quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7127: Descoberta do Senegal e da Guiné, pelos Portugueses (1) (Arménio Estorninho)

1. Mensagem de Arménio Estorninho* (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381,Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70), com data de 22 de Agosto de 2010:

Caro amigo e camarada Carlos Vinhal, saudações guinéuas.

Escrevendo sobre o Infante D. Henrique, enaltecendo o homem que, vencendo o poder da superstição e dai advêm o iniciar das tentativas dos seus navegantes dobrarem o Cabo Bojador, assim como, as pretendidas chegadas ao Senegal e à Guiné.

Arménio Estorninho



Descoberta do Senegal e da Guiné, pelos Portugueses (1)

Parte 1

Em Novembro de 1960, presenciei na Baía de Lagos as Comemorações Henriquinas, o qual constou de um grande desfile naval (com navios mercantes e de armadas de imensas nacionalidades, e, em que se destacou a Esquadra Inglesa com o seu Porta-Aviões). O encerramento deu-se com um espectacular lançamento de fogo de pirotecnia. Das entidades oficiais que estiveram presentes, realço o Presidente da República, Américo Tomás e o Presidente da República Federal do Brasil, Kubitscheck de Oliveira. A fim de se deslocarem de Lisboa para o Algarve, estava previsto que seguiriam em Comboio Presidencial e por isso para a hora aprazada muito povo deslocou-se para a estação da CP em Estombar – Lagoa.

O Presidente do Conselho de Ministros Dr. Oliveira Salazar, quedou-se por ficar em Lisboa e ninguém noticiou qual o motivo. “Atão… atão… e era necessário saber-se?”

Foto 1 > Lisboa> Belém> Monumento Padrão dos Descobrimentos> em 1971. Inaugurado aquando das Comemorações Henriquinas, em 1960.

O Infante D. Henrique, a quem Portugal deve a iniciativa que lhe deu imortal renome entre as nações que mais concorreram para a civilização do mundo, nasceu a 4 de Março de 1394, numa quarta-feira de cinzas, na cidade do Porto. Era o quinto filho do casamento do Rei D. João I e Dona Filipa de Lencastre.

Sendo o Porto o mais velho reduto burguês de Portugal, senão de toda a Península.
A cidade que sempre repeliu com energia triunfante a tutela da nobreza e sempre olhou de soslaio a suberania dos bispos… tem qualquer coisa de simbólico.

Porquanto foi ele, D. Henrique que abriu à ambiciosa e oprimida classe burguesa dessa época as maiores perspectivas de progresso dentro da Nação.

Foto 2 > Gravura da cabeça de D. Henrique, que fazia parte do projecto original para a feitura do Monumento Padrão dos Descobrimentos. Fora extraída do Almanaque Bertrand, de 1939, e com a devida vénia.

Não deixa de ser curioso que tivesse sido o Porto o berço do Infante D. Henrique, que morreu em Sagres, na noite de 13 Novembro de 1460, no seu posto de gerência da obra comercial e industrial dos descobrimentos, antes de terem sido dados os seus frutos de ouro.

Foi D. Henrique bravo, generoso, perseverante, homem esclarecido e de muita alta inteligência. Foi o primeiro que, mergulhando a vista de águia nas profundezas do horizonte, descortinou, para além do Oceano, desconhecidos Mundos.

Deixou os negócios bem encaminhados, perfeitamente definido o objectivo máximo a atingir e de forma que os seus sucessores, apetrechados com a sua fecunda experiência.

Foto 3 > Lagos> Av. das Descobertas> Monumento do Infante D. Henrique> em 1973. Inaugurada aquando das Comemorações Henriquinas, em 1960.

Surge-me agora a oportunidade para comemorar também os 550 anos da morte do Infante D. Henrique, que foi o maior impulsionador das descobertas.

As minhas pesquisas circunscrevem-se ao período que abrange as navegações dos Portugueses, a partir do Bojador até aos descobrimentos do Senegal e da Guiné, e os primeiros contactos da Europa Branca com a África Negra. Que melhor assunto dada a próxima efeméride (13 de Novembro de 2010), senão transmitir alguns resumos de “estórias” vividas, assim como acontecimentos trágicos que agora são apresentados de forma sintética, com base em crónicas ordenadas de fontes narrativas, as quais querem dizer contadas em segunda mão.

Todos os anos se dava mais um pequeno passo no rumo desejado, de saber o que havia depois do Cabo Bojador, mas esses passos eram tímidos devido aos terrores dos rudes navegantes.

Foto 4 > Sagres> Fachada da Fortaleza de Sagres> em 1973. Paisagem agreste e comum no Promontório de Sagres.

