quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7126: (Ex)citações (99): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Carlos Cordeiro)

1. Comentário do nosso camarada Carlos Cordeiro* (ex-combatente em Angola, onde fez a sua comissão como Fur Mil Inf no Centro de Instrução de Comandos, nos anos de 1969/71) ao poste Guiné 63/74 - P7123: (Ex)citações (98): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Hélder Sousa / Belarmino Sardinha):

Caros amigos,
Li com atenção os textos e comentários sobre as questões levantadas por José Dinis.

Reconheço que são preocupações legítimas, mas devo também dizer que tenho uma "opinião" muito optimista sobre o que se publica no Luís Graça & Camaradas da Guiné. Note-se que uma parte muito substancial dos postes (e ainda bem) é constituída por memórias.

E é evidente que a memória, por muito boa que seja, não é uma "fonte rigorosa". Mistura coisas que aconteceram em tempos diferentes, é selectiva, etc. Mas daí não vem mal ao Mundo. Haverá sempre algum camarada que, correctamente, chame a atenção para isto ou aquilo. Ou até nem chame, por se tratar de pormenor sem importância.
Um outro aspecto que é importante é que não se assiste, no blogue, a fanfarronices despropositadas. Os camaradas contam as suas experiências, manifestam as suas opiniões, muitas vezes com vigor apaixonado. Significa que estamos vivos e espera-se que de boa saúde.

Resolvemos, de facto, no quotidiano os nossos problemas com o senso comum e não com o conhecimento científico das coisas.

Um exemplo demonstra o que quero dizer: dois camaradas pilotos-aviadores apresentaram as estatísticas dos seus voos antes e depois dos Strella. Através de gráficos demonstravam que depois dos strella tiveram actividade de voo superior aos tempos anteriores. Conclusão minha e de muitos camaradas, certamente: fica demonstrado que quem disse que a FAP tinha deixado de voar pós-strella não tem razão. E, para mim, ponto final.

Só que esta minha opinião não é mais do que isto: "opinião". Outros camaradas, e com o mesmo direito à opinião, podem pôr em causa esta minha conclusão: onde está o documento oficial? São só dois, não sabemos se não foram excepções. No minha zona a experiência não foi esta... e por aí fora. Por acaso, ninguém (que me lembre) comentou neste sentido. Mas podia ter acontecido. E estaria muito bem.

Um outro exemplo: falando com um amigo, fiquei surpreendido com a sua opinião, contrária à da esmagadora maioria de todos os participantes no blogue. Dizia-me que era um erro afirmar que as NT estavam mal preparadas. Em países muito mais ricos e em guerras mais ou menos do mesmo tipo, a preparação era idêntica e o nosso comportaqmento nos diversos TO demonstrava que tínhamos tido a preparação adequada. Nem ele nem quem defende, aqui no blogue, o contrário têm conhecimentos profundos da ciência militar. Têm experiências de vida (e da guerra), sensibilidades, talvez até leituras mais ou menos especializadas diferentes.

O Torcato, aliás, levanta questões bem pertinentes: como se chega ao conhecimento se quem o tem e podia partilhar se fecha em copas? E os esquecimentos, nem sempre propositados?

Ainda há dias um camarada publicou o original do relatório de uma operação. Li-o com atenção e fiquei com dúvidas: parecia-me haver incongruência entre a "fraca intensidade" da acção como vinha relatada e o exageradíssimo gasto de munições. Veja-se só: que conhecimentos tinha eu do combate e que percebo eu de guerra? Mas não me coibi: opinei: ou o relatório estava mal engendrado e a acção teria mesmo sido muito violenta, o havia falta de munições na unidade e daí o relatório ter indicado aquela quantidade para reposição. Com muita simpatia, o camarada respondeu-me: o relatório não condiz com o que se passou na realidade.

Já foi rebatido numa opinião que manifestei. Um camarada, correctamente, corrigiu-me informando-me que no livro x vinha a informação y, que contrariava os pressupostos em que baseava a minha opinião. Fiquei eu e os restantes leitores mais esclarecidos.

Na minha perspectiva, desde que haja correcção e o cumprimento do livro de estilo, a opinião a partir de conhecimento profundo ou "ligeiro" ou do senso comum é salutar aqui nesta Tabanca.

Abraço,
Carlos Cordeiro
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6934: Memória dos lugares (88): Tavira, Quartel da Atalaia, CISMI (Carlos Cordeiro / Manuel Maia / Pereira da Costa)

3 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Meu caro Carlos Cordeiro
Escreves:

"Fica demonstrado que quem disse que a FAP tinha deixado de voar pós-strella não tem razão. E, para mim, ponto final.

Só que esta minha opinião não é mais do que isto: "opinião". Outros camaradas, e com o mesmo direito à opinião, podem pôr em causa esta minha conclusão: onde está o documento oficial? São só dois (pilotos), não sabemos se não foram excepções".

