca ao Senegal, está-me a parecer que o PAIGC está a levar com os pés. Não é que os senegaleses nos beijem na boca e nos chamem Tarzan, mas eles têm medo de que o PAI de parceria com o PAIGC lhe meta um cagaço. E como a região do Casamansa é a base do PAI, os rapazes senegaleses estão a empurrar os turras para longe. Para começar proibiram todo o trânsito de material de guerra no seu território.

A concretizar-se mais profundamente o desafio que o Senghor está a oferecer ao Amílcar, é admitir que este tenha de abandonar ou pelo menos de diminuir a intensidade da luta no Norte e até talvez seja levado a abandonar uma das suas mais tradicionais posições: o Oio (apesar do que para aí dizem, nós não entramos no Oio).

Não se alterando a posição do Touré, é provável que tivéssemos de enfrentar um endurecimento da porrada ao Sul, que é, sem sombra de dúvida, aonde estamos de cócaras e onde eles têm posições tão seguras que até já pensam em instalar o Governo no Quitafine. Quanto à Guiné, falou-se por aí de umas desinteligências entre o Amílcar e o Touré. Quanto a mim, não passa de um bec-bec. As forças do PAIGC representam, para o Touré um tampão que lhe protegerá para a fronteira Norte e se necessário o ajudará a manter-se no trono, já que no Sul o rapazola (recentemente cognominado de Le Grand Soleil – maravilhas do socialismo africano) estão de calcinhas, ou por outra, de tanga na mão. De resto, parece-me que não seria muito difícil dar-lhe umas boas palmadas no rabo. Os ebúrneos que se entretenham. Eles têm para lá uma FNL (decerto que entendes a sigla) e já chamam bandidos e outros nomes feios aos moços do PAIGC. Para mim, tanto faz que lá esteja o Mamadu, o Baldé ou Fosquinhas. O principal é que se dê o chuto nos tais bandidos e seja amigo da tropa. A actual situação militar, como já deves ter depreendido através dos monocórdicos comunicados não é propriamente fantástica. A maralha não defronta uns bandos mas (e eu sei) gajinhos muitíssimo bem treinados e ainda por cima enquadrados por russos (chamemos assim aos brancos do lado de lá) e cubanos. Vou até ousar afirmar que não é em Moçambique ou em Angola que vão incidir maiores esforços do IN para nos pôr a andar. É aqui na Guiné.”


Interrompemos aqui a carta de Pedro Barros e Silva para Paulo António, é muito extensa e escusado é relevar que merece ser lida com a maior atenção.

Mensagens de Natal, Guiné 1966, RTP Arquivos

(continua)
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Nota do editor

Post anterior de 24 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25976: (De) Caras (220): Correspondência da Guiné para Paulo Osório de Castro Barbieri (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26004: O melhor de... A Marques Lopes (1944 - 2024) (12): Uma noite no "Comodoro" com o Herculano Carvalho , da 3ª CCmds("Cabra Cega", 2015, pp. 442/443 e 452/461)





Lisboa > Praça D. João da Câmara, nº 20> Restaurante-bar "Comodoro" > C. 1960 > Cortesia do blogue "Restos de Cokleção" > 16 de outubro de 2018



Notícia da inauguração do restaurante-bar "Comodor0" > Diário de Lisboa, 
5 de fevereiro de 1960, pág. 15.


1. Mais um excerto das melhores partes do livro de memórias do A. Marques Lopes, "Cabra Cega" (Lisboa, Chiado Editora, 2015, pp. 442/443 e 451/461 (com a devida vénia...) (*)


Sabendo do prognóstico reservado da doença de evolução prolongada que o iria vitimar,e  apesar do seu apego à vida, e do seu franco otimismo, o A. Marques Lopes quis partilhar, anmtes de morrer,  muitas das melhores páginas do seu livro de memórias, "Cabra Ceba", acabando por assumir que era a sua autobiografia... Terá sido uma espécie de último testamento. Replicar aqui alguns dssses excertos é homenagear a sua memória. Ele foi um dos primeiros camaradas da Guiné a dar cara no nosso blogue, logo em 2005. Tem mais de 280 referências

Seguimos o seu texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, nas postagem de 19 de maio de 2023, 19:20.
  

O Herculano de Carvalho, da 3ª CCmds, e o "Comodoro"...

por A. Marques Lopes (1944-2024) (*)

 

Já no hospital militar da Estrela encontrei lá o Herculano (**) logo no primeiro dia. Andava nos tratamentos.

