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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7520: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (24): Mensagens do José Romão, Orlando Pinela, Sílvio Abrantes e Torcato Mendonça

1. Do nosso camarada José Romão (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73):





Camarada Carlos Vinhal:
Ainde te lembras desta mascote do Programa das Forças Arrmadas, na Guiné (O PIFAS)?



Um feliz ano novo para ti e para todos os nossos camaradas.
Zeca Romão

2. Do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69):




O Solstício vai trazer a luz






Ou para que o mundo não seja deserto de ideias, o Pai Natal vai trazer um Feliz Natal e um Bom Ano de 2011:


O Inverno 

Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.
Vem de sobretudo,
Vem de cachecol,
O chão onde passa
Parece um lençol.
Esqueceu as luvas
Perto do fogão:
Quando as procurou,
Roubara-as um cão.
Com medo do frio
Encosta-se a nós:
Dai-lhe café quente
Senão perde a voz.

Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.



Eugénio de Andrade (1923-2005)


(imagens e poema copiados do Google)

3. Do Sí­lvio Fagundes de Abrantes, mais conhecido no BCP 12 como o Hoss [, foto à direita, empunhando a MG 42]: 

 Começo por pedir desculpa pelo atraso, mas vale mais tarde do que nunca. Venho assim desejar a todos os tertulianos um Santo e Feliz Natal e que o Ano Novo vos traga tudo de bom, que seja ainda melhor do que o 2010.

E para o pessoal que está em baixo que levante essa cachola e há que seguir em frente, deixem as dores para o vizinho, que se amanhe com elas. Para os que se encontram doentes ou hospitalizados.  umas melhoras rápidas. São os votos do Hoss

4. Do Orlando Pinela, ex-
1º Cabo Reab Mat da CART 1614/BART 1896, Cabedú, 1966/68.

 Aqui vão os meus votos  de desportiva amizade, extensivos a toda a Família da TABANCA um SANTO NATAL e BOM ANO 2011


Saudações
OP
____________________


Nota do editor


Vd. último poste da série de 28 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7516: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (23): Encontro de 1º grau na Tabanca de Matosinhos, no Milho Rei, 4ª feira, 29, às 12h30, para quem puder e quiser... (Luís Graça / Álvaro Basto)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7116: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (5): O Soldado Para-quedista Folhas

1. Texto do Sílvio Fagundes de Abrantes (foto à direita):


Data: 27 de Setembro de 2010 23:51


Assunto: O Soldado Para-quedista Folhas (*)




No dia 22 de Agosto levantei-me por volta das 10 horas da manhã o que não é muito habitual da minha parte. Levanto-me e vou tomar banho, a minha esposa queria que eu fosse fazer um serviço, mas eu não lhe dei ouvidos e disse
- Queres vir comigo, é sem destino ?!
- Não - foi a resposta.
- O.K.,  não fiques zangada. 

Equipei-me, pego no carro e aí vai ele sem destino. Ando uns 200 metros,  pára e ligo a um amigo que estava de férias da França e pergunto se quer vir comigo. ´
- É sem destino - digo eu.

A resposta foi afirmativa. Espero um pouco por ele e penso no meu amigo Folhas, é hoje que o vou procurar a Coimbra e lá fui com o meu amigo. Almoçamos pelo caminho e seguimos viagem. Em Coimbra procurei a direcção de S. Martinho do Bispo. Encontro um senhor dos seus sessenta e tantos anos, que me diz conhecer o pessoal dali e não existir nenhuma família Folhas, mas sim numa terra cujo nome me varreu, lá sim, há muitos Folhas. 

Lá fui em direcção a Taveiro, entro na povoação encravada na serra, atravesso-a de um lado ao outro e não vejo alma viva. Páro a conversar com o meu amigo e companheiro para delinear uma estratégia e eis que alguém se aproxima e pergunta se precisamos de alguma coisa. Digo ao que vou e o senhor manda-me para um café, lá fui. Mais uma vez conto ao que vou e diz uma dos presentes para o outro:
- Ó pá, de pára-quedistas é contigo. 

Estou com a minha gente,  pensei, e estava, era um ex-pára-quedista, amigo do Folhas e colega de trabalho durante muitos anos.


O senhor que em S. Martinho do Bispo me enviou para esta terra tinha razão, o pai do Folhas era daqui, onde há muitos Folhas, só que casou em Coimbra, melhor em S. Martinho do Bispo.


O nosso ex-pára-quedista indica-me onde mora o Folhas e lá vou. Encontro o meu amigo entretido a fazer um galinheiro para uma vizinha, vá lá, nada de maus pensamentos,  suas más línguas. Mostro uma foto onde estamos os dois e pergunto à senhora se conhecia aquele patife [, vd. foto a seguir: o Folhas e o Hoss com a MG 42].
- Não,  reponde a dita senhora.

É lógico. Não nos conhecemos. Ele está magro,  como sempre, mas muito acabado. Não quer ouvir falar da tropa. Lá conversámos umas horas, onde me contou que até na prisão o meteram, por não ter feito nada, ainda hoje não sabe bem a razão. Eu perguntei se não seria o resto do 16 de Junho de 1970? (**)... Nada de concreto, talvez sim talvez não. 

Está um homem revoltado que nunca mais foi a Tancos embora já tenho sido convidado por diversos colegas, inclusive um ex- Coronel Pára-quedista. Nem mesmo esse o consegue levar. Vejam a revolta que este homem tem para com os seus ex-superiores (**). É preciso relembrar a esses senhores que se hoje têm altas patentes, melhores mordomias, foi à nossa custa, à custa do Folhas e de muitos outros FOLHAS, que estão traumatizados com a guerra e com o comportamento menos digno de certos oficiais e sargentos, que só se importavam com a carreira militar e se esqueceram de que estavam a lidar com homens. 

O Folhas não sabia da nossa decisão de enviar o dito oficial para fora do reino dos viventes. Ficou muito admirado. Disse desconhecer isso por completo. 
- Se fosse comigo esse homem hoje não estava vivo - respondo eu - , não tenhas a menor dúvida.

Esse trauma que o Folhas tem, felizmente não o afectou na vida civil, tem uma vida boa,  graças a Deus. Não precisou da tropa para viver dignamente.


