© A. Marques Lopes
1. O Marques Lopes mandou-nos, sob a forma de imagens em format.jpg, uma colecção de sete cartazes, a cores.
Eram os nossos conhecidos cartazes de propaganda que deixávamos no mato, nas clareiras, nos trilhos, nas bolanhas, nas regiões fora do nosso controlo, na esperança de que os guerrileiros do PAIGC, as suas milícias e a sua população se entregassem em massa às nossas autoridades, administrativas e militares...
Nunca cheguei a observar os efeitos práticos e objectivos deste tipo de propaganda. Os "homens do mato" que conheci foram os que fizemos prisioneiros; a população do mato (mulheres, velhos e crianças) que recuperámos foi a que arrancámos, à força, das zonas controladas pela guerrilha.
Achei, no entanto, esse material muito interessante,se bem que revele alguma ingenuidade e uma estética de duvidosa eficácia. E pedi-lhe, ao Marques Lopes, para ver se descobria a origem e o ano ("Quem os produzia, quando, para usar onde"...).
O Marques Lopes respondeu-me que "esses folhetos que enviei tínhamo-los quer em Geba quer em Barro, portanto em 1967 e 1968, para espalhar pelas matas. Nenhum deles tem indicação de autor ou de origem, mas é certo que apareciam em pacotes vindos do Comando Chefe de Bissau". Uma coisa é certa: eram cartazes destinados especificamente ao teatro de operações da Guiné.
O que eu acho interessante é que ele tenha tido a preocupação de os guardar. Julgo que também me passaram pelas mãos alguns desses cartazes, mas não fiquei com nenhum. Na altura o que eu queria mesmo era esquecer a Guiné... para sempre. Esses materiais são hoje valiosos pelo seu interesse iconográfico e historiográfico. Não os encontro, por exemplo, no sítio do Centro de Documentação 25 de Abril nem em qualquer outra parte da Net.
Essas imagens e outras fotos (que eventualmente não venham publicadas, neste blogue nem na página Luís Graça e Camaradas > Subsídios para a História da Guerra colonial > Guiné (1963/74) passam a figurar no meu álbum do Portal Care2.com: Guerra Colonial > Guine-Bissau (1963/74) / Colonial War > Guiena-Bissau (1983/74). Este portal tem a vantagem de permitir a inserção de um número teoricamente ilimitado de fotos.
As imagens originalmente enviadas pelo A. Marques Lopes eram muito pesadas (2 a 3 MB cada uma). O seu tamanho teve que ser reduzido. É natural que percam qualidade.
A colecção (no fundo, é uma sequência de banda desenhada) começa com uma imagem do mapa da Guiné ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") (Cartaz nº 1).
© A. Marques Lopes
A numeração é da minha única responsabilidade: tem a ver a lógica da sua sequência para efeitos de leitura. É claro que o Cartaz nº 1 ("Guiné Portuguesa, Guiné Feliz") também podia vir no fim.
O segundo cartaz mostra um grupo de guerrilheiros, no mato, feridos e/ou desmoralizados (vd. i,magem no toppo deste post). Os combatentes do PAIGC nunca são tratados como tal, mas simplesmente como "homens do mato" (leia-se: bandidos, indivíduos que estão fora da lei e da ordem). Aliás, no nosso tempo, "ir no mato" era, no falar das gentes da Guiné, juntar-se à guerrilha, fugir das zonas sob administração portuguesa. Portugal, de resto, nunca reconheceu o PAIGC como inimigo, nem a luta contra o terrorismo como uma situação de guerra, face à Convenção de Genebra.
O título do cartaz é:
- No mato, há doença, fome e morte...
A legenda, por sua vez, diz o seguinte:
- O Chefe do Grupo do mato julga que vai morrer. Foi gravemente ferido.
No Cartaz nº 3 vemos o mesmo grupo de "homens do mato" a entregar-se às autoridades militares portuguesas da zona. Depois do Chefe do mato ter ido falar com o "homem grande da tabanca" (que veste à maneira fula, o que está longe de ser inocente, já que os fulas eram os nossos grandes aliados)...Legenda:
- O Homem Grande diz à tropa que estes homens foram enganados, estão arrependidos e fartos da guerra.