  Vais ficar aqui? 
  perguntou-me.

 − Tem que ser, não é?

 − Pelo teu aspeto, pelo tipo de ferimentos que tens até te mexes bem, parece-me que não tem que ser. Tens cá família?

 − Tenho os meus pais, moram em Lisboa.

 −  Então faz como eu. Quando cá cheguei disse-lhes que tinha família na Amadora e eles deixaram-me ir para casa deles. Só venho cá aos tratamentos. E já me disseram que não vão durar muito porque isto não tem cura, qualquer dia vou a uma junta médica e mandam-me embora. E, olha, até te vão agradecer porque precisam de camas para casos mais graves e para gajos que são da província.

Fiquei encantado com a ideia e fui com o Herculano aos serviços administrativos. Ficou assente que podia ir para casa e que devia estar no hospital todas as segundas, quartas e sextas, às nove horas, para tratamentos.

O Herculano levou-me no seu Citroen 2 cavalos até à porta da casa dos meus pais.

 
 − Está aqui o meu telefone   − disse-me ao despedir-se.   − Dá-me um toque para combinarmos ir dar uma volta por aí.

 − Claro, podes ter a certeza. (...)

(...) No dia seguinte telefonei-lhe.

 
− Queres ir dar uma volta esta noite? Ou tens que ir ao hospital amanhã?

 − Não, não tenho. Olha, ainda bem que me ligaste porque precisava de falar contigo. Mas aonde é que estás a pensar ir?

  Não vou aos fados, pá, nem penses. Quero ir ao "Comodoro", é um sítio porreiro e já tenho saudades daquilo.

Era verdade. Não tinha lá ido ainda desde que traçara o plano de tratamento. Fora a outros mas àquele não.

 
 − Hui, isso é muito chique, de gente fina! Há outros sítios de gente mais como nós. Além disso, não podes antes encontrar-te comigo esta tarde?

Falava alto pra caraças. Não estava a perceber as reticências dele. Já tínhamos andado os dois por vários lados, por onde o ele queria. Fora num deles que o ligara à organização. Achou que desta vez era eu a decidir.

 
 − Não, não pode ser  − disse-lhe.   − Já tenho o meu esquema montado. Tenho uns filmes para ver e estou mesmo decidido a ir ao "Comodoro". E fala-me mais baixo, pá. Tirei os tampões para te ouvir. Os tímpanos par ecem estar melhor, não me dês cabo deles agora.

- Desculpa lá. Então está bem, vamos ao "Comodoro".

Encontraram-se à meia-noite junto ao  D. Maria . Foram até ao "Comodoro" e tocaram à campainha. O porteiro abriu a porta solicitamente. Foi o que nos pareceu, mas mal. Depois de os mirar de alto abaixo inquiridoramente, disse-lhes com ar de cepo:

 − Não podem entrar. É reservado.

O Herculano ficou calado mas eu perguntei-lhe em voz alta:

 − O que é isso de reservado?

− É só para clientes e seus acompanhantes.~

Fiquei fulo e levantei mais a voz:

 
− Eu sou cliente! Vim aqui várias vezes antes de ir para a guerra. Andei lá a defender isto! Agora que vim de lá ferido já não sou cliente, é?!

O Herculano só dizia "deixa lá, deixa lá, vamos a outro lado". Mas o porteiro estava roxo de enrascado e já falava como lírio do campo.

 
− O senhor desculpe, mas são as normas. Se conhece alguém…

− Claro que conheço! O Zeferino do bar e o gerente.

Não conhecia nada o gerente, só de vista e nunca tinha falado com ele. Mas o Zeferino, sim. Nas várias horas passadas no bar tinha tido conversas com ele. Era o típico barman confidente de uísques  e gins tónicos.

Pareceu-me que a minha voz alta já tinha chegado lá dentro pois apareceu à porta um tipo de fatinho azul e todo engravatado. Era o gerente, topei-o.

 
− O que se passa, Romeu?  − perguntou ao porteiro.

Está calado, Romeu, agora sou eu. Não o deixei falar:

 
− Eu e o meu amigo aqui viemos feridos da Guiné e queríamos entrar, mas o senhor Romeu diz que não pode ser. Eu sou alferes da companhia do capitão Guimarães. Vim aqui várias vezes com ele, lembra-se?

