1. O nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), no texto que deu origem ao poste de 18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6018: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (15): Um erro de periquitos e o piar dos nossos camaradas, dizia a certa altura:
Os pára-quedistas, com as suas G3 de coronha rebatível, impressionavam pela forma como fardavam e pela disciplina, ao ponto de, ainda hoje, estar sem saber se eles se preparavam para a guerra ou para uma cerimónia em parada.
2. O nosso camarada Sílvio Abrantes (Hoss), ex-Soldado Pára-quedistado BCP 12, Guiné, 1970/1971, reagia assim num comentário feito no referido poste:
Se me permitem vou fazer uma pequena correcção ao que escreveu o Ex-Furriel José Câmara da companhia de CCAÇ 3327.
No seu comentário o Srº José Câmara diz que nos Pára-quedistas não havia açorianos. Como Pára-quedista que fui posso dizer que havia açorianos, não eram muitos, mas havia.
Mais à frente no mesmo texto o Srº José Câmara escreve "OS PÁRA-QUEDISTAS COM AS SUAS G3 DE CORONHA RABATIVEL IMPRESSIONAVAM PELA FORMA COMO FARDAVAM E PELA DISCIPLINA AO PONTO DE AINDA HOJE ESTAR SEM SABER SE ELES SE PREPARAVAM PARA A GUERRA OU PARA UMA CERIMONIA EM PARADA"
É verdade Srº José Câmara e isso deve-se à disciplina rígida, dura que nós tinha-mos. Não era exibicionismo. Posso dizer-lhe que tenho lido muito sobre a guerra ultramarina de diversos autores e alguns dizem que a certa altura as nossas tropas estavam desmoralizadas e não obedeciam aos seus superiores, os únicos que obedeciam eram os Pára-quedistas. Aqui já pode ver como nós obedecíamos aos nossos superiores, isso deve-se à disciplina e à forma como fomos treinados. Quando andávamos na instrução, que não era nada fácil, em especial o curso de pára-quedismo e nos queixávamos aos nossos instrutores, a resposta era INSTRUÇÃO DURA, COMBATE FÁCIL. Era este o lema e a isso se deve o nosso êxito nos confrontos com o IN.
Nós não éramos melhores do que A ou B éramos assim, foi para ser assim que nos treinaram. Ainda hoje os Pára-quedistas são uma grande família e aproveito para convidar o Srº José Câmara para ir no dia 23 de Maio a Tancos ao Ex-Regimento de Caçadores Pára-quedistas e ver as centenas de ex-páras que lá se juntam para confraternizar e matar saudades de outros tempos. Pode almoçar na messe que não paga nada ou pode optar por se juntar a qualquer grupo de Pára-quedistas e almoçar com eles que será bem vindo.
Não sei se lá vou no dia 23 de Maio, tudo depende do meu trabalho se estiver disponível vou e aproveitava conhecer o Srº José Câmara pessoalmente.
Um abraço,
HOSS01010101
3. No dia 26 de Março, José da Câmara em comentário no mesmo poste reagia assim:
Camaradas,
Agradeço-vos os comentários. A minha memória é como uma manta de retalhos. O Esteves lá vai conseguindo "cozer" umas coisinhas. Afinal era a especialidade dele.
O Amigo Vinhal, sempre atento, conseguiu mais uma terraplanagem, onde todos podemos saltar em paz e harmonia.
HOSS,
Li, com agrado, o cometário que escreveu ao meu último Post. A forma como fala da sua dama, só confirma aquilo que há muito tempo eu sabia: o espírito de corpo entre os pára-quedistas, sem ser melhor ou pior que o de outras forças, era e é diferente e perdura para além do tempo normal de serviço.
Honra vos seja feita, e a todas aquelas forças que conseguem ser diferentes pela positiva.
Ontem, 19 de Março, e ainda antes de ler o seu comentário, em conversa com o Jorge Sousa, ex-fuzileiro do Destacamento 13, ele disse-me que a Companhia de Pára-quedistas que estava em Teixeira Pinto, e que o meu texto refere, tinha açorianos. Entretanto esqueceu os seus nomes.
No meu texto estava apenas a referir-me àquela Companhia. O Jorge disse-me que os Pára-quedistas quando entravam em serviço, esqueciam-se de tudo à sua volta, para se concentrarem na sua missão. Por estas palavras compreendi porque é que não descobrimos açorianos naquela Companhia. Aquela Companhia chegava junto do nosso acampamento, e de imediato entrava na mata. Nunca parava para conversarem connosco. Daí o meu lapso.
O Capitão Cordeiro, irmão do nosso camarada Carlos Cordeiro, foi certamente um dos açorianos que terá ido mais longe na hierarquia dos Pára-quedistas. Ele, ao honrar a Arma que abraçou, também honrou a região que o viu nascer. Certamente houve outros açorianos que, igualmente, se distinguiram ao serviço daquela arma e da Pátria.
E já agora confirma que era a 122 que estava em Teixeira Pinto (Abril, Maio, Junho, Julho de 1971)?
O Hoss pertenceu a essa companhia?
Senti no seu comentário um pouco de mágoa pela forma como eu observei os Pára-quedistas na Mata dos Madeiros. Se o magoei peço-lhe desculpa. A minha intenção foi boa.
Eu reconheço que podia ter ido um pouco mais longe, e ter sido mais incisivo.
