quarta-feira, 9 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7918: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (40): Teixeira Pinto - Lusco-fusco em Capó

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 7 de Março de 2011: 

Amigo Vinhal
Tudo bem contigo?
Mais um pouco de “Viagem…” que fecha uma etapa e vai dar lugar a um outro ciclo diferente, agora mais calmo e seguro, para a maioria da Companhia.
Para todos o meu abraço com votos de saúde e força para enfrentar freimas desta vida
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (40)

Teixeira Pinto – lusco-fusco em Capó

Capó - Momentos de descanso - “messe”

Naquele “cú-de-judas” solitário que era Capó, o tempo ia passando desfiando-se o dia-a-dia em rotinas rotativas de segurança aos trabalhos, máquinas e estradas, picagem, serviços, patrulhamentos de proximidade, emboscadas nocturnas… enfim.

Desse quase mês e meio que por lá penámos, poucas recordações retenho. Para além da agradável “visita” da “bela donzela” (Post 7833 - 21 FEV 2011) e do terrivelmente picante ataque de abelhinhas na mata (Post 4031 - 14 MAR 2009), ficaram no entanto mais algumas, como por exemplo as refeições serem reforçadas com proteínas, coisa que estranhei e não consumi a princípio mas logo aceitei e naturalmente deixei de ligar a essas larvas vivas que se desprendiam do “tecto de palmeidur” e iam caindo no prato durante as refeições, sendo apanhadas sem pejo juntamente com a comida por utensílios que as carreavam, como “complemento proteico”, para as entranhas do tubo digestivo.

Recordo as idas à latrina situada fora das barreiras sempre acompanhado da minha amiga, não fosse o diabo apanhar-me com as calças na mão.

Capó - Com o Alf Mil Barros

Recordo ficar impressionado e estupefacto ao avistar na estrada, aquando de uma ida a Teixeira Pinto, um idoso(?) a “transportar” as “bolsas tomatais” numa espécie de carrinho de mão, tal o tamanho descomunal das mesmas, provocado, julgo, por elefantíase (?!)

Recordo uma ou duas escapadas ao Cacheu onde o amigo e conterrâneo Júlio César “trabalhava” e apaparicava com petiscada à maneira, onde o camarão, - ao que me parece saber, apanhado no rio à noite com rede e lanterna - e o belo chouriço, e outros de origem caseira, eram reis e oferecidos com prazer, numa confraternização apreciada, alegre e normalmente bem regada. O pior era a hora de regressar ao “burako” que nada apetecia.

Recordo picagens e seguranças aos trabalhos na estrada, sob um calor abrasador que obrigava a racionar a água do cantil e em que a poeiraça impregnada com suor se colava ao corpo como se argamassa fosse, criando uma sensação indefinida de picadas e mal estar.

Recordo um fim de tarde em que estando a jantar, fomos surpreendidos por rebentamentos e matraquear que nos fizeram correr a ocupar posições.
Pela segunda vez alguém deitou a mão à minha amiga sempre à mão - o que não foi consentido - e dirijo-me para a “parada” onde está alguém com o morteiro tentando perceber para onde fazer fogo.
O pessoal passa lesto em várias direcções para as posições defensivas e dou-me conta do Fur Chaves (Obelix), impávido e sereno ali perto, em campo aberto e em pé, a afiar um pequeno pau com o seu canivete.

Capó - E no final, tudo o fogo levou.

O primeiro ataque vem do lado da estrada e vai-se prolongando. É pedido apoio pesado mas do Bachile não há alcance. Os tiros acabam para passado pouco tempo retornarem. Lanço uma granada de morteiro e fico com a mão direita como uma bola. A granada na certa e inadvertidamente estaria com as cargas suplementares. É pedido apoio aéreo, sem muita convicção de confirmação e utilidade, dada a hora. Surpresa, somos atendidos e pouco tempo depois surgem nos céus os Fiat que estariam de regresso a Bissau (?) e que às nossas indicações descarregam metralha em voos picados, numa espectacularidade de movimento e cor ao lusco-fusco a que ainda não tinha assistido e difícil de esquecer.

A batalha como que acaba, para se assistir ao espectáculo encenado neste anoitecer de 30 NOV 71 de, como “festa” antecipada de despedida daquelas paragens, que se viria a concretizar a 6  de Dezembro com ida para Teixeira Pinto e a 7 para Bula, de novo, desta vez com destino base aos reordenamentos de Augusto Barros, João Landim e Mato Dingal.

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7833: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (39): Teixeira Pinto - Capó e a bela donzela

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro camarigo Luís Faria

Para quem não tinha muitas recordações... afinal são tantos os pormenores que cada um deles por si só, podia dar uma bela história, como por exemplo o 'complemento proteico', os 'tomates de chumbo', o camarãozinho do rio...

Abraço
Hélder S.

Jorge Fontinha disse...

Jamais esquecerei o bombardeamento provocado pelos Fiat's.Foi algo de magestoso, na noite escura.Foi um belo fogo de artifício.Lembro-me de ver soldados, alguns nús, na trincheira, com o respectivo armamento funcional.O Alf. Freitas Pereira, de tantas ordens gritadas, no meio do aquartelamento, julgo que ficou alguns dias afónico.

Para a próxima, reapareço no Blogue, com Estórias de Mato Dingal.

Aquele abraço.
Jorge Fontinha

Jorge Fontinha disse...

Então de despedida de Capô.
Estarei de regresso ao blogue, de Mato Dingal, para contar coisas bonitas daquelas bandas do "relaxe".
Foi na verdade um belo fogo artifício, aquele dos Fiat's.
Aquele abraço

Jorge Fontinha

Anónimo disse...

Caro amigo Luís Faria,

Nem tudo o fogo levou.

Ainda hoje lá está a estrada empapada com o suor do nosso esforço e o sangue e vidas de alguns dos nossos camaradas.

E não esqueço as centenas de capinadores que também contribuiram esforçadamente para que ela chegasse ao Cacheu.

Um abraço,
José Câmara