Vi logo que tinha dado um golpe certeiro. O homem ficou sério.

− Ah, o capitão Guimarães, claro que me lembro. Sei que morreu lá, coitado.(***)

Não se havia de lembrar, não. E a morte dele custou-lhe muito, claro. Grande sacana é o que ele era. O gerente virou-se para o porteiro:

 
− Romeu, deixa estes senhores entrar.

Conduziu-nos até ao bar.

 
− Zeferino, serve uma bebida a estes senhores. É por conta da casa. Estejam à vontade.

Afastou-se e eles sentaram-se. O Zeferino chegou-se e perguntou-lhes o que queriam. Ri-me para ele.

 
− Ó Zeferino, não me digas que te esqueceste das minhas preferências.

O barman olhou, interrogativamente primeiro, mas depois de uns momentos abriu-se num sorriso e estendeu-lhe a mão.

− Ah!...Como está? Então por cá?!

 
− É verdade. Não como eu queria, mas estou cá.

O Zeferino serviu-lhe um uísque com gelo e o Herculano também quis um. Contaram que tinham sido evacuados, falaram sobre a guerra, eu sobre a morte do Guimarães também, o Zeferino disse que já sabia. Como estava a mulher e os filhos dele, enfim, coisas do costume e normais. Quando os copos estavam a ficar vazios perguntei-lhe:

 Ouve lá, o capitão Guimarães não deixou aí nenhuma garrafa?

 
− Não há nenhuma. Se deixou já desapareceu. Sabe como estas coisas são...

Tinham-na gamado, claro. O gerente pensou que homem morto não bebe mais.

 Claro – compreendera. 
  Então traz uma de Dimple para aqui que eu pago.

 Para que é isso, pá? Não vamos beber uma garrafa inteira.

 
− Ó Herculano, claro que não. Vou fazer como o Guimarães. Ele tinha sempre uma garrafa reservada para se servir quando cá vinha. Esta vai ficar para quando voltarmos aqui. É o esquema, pá.

O Zeferino estava a servir dois clientes que se tinham também chegado ao balcão. Virámo-nos para observar a sala. Eu já sabia como era. Um ou dois gajos em cada mesa, e em todas elas uma ou mais mulheres, bem aconchegadas de vestimentas mas todas com ar de profissionais.

 Lá estava o filho da puta do banqueiro todo enleado com três. Uma delas olhou para eles, cochichou para as outras e para o banqueiro. Viraram-se todas e riram. Não reagi porque me palpitou da razão do riso delas. Era melhor sair dali.

– Há ali uma mesa vazia naquele canto  
− disse ao Herculano.  − Vamos para ali.

O Zeferino fez sinal a um empregado para lhes levar os copos, o balde do gelo e a garrafa. Quando já sentados dei um toque com o cotovelo no Herculano e apontei-lhe com a cabeça a mesa onde estavam as mulheres que se riram.

 
− Aquele engravatadinho com cara de fuinha é banqueiro.

 − Como é que ele se chama?

 − Não sei. O Guimarães disse-me o nome dele mas já não me lembro.

 Passa aqui as noites, e sabes qual é o divertimento dele?

 − Anda a comer as gajas, não?

 
− Qual quê, pá! Não vês que ele já está com os pés para a cova?! O que faz, não sei se já fez isso esta noite, se calhar não, é cedo, ainda estão poucas na mesa dele. Agarra uma nota de mil na mão e pergunta-lhes par ou ímpar? Aquela que primeiro adivinhar o último algarismo do número da nota ganha. Passa-lhe a nota para a mão e os olhos brilham-lhe de felicidade. É assim que ele se vem, acho eu.

− Filho da puta! − o Herculano estava escandalizado.

 − Dizes bem, também já lhe chamei isso. Mas há mais. Nas vésperas de embarcarmos para a Guiné viemos todos aqui, os alferes e o capitão. Ele é que o conhecia e esteve uma data de tempo a falar com ele. Olha, nessa altura mamámos quase uma garrafa inteira do Guimarães. Passado tempo veio ter connosco e disse-nos que o banqueiro, porque íamos para a guerra, tinha pago às cinco que estavam na mesa com ele para irem connosco.

O Herculano ia beberricando e olhava-o fixamente com os olhos de camaleão.

