Texto do David J. Guimarães:
Tocou-me a vez... Creio que vale a pena no momento consultar o Mapa do Sector L1 / Zona Leste - Xitole.
A Zona de intervenção do Xitole não era muito grande em área - bem, mas era uma zona bem quentinha, sim. A norte era limitada pela ponte do Rio Jacarajá onde começava a Zona de Intervenção de Mansambo; zona de Salifo, a leste do R Jacarajá. Salifo tinha sido uma tabanca importante que, quando fizemos um dia uma operação de assalto para a destruir, eles já tinham feito o favor de se retirar de lá... Ufa, que alívio!...
Continuando a nossa Zona de Intervenção tínhamos depois toda a outra zona até ao Rio Corubal, Galo Corubal, Satecuta, até às matas do Fiofioli, Seco Braima. Seguindo a estrada na direcção do Saltinho íamos até ao limite deste mapa, onde havia uma tabanca (Sincha Mádio, deve ser assim) que era depois de Cambessé. Tabanca importante que estava confinada a outra e onde existia o Cussilinta - a parte mais bela, ainda hoje, [do Rio Corubal],parecia uma colónia balnear....
Todas essa s zonas eram diariamente pratrulhadas. Um grupo de combate seguia para os lados periféricos do aquartelamento, para os lados de Seco Braima. Outro grupo seguia sempre para as tabancas (em missão psico). Um grupo instalava-se na Ponte dos Fulas onde residia e era rendido ao fim do mês... Vida monótona, rotinas e sempre armados até aos dentes...
Assinalarei aqui um facto importante e que sempre nos incomodou: a margem esquerda do Rio Corubal, na nossa zona, que era uma área de intervenção no COM-CHEFE [Comando-Chefe]. Era daí que eles [o IN] apontavam os canhões sem recuo e, enfim, tentavam fazer tiro ao alvo para o nosso quartel....
Pelas sete, oito horas, da noite aí estavam eles: Nino e seus canhões, assim dizíamos nós... Digo Nino e ele mesmo confirma isso, como o Luís Cabral (Este na Crónica da Libertação). O Nino, ele mesmo em pessoa, falou, antes de voltar recentemente para a Guiné. Ele morava aqui, em Vila Nova de Gaia... Um dia o ex-comandante da CART 2716 [, a minha companhia], passou por ele e disse:
- Olha o Comandante!... Bem lá falaram. O Nino confirmou ser aquela a zona [a região do Xitole] onde ele andou, sim, no tempo da Guerra Colonial....
Mas a grande chatice eram as colunas e o reabastecimento:
- Ora amanhã há coluna... Porra, um dia no mato!... Mas tem que ser!...
Três grupos de combate instalados desde a Ponte dos Fulas até Rio Jacarajá. E lá começava a passar o comboio de viaturas: uma Daimler, depois o resto dos camiões, enquadrados por viaturas militares. Pior:
- Quem vai a picar hoje? - E lá ia o 1º grupo, depois o 2º e, outra vezes, o 3º ou o 4º. Como eu residia no Destacamento da Ponte dos Fulas, bem, eram os outros...
Tocou-me a mim num belo dia. Eu é que ia a comandar o grupo (o Alferes estava de férias). E lá já bem perto de Jacarajá:
- Mina, mina, porra!... E agora!?
Tocou-me a mim: afinal eu é que era o artista. Em Tancos tinham-me ensinado a trabalhar com aquilo: "manga de cu piquinino", protecção feita, suores frios ao sol quente... Bem, lá consegui operar... Tínhamos que comer... Lá ficou o buraco feito e do chão extraí isso que envio em fotografia... Um Mina PMD-6, espoleta MUV, duas barras de trotil de 4 kg, mais aqueles dois calcinhos do mesmo material a 200 gr cada cada um, sendo que dentro da mina lá estavam os 400 gr habituais da carga base onde actuaria o detonador depois de accionada a espoleta...
- Ufa, que merda!... Já está! - e daqui a pouco lá vinha a coluna, o barulho daqueles motores e, à frente, a Daimler do [Alferes]Vacas de Carvalho....
Prontos, e lá ficamos o dia inteiro até que lá a coluna volta a passar, mas de regresso a Bambadinca. Nós, por nossa vez, lá regressamos ao quartel no Xitole.
Mais tarde lá me deram os 300 escudos (prémio por levantamento de material explosivo):
- Pronto, mais um dinheirinho para beber umas bazucas [cervejas] ...
Foi um dia de rotina, um pouco diferente - uma mina sempre é uma mina.....
Envio uma outra fotografia da época: é do abrigo onde estavam instalados a maioria dos furriéis, junto à casa dos sargentos... Era ai que dormíamos. Era um abrigo amplo, voltado para o aeródromo. Lá dispunha do explosor que faria rebentar, caso necessário, um fornilho que eu tinha armado do outro lado do arama farpado, não viessem eles lembrarem-se de virem por aí... Nunca foi preciso, ainda bem....
A outra é a fotografia da mina com as cargas de trotil ao lado... Ainda bem que a Daimler não lhe passou por cima, era menos uma que ficava...
PS - A Daimler é um carro muito lindinho, de rodas maciças... Só tinha um defeito: era o depósito de combustível estar exactamente por debaixo da viatura ... Percebe-se que isso fosse um rebenta-minas?
David J. Guimarães
Nota de L.G.- O Guimarães era especialista em... minas e armadilhas. E fez muito bem o seu trabalho. A foto que nos mandou da mina PDM-6 ainda me causa calafrios... É que voei, numa GMC, com o meu grupo de combate [na altura, o 4º Gr Com da CCAÇ 12], quando accionámos uma mina deste tipo... Um dia deste falaremos dessa trágica amanhã, às portas do reordenamento de Nhabijões...
Estas duas fotos do Guimarães irão ser inseridas no respectivo álbum.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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