Será que esses senhores não têm vergonha do que fizeram? Será que não são capazes de pedir desculpa pela porcaria que fizeram? Pelo menos uma palavra. Já ouvi um Coronel pára-quedista na reforma, claro, dizer que se encontrasse o Folhas lhe pedia desculpa, pelo menos isso já é de louvar. Mas falta outro dizer o mesmo, esse é que eu queria ouvir aqui neste sítio publicamente. Será capaz? Vamos esperar para ver.


Hoss

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
____________


Notas de L.G.:


(*) Último poste desta série > 2 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6816: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (4): A cabra do PIDE de Nova Lamego


(**) Vd. poste de  6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6681: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (3): Conclusão


(...) Conforme mencionei na 1.ª parte, houve um oficial que na emboscada  [, perto do Pelundo, em 16 de Junho de 1970,] saltou da viatura sem a G3 e pediu ao Folhas que lhe desse a dele, ao que este rejeitou. O oficial fez a vida negra ao Folhas o resto da comissão.


Passados uns meses e já em plena época das chuvas, fomos para um aldeamento na fronteira com o Senegal onde só havia um pelotão de obus. (...) 


Um dia saímos de manhã fazer uma operação de reconhecimento, chegámos todos molhados. À noite fomos em auxílio dum quartel do exército que estava a ser atacado, chegámos todo molhados. Na manhã seguinte o dito oficial manda formar a companhia de camuflado. Camuflado significa botas. Nós só tínhamos dois pares de botas e dois camuflados que estavam todos molhados. Então resolvemos formar em fato de treino uns, e outros de calções, a única coisa que tínhamos enxuto para vestir. Ao ver tal situação o dito oficial manda o Folhas sair da formatura, entra em discussão com ele e deu-lhe cobardemente duas bofetadas.

O Folhas passa-se da cabeça, e não era para menos, vai buscar a G3 com um carregador enfiado, pronta a disparar, corre atrás do oficial que se refugia na escola. Então eu e outros colegas fomos acalmar o Folhas, o que não foi nada fácil e conseguimos que nos desse a G3.

Passados poucos minutos reuniram-se alguns velhinhos da companhia e de cabeça quente ditamos a sentença ao nosso oficial. Decidimos que, se o dito oficial participasse do Folhas, deixaria de contar a 100% no efectivo das tropas Pára-quedistas, ou seja hoje não estaria no reino dos viventes. Por sorte não houve participação. 



Mas, digo com toda a honestidade, se fosse comigo não lhe perdoava. Ainda hoje pergunto o que é que me segurou em não concretizar a sentença, algumas vezes o tive na mira. O meu pai nunca me bateu.

Seria mais um morto em combate.  Esse grupo era composto por 3 MG, 2 Hk, 1 Degtariev e várias G3. (...)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6816: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (4): A cabra do PIDE de Nova Lamego

1. Mais uma história do Hoss, : Slvio Fagundes de Abrantes (*)

Data: 1 de Agosto de 2010 20:56
Assunto: A cabra do Berguinhas


Antes de mais devo dizer aos nossos interlocutores que foram uns cagados  da maneira como trataram a vossa querida amiga, ou dizendo de outra maneira mais abrasileirada que se confunde cágados com cagados, não sei o que vos chamar, mas  a verdade é que eu sinceramente não fazia isso a um amigo, mas fome é fome, e eu até comi a carne mais horrível que pode existir (ai fome onde andas!)...   ABUTRE!!!

Esta estória faz-me lembrar o cabrito do PIDE de  Nova Lamego. O tipo da PIDE tinha um cabrito de estimação que um dia teve a infeliz, dele, sorte (feliz nossa...), de ir parar ao nosso quartel que era junto à igreja e à administração. Entrar entrou, saír também saíu, só que de outra maneira.

Mata-se o cabrito,  passado pouco tempo o tinhoso entra no quartel aos berros pelo cabrito. O nosso bom Capitão Mira Vaz não sabia o que responder ao PIDE. Sorte a nossa que os abutres em poucos minutos desapareceram com os restos mortais... de identificação. Então vou ter com o Nogueira que estava no bar, conto a situação e só havia uma saída.Tiramos toda a cerveja que estava na arca congeladora, espalmámos o casbrito que fica no fundo da arca, e enchemos esta até ao cimo com loirinhas à espera de melhores dias.

Ninguém vai mandar tirar a cerveja da arca, pensei eu. O meu afoito Capitão Mira Vaz não sabia onde se meter. Primeira pessoa a ser chamada, o Hoss... que jura a pés juntos nada saber.
-  Juro por estes dois,  meu capitão, que a terra há-de comer,  em como não sei de nada.

Tão parvo... Passado pouco tempo aparece um nativo muito aflito que a mulher estava para dar à luz e o bébé não nascia. Por uma questão de respeito não vou escrever como eles falavam. Lá fui eu e o Vicente. Nunca na nossa vida tinha-mos visto tal coisa. Eu sou da aldeia, com muito orgulho, já tinha visto muitos animais parirem e lembrei-me que de vez em quando os filhotes vinham atravessados e era preciso meter a mão lá dentro e colocar cabeça do dito cujo para a saída.

Fez-se  luz. Meto a mão dentro da senhora e ajeitei a cabeça do bébé para a saída, o tipo salta cá para fora sem problema. O pior foi quando eu cortei a umbímia [, cordão umbilical ?]. Não era para cortar à nossa maneira, mas depois da explicação tudo bem. Fomos presenteados com DOIS, DOIS cabritos!... Fui ter com o comandante de pelotão expliquei a situação, para que não pensassem que era o cabrito do PIDE  e o resto para bom entendedor meia palavra basta.

Mas o Sr Mira Vaz não lhe enterrou os dentes. Não tinha tempo para essas coisas banais,  preocupava-se com outras de maior interesse para a carreira militar que tinha pela frente. E assim foi. Ai, FOME,  onde é que andavas, FARTURA  ?

Atenção,  nos Pára-quedistas,  não passávamos fome, às vezes o vago mestre esquecia-se e nós lembrávamos que o dinheiro não era só para eles. Muito se roubava, não digas isso parvo, ainda vais parar à pildra. Eu que fazia a escrita da companhia,  estou proíbido de falar, por estes dois que a terra há-de comer.