– E fomos mesmo  
− continuei  − para uma casa de uma delas, precisamente da que olhou há pouco para nós e que pôs as outras a rir, eu bem a topei. Começámos com um jogo a que elas chamaram “tira”. Quem perdia tinha de tirar uma peça de roupa. Íamos bebendo, jogando, despindo. Passada mais de uma hora, sei lá, já não havia noção de nada e foi a desbunda completa, cada um com a sua pelos quartos que havia e pelos cantos da casa.

Ele olhou-me reprovadoramente.

 
− É pá, porra, como é que vocês entraram numa coisa dessas?

Não gostei.

- O que é que querias que fizéssemos? Que fôssemos a Fátima rezar o terço? Tás maluco. Nós já sabíamos que íamos para o mato e que mulher era zero. Não íamos ter a sorte que os comandos tinham, uns saltos ao mato e depois era passar o tempo em Bissau para andar atrás das putas. Sim, foram meses no mato e zero, zero, assim  
− juntei o indicador e o polegar −,  tás a ver?

Para ele até não fora totalmente zero, mas fora para os dos destacamentos. Calou-se porque ele lhe fizera sinal para baixar a voz e viu que olhavam para eles das outras mesas. O gerente, ao pé de uma delas, estava com cara de poucos amigos. Teve tempo para pensar que tinha feito mal com aquela dos comandos. O Herculano tinha sido comando e também viera evacuado.

Desculpa lá, exaltei-me 
  disse-lhe.

− Eu não estou contra vocês terem ido com elas. É outra coisa. Nós andamos na guerra por causa do banqueiro e outros da laia dele. E dão um rebuçadinho, às vezes, que é para nós irmos e estarmos lá todos contentinhos. Foi o que ele vos fez.

Sabia que ele tinha razão. Ainda estive para lhe dizer que uma oportunidade daquelas não se podia perder, apesar disso. Mas não, pareceu-me que era melhor acabar ali aquela conversa.

 
− Ouve lá. Quando te liguei disseste-me que estavas a pensar falar comigo. O que era?

 Aqui não dá. Isto deve estar cheio de bufos e de pides. Eu levo-te a casa e no carro logo falamos.

Levei a garrafa, entreguei-a ao Zeferino e recomendei-lhe que a guardasse. À saída fiz um aceno de despedida ao gerente. Não é que o gramasse, mas era bom para o futuro.

Já íamos no carro e ele:

− O que eu te queria dizer é que temos que nos encontrar amanhã com outros camaradas e era preciso uma casa para isso. Na da minha tia não dá porque há lá sempre muita gente e estava a pensar na tua. Será que pode ser?

 E a que horas é?

 − Às dez da manhã.

 
− A essa hora tenho de estar no hospital. Só se forem vocês e depois falas comigo sobre o que decidiram. O meu pai e a minha irmã estão a trabalhar e a minha mãe vai a uma consulta ao hospital. Eu dou-te a chave de casa.

−  Está bem. Falamos os dois depois.


Chegámos, entretanto, ao largo da Calçada da Patriarcal. Parou o carro ao pé das árvores. Lembrei-me duma coisa.

− Mas espera aí, ó Herculano. Não sei se é o melhor ser em minha casa. É que, em tempos, apareceu lá na caixa do correio uma carta para um tal Aníbal de São José Lopes. A minha mãe foi perguntar à vizinha se não seria para ela. E a vizinha disse-lhe que era um gajo da PIDE que tinha antes lá morado mas que, agora, estava em Angola.

Ele ficou calado, parecia apreensivo.

 
− Mas há quanto tempo é que ele morou lá?  acabou por perguntar.

− Não sei. Mas, como os meus Pais já moram lá há mais de cinco anos, foi há mais tempo.

−Então deixa estar. Dá cá a chave. Até tem piada. Mas, olha, já agora outra coisa. A semana passada fui a uma junta médica e os gajos deram-me como inapto para a tropa. Isto da hemofilia não tem remédio.

− Porreiro, Herculano! Então estás livre da guerra ?!

 − Não é nada porreiro. Sabes muito bem que a orientação é não fugir à guerra. É lá com os outros que temos de estar, é lá que podemos influenciar, não é fugindo para França. Mas, paciência, comigo já não há hipóteses. Para compensar pus-me a delegado de propaganda médica, dá-me para andar por aí e desenvolver o trabalho clandestino.

 − Mas deves concordar que é melhor do que estar na guerra.

 − Claro. Mas lá também se pode trabalhar, e é muito importante.

Concordei com ele e despedi-me. Toquei à campainha e tive de dizer à minha mãe que me tinha esquecido da chave. (...)


