segunda-feira, 30 de maio de 2005

Guiné 63/74 - P31: Sare Ganá, a última tabanca de Joladu (Luís Graça)

Excertos do diário de um tuga (3). Texto de L.G.:


15 de Agosto de 1969:

1. Sare Ganá. A última das tabancas do regulado de Joladu, no sub-sector de Geba. Estive aqui destacado duas semanas, em reforço ao sistema de autodefesa. O que não é irónico, porque a população é fula.

Armadilhada entre as duas fiadas de arame farpado e guarnecida por um pelotão de milícia e grupos civis de autodefesa, Sare Ganá é uma espécie de aldeia estratégica. Aqui termina a nossa soberania territorial, a norte do Rio Geba e começa a zona de intervenção do Com-Chefe que inclui, entre outras, as regiões de Mansomine, Caresse e Óio.

É aqui que vive o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula. Todos os seus súbditos, mandingas, balantas e manjacos, que viviam em Joladu, "foram no mato" (leia-se: aderiram à guerrilha ou fugiram das NT). Hoje o seu regulado está circunscrito ao perímetro de Sare Gana e a mais duas ou três tabancas (Sare Banda, Sinchã Satu...).

Quase todos os dias ouvíamos os Fiats bombardearem Sinchã Jobel, uma base de guerrilheiros a 10 km a norte, e que é inacessível no tempo das chuvas devido às bolanhas e lalas que a rodeiam. Até Farim é tudo terra para queimar. Nenhuma tropa apeada, ao que parece, se atreve a penetrar neste santuário do IN. Fala-se aqui da "mata do Óio" como um misto de temor e de terror, domínio do sagrado e da morte...

Há hoje, de resto, vastíssimas zonas da Guiné onde só a aviação exerce os nossos direitos de soberania. Mas esses bombardeamentos massiços revelam apenas a raiva da nossa impotência.


2. Destacado ou desterrado ? O que farei eu com uma secção de combate, uma bazuca, um morteiro 60, dez G-3 e um rádio se isto der para o torto ? Estou aqui porque há dias houve um ataque malogrado a uma tabanca próxima, Sinchã Sutu, e a população fula anda inquieta... Sou como os bombeiros, sempre atrás dos fogos...

A minha missão ? ... Limito-me a estar aqui: de manhã, durmo como um porco; às onze levanto-me, porque o calor dentro da minha palhota já é insuportável. Devoro o almoço que o Suleimane entretanto já me preparou. Depois oiço velhas lendas dos tempos em que os cavaleiros do Futa Djalon eram donos e senhores destas terras. Ào fim da tarde dou um giro para fingir que me mantenho operacional.

3. Ainda ontem fiz uma bravata estúpida, bem típica de um periquito. Fui sozinho com um milícia local fazer o reconhecimento duma aldeia próxima, abandonada pela população e armadilhada. O tipo ia à frente com uma varinha feita de caule de capim seco, tentando detectar os fios de tropeçar que atravessavam os trilhos da aldeia, de resto já pouco visíveis A meio do percurso, apanho um susto: um antílope, que pastava perto, atravesssou-se-nos no caminho, em plena área supostamente armadilhada. Foi mais do que um susto, apanhei um calafrio: é que na noite anterior, um felino que vinha no encalce dos galináceos domésticos, tinha feito accionar um das armadilhas do perímetro de defesa de Sare Ganá. E de pronto comecei a ouvir,m de todos os lados, sucessivas rajadas de G-3... O pessoal anda mesmo nervoso.

4. Ainda não me habituei foi ao black-out total, imposto por óbvias razões de segurança: não posso ler nem escrever na minha morança (faz-me falta uma pequena lanterna de pilhas), o que torna ainda mais insuportáveis estas longas noites de Sare Ganà (...).

Luís Graça
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Excertos de: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II.9:

De 5 a 17 de Agosto de 1969, o 4º Gr Combate [da CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12] foi reforçar o Sector L2, sendo destacada uma secção para Sare Ganà e duas para Sare Banda (Sub-sector de Geba). Dias antes o IN fizera um ataque malogrado à tabanca em autodefesa de Sinchã Satu.

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