Havia mais de dez anos que D. Henrique pretendia que os seus mareantes passassem para além do Cabo Bojador, começando a perder a paciência.

Chamou Gil Eanes, de Lagos, homem culto, que frequentara estudos universitários, em Lisboa, e experimentado nas lides do mar. Encarregou-o de levar a bom termo essa tarefa, tendo partido em 1433, velejou até às Canárias, não tendo ido mais longe.

Ignora-se que tipo de desculpa teria dado, talvez a mesma do costume o do temor de coisas diabólicas que iriam encontrar naquelas paragens inexploráveis.

Foto 5 > Lagos> Monumento de Gil Eanes e Fortaleza de Lagos;
Extraída da Colecção História de Portugal – Publicações Alfa, com a devida vénia.

D. Henrique teve uma conversa grave com Gil Eanes, antes de mandá-lo repetir a tentativa que parecia ter-se malogrado por culpa do navegador.

Com novos alentos, voltou Gil Eanes a partir no ano de 1434. Desta vez quando regressou trazia um punhado de plantas rasteiras e secas, chamadas de rosas de Santa Maria. O Infante mostrou-se mais contente com esta insignificância, por Gil Eanes ter dobrado o Cabo Bojador e ter navegado um pouco mais para além, por um mar calmo ao longo de uma costa desolada.

Foto 6 > Sagres> Fortaleza de Sagres> Rosa dos Ventos de 32 rumos, iniciada a sua utilização em 1434> Obtida em 1973.

D. Henrique não afrouxara as pesquisas no Atlântico, agora, que vencera a barreira da superstição. Queria malhar o ferro enquanto quente.
Logo no ano imediato, 1435, enviou Gil Eanes mais para Sul. Desta vez o mareante partiu alegremente, parece que a pedido seu acompanhado de António Gonçalves Baldaia. Mais ousados navegaram cinquenta léguas para lá do Bojador, descobrindo na areia de uma praia vestígios de homens e de camelos. O facto provocou-lhes enorme alvoroço. Grande notícia a dar a D. Henrique que vieram a todo o pano, trazer-lha.

Repare-se que, de começo, não era muita a iniciativa dos navegantes, que não sabiam que resolução tomar perante cada problema que se lhes deparava. Guiavam-se pelo cérebro do Infante e por vezes bem timidamente. Porque não decidiram logo explorar a região onde desembarcaram? Por temor de cometerem algum erro, certamente. Sobre cada facto era D. Henrique, no seu posto na direcção em Sagres, que raciocinava.

Foto 7 > Sagres> Gravura extraída de uma antiga História de Portugal, com narração até 1910; O Infante D. Henrique avista no horizonte a caravela de Gil Eanes.

Ao receber a boa nova de se encontrarem vestígios de homens e de camelos, deduziu:

Pois que assim é… bem parece que a povoação não é dali muito afastada ou porventura será gente que atravessa com as suas mercadorias para algum porto de mar… Porém é minha intenção de vos enviar lá outra vez em aquele mesmo “barinel” (barco à vela).

Vos encomendo que vades o mais avante que poderdes e que vos trabalheis de falar com essa gente, “filhando” (apanhando) algum porque certamente possais saber, que não seria pequena coisa e segundo o meu desejo disto possa tomar conhecimento.

Com as recomendações anteriormente dadas, a Gil Eanes e a António Gonçalves Baldaia, navegaram cento e vinte léguas mais para Sul do Cabo Bojador, encontrando uma baía onde se abrigaram (estamos no ano de 1436). Então dois moços de menos de vinte anos, foram enviados a terra, a cavalo, em missão de reconhecimento. Internaram-se sete léguas no deserto arenoso, até que “enxergaram” (descortinaram) dezanove negros armados de lanças. Em vez de tentarem falar-lhes, os rapazes de sangue na guelra atacaram-nos com as suas armas. Parece que menos receosos destas, que daqueles homens de rosto alvo que nunca tinham visto e os negros fugiram.

Na manhã seguinte, procuraram os homens, mas inutilmente porque se tinham sumido na vastidão do deserto e levando muito que contar daquele primeiro encontro da Europa Branca com a África Negra.

Partiram, acharam a foz de um rio a que chamaram rio do Ouro, supondo tratar-se do rio Senegal, a que os mercadores mouros davam esse nome e nesse local conseguiram apanhar muitos lobos-marinhos.

Regressaram com estas provas da sua aventura, com a novidade da existência daqueles negros e dos quais nada mais sabiam.

O Infante confiava em que o futuro havia de responder a todas as interrogações, desde que continuasse a procurar sempre com tenacidade e fé.