(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

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(**) Vd. biografia do Herculano de Carvalho (1943-1976)

O Herculano de Carvalho já era conhecido do A. Marques Lopes, da  EPI, Mafra... Voltaram a encontrar-ase no HMP, Estrela, Lisboa...

(...) Encontrei lá o meu amigo Herculano de Carvalho. Fora meu colega no 2º pelotão do COM de Mafra. Magro, louro, olhos azuis grandes, era um aventureiro, uma máquina em todos os exercícios. Mas foi sempre um bom companheiro, diferente de outros que lá andavam a armar-se em bons e achavam, por isso, ser superiores. Eu sabia que ele, depois da especialidade de atirador, tinha sido mandado para os comandos, e nunca mais soubera dele. Foi um grande abraço. Perguntei-lhe:

− O que é que andas aqui a fazer?

− Ando em tratamento.

− A quê?

−  Tenho hemofilia.

Fiquei banzado. Como era possível um tipo hemofílico ser enviado para os comandos!? Mesmo para a guerra. Mas para os comandos ainda por cima... Então não tinham visto isso antes?

− Parece que não te lembras como era aquilo em Mafra. Além da injecção cavalar, que diziam dar para todos os males, não se preocupavam em saber mais nada. Menos, é claro, em ver aqueles que tinham cunhas para ir para os serviços auxiliares.

− É verdade, eu sei bem. Deves lembrar-te que desde o início sabíamos que o nosso curso estava destinado para uma fornada de atiradores. Até pensei que ia gozar com os gajos dos psicotécnicos quando me puseram um papel à frente e me disseram par escolher a especialidade. Pus lá que queria ser atirador mas eles é que se riram de mim. Mas diz lá, então, como é que descobriram isso.

 
− Eu estava na 3ª Companhia de Comandos na Guiné e… (...)

 (Fonte: Excerto de: Página do Facebook do A,. Marques Lopes, 24 de agosto de 2023, 14;00)

(***) Vd. poste de 10 de maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1745: Eu e o meu capitão e amigo Guimarães, morto aos 29 anos, na estrada de Geba para Banjara (A. Marques Lopes, CART 1690)

(...) O capitão Manuel Carlos da Conceição Guimarães era do quadro de Artilharia. Nas circunstâncias do regime, tinha estado como tenente na esquadra da PSP do Calvário, em Lisboa, depois de ter feito parte da Companhia de Polícia Móvel que esteve em Bissau.

Nesses contextos da juventude formou a sua mentalidade. Rigidez ideológica, fidelidade cega aos desígnios dos mandantes da guerra, alheamento total dos problemas, sentimentos e ambições das populações no terreno. Completa incompreensão das razões da guerra, nem desejo algum de as tentar compreender. Muitos houve assim naquela fase (1967). Ao longo do tempo de guerra muitos foram mudando, e penso que ele também teria mudado.

Mas eu fui amigo dele e acompanhei-o desde o princípio, fui o seu braço direito. Tive a incompreensão dos outros alferes, meus amigos de coração actualmente e eu deles (há 38 anos que nos encontramos - os sobreviventes - três vezes por ano, pelo menos, no Restaurante Colina, em Lisboa). Eles compreendem, agora, as razões dessa minha actuação, pala formação que eu tinha, pelos objectivos que queria conseguir.

O Guimarães foi promovido a capitão e mobilizado para a Guiné. Conhecêmo-lo em 4 de Dezembro de 1966, no RAL1, aquando da formação da companhia (CART 1690) e durante a instrução da especialidae no GACA2, em Torres Novas (de 6 de Dezembro de 1966 a 23 de Fevereiro de 1967).

Lembro-me bem que partíamos os dois, aos fins-de-semana, no Alfa Romeo Sprint Special dele até Lisboa. Loucuras, sem auto-estrada! Grandes noites na Cave, D. Quixote, Comodoro... A experiência dele na polícia abria todas as portas (as raparigas abraçavam efusivamente o Carlinhos).

Nas vésperas de embarcarmos no Ana Mafalda (...), fomos todos ao Comodoro. Um homem, já velho, que conhecíamos por ser frequentador, administrador de um banco qualquer (não me lembro), e que costumava jogar ao par ou ímpar com as raparigas (mostrava uma nota de mil e perguntava qual era o número - par ou ímpar? -, se uma dela adivinhava entregava-lhe a nota... e muitos jogos fazia), disse-nos assim: - Vocês vão para a guerra, para se portarem bem peguem lá - deu-nos várias notas de mil - e vão com estas cinco. - E fomos (alferes e capitão) e foi uma noitada. Era assim, a guerra estava paga. 