 Hoss

__________________

Nota de L.G.:


terça-feira, 6 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6681: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (3): Conclusão

1. Conclusão da publicação das memórias do Sílvio Faguntes Abrantes, membro da nossa Tabanca Grande, conhecido na Guiné como o Hoss. Pertenceu à CCP 121 / BCP 12.

Hoss e o Folhas


Uma dum colega ferido no dia 16 de Junho, com soro



16 de Junho de 1970

Conclusão


Conforme mencionei na 1.ª parte, houve um oficial que na emboscada saltou da viatura sem a G3 e pediu ao Folhas que lhe desse a dele, ao que este rejeitou. O oficial fez a vida negra ao Folhas o resto da comissão.

Passados uns meses e já em plena época das chuvas, fomos para um aldeamento na fronteira com o Senegal onde só havia um pelotão de obus.

Nós, soldados, dormíamos debaixo de panos de tenda, onde a água entrava por todos os lados, os oficiais e sargentos instalados numa antiga escola. O nosso acampamento mais parecia um acampamento do índios dum filme de cowboys do que de soldados prontos para a guerra e dar a vida pelo Pátria.

Um dia saímos de manhã fazer uma operação de reconhecimento, chegámos todos molhados. À noite fomos em auxílio dum quartel do exército que estava a ser atacado, chegámos todo molhados. Na manhã seguinte o dito oficial manda formar a companhia de camuflado. Camuflado significa botas. Nós só tínhamos dois pares de botas e dois camuflados que estavam todos molhados. Então resolvemos formar em fato de treino uns, e outros de calções, a única coisa que tínhamos enxuto para vestir. Ao ver tal situação o dito oficial manda o Folhas sair da formatura, entra em discussão com ele e deu-lhe cobardemente duas bofetadas.

O Folhas passa-se da cabeça, e não era para menos, vai buscar a G3 com um carregador enfiado, pronta a disparar, corre atrás do oficial que se refugia na escola. Então eu e outros colegas fomos acalmar o Folhas, o que não foi nada fácil e conseguimos que nos desse a G3.

Passados poucos minutos reuniram-se alguns velhinhos da companhia e de cabeça quente ditamos a sentença ao nosso oficial. Decidimos que, se o dito oficial participasse do Folhas, deixaria de contar a 100% no efectivo das tropas Pára-quedistas, ou seja hoje não estaria no reino dos viventes. Por sorte não houve participação.

Mas digo com toda a honestidade, se fosse comigo não lhe perdoava. Ainda hoje pergunto o que é que me segurou em não concretizar a sentença, algumas vezes o tive na mira. O meu pai nunca me bateu.

Seria mais um morto em combate.

Esse grupo era composto por 3 MG, 2 Hk, 1 Degtariev e várias G3.

Porque é que este senhor não se meteu comigo ou com outro colega meu? Porque teve de ser com o Folhas?

Há 2 ou 3 anos encontro, numa festa da companhia, em Tancos, um outro oficial, hoje coronel na reforma que me perguntou pelo Folhas, ao que eu respondi que não sabia nada dele. Então contou um outro triste episódio passado entre ele e o Folhas. Não vale a pena estar aqui a recordar, pois eu já não estava na Guiné. Pergunta o coronel porque é que o Folhas era um revoltado. Então eu e o meu amigo Vicente, outro enfermeiro, contámos a passagem da G3. O nosso homem nem queria acreditar no que ouvia.

- Não é possível que um oficial faça uma coisa destas, nunca imaginei tal coisa. Se encontrasse aqui o Folhas, pedia-lhe desculpa agora mesmo.

Atitude digna dum Homem.

Junto envio duas fotos. Uma dum colega ferido no dia 16 de Junho, com soro e a outra, eu o Folhas. O colega que segura o soro, se a memória não me falha, é um bravo açoriano.

Hoss
__________

Nota de CV:

Vd. postes de:

20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6195: Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/1971) (1): Quando a minha MG 42 ficou engatada no banco da viatura e sofremos uma tremenda emboscada a 3km do Pelundo
e
14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6387: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (2): o ataque à coluna Bissau-Teixeira Pinto, em 16 de Junho de 1970 (II Parte)

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6387: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (2): o ataque à coluna Bissau-Teixeira Pinto, em 16 de Junho de 1970 (II Parte)



Guiné > Região do Oio > s/d > CCP 121 / BCP 12 (1969/71) > Algures no Morés > O Hoss com a MG 42


Guiné > s/l > s/d > CCP 121 / BCP 12(1969/71) >  Um soldado paraquedista  "gravemente ferido com uma roquetada que rebentou por cima dele numa árvore", e que foi assistido pelo Sold Enf Pára Sílvio Abrantes, mais  conhecido pelo seu nome de guerra,  Hoss.

Fotos (e legendas): © Sílvio Abrantes (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação das memórias do Sílvio Faguntes Abrantes,  membro da nossa Tabanca Grande, conhecido na Guiné como o  Hoss. Pertenceu à CCP 121 / BCP 12, comandada primeiro pelo então Cap Pára Terras Marques e depois pelo Cap Pára Mira Vaz. Foi soldado e enfermeiro, frazendo questão de andar com a MG 42.


2. Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) > 16 de Junho de 1970 > Ataque a uma coluna Bissau-Teixeira Pinto (2ª parte)

Resumo da I Parte:

Seguíamos de Bissau para Teixeira Pinto,  de coluna, quando fomos atacados cerca de 3 km. do Pelundo,à saída duma curva. O resultado cifrou-se em 6 mortos e 9 feridos, alguns com gravidade. (...)

 
As  companhias [de caçadores paraquedistas] 121 e 122,  quando comandadas pelo meu amigo ex-Capitão Terras Marques, hoje Coronel na reforma,  sempre foram companhias bem armadas, desde os RPG às MG havia de tudo, eram companhias fortemente armadas.

A talho  de foice,  em poucas palavras , um dia chegamos a Bolama, comandados pelo Terras Marques, fomos recebidos pelo comandante chefe, um Sr. Coronel que ficou pasmado com o armamento que nós trazíamos ao ponto de pedir para que fosse disparado um tiro de RPG7 em frente à porta de armas onde estávamos formados.