Agora digo eu.
Mas há ou não a verdade dos factos, a verdade histórica alicerçada no que de facto aconteceu?
Que prazer continuam a ter certos camaradas que, estribados na opinião de cada um, parecem querer valorizar as opiniões, e esquecer
a realidade dos factos? Pós Strella, os aviões continuaram a voar e bombardearam como nunca. Não é a minha opinião nem a tua, é a verdade,
histórica, dos factos, do conteúdo, da essência da guerra 73/74. Eu estava na Guiné, vi claramente visto.
Às vezes não dá jeito reconhecer a realidade e vá de inventar opiniões. Cada um é livre de dizer o que muito bem entende. Claro que é.
Em nome da opinião,muitas vezes ainda com pressupostos políticos por detrás, dizem-se e escrevem-se barbaridades.
Colocar ao mesmo nível, confundir a realidade, a verdade histórica, factual com as opiniões de cada um
é prestar um péssimo serviço ao entendimento das nossas vidas.

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Meu Caro António G. Abreu,
Conforme já foi aflorado, o post em presença, titulado "Sensatez e Rigor no Nosso Blogue", surge na senda de outros, subscritos pelo Belarmino, pelo Helder, e por mim, originariamente titulados "A Formação do Conhecimento".
O Carlos Cordeiro fez um comentário em que, para ilustrar a formação do conhecimento, refere a intervenção de 3 camaradas pilotos da F.A. que, anteriormente, deram conta das acções daquele ramo, quando, há bastante tempo atrás, alguém terá referido o abrandamento de F.A. com o surgimento dos Strella, e provocou viva polémica.
Essa menção fez-te saltar de outras preocupações, no afã de não deixar cair no esquecimento consensual daquela dúvida, (ou insinuação), e interrogas: "que prazer continuam a ter certos camaradas...?".
Ó António, terás que responder a ti mesmo, que raio de prazer tens em ressuscitar uma polémica antiga, quando as intervenções dos nossos pilotos, parece, trouxeram esclarecimento a quem tinha dúvidas e as manifestou.
"Mas há ou não a verdade dos factos, a verdade histórica alicerçada no que de facto aconteceu?", perguntas, também, não sei se com preocupação autêntica ( o que teria que saudar), tendo em conta outras polémicas que alimentaste, sem cuidar da verdade, estribado em opiniões, ou outros juízos, que adiante porei em confronto.
1º. - A guerra perdida: a este propósito transcrevo a parte final da interenção do sr. Gen. Bettencourt Rodrigues, inserta no livro de que é co-autor, "A Vitória Traida", editorial Intervenção, pgs 141/142:
"A guerra estava militarmente ganha? Evidentemente que não. Nunca ninguém o disse, nem pretendeu fazê-lo crer".
Esclareço, também não é explicito sobre a hipótese contrária.
2º. - A tese do Rebocho: sobre este assunto manifestaste-te contra o doutorado, sem teres lido a tese, estribado em razões que me escapam, talvez na notícia de uma acção judicial, agora em recurso pelo autor, visto que o Tribunal não reconheceu fundamento nas razões evocadas contra o Rebocho.
3º. - A questão dos oficiais do QP:
O estudo do Cor.Morais da Silva veio acicater os ânimos, e nova polémica em que alinhaste, sobre a alegada procura de refúgio da guerra por parte de oficiais do QP, do qual, já referi antes, o estudo não configura um estudo, nem satisfaz, por insuficiente, as pretensões de quem o exibe. Sobre esse assunto, para além de outras referências a que recorri, junto agora a opinião do sr Gen. Silvino S. Marques, co-autor da obra antes citada, pg.76:
"De qualquer forma, dir-se-á que, com ou sem impacto sócio-político justificado, parte da camada mais jovem do quadro permanente das Forças Armadas claudicou e desistiu de lutar".
Um abraço fraterno
JD

Anónimo disse...

Meu caro Graça de Abreu,

Obrigado pelo comentário. Talvez assim consiga expor melhor o que pensei ao escrever o comentário, agora poste.
Reconheço que o exemplo da actuação da FAP pós-Strella não foi o mais adequado. Pretendi somente exagerar, levar ao limite, uma hipótese de contestação a uma, para mim, verdade baseada em factos transmitidos por dois camaradas que os viveram e que, para mais, têm documentação oficial de suporte. E disse logo que, para mim, aquela é a verdade e ponto final.
Mas também gostava de deixar claro que não intervenho (com muito gosto) na Tabanca Grande como oficial de um determinado ofício. Tento mesmo fugir aos tiques daquilo que designamos de "deformação profissional". Por isto mesmo irás desculpar-me por não vir aqui debater as questões da "realidade histórica", da "verdade dos factos", da "verdade histórica". Uma coisa é certa: nunca terei o desplante ou a pesporrência de vir pôr em dúvida relatos das realidades vividas pelos camaradas. E isto precisamente porque aqui não participo com a frieza (ou a metodologia, se se quiser) de oficial do tal ofício. O mais certo seria cair no ridículo!
De resto, estamos de acordo: a partir das informações que nos são disponibilizadas formamos a "nossa" opinião e expressamo-la ou não. E nela se contém, como não pode deixar de ser, aquilo que transportamos connosco: educação, vivências, crenças, ideologias, valores, etc.. E há militâncias? Sim. Tens toda a razão. Mas também há muita gente para esclarecer e pôr as coisas no seu devido lugar.
De tudo isto não se conclua que sou um relativista inveterado. Pelo contrário: sou um homem de fortes convicções.
Um abraço,
Carlos Cordeiro