No Cartaz nº 4 vemos os "homens do mato, arrependidos" serem bem tratados pelas autoridades portuguesas: (i) são tratados pelos enfermeiros da tropa, (ii) bebem cerveja com soldados africanos...
No Cartaz nº 5 vemos uma tabanca, sob a bandeira portugesa (e, parece-me, ao canto superior direito, descortinar uma inverosímil antena de televisão!). Legenda: "a gente do mato que estava enganada e não vivia na tabanca há muito tempo" abraça a família e os amigos...
© A. Marques Lopes
Por fim, a tropa e os civis ajudam aqueles que se apresentam a reconstruir a sua tabanca (clara referência aos famosos "reordenamentos" ou "aldeias estratégicas" que, no tempo do Spínola, tiveram um grande incremento)(Cartaz nº 6).
O último cartaz (nº 7) tem uma lógica implacável: "Apresenta-te à tropa, levanta os braços"... Mostra dois "homens do mato", de braços levantados, segurando a sua espingarda semi-automática (Simonov ?) por cima da cabeça...
2. Veja-se o que diz o Centro de Documentação 25 de Abril sobre a propaganda, usada durante a guerra colonial, por um lado e outro:
"A acção psicológica destina-se a influenciar as atitudes e o comportamento dos indivíduos. Na guerra subversiva é utilizada para obter o apoio da população, desmoralizar e captar o inimigo e fortalecer o moral das próprias forças, assumindo três aspectos diferentes, embora intimamente relacionados: acção psicológica, acção social, acção de presença.
"Quer as forças portuguesas, quer os movimentos de libertação, usaram intensamente a acção psicológica como arma, integrando-a na panóplia de meios disponíveis para a conquista dos seus objectivos, dentro da ideia que as palavras são os canhões do séc. XX e que, como se ensinava aos futuros chefes da guerrilha na escola de estado-maior da China, na guerra revolucionária deve atacar-se com 70 por cento de propaganda e 30 por cento de esforço militar.
"A acção psicológica exercida sobre a população, o inimigo e as próprias forças foi conduzida através da propaganda, da contrapropaganda e da informação, de acordo com as finalidades de cada uma destas áreas: a primeira, pretendendo impor à opinião pública certas ideias e doutrinas; a segunda, tendo como finalidade neutralizar a propaganda adversa; por último, a informação, fornecendo bases para alicerçar opiniões. Mas, para serem eficazes, os meios de condicionamento psicológico necessitam de encontrar ambiente favorável.
"Quanto às populações, procurou-se criar esse ambiente propício com a acção social, que visava a elevação do seu nível de vida, para as cativar, conquistando-lhes os corações e originando condições mais receptivas à acção psicológica. Esta acção foi desenvolvida sob a forma de assistência sanitária, religiosa, educativa e económica.
"Relativamente ao adversário, a acção psicológica das forças portuguesas era isolar os guerrilheiros das populações, desmoralizá-los e conduzi-los ao descrédito quer na acção, quer na dos seus chefes. Para o efeito utilizaram-se panfletos e cartazes lançados de aviões ou colocados nos trilhos de acesso e nas povoações, emissões de rádio, propaganda sonora directamente a partir de meios aéreos, apelando à sua rendição e entrega às forças militares ou administrativas, garantindo-lhes e explicando-lhes que a participação na guerrilha constituía um logro".
Nota de correcção:
Posteriormente à inserção deste post, recebi em 26 de Junho de 2005 a seguinte mensagem do Marques Lopes: "Peço-te que faças uma correcção a propósito dos cartazes que enviei. Quem tinha esses cartazes em seu poder era o meu amigo alferes Reis, da CART1690, que mos cedeu. Embora eu os conhecesse, como disse, quer em Geba quer em Barro, não tinha nenhum destes em meu poder. Tenho outro, não igual, mas ando ainda à procura dele... deve estar no meio de outros papéis. Quando o encontrar enviá-lo-ei".
Aqui fica a correcção: o seu a seu dono. A autoria das imagens é do Marques Lopes, já que foi ele quem teve o trabalho de as digitalizar e enviar para a nossa tertúlia.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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