Era bom homem, o Cap Guimarães. Filho de um Sargento-Ajudante, sobrinho da Beatriz Costa (estive com ele, depois, e chorou a sua morte), morreu aos 29 anos na estrada de Geba para Banjara, a 21 de Agosto de 1967 (...). Lamentou-se-me o pai, que me visitou, estava eu ferido no hospital, que o filho (solteiro) era o sustento de duas irmãs de 14 anos que andavam a estudar, e que a vida dele estava complicada. (...)

Guiné 61/74 - P26003: Parabéns a você (2317): Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS (Piche e Bissau, 1970/72)

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Nota do editor

Último post da série de 29 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25991: Parabéns a você (2316): António Bastos, ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Ind 953 (Cacheu, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66)

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26002: Blogpoesia (801): "Preso à cidade", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

©Foto de Manuel Cruz


PRESO À CIDADE

Preso à cidade
nesta inquietante angústia das sombras
ao redor de um tudo-nada que nos prende e constrange
cai dos telhados o pó cinzento de uma neblina estranha
que definha as ruas e arrasta as horas na lentidão dos passos.

Lá atrás
uma réstia de luz presa ao vidro de um candeeiro partido
sob as janelas podres
lembra que se alma houvesse
seria fácil presa de um qualquer rígido corpo
enjoado de farsas e falácias amontoadas no lixo.

A noite caiu de forma estranha sobre a cidade sem corpo
definhada de luz e consciência
deixando atrás de si os últimos passos de uma existência
presa a todas as obscurantistas ordens estabelecidas.

Até o vento se foi
para não arrastar a neblina estranha
e para não calar o pesado silêncio que se prende ao corpo
como mortalha do tempo que desfaz a réstia de luz
presa ao vidro de um qualquer candeeiro partido.

Ainda ontem era dia nos braços do trabalho
e nas carnes que não conheciam o exílio
recusando morrer fora dos sonhos e da vida
e o vento varria o silêncio
para libertar o corpo e a mente
da neblina das noites pegajosas.

Havia certezas por entre os tremores da indecisão
havia sorrisos verdades e ilusões
e havia brisas sonâmbulas calando os medos
e havia rios arrastando as paredes negras
e todas as sombras dos candeeiros partidos.

Preso à cidade
na tristeza que nos envolve e nos liberta o pensamento
cai dos telhados a poeira do tempo
que cala as ruas e prende as horas na lentidão dos passos
e abre no chão quadriculado um espelho negro
com um menino tocando o céu azul
rodeado de pássaros e flores e rios cristalinos
e nos estende a mão num gesto de paz que nos acalma e nos perdoa
e carinhosamente
e sigilosamente
nos devolve ao nada por um caminho oculto
irreversível.


adão cruz

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Nota do editor

Último post da série de 19 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25660: Blogpoesia (800): "O Amor e a Vida", por Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P26001: Historiografia da presença portuguesa em África (445): A Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, últimos meses de 1883 (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de julho de 2024:

Queridos amigos,
O Governador Pedro Ignácio de Gouveia pautou-se pela firmeza, pelo diálogo, fora-lhe aparecendo colaboradores competentes, os acontecimentos bélicos no Forreá perderam intensidade, dir-se-á que o governador teve sorte, mas também fez por isso. Obstinou-se junto do Governo de Lisboa para haver uma nova divisão concelhia, esta, que vem totalmente referida no texto que se junta, merece ser refletida, temos aqui uma forma rigorosa de avaliar o que era a presença portuguesa na Guiné, a redação do documento é cuidadosa referindo sem prazos nem meios que poderá haver estabelecimentos a fundar-se, outros pontos a ocupar, ainda não havia fronteiras, era tudo uma nebulosa, à cautela fala-se da nossa presença no Casamansa, não há uma só palavra sobre a Península do Cacine. Não deixa de ser tocante a peça de teatro que entusiasmou a população de Buba, a propósito do dia natalício de sua alteza o Príncipe Real. E a solidariedade não era palavra vã, como se viu a recolha de dádivas para socorrer as vítimas da estiagem em Cabo Verde.

