domingo, 9 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6354: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (17): Uma ida ao Poindom

17.ª Estória de Mansambo, série do nosso camarada Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69).


ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 17

POINDOM (ou Poidão)


Seco, Mandinga, picador do Xime

Alf Mil Torcato Mendonça

Boa plantação


Tínhamos cerca de quatro horas de progressão. Saíramos do Xime noite cerrada, a chuva a cair fraca abafando os ruídos, arrefecendo ainda mais o pessoal da Companhia. Demos uma volta em direcção quase oposta ao nosso destino. Precaução certamente desnecessária pois, a essa hora, o IN já teria sido avisado.

Caminhávamos lentamente na noite escura como breu, agarrando a arma do camarada que nos precedia. Finalmente, uma breve paragem para confirmar a nossa localização, verificar o equipamento, acondicionar melhor o material e descansar um pouco.

Tudo verificado, confirmadas as informações dos guias, breve olhar para a bússola e a ordem foi passada rapidamente: - está a andar. O cheiro a capim e a terra molhada, o som da mata, a chuva a cair leve, felizmente, por pouco tempo mais. Menos desconforto, mas mais atenção aos sons da mata.

Alto, vamos parar! Descansa, faz-se nova verificação e vamos parar mais tempo. O local, onde devíamos ficar antes do objectivo, estava perto. Consultada a bússola, a carta e vistas as horas, tudo parecia estar certo. Confirma-se com o guia e com o Seco, picador do Xime. Era melhor esperar.

Volta a chuva, talvez um pouco mais forte. Os sentidos estão mais despertos aos ruídos. Mesmo assim o pensamento, ou um pouco dele, consegue vaguear para longe. Um leve som, a atenção e a tensão aumenta na busca de entender o que se passa. De pronto fica esclarecido: quase ao lado um soldado, de joelhos, para minimizar o barulho, “vertia águas” em alívio da bexiga e dos nervos. Descontrair é preciso pois a espera continuaria até clarear um pouco. Sentíamos o despertar de toda aquela fauna. Era o despertar da mata. Milhentos seres indiferentes a nós os predadores que, naquele dia, eram intrusos à vida, à paz e à harmonia de todo aquele sistema.

Nada de os perturbar pois o ruído, principalmente as aves, eram preciosos indicadores de “tropa à vista” ou “turra à vista”… e certamente protestavam com a intrusão… eram o rádio ou telégrafo dos contentores.

Esperamos pouco, de pronto veio a ordem: - sigam e aproximem-se mais. Andamos pouco e paramos.

Passa-se a mão pelo material. Certamente os outros fazem o mesmo. Conferência com os furriéis e ultimam-se os preparativos. Éramos nós, o nosso Grupo, que íamos saltar ou assaltar o objectivo. Esperamos. Todos sabiam o que iriam fazer, se tudo desse certo, funcionavam só os gestos combinados e treinados. São momentos de tensão e é preciso descontrair. Olha-se o relógio, no espaço de quinze minutos, pela terceira ou quarta vez. O aviso: - cuidado, a artilharia vai começar daqui a pouco.

De repente, a saída, o silvo e o rebentamento da granada quase em simultâneo. Uma, duas e deixa-se de contar… avançamos lentamente, a alvorada a clarear, os músculos a apertarem, as armas prontas. Devagar, devagar, a tensão aumenta e diminui. Olhamo-nos. Sabemos o que fazer. A artilharia já tinha parado, aceleramos o passo, rápido, rápido e surge o objectivo… abre-se em leque… e nem se pensa, funciona o treino…saltam… entram… nada se mexe… continuam… atravessam e param à espera dos outros.

Os tipos foram-se. De repente barulho ali ao lado, correrias, gritos e dois ou três tiros. Apanha, apanha… perseguem o inimigo e param à entrada da bolanha. Duas morteiradas para provocar reacção e não obtêm resposta. Nada! Contentam-se com o chapéu cubano com fotos, em recordação, talvez, da mulher e filhos. Voltam. Boné sem cabeça foi o espólio. A artilharia tinha destruído, não o objectivo mas, próximo deste, uma pequena plantação de bananas. Tanto trabalho para um boné e bananas…

Os outros já tinham revistado o local. Além de papeis nada mais, de interesse tinham encontrado. Por isso, só lhes restava puxar fogo às casas de mato.

Saíram rapidamente e iniciaram o regresso por um percurso diferente.

Param passada uma ou duas horas, descansam, aliviam tensões, sorriem uns para os outros, ajeitam o vestuário e material. Abrem os bornais e cantis para um pequeno-almoço leve.

A atenção mantém-se. O inimigo sabe donde vieram e para onde regressam.

Pouco depois continuam, volteiam e, passado algum tempo tomam, em definitivo, a direcção do Xime. Passam a zona dos cajueiros, redobram a atenção e continuam.

Já no Xime ouvem o inimigo a bater a zona. É com eles e compreende-se a sua raiva. Mas não têm razão para isso: - o maior prejuízo foi o bananal…

Descontraem. Recebem a sempre óptima hospitalidade dos Camaradas do Xime (Cart 1746) e preparam a saída. Depois de passar a Ponta Coli e Amedalai, é sempre a andar rápido até Bambadinca. Depois uns para Fá outros para Mansambo.

Era a segunda ida ao Poindom. Talvez ainda regressassem lá outras tantas ou mais vezes. A última foi a cerca de dois ou três meses do fim da comissão. O guia era o Malan Mané. Nem lá se chegou… Operação Pato Rufia a 24 de Agosto. O nome está bem escolhido… patos nós… rufia o Comandante que nos acompanhou, mas de língua!

Caímos nalgumas emboscadas montadas, por vezes bem e com o auxilio dos “internacionalistas” Cubanos.

Recordo uma porque nela cometi um erro e, por isso ia pagando caro. É uma data que recordo bem. Anda sempre comigo uma bala retirada da árvore que pagou por mim. Mandei banhá-la em prata e fazer um suporte com argola. Tenho mais amuletos, chamemos-lhe assim, desse tempo. Sei que pensas ser loucura. Aceito. Mas se me foram ofertados para protecção porque não os usar em singela homenagem àqueles meus amigos?

A emboscada então.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6346: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (16): Milícias

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