Depois de avisado do que aconteceria a seguir,  o nosso homem não se importou, quis foi ver o róquete disparado. Imaginem o que aconteceu a seguir.

Acabada a comissão do  ex-Capitão Terras Marques , veio outro comandante de companhia, que no discurso de apresentação a  certa altura diz:
- Na  Guiné não há guerra.

Ainda  hoje essas palavras bailam no meu cérebro e de muitos dos meus colegas. Não tardou muito que fossem retiradas à companhia armas pesadas, pois não havia guerra. Mas há uma coisa, eu quero que fique bem explícito, nós não culpamos o comandante de companhia pelo sucedido, que fique bem claro.

Junto envio duas fotos. Uma minha,  com a magnânima MG, algures no Morés, e outro dum colega gravemente ferido com uma roquetada que rebentou por cima dele numa árvore. Ficou com as pernas e as costas totalmente crivadas de estilhaços. Perdeu muito sangue ao ponto de eu não poder meter o soro no braço devido à falta de pressão nas  veias. Tive que fazer uma coisa que antes nunca tinha feito,  foi às escuras que o fiz,  meter  o soro numa veia das costas da mão, mas graças a Deus correu bem.

Horas amargas, mais amargas do que o fel.  O que será feito deste  bravo? Será vivo? Continua a sofrer? Não teria sido melhor eu tê-lo deixado morrer? Passados estes anos todos,  ainda penso muito nele. Gostava de o ver, mas não me lembro do seu nome.

Depois da resfrega e feitas as evacuações, e com  tudo a postos,  retomámos a viagem para Teixeira Pinto com uma paragem no Pelundo, onde estava a rapaziada toda à nossa espera pois já sabiam do sucedido. No meio da parada havia um fontanário com água a correr, dirigimos-nos para lá a fim de nos refrescar. Entretanto há uma voz que atrás de mim diz:

- Ó Fagundes,  o que é que tens na cabeça?

Era um colega de escola, furriel do exército. Passo a mão na cabeça e vem sangue  seco. Foi o tal zumbido que ouvi quando estava em cima da viatura e ver onde o IN estava emboscado. Mais um centímetro à direita e hoje o Hoss já não era lembrado.

Com tantos ferido ficámos sem medicamentos. Passados 2 ou 3 dias,  passa um avião T6 e apanho boleia para Bissau para ir buscar medicamentos. Quando aterramos  em Bissau,  diz o piloto:
- Gostaste da viagem?
- Claro que gostei ! - respondo eu com as pernas a tremer,  que mais pareciam bandeiras desfraldadas ao vento.

Vejam só,  o Hoss armado em cagarola e dias antes tinha andado aos tiros na guerra como se andasse a caçar coelhos numa coutado no Alentejo. É que o piloto daquela coisa voadora fez tudo para me enjoar,  mas não foi capaz.

Da pista sigo para a enfermaria para fazer a devida requisição dos medicamentos,  na passagem páro na secção fotográfica da Base Aérea para deixar os rolos de fotos que tínhamos tirado na emboscada. Pelo caminho reparo que,  quando o pessoal quando me via,  fugia. 

Chego à secção fotográfica e ao balcão estava um cabo que,  quando me viu,  fugiu, parecia que tinha visto um fantasma.  Do lado de dentro do balcão e à direita havia uma porta, espero um pouco,  aparece o sargento a espreitar. Eu pergunto:
-  Que é que se passa,  meu sargento? Já não me conhece, não sabe quem eu sou?

Então o bom do amigo,  muito excitado,  diz:
- Corre a voz que tu morreste.

Enigma resolvido. Imaginem. Dali sigo para a enfermaria,  quando entro fez-se silêncio. Ninguém disse nada, então eu quebrei o gelo e disse:
- Ainda não morri,  estou aqui bem vivo.

A tenente enfermeira Zulmira  e a sargento Maria do Céu,  emocionadas,  deram-me um forte abraço. Feita a encomenda,  sigo à procura do ex-Capitão Terras Marques  e ex-comandante da companhia. Fui encontrá-lo na messe dos oficiais. Quando me viu,  disse:
- Foram os meus homens que morreram.

Mais palavras para este homem? Creio que não são necessárias.

A Sargento Maria do Céu nunca mais a vi. A Tenente Zulmira encontrei-a há 23 anos,  no Dia da Unidade,  em S. Jacinto – Aveiro. Imaginem como foi o nosso reencontro.

Hoss


[ Fixação / revisão de texto: L.G.]
________

 

sábado, 24 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6239: Banco do Afecto contra a Solidão (8): Victor Tavares internado nos HUC, Coimbra, para uma delicada operação à coluna (Sílvio Abrantes / Paulo Santiago)

1.  Do nosso camarada Sílvio Fagundes de Abrantes (noutra, incarnação,o Hoss, Sold Enf Pára, CCP 121 / BCÇP 12, BA 12, Bissalanca, 1969/71), recebemos a seguinte mensagem (cujo teor também me foi confirmado pelo Paulo Santiago):


Data: 23 de Abril de 2010 20:29
Assunto: Vitor Tavares


Acabei de receber uma mensagem por telemóvel do nosso amigo Victor Tavares quer diz o seguinte:

Dei hoje entrada nos Hospitais da Universidade de Coimbra, serviço de neurocirurgia, para uma operação à coluna. Cama 32. Já estou a fazer os exames necessários. Se tudo correr bem vou ser operado na segunda-feira
dia 26.

Vamos todos torcer para que corra tudo bem ao nosso amigo Victor. Que Deus esteja contigo, amigo Victor neste momento tão difícil e que recuperes rapidamente.

Um abraço, Hoss

2. Comentário de L.G.:

Grande Victor: Fiquei triste por saber que estás a passar um mau bocado, nomeadamente na sequência dos teus problemas de coluna que muito provavelmente já vêm da Guiné...  Já pagaste a tua dívida à Pátria, é altura de, no Serviço Nacional de Saúde, nos Hospitais da Universidade de Coimbra, te tratarem à altura, como cidadão e  grande português que foste e continuas a ser. Ficamos todos a torcer por ti. Acreditamos nas tuas rápidas melhoras. 410 Alfas Bravos para ti (com muito jeitinho, que é para não dar cabo do resto da tua pobre coluna). Luís Graça & Camaradas da Guiné.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6195: Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/1971) (1): Quando a minha MG 42 ficou engatada no banco da viatura e sofremos uma tremenda emboscada a 3km do Pelundo

 1.  O Sílvio Faguntes Abrantes é, doravante, membro da nossa Tabanca Grande  (*). 

Nasceu a 23 de Janeiro de 1948, na freguesia de Aguada de Cima, concelho de Águeda. É, portanto, da terra do Paulo Santiago, ex-Alferes Miliciano, que comandou o Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/2). 