Farda completa, boina verde, lenço no pescoço, botas a luzir... os Pára-quedistas eram um espectáculo no meio daquela miséria toda, que era a Mata dos Madeiros. Daí a minha observação (que teria sido melhor assim):
os Pára-quedistas íam para a guerra com o mesmo cuidado e disciplina com que se preparavam para uma cerimónia em parada.
Mas a melhor homenagem que eu poderia ter feito aos Pára-quedistas, e a todas as forças que se afirmavam pelo mesmo diapasão, é aquele parágrafo onde afirmo, e que passou a ser o lema de toda a minha actividade na Guiné, o seguinte:
"...a sobrevivência, seria tanto maior quanto maior fosse o grau de disciplina baseada no respeito, na lealdade, na camaradagem e na amizade entre todos nós. O reconhecimento colectivo dos poderes de cada um desses predicados não era mais que o perfeito reconhecimento consciente entre comandos e comandados."
Quanto ao seu convite, para estar presente em Tancos, pode ter a certeza que o aceitaria com muito gosto, não fora o facto de viver nos Estados Unidos da América desde 1973. Por esse mesmo facto também lhe peço que compreenda que, aqui e ali, falho no que escrevo. Quero-lhe assegurar que os meus erros acontecem porque não sei fazer melhor, nunca por maldade ou por desrespeito para com os camaradas ou para as forças que combateram na Guiné, quiçá nas ex-províncias ultramarinas.
No entanto fica marcado o encontro para um dia, se Deus quizer. Terei imenso prazer em dar-lhe um abraço.
Muitos anos depois da guerra terminar, fui encontrando os meus camaradas de Secção. Todos eles me trataram por Sr. ou por Furriel. Pedi-lhes que me tratassem pelo meu nome: José!
Hoje peço ao Hoss que faça o mesmo, e me trate por José. Eu acredito que o respeito passa pela forma como sentimos os outros.
O Hoss, com o seu comentário, conquistou um admirador e o meu respeito.
Como dizíamos nos Açores: haja saúde (para si e para os seus entes queridos).
Um abraço amigo,
José Câmara
4. No dia 26 de Março, José da Câmara dava-nos a conhecer uma mensagem que tinha recebido do camarada Hoss, que com a sua autorização tornamos pública.
Caro amigo José Câmara:
As suas palavras são para mim de grande apreço, fico desde já muito obrigado. Vamos voltar aos tempos áureos da nossa juventude que nos foi arrebatada por aquela maldita guerra, que por culpa de alguém nós tivemos de enfrentar e que ainda hoje faz sofrer muitos dos nossos camaradas.
Nos Pára-quedistas havia uma disciplina muito rígida, dura mesmo. Os nossos quartéis eram verdadeiros jardins. Fomos treinados duramente e sempre nos incutiram o espírito de camaradagem que ainda hoje, passados tantos anos predura.
Quando por vezes nos queixávamos aos nossos chefes da instrução tão dura a resposta era (instrução dura combate fácil), mais tarde verificámos que tinham razão.
Em 2006 comemorou-se o cinquentenário das tropas Pára-quedistas.
Juntaram-se centenas de ex-páras. Veio dos U.S.A., de Jersey, um grupo de ex-páras exclusivamente para assistir aos 50 anos, onde encontrei o meu grande amigo António Ribeiro, residente em Jersey. Desculpe se eu escrevo mal a palavra Jersey.
Nas cerimónias estava presente o Comandante Chefe das Forças Armadas General, do qual não me lembro o nome e diz para o Brigadeiro Pára Taliscas:
- É impressionante como se juntou tanto Pára-quedista. Diz o Taliscas: - Não se esqueça meu General, que no 11 de Março os Pára-quedistas foram mobilizados em 24 horas para fazer o golpe. Eu dou três semanas de instrução a esta gente e à quarta estão no ar, quer dizer a saltar.
Isto retrata a obediência que nós temos ainda hoje aos nossos chefes.
Tínhamos um lema que dizia (ninguém fica para trás). Ficaram três colegas sepultados no mato em Binta na Guiné, que devido ao forte ataque não foi possível evacuar, mas já se encontram sepultados nas suas terras desde o ano passado, devido à grande pressão feita por um colega que foi à Guiné fazer uma reportagem com a cadeia de televisão SIC e pagou as despesas de bolso dele.
Segundo informações que tenho, não há um Pára-quedista sepultado no ultramar. O meu amigo pode pensar que é balela, mas não é, é a realidade. Quando nós formávamos fosse para que fosse, as nossas botas eram sempre engraxadas, camuflado lavado e barba desfeita. Ainda hoje a primeira coisa que faço quando me levanto é desfazer a barba, está gravado a fogo no meu cérebro.
No quartel e junto aos nossos chefes éramos disciplinados, mas quando nos apanhávamos livres era um pandemónio. A PM em Bissau sofreu muito connosco, em especial comigo e com o meu amigo Jaime o "80", fazíamos-lhes as maiores patifarias.
Quanto aos açorianos tenho grandes amigos por lá, só que é difícil encontrarmo-nos.
Gostaria de estar com o meu amigo no dia 23 em Tancos, mas como posso constatar não é possível. Também ainda não sei se posso ir.
Não vou fazer perder mais tempo, espero que esteja de boa saúde, assim como os seus mais queridos.
Um abraço,
Hoss
5. Comentário de CV
Aqui fica registada uma troca de impressões entre dois camaradas. Muitos dos tertulianos poderão achar não muito interessantes, mas mostram que com cordialidade se desfazem alguns malentendidos.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 3 de Fevereiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5754: (Ex) citações (52): Falando de descolonização com Filomena Sampaio (José Brás)