Um abraço do
Mário



A Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, últimos meses de 1883 (4)


Mário Beja Santos

Ao longo deste ano, como se referiu anteriormente, foram sendo introduzidas alterações de monta na vida organizativa da província, um caudal de regulamentos e regimentos, e pelo Boletim Oficial n.º 34, de 25 de agosto, surge a divisão concelhia da Guiné, quatro circunscrições com a denominação de concelhos: - Bolama, com sede na ilha do mesmo nome, compreendendo a denominação denominada Colónia, ilha de Orango, todos os pontos ocupados na margem esquerda do Rio Grande, desde a feitoria D. Amélia até ao fim dos domínios de Portugal, fronteiro ao arquipélago dos Bijagós, e bem assim tofos os estabelecimentos vierem a fundar-se no dito arquipélago; - Concelho de Bissau, compreendendo a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior e todos os demais pontos ocupados ou a ocupar nas margens dos rios de Bissau, do Corubal e do Geba; - Concelho de Cacheu, com sede em Cacheu, formado pela praça do mesmo nome, pelos presídios de Farim e Ziguinchor, pelas povoações de Mata e Bolor, e por todos os pontos ocupados, ou que de futuro vierem a ser ocupados nas margens dos rios de Farim e de S. Domingos; - Concelho de Bolola, com sede na povoação deste nome, compreendendo Sta. Cruz de Buba e todos os pontos que de futuro forem ocupados na margem direita do Rio Grande.

Temos procurado não ser repetitivos quanto à descrição de nomeações e exonerações, autorizações para férias, movimento criminal, chegadas e partidas de navios, receitas alfandegárias, quadros de situação locais, em que se fala do estado sanitário, alimentício, comercial, sossego público, obras públicas e municipais, agricultura e ocorrências policiais. Mas não deixa de ser bastante curioso o boletim de informação referente ao mês de agosto de 1883, constante do Boletim n.º 38, de 22 de setembro, assina o administrador do concelho de Bissau, que também já vimos como comandante militar, Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões:
“O comércio tem corrido pouco animado, o que não é para estranhar por não ser esta a estação própria. As chuvas, que têm sido torrenciais, têm causado algum atraso à agricultura. Há sossego em todo o concelho, exceto nas imediações de Geba, onde ainda se conservam os Fula-Forros, capitaneados por Bakar Kidaly, auxiliando os Biafadas contra os Fula-Pretos. Bakar Kidaly enviou emissários ao régulo Dembel e ao seu chefe de guerra – Mussá, Fula-Preto, propondo-lhe paz. Supõe-se que estra proposta será aceite.

Os mouros principais de Begine foram expressamente a Geba visitar o chefe daquele presídio, o alferes Marques Geraldes, e agradeceram-lhe a proteção que ele tem dispensado, dentro da praça, aos indivíduos daquela raça que lá vão negociar.
A última guerra contra os Balantas está produzindo os efeitos desejados.

Há dias, um soldado do destacamento, movido pela embriaguez, furtou um pano a um Balanta de Oco. O gentio, sem dizer uma só palavra ao soldado, dirigiu-se à secretaria da administração do concelho e queixou-se; mandei indagar que soldado tinha sido e na presença do próprio gentio o mandei prender e dei ao Balanta um pano novo na substituição do roubado, que era muito velho. Na tarde do dia imediato voltou o mesmo Balanta à administração, então acompanhado de outros indivíduos da sua raça e disse que me vinha pedir para que eu fosse à sua terra porque desejava que todos lá me conhecessem, e que eu havia de ser seu hóspede. Respondi-lhe que lá iria passando a estação invernosa.
Registo este facto por ser mais uma prova além das muitas que já tenho de que estes homens, apesar de verdadeiros selvagens, conhecem bem quando com eles se procede com justiça e imparcialidade.”


No Boletim n.º 44, de 3 de novembro, consta uma circular difundida pela Secretaria Geral do Governo, que foi também difundida pelos comandantes militares de Cacheu e Buba e chefes de presídios:
“Sua Excelência, o Governador, encarrega-me de dizer a vossas Senhorias, para os devidos efeitos, que não se dê nunca preferência a uma raça gentílica sobre outra, salvo quando elas se diferenciarem nas melhores ou piores relações com o Governo pu pelo seu procedimento para com o comércio da província. A proteção do Governo é igual para todos sem distinção de tribos de nações ou raças, enquanto dela não desmereçam.”