Além disso, foi colega de escola do Paulo. Do mesmo concelho é outro paraquedista, o nosso camarada Victor Tavares, embora de doutra freguesia, Recardães, e mais novo (1972/74). (Sei, pelo Paulo, que infelizmente não está em boas condições de saúde, não estando a acompanhar o nosso blogue: Força, Victor!, a má onda vai passar!).

O Hoss pertenceu à CCP 121 / BCP 12, comandada primeiro pelo então Cap Pára Terras Marques e depois pelo Cap Pára Mira Vaz. Ele próprio nos conta, era soldado, enfermeiro, mas "um colega trazia a bolsa e eu uma MG 42, nada mau,  dadas as circunstâncias". É também amigo do nosso camarada Tino (Contantino Neves).

Combinei com ele abrir uma série para as histórias que ele nos vai contar. Começamos hoje com a 1ª parte da emboscada que sofreu, em Junho de 1970, quando os páras se deslocavam, por estrada, de Bissau para Teixeira Pinto. O resultado foi trágico: 6 mortos e 9 feridos, entre graves e ligeiros.


Ontem escrevi ao filho Leonel: 

O pai já está formalmente apresentado à nossa Tabanca Grande. Queria agora saber se ele está disposto a escrever pelo menos uma meia dúzia de histórias... Já temos o relato da emboscada no Pelundo, que deve dar para dois ou três postes... Vou publicar a primeira parte... Mas gostava de abrir rma série para ele... Sugestões de título, por exemplo: Histórias do Hoss...  Ou: Recordações de um soldado paraquedista (Sílvio Abrantes, o Hoss)... Ou outro título sugerido pelo pai... Um Alfa Bravo do Luís Graça

O Sílvio respondeu-me, ele próprio, logo a seguir nestes termos:

Amigo Luís Graça, espero que continue de boa saúde. É pena estarmos longe porque convidava-o para ajudar a comer um leitão cá da Bairrada, assado por mim. O último foi no passado sábado, houve festa cá na terra, mas fica prometido que um dia nos havemos de encontrar a saborear uma sardinha amarela assada por mim.

Quanto aos e-mails, sobre a emboscada vou publicar no mínimo três. Quanto ao título deixo à vontade do meu amigo. Não vou perder mais tempo,  são 19h30, vou-me deitar que vou trabalhar da meia noite às oito do manhã.

Um abraço, Hoss.

Sei, através do Paulo, que o Sílvio (ou Hoss, como ele gosta de se chamar) trabalha numa fábrica de cerâmica, e por vezes no turno da noite. O Paulo aproveitou para me dizer que o pára que aparece na  fotografia que publiquei ontem, não é o Hoss, mas um camarada dele... Eu já tinha dado conta do lapso... Vou corrigir.

Respondi-lhe, ao Hoss,  hoje de manhã:

Sílvio: Obrigado pelo teu gesto de amizade, camaradagem e hospitalidade... Haveremos de estar juntos,  com o Paulo e o Victor que são "senadores" do blogue e já grandes amigos... Dia 26 de Junho vamo-nos encontrar em Monte Real, é o nosso V Encontro Nacional... Não queres aparecer ? 

Não te esqueças que na Tabanca Grande tratamo-nos todos por tu, como camaradas que somos, independentemente do que fomos na guerra ou somos hoje, na vida civil... Fica bem. Saúde e longa vida. Luís Graça 



Guiné > Algures > CCP 121 >  BCP 12 > 1970 (?) > Um camarada açoriano do Hoss, num momento de pausa na guerra e com sinais de grande sofrimento estampado no rosto. A seu lado, no chão, uma MG 42, a uma poderosa armas nas mãos dos páras...

Foto: © Sílvio Abrantes (2010). Todos os direitos reservado
s. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




2. Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) > 16 de Junho de 1970 > Ataque a uma coluna Bissau-Teixeira Pinto (1ª parte)



Seguia-mos de Bissau para Teixeira Pinto, de coluna, quando fomos atacados cerca de  3 km. do Pelundo,à saída duma curva. O resultado  cifrou-se em 6 mortos e  9 feridos,  alguns com gravidade.

Nos Paraquedistas,  no tempo do então Capitão,  hoje Coronel na reforma, o meu grande amigo   Terras  Marques [, foto à direita, cortesia do Portal do Exército Português,],  teve a ideia de aplicar às MG  um punho em madeira no fuste à medida do braçodo apontador.

Quando a emboscada rebentou e na confusão de saltar  da viatura,  a minha MG  ficou engatada com o  punho no banco. 

Saltar da viatura  sem a arma estava fora de questão, foi assim que me ensinaram os meus instrutores  em Tancos, ao contrário de um  oficial (que não vou dizer o nome porque seria uma vergonha ainda hoje passados tantos anos), que saltou da viatura e deixou a G3 lá dentro e  em pleno combate  pede ao soldado Folhas que lhe desse a dele,  ao que este rejeitou e com toda a razão. O que aconteceu a seguir é que não é digno de um homem. O vocabulário português é muito rico  e eu não encontro um adjectivo para classificar este oficial,que fez a vida negra ao Folhas durante o resto da comissão.

Eu fico em cima da viatura a ver onde o IN estava emboscado atrás dos baga-bagas e só acordei para a realidade quando ouço um zumbido a passar junto à minha cabeça. Salto da viatura e corro para  a zona de fogo,  fico de pé a meter a fita na arma que teimava em não dar fogo e foi o meu colega  Alberto quem me puxou para eu me abaixar e  me ajudou a meter a fita na arma, tal era a minha aflição.



Guiné >Zona Leste > Saltinho > Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72) > O soldado Mamadú Jau, "uma força da natureza" (segundo Paulo Santiago), apontador de metralhadora (empunhando aqui uma temível MG 42 - abreviatura do alemão Maschinengewehr 42 - que a HK 21 não conseguiu destronar, mesmo na guerra de África).

