sexta-feira, 14 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6389: Bombolom XVI (Paulo Salgado): Morreu o Gomes - O anti-herói

Bissau > 31 de Agosto de 2004

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado* (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 8 de Maio de 2010:

Meus Caros Editores e camaradas e tertulianos
Se achardes bem, postai esta singela homenagem.

Saudações
Paulo salgado


Bombolom II (1)

Morreu o Gomes – o Anti-Herói


Soube há dias que o antigo soldado do meu grupo de combate, o Gomes, faleceu em Lisboa.

Vítima de doença cardíaca, partiu para algum além que nós, humanos, não sabemos onde é – os crentes (ainda que mais ou menos crentes) acreditam que há um além, um ser superior, como dizem os narcóticos anónimos – deixou-nos e eu quero deixar uma homenagem pública (neste nosso espaço que é público) a um anit-herói.

Depois do regresso, apenas o vi num almoço de confraternização da minha Companhia – a CCAV 2721, que todos os anos se reencontra. Andava com uma vontade enorme de o rever, como de rever o Novais, o Correia e tantos outros que me acompanharam pelas matas e bolanhas vizinhas do Morés (repito: vizinhas, para que fique bem claro, pois das pouquíssimas vezes que ousámos penetrar foi um arraial de pancadaria com consequências gravíssimas que me escuso de contar – já disse ao nosso primeiro Editor, Luís Graça que me recuso a mostrar a história da Companhia, a não ser por razões de feitura de trabalho investigatório…).

O Gomes era um senhor na vida civil. Ao sábado, mecânico de camiões, com bom salário, comia o seu bife a cavalo no Galeto, na Av. da República, Lisboa… como ele se divertia falando dos bifalhões, quando comíamos as sardinhas com feijão enlatado…lá no Olossato.

Estava na guerra absolutamente consciente de que os meses tinham que passar, estava na guerra porque não fugira para os bidonville algures em Paris; estava na guerra com um desprezo total do que se passava à sua volta; estava na guerra com uma postura de apenas fazer o mínimo. Um dia, queixou-se de que estava doente: teria paludismo e, portanto, não poderia fazer o patrulhamento. Claro que ficou na caserna. No final da actividade, fui à caserna saber da sua saúde. Lá estava, preparando uns passarinhos para ele e para a sua equipa Sentença do alferes: dois reforços de sentinela às 2 horas da madrugada – o castigo!

Vim a saber depois: ele conseguira levantar-se e preparar algo para os companheiros. Fui injusto.

O Gomes, pela sua postura, ensinou-me muito. Era preciso ter calma, era preciso ver as coisas profundamente. E sempre achei que ele sabia muito mais da vida do que eu. Nunca me esqueci da sua presença serena, meio malandra e meio sarcástica, também.

Pois é. Revi os três (o Novais, com quem tive uma maca que nunca nos esqueceu, a ambos; o Correia e o Gomes) passados 37 anos após o nosso regresso. Como habitualmente, levei uma prenda das muitas que trouxe comigo para ofertar, e que trouxe aquando das minhas viagens à Guiné-Bissau. Fez-se o sorteio… e, quer o destino destas coisas: a estatueta saiu ao Gomes…

Gomes: lá onde estiveres, fazes parte da minha história pessoal, não apenas pela por força da passagem pela guerra, como alguém que era um anti-herói, mas pela forma como abordavas a maneira de viver. Ou serias herói?

Paulo Salgado
Ex-Alf Mil Op Esp
CCAV 2721
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6360: Convívios (150): Encontro do pessoal da CCAV 2721, dia 28 de Maio de 2010 em Almeirim (Paulo Salgado)

2 comentários:

Unknown disse...

Amigo Paulo.
Temos de aceitar as coisas que a vida nos dá, embora nos parece que tudo está errado.
A minha homenagem ao teu, nosso camarada.

Hélder Valério disse...

Caro amigo Paulo Salgado

É uma bela homenagem, esta, que quiseste fazer ao teu amigo e nosso camarada.
Como diria alguém, 'é a vida!', mas enquanto conseguirmos lembrar os nossos amigos eles não morrerão verdadeiramente.
Um abraço
Hélder S.