O Infante D. Henrique interrompera os seus trabalhos de exploração marítima em 1436, recomeçando com felicidade as explorações no Atlântico, em 1441.

Foto 8 > Lagoa - Praia da Marinha> Réplica de uma Caravela Portuguesa;
Extraída do Boletim Municipal de Junho de 2010, da C. M. de Lagoa, e com a devida vénia.

Recomeçaram no Atlântico as viagens de estudo, chamemos-lhes assim:

A primeira capitaneada pelo jovem Antão Gonçalves, levava uma missão específica de trazer do rio do Ouro óleo e peles de lobos-marinhos.

A segunda comandada por Nuno Tristão, cavaleiro de comprovada valentia, devia cumprir uma das ordens predilectas do Infante e ultrapassar o mais possível o último ponto Sul da costa de África até então atingido.
Mas a embarcação deste último era diferente de todas que, até essa data, haviam sulcado os mares, e ao seu modelo dera-se o nome de caravela. Não se parecia com a caravela veneziana nem com a mourisca, filiava-se mais no tipo de grandes barcos de pesca que se utilizavam na costa portuguesa e que, provavelmente, os antigos pescadores lusitanos, ainda sob o domínio árabe, tinham colhido dos barcos tradicionais mouriscos.

Esta que Nuno Tristão comandava, fazia a sua primeira viagem de experiência e logo provou maravilhosamente. O cavaleiro recebera ordem de, “se encontrar gente, fizessem paz com ela.” O Infante queria evitar o erro cometido pelos tripulantes de Afonso Gonçalves Baldaia, que, em vez de tratarem chegar pacificamente à fala com os negros que toparam no rio do Ouro perseguiram-nos às laçadas.

Nuno Tristão foi encontrar Antão Gonçalves, que partira primeiro, na praia do “Sara,” (Saara) perto do rio do Ouro e já com dois prisioneiros indígenas. Antão Gonçalves tinha desembarcado e, de noite, dando uma batida pelo deserto em redor no rasto de camelos, nada descobriram. Mas já de regresso ao navio deram com uma velha e um homem nu. Aprisionaram-nos para os levar ao Infante. Nuno Tristão que ia prevenido com um intérprete mouro, tentou por intermédio deste interroga-los e foi em vão, porque não se entendiam.
Contudo pretendiam era apanhar os primeiros homens que aparecessem. Juntaram forças dos dois navios, de noite foram até junto de uma praia descobrindo um acampamento de nómadas e pela manhãzinha viram uns homens que vinham a um poço para tirar água, alegres caíram de surpresa sobre eles, fizeram prisioneiros e levaram-nos para bordo.

Foto 9 > África> Um mouro> Cópia de um quadro de Fortuny, foi extraída do Almanach Bertrand, datado de 1933, e com a devida vénia

Tratava-se de dez berberes do Sara Ocidental, negros de vários tons, uns mais claros e outros mais escuros, uns vestindo túnica e calças de couro, outros nus, e as mulheres por pudor, usavam o rosto tapado mas deixavam todo o resto à mostra. Entre esta pobre gente, porém, destacava-se a figura imponente de um homem, em que os Portugueses julgavam reconhecer um nobre cavaleiro e trataram-no como tal. Chamava-se Adahu, era pessoa viajada e, por felicidade, falava o arábico, entendendo-se perfeitamente com o interprete mouro que Nuno Tristão levava de Portugal. Era exactamente o que o Infante tanto desejava, alguém daquelas paragens com quem se pudesse entender.

Nuno Tristão achou tão valoroso o feito que, ali mesmo na praia, armou cavaleiro Antão Gonçalves que não parecia muito convencido da importância do seu acto. Partiu imediatamente Antão Gonçalves, para Portugal, com a sua preciosa carga, enquanto Nuno, varando a sua caravela no areal, a calafetou e preparou para continuar a viagem, conforme ordens de seu amo. Percorreu ainda muitas léguas, cerca de cento e cinquenta, para Sul, até que encontrou um promontório estéril e esbranquiçado, ao abrigo do qual lançou ferro. Deu aquele local nu e “alvacento” o nome de Cabo Branco. Desembarcou, para todos os lados que a vista abarcava, apenas se descortinava o deserto desolado.

Receando que se lhe acabassem os mantimentos regressou Nuno Tristão a Portugal, trouxe ao Infante algo de muito valioso, o conhecimento de mais um ponto, a Sul, a acrescentar no mapa do contorno de África, que se ia esboçando no seu laboratório em Sagres.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6918: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (18): Encerramento do mês do Ramadão

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