Foto: ©  Santiago (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


Eu fiquei cego deraiva. Fui eu que orientei o fogo para destruir os baga-bagas onde o IN estava instalado,  e que motivou a sua fuga, mas o mal aos  meus colegas estava feito. Não vou dizer que foi desta ou daquela maneira,  porque todos vós passaram decerto por situações iguais.As palavras por vezes dizem pouco. A  fotografia dum bravo açoriano que junto, fala por todos, diz tudo, não são necessárias mais palavras.

Fomos  atacados do lado esquerdo que era amplo,  só havia capim rasteiro e baga-bagas, do lado direito era mata com árvores. Nem todos correram para o lado esquerdo, devido à potência do fogo IN,  não o puderam fazer, ficando debaixo das árvores, então o IN atacou as árvores à roquetada,  oque provocou a maioria dos feridos pelos estilhaços.

Depois da resfrega e com os nervos a rebentar, outra tarefa  mais delicada, tinha de tratar dos feridos, o que exigia de mim e dos meus colegas enfermeiros um grande poder  de concentração e mais uma vez não podíamos falhar, tinhamos na mão a última réstia de esperança de vida daqueles bravos que tiveram a infeliz sorte de ficarem feridos.

Como um mal nunca vem só, não se conseguia ligação via rádio  com Bissau, Teixeira Pinto nem com o Pelundo a escassos 3 kms, mas eis que passa uma parelha da Fiats e o nosso operador de rádio manda um S.O.S. E de imediato os Fiats passam em voo rasante, entram em contacto com  Bissau,  passado pouco tempo estavam os helicópteros e as nossas queridas enfermeiras a fazer a devida evacuação. 

Por hoje fico por aqui, que relatar isto ainda dói muito.

(Continua)
        
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Nota de LG.:


segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6189: Tabanca Grande (214): Sílvio Fagundes de Abrantes, de alcunha o Hoss, CCP 121 / BCP 12, 1970


Guiné > Algures > CCP 121 > BCP 12 > 1970 (?) > Um camarada açoriano do Hoss, num momento de pausa na guerra e com sinais de grande sofrimento estampado no rosto. A seu lado, no chão, uma MG 42, uma poderosa arma nas mãos dos páras...


Foto: © Sílvio Abrantes (2010). Direitos reservados



1.

1. Já aqui falámos do nosso camarada Sílvio Fagundes de Abrantes, conhecido entre os páras e outros camaradas da Guiné como o Hoss. Ele já consta da lista dos membros da nossa Tabanca Grande, mas certamente por lapso nosso ainda não foi apresentado formalmente aos nossos leitores. Em 21/2/2010, ele apresentara-se nestes termos:

Sou o Sílvio Fagundes de Abrantes, o HOSS.


Caro amigo Luís Graça, junto seguem as duas fotos que o amigo me pediu, uma do tempo de tropa e outra actual.


Um abraço, Hoss

Mas já antes tínhamos publicado, dele, o poste P5668, em que veio em defesa do seu "amigo Oitenta" bem como o poste P5580 (*).

Na altura esvrevemos que a alcunha Hoss tenha sido atribuída ao Sílvio por analogia com a figura do Hoss Cartwrigh, da popular série televisiva norte-americana Bonanza...(Quem, da nossa geração, não era fã da família justiceira mas bonacheirona do Faroeste, o pai Ben, e os filhos Adam, Hoss e Little Joe ?... Comecei a vê-los desde 1959, se não me engano, na RTP)...

O camarada Sílvio já leu, compreendeu e aceitou as nossas regras de bom senso e bom gosto (por exemplo, não usamos o termo "preto", pela sua conotação racista...) e manifesta o seu desejo de fazer parte desta já grande e fraternal comunidade de amigos e camaradas da Guiné.

Ele também já sabe que na nossa Tabanca Grande não cultivamos ódio nem raiva por ninguém, incluindo os antigos militares da PM e os homens (e mulheres) que nos combatíam (os guerrilheiros do PAIGC)...

No nosso blogue, simplesmente contamos histórias, partilhamos memórias e até afectos. De imediato o Sílvio, que é natural de Águeda, se mostrou com disposição de nos contar histórias do seu tempo de militar da CCP 121 / BCP 12. Explicita ou implicitamente, o seu padrinho é Paulo Santiago, seu amigo e vizinho, foi a ele que pedimos que apadrinhasse a entrada do Hoss no nosso blogue. O Sílvio é, pois, bem vindo. Já cumpriu as nossas regras formais e, além disso, já nos contou algumas histórias. Aqui vai a primeira, que achei deliciosa, e que passou despercebida, no meio dos comentários a um poste P5568(*).

O Sílvio tanmbém já nos explicou que "era soldado enfermeiro, nunca fui promovido a cabo porque num dia fui duas vezes à missa e tramei-me. Eu era apontador de MG e um colega meu trazia a bolsa de enfermagem"... Da próxima vez, vamos publicar o relato da tremenda emboscada que ele apanhou em 16 de Junho de 1970, na estrada Bissau-Teixeira Pinto, a 3 km do Pelundo. LG


2. O MUNDO É PEQUENO
por Sílvio Abrantes (Hoss)

Na minha terra realiza-se uma festa que é das maiores do distrito da Aveiro. Andava eu na festa e a certa altura com um grupo da amigos fomos beber a uma tasca. Quando lá chegámos estava um negro a ameaçar tudo e todos. A minha caixa dá meia volta e digo ao negro:
- Aqui não fazes barulho, se quiseres fazer barulho vai para a tua terra, aqui nem penses, por este dedo já passaram muitos cães e nunca ninguém foi preso por matar um cão. Desaparece e já.
O pobre não teve outro remédio. Diga-se que era um homem de 1,90 m de altura e com o corpo a condizer. Na quarta-feira a seguir volto à festa e o nosso homem viu-me e veio ter comigo. Diz ele num perfeito português:
- No domingo estavas bravo.

Metemos conversa e eu pergunto de onde era:
- Da Guiné diz ele.

Eu disse-lhe que estive lá como militar.
- E como vieste aqui parar?

