Guiné > Região do Oio > s/d > CCP 121 / BCP 12 (1969/71) > Algures no Morés > O Hoss com a MG 42
Guiné > s/l > s/d > CCP 121 / BCP 12(1969/71) > Um soldado paraquedista "gravemente ferido com uma roquetada que rebentou por cima dele numa árvore", e que foi assistido pelo Sold Enf Pára Sílvio Abrantes, mais conhecido pelo seu nome de guerra, Hoss.
Fotos (e legendas): © Sílvio Abrantes (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da publicação das memórias do Sílvio Faguntes Abrantes, membro da nossa Tabanca Grande, conhecido na Guiné como o Hoss. Pertenceu à CCP 121 / BCP 12, comandada primeiro pelo então Cap Pára Terras Marques e depois pelo Cap Pára Mira Vaz. Foi soldado e enfermeiro, frazendo questão de andar com a MG 42.
2. Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) > 16 de Junho de 1970 > Ataque a uma coluna Bissau-Teixeira Pinto (2ª parte)
Resumo da I Parte:
Seguíamos de Bissau para Teixeira Pinto, de coluna, quando fomos atacados cerca de 3 km. do Pelundo,à saída duma curva. O resultado cifrou-se em 6 mortos e 9 feridos, alguns com gravidade. (...)
As companhias [de caçadores paraquedistas] 121 e 122, quando comandadas pelo meu amigo ex-Capitão Terras Marques, hoje Coronel na reforma, sempre foram companhias bem armadas, desde os RPG às MG havia de tudo, eram companhias fortemente armadas.
A talho de foice, em poucas palavras , um dia chegamos a Bolama, comandados pelo Terras Marques, fomos recebidos pelo comandante chefe, um Sr. Coronel que ficou pasmado com o armamento que nós trazíamos ao ponto de pedir para que fosse disparado um tiro de RPG7 em frente à porta de armas onde estávamos formados.
Depois de avisado do que aconteceria a seguir, o nosso homem não se importou, quis foi ver o róquete disparado. Imaginem o que aconteceu a seguir.
Acabada a comissão do ex-Capitão Terras Marques , veio outro comandante de companhia, que no discurso de apresentação a certa altura diz:
- Na Guiné não há guerra.
Ainda hoje essas palavras bailam no meu cérebro e de muitos dos meus colegas. Não tardou muito que fossem retiradas à companhia armas pesadas, pois não havia guerra. Mas há uma coisa, eu quero que fique bem explícito, nós não culpamos o comandante de companhia pelo sucedido, que fique bem claro.
Junto envio duas fotos. Uma minha, com a magnânima MG, algures no Morés, e outro dum colega gravemente ferido com uma roquetada que rebentou por cima dele numa árvore. Ficou com as pernas e as costas totalmente crivadas de estilhaços. Perdeu muito sangue ao ponto de eu não poder meter o soro no braço devido à falta de pressão nas veias. Tive que fazer uma coisa que antes nunca tinha feito, foi às escuras que o fiz, meter o soro numa veia das costas da mão, mas graças a Deus correu bem.
Horas amargas, mais amargas do que o fel. O que será feito deste bravo? Será vivo? Continua a sofrer? Não teria sido melhor eu tê-lo deixado morrer? Passados estes anos todos, ainda penso muito nele. Gostava de o ver, mas não me lembro do seu nome.
- Ó Fagundes, o que é que tens na cabeça?
Era um colega de escola, furriel do exército. Passo a mão na cabeça e vem sangue seco. Foi o tal zumbido que ouvi quando estava em cima da viatura e ver onde o IN estava emboscado. Mais um centímetro à direita e hoje o Hoss já não era lembrado.
Com tantos ferido ficámos sem medicamentos. Passados 2 ou 3 dias, passa um avião T6 e apanho boleia para Bissau para ir buscar medicamentos. Quando aterramos em Bissau, diz o piloto:
- Gostaste da viagem?
- Claro que gostei ! - respondo eu com as pernas a tremer, que mais pareciam bandeiras desfraldadas ao vento.
Vejam só, o Hoss armado em cagarola e dias antes tinha andado aos tiros na guerra como se andasse a caçar coelhos numa coutado no Alentejo. É que o piloto daquela coisa voadora fez tudo para me enjoar, mas não foi capaz.
Da pista sigo para a enfermaria para fazer a devida requisição dos medicamentos, na passagem páro na secção fotográfica da Base Aérea para deixar os rolos de fotos que tínhamos tirado na emboscada. Pelo caminho reparo que, quando o pessoal quando me via, fugia.
Chego à secção fotográfica e ao balcão estava um cabo que, quando me viu, fugiu, parecia que tinha visto um fantasma. Do lado de dentro do balcão e à direita havia uma porta, espero um pouco, aparece o sargento a espreitar. Eu pergunto:
- Que é que se passa, meu sargento? Já não me conhece, não sabe quem eu sou?
Então o bom do amigo, muito excitado, diz:
- Corre a voz que tu morreste.
Enigma resolvido. Imaginem. Dali sigo para a enfermaria, quando entro fez-se silêncio. Ninguém disse nada, então eu quebrei o gelo e disse:
- Ainda não morri, estou aqui bem vivo.
A tenente enfermeira Zulmira e a sargento Maria do Céu, emocionadas, deram-me um forte abraço. Feita a encomenda, sigo à procura do ex-Capitão Terras Marques e ex-comandante da companhia. Fui encontrá-lo na messe dos oficiais. Quando me viu, disse:
- Foram os meus homens que morreram.
Mais palavras para este homem? Creio que não são necessárias.
A Sargento Maria do Céu nunca mais a vi. A Tenente Zulmira encontrei-a há 23 anos, no Dia da Unidade, em S. Jacinto – Aveiro. Imaginem como foi o nosso reencontro.
Hoss
[ Fixação / revisão de texto: L.G.]
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Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6195: Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/1971) (1): Quando a minha MG 42 ficou engatada no banco da viatura e sofremos uma tremenda emboscada a 3km do Pelundo
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