Voltando um pouco atrás, ao Boletim n º 40, de 6 de outubro, da administração do concelho de Buba, assinado pelo administrador Ventura Duarte Barros da Fonseca, reserva estes parágrafos, guardam a sua eloquência:
“No dia 28, natalício de sua alteza o Príncipe Real, e da última vitória de guerra contra os Fulas teve lugar pelas 20h30 uma récita dada pelos oficiais interiores do destacamento, sendo grátis a entrada.
Constando que o 1.º sargento, Policarpo Augusto da Silva, pretendia abrir um pequeno teatro, não pude deixar de o animar, não só por ser instrutivo divertimento, mas porque atos públicos moralizadores civilizam.
À hora indicada, entrei no dito teatro e foi para mim muito agradável ter aproximadamente 50 pessoas de ambos os sexos na plateia, bem-trajadas, no maior silêncio, admirando a casa com muito apuro condecorada, e como que ansiosos por o correr do pano.
Sentando-me no lugar que me estava destinado, junto do palco, como comandante-militar, logo se deu o sinal para correr o pano e seguiu-se a representação de cenas cómicas e poesias, que durou até à meia-noite; correndo tudo na melhor ordem, prestando-se todo o entusiasmo e atenção tanta, que pessoa alguma saiu para aproveitar os intervalos.
Assistiram alguns habitantes das pontas, o rei dos Mandingas, o qual esteve sempre em pasmo, dizendo-me por fim que desejava que eu o convidasse para as outras récitas.”


Aproximamo-nos do fim do ano, retenho que o seu indiscutível interesse do Boletim n.º 49, de 1 de dezembro, o ofício do comandante militar de Buba, tenente Bernardo Francisco Luís da Cruz, ele acabara recentemente de ser nomeado administrador e comandante-militar do concelho. E tece algumas considerações:
“A decadência do tráfico mercantil ocasionada pelas últimas guerras feridas no Forreá vai desaparecendo, tendo atualmente o concelho um novo aspeto, concorrendo a ele muitos Fulas que vêm comerciar vários géneros coloniais, como arroz, manteiga, gado vacum, couros, cera e borracha, permutando-os por fazendas, tabaco, aguardente, etc. etc., com as casas comerciais Blanchard & Cª e outras. A principal agricultura do concelho é a da mancarra e milho fino.
Tratando do estado da praça, sou de dizer a Vossa Excelência que a paliçada está em bom estado, ficando o material de guerra armazenado em casa do comandante-militar, por ser de maior segurança. Torna-se de urgente necessidade que seja construído um aquartelamento para 60 praças e vários consertos no aquartelamento que hoje existe; bem como uma enfermaria com a competente cozinha e utensílios correspondentes.
As casernas acham-se totalmente arruinadas, aquartelando-se as praças em grupos de três em pequenas cubatas fabricadas pelos soldados, no recinto do aquartelamento.”


E assim termina o ano de 1883, neste volume consta um documento de precioso valor moral intitulado A Fraternidade da Guiné a Cabo Verde, foi-lhe dedicada a socorrer as vítimas da estiagem da província cabo-verdiana, é número único, tem uma tiragem de dez mil exemplares, data de Bolama, 31 de outubro. A solidariedade praticava-se.

Pedro Ignácio de Gouveia, distintíssimo oficial da Armada, sucede a Agostinho Coelho como Governador da Guiné (será Governador entre 1881 e 1884). A primeira vez que me confrontei com a sua prosa, e que muito me impressionou, foi a carta que ele dirigiu ao ministro da Marinha e Ultramar referindo a viagem do alferes Marques Geraldes até Selho (hoje no Senegal), para ir buscar mulheres raptadas de um parente do régulo local, é um belíssimo documento.
Estabelecimentos portugueses em Buba, no Rio Grande, profundamente afetados pela guerra do Forreá
A canhoneira Guiné, 1879-1883
Bafatá, avenida principal com igreja matriz reformulada por Eurico Pinto Lopes/GUC, 1950.
Foto de Ana Vaz Milheiro, 2011, com a devida vénia
Edifício do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, imagem postal da época colonial.
Bilhete Postal, Coleção “Guiné Portuguesa, 143”
Edifício do Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau (na atualidade)
A fonte pública de Bafatá, 1918. Imagem conservada no nosso blogue

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25980: Historiografia da presença portuguesa em África (444): A Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, inícios de 1883 (3) (Mário Beja Santos)