Diz ele:
- Eu era turra, como vocês dizem e entrei numa conspiração para matar o Nino Vieira, só que falhou e tive de fugir e vim para Portugal.

Levanta as calças de uma das pernas e diz:
- Vês esta perna esfacelada, foi o filho da p… do Hoss que me fez esta serviço.

Eu pergunto:
- Conheces o Hoss? - e ele diz que sim.

Então pego nele e levo-a para minha casa, onde lhe mostro o meu algum de fotos da Guiné e ele reconhece o Hoss nas fotos. Eu pergunto:
- Onde é que está o Hoss? - E ele continuava a apontar para as fotos, não chegava onde eu queria, então viro a primeira página do álbum onde há uma foto minha de meio corpo, pergunto:
- É este?
- Tu és o Hoss? - Eu digo que sim. Imaginem como o meu amigo Henrique ficou. Esteve uns minutos em silêncio e depois diz:
- Leva-me a casa.

Nunca mais disse nada. Deixei-o em casa. Passados uns meses, veio ter comigo para eu ir a uma festa a casa dele onde estava gente grande da Guiné que está a viver em Lisboa. Lá fui. Quando chegámos à porta de entrada da sala, ele apresentou-me, fez-se um silêncio sepulcral. Aquele gente ficou atónita em ver ao vivo o Hoss. E assim fiquei amigo do ex-turra, Henrique

Como o mundo é pequeno.
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)

terça-feira, 30 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6067: As tropas Pára-quedistas preparavam-se para a guerra como para uma cerimónia em Parada (José da Câmara/Hoss)

1. O nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), no texto que deu origem ao poste de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6018: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (15): Um erro de periquitos e o piar dos nossos camaradas, dizia a certa altura:

Os pára-quedistas, com as suas G3 de coronha rebatível, impressionavam pela forma como fardavam e pela disciplina, ao ponto de, ainda hoje, estar sem saber se eles se preparavam para a guerra ou para uma cerimónia em parada.



2. O nosso camarada Sílvio Abrantes (Hoss), ex-Soldado Pára-quedistado BCP 12, Guiné, 1970/1971, reagia assim num comentário feito no referido poste:

Se me permitem vou fazer uma pequena correcção ao que escreveu o Ex-Furriel José Câmara da companhia de CCAÇ 3327.

No seu comentário o Srº José Câmara diz que nos Pára-quedistas não havia açorianos. Como Pára-quedista que fui posso dizer que havia açorianos, não eram muitos, mas havia.

Mais à frente no mesmo texto o Srº José Câmara escreve "OS PÁRA-QUEDISTAS COM AS SUAS G3 DE CORONHA RABATIVEL IMPRESSIONAVAM PELA FORMA COMO FARDAVAM E PELA DISCIPLINA AO PONTO DE AINDA HOJE ESTAR SEM SABER SE ELES SE PREPARAVAM PARA A GUERRA OU PARA UMA CERIMONIA EM PARADA"

É verdade Srº José Câmara e isso deve-se à disciplina rígida, dura que nós tinha-mos. Não era exibicionismo. Posso dizer-lhe que tenho lido muito sobre a guerra ultramarina de diversos autores e alguns dizem que a certa altura as nossas tropas estavam desmoralizadas e não obedeciam aos seus superiores, os únicos que obedeciam eram os Pára-quedistas. Aqui já pode ver como nós obedecíamos aos nossos superiores, isso deve-se à disciplina e à forma como fomos treinados. Quando andávamos na instrução, que não era nada fácil, em especial o curso de pára-quedismo e nos queixávamos aos nossos instrutores, a resposta era INSTRUÇÃO DURA, COMBATE FÁCIL. Era este o lema e a isso se deve o nosso êxito nos confrontos com o IN.

Nós não éramos melhores do que A ou B éramos assim, foi para ser assim que nos treinaram. Ainda hoje os Pára-quedistas são uma grande família e aproveito para convidar o Srº José Câmara para ir no dia 23 de Maio a Tancos ao Ex-Regimento de Caçadores Pára-quedistas e ver as centenas de ex-páras que lá se juntam para confraternizar e matar saudades de outros tempos. Pode almoçar na messe que não paga nada ou pode optar por se juntar a qualquer grupo de Pára-quedistas e almoçar com eles que será bem vindo.

Não sei se lá vou no dia 23 de Maio, tudo depende do meu trabalho se estiver disponível vou e aproveitava conhecer o Srº José Câmara pessoalmente.

Um abraço,
HOSS01010101



3. No dia 26 de Março, José da Câmara em comentário no mesmo poste reagia assim:

Camaradas,
Agradeço-vos os comentários. A minha memória é como uma manta de retalhos. O Esteves lá vai conseguindo "cozer" umas coisinhas. Afinal era a especialidade dele.
O Amigo Vinhal, sempre atento, conseguiu mais uma terraplanagem, onde todos podemos saltar em paz e harmonia.

HOSS,
Li, com agrado, o cometário que escreveu ao meu último Post. A forma como fala da sua dama, só confirma aquilo que há muito tempo eu sabia: o espírito de corpo entre os pára-quedistas, sem ser melhor ou pior que o de outras forças, era e é diferente e perdura para além do tempo normal de serviço.
Honra vos seja feita, e a todas aquelas forças que conseguem ser diferentes pela positiva.

Ontem, 19 de Março, e ainda antes de ler o seu comentário, em conversa com o Jorge Sousa, ex-fuzileiro do Destacamento 13, ele disse-me que a Companhia de Pára-quedistas que estava em Teixeira Pinto, e que o meu texto refere, tinha açorianos. Entretanto esqueceu os seus nomes.

No meu texto estava apenas a referir-me àquela Companhia. O Jorge disse-me que os Pára-quedistas quando entravam em serviço, esqueciam-se de tudo à sua volta, para se concentrarem na sua missão. Por estas palavras compreendi porque é que não descobrimos açorianos naquela Companhia. Aquela Companhia chegava junto do nosso acampamento, e de imediato entrava na mata. Nunca parava para conversarem connosco. Daí o meu lapso.

O Capitão Cordeiro, irmão do nosso camarada Carlos Cordeiro, foi certamente um dos açorianos que terá ido mais longe na hierarquia dos Pára-quedistas. Ele, ao honrar a Arma que abraçou, também honrou a região que o viu nascer. Certamente houve outros açorianos que, igualmente, se distinguiram ao serviço daquela arma e da Pátria.
E já agora confirma que era a 122 que estava em Teixeira Pinto (Abril, Maio, Junho, Julho de 1971)?

O Hoss pertenceu a essa companhia?

Senti no seu comentário um pouco de mágoa pela forma como eu observei os Pára-quedistas na Mata dos Madeiros. Se o magoei peço-lhe desculpa. A minha intenção foi boa.

Eu reconheço que podia ter ido um pouco mais longe, e ter sido mais incisivo.
Farda completa, boina verde, lenço no pescoço, botas a luzir... os Pára-quedistas eram um espectáculo no meio daquela miséria toda, que era a Mata dos Madeiros. Daí a minha observação (que teria sido melhor assim): os Pára-quedistas íam para a guerra com o mesmo cuidado e disciplina com que se preparavam para uma cerimónia em parada.

Mas a melhor homenagem que eu poderia ter feito aos Pára-quedistas, e a todas as forças que se afirmavam pelo mesmo diapasão, é aquele parágrafo onde afirmo, e que passou a ser o lema de toda a minha actividade na Guiné, o seguinte:

"...a sobrevivência, seria tanto maior quanto maior fosse o grau de disciplina baseada no respeito, na lealdade, na camaradagem e na amizade entre todos nós. O reconhecimento colectivo dos poderes de cada um desses predicados não era mais que o perfeito reconhecimento consciente entre comandos e comandados."

Quanto ao seu convite, para estar presente em Tancos, pode ter a certeza que o aceitaria com muito gosto, não fora o facto de viver nos Estados Unidos da América desde 1973. Por esse mesmo facto também lhe peço que compreenda que, aqui e ali, falho no que escrevo. Quero-lhe assegurar que os meus erros acontecem porque não sei fazer melhor, nunca por maldade ou por desrespeito para com os camaradas ou para as forças que combateram na Guiné, quiçá nas ex-províncias ultramarinas.
No entanto fica marcado o encontro para um dia, se Deus quizer. Terei imenso prazer em dar-lhe um abraço.

Muitos anos depois da guerra terminar, fui encontrando os meus camaradas de Secção. Todos eles me trataram por Sr. ou por Furriel. Pedi-lhes que me tratassem pelo meu nome: José!

Hoje peço ao Hoss que faça o mesmo, e me trate por José. Eu acredito que o respeito passa pela forma como sentimos os outros.

O Hoss, com o seu comentário, conquistou um admirador e o meu respeito.
Como dizíamos nos Açores: haja saúde (para si e para os seus entes queridos).

Um abraço amigo,
José Câmara


4. No dia 26 de Março, José da Câmara dava-nos a conhecer uma mensagem que tinha recebido do camarada Hoss, que com a sua autorização tornamos pública.

Caro amigo José Câmara:
As suas palavras são para mim de grande apreço, fico desde já muito obrigado. Vamos voltar aos tempos áureos da nossa juventude que nos foi arrebatada por aquela maldita guerra, que por culpa de alguém nós tivemos de enfrentar e que ainda hoje faz sofrer muitos dos nossos camaradas.

Nos Pára-quedistas havia uma disciplina muito rígida, dura mesmo. Os nossos quartéis eram verdadeiros jardins. Fomos treinados duramente e sempre nos incutiram o espírito de camaradagem que ainda hoje, passados tantos anos predura.
Quando por vezes nos queixávamos aos nossos chefes da instrução tão dura a resposta era (instrução dura combate fácil), mais tarde verificámos que tinham razão.

Em 2006 comemorou-se o cinquentenário das tropas Pára-quedistas.

Juntaram-se centenas de ex-páras. Veio dos U.S.A., de Jersey, um grupo de ex-páras exclusivamente para assistir aos 50 anos, onde encontrei o meu grande amigo António Ribeiro, residente em Jersey. Desculpe se eu escrevo mal a palavra Jersey.

Nas cerimónias estava presente o Comandante Chefe das Forças Armadas General, do qual não me lembro o nome e diz para o Brigadeiro Pára Taliscas:

- É impressionante como se juntou tanto Pára-quedista. Diz o Taliscas: - Não se esqueça meu General, que no 11 de Março os Pára-quedistas foram mobilizados em 24 horas para fazer o golpe. Eu dou três semanas de instrução a esta gente e à quarta estão no ar, quer dizer a saltar.

Isto retrata a obediência que nós temos ainda hoje aos nossos chefes.

Tínhamos um lema que dizia (ninguém fica para trás). Ficaram três colegas sepultados no mato em Binta na Guiné, que devido ao forte ataque não foi possível evacuar, mas já se encontram sepultados nas suas terras desde o ano passado, devido à grande pressão feita por um colega que foi à Guiné fazer uma reportagem com a cadeia de televisão SIC e pagou as despesas de bolso dele.

Segundo informações que tenho, não há um Pára-quedista sepultado no ultramar. O meu amigo pode pensar que é balela, mas não é, é a realidade. Quando nós formávamos fosse para que fosse, as nossas botas eram sempre engraxadas, camuflado lavado e barba desfeita. Ainda hoje a primeira coisa que faço quando me levanto é desfazer a barba, está gravado a fogo no meu cérebro.

No quartel e junto aos nossos chefes éramos disciplinados, mas quando nos apanhávamos livres era um pandemónio. A PM em Bissau sofreu muito connosco, em especial comigo e com o meu amigo Jaime o "80", fazíamos-lhes as maiores patifarias.

Quanto aos açorianos tenho grandes amigos por lá, só que é difícil encontrarmo-nos.

Gostaria de estar com o meu amigo no dia 23 em Tancos, mas como posso constatar não é possível. Também ainda não sei se posso ir.

Não vou fazer perder mais tempo, espero que esteja de boa saúde, assim como os seus mais queridos.

Um abraço,
Hoss


5. Comentário de CV

Aqui fica registada uma troca de impressões entre dois camaradas. Muitos dos tertulianos poderão achar não muito interessantes, mas mostram que com cordialidade se desfazem alguns malentendidos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5754: (Ex) citações (52): Falando de descolonização com Filomena Sampaio (José Brás)