1. Mensagem do Paulo Raposo (1), com data de 19 de Outubro:
Olá, Luís.
Há muito que tenho estado afastado destas lides. Depois de ver o programa [da RTP1, Prós e Contras,] (2), estou a enviar os meus comentários ao que lá foi dito.
Guerra Colonial, do Ultramar ou de Libertação: Foram as opções que nos deram, mas o nome tem de ser consensual e nacional. Uma coisas são os regimes, outra é a Pátria.
Realmente a nossa Guerra em África teve o seu começo na II Guerra Mundial. Se esta foi um grande terramoto, a nossa foi a sua réplica.
Assim, comecemos. A Alemanha teve sempre na mira duas coisas, as suas grandes aspirações:
1 - A Gross Deutschland, ou seja, crescer a Alemanha para leste: para isso lançaram colonatos pela Rússia dentro e ao longo do rio Volga.
2 - Ter um porto de mar de águas quentes que estivesse fora do alcance dos ingleses. O único porto, antes dos Pirinéus, com essas características, é o porto de Bordéus.
Hitler foi tão popular, porque prometeu ao povo alemão estes dois objectivos e conseguiu.
Agora vejamos a vaga de fundo que isto causou. Para o exército alemão entrar na Rússia, o Estado Maior forjou umas cartas trocados com o Estado Maior do exército vermelho, dando a impressão que este facilitaria a entrada dos alemães por território russo com última intenção de derrubar o comunismo.
Arranjaram maneira de que estas cartas chegassem às mãos de Estaline por mero descuido. Estaline acreditou e em consequência decapitou os seus oficias superiores, ou seja, decapitou o seu exército.
A entrada dos alemães pela Rússia foi pão com manteiga até... O General Von Paulus chegou a S. Petersburgo e cercou a cidade a sul, e a norte foi cercada pelos finlandeses. Esperavam que a cidade se rendesse pela fome.
Acontece que os russos conseguiram, apenas por um fio, continuar a alimentar a cidade que resistiu comandada por Kruschef às ordens de Estaline. Neste premeio os alemães convidaram Costa Gomes e Spínola a visitar esta frente e possivelmente entraram em contacto com Van Paulus.
E aqui, em S. Petersburgo, levantou-se uma vaga de fundo que arrastou os alemães até ao Rio Elba. Parou aqui porque estavam as tropas inglesas e americanas, senão só teriam parado em Bordéus.
Foi no levantar nesta vaga de fundo que apareceu pela primeira vez a palavra Descolonização. Pois à medida que os russos avançavam iam descolonizando ou limpando os colonatos alemães a leste.
Diz-se também que, quando Von Paulus se rendeu, ele e o seu Estado Maior começaram a trabalhar para os russos ocupando o lugar dos oficias superiores russos executados.
Portanto a palavra colonato ou descolonização está carregada de ódio entre russos e alemães.
Não nos diz respeito, aqueles são potências continentais e nós estivemos sempre ligados às potências marítimas. É outro campeonato.
Portanto, recuso Guerra Colonial. Pode ser Guerra do Ultramar, está mais correcta mas não é consensual. Guerra da Libertação, muito menos. O nosso inimigo da altura chamava-lhe luta da libertação, não guerra.
Pois guerra implica duas forças beligerantes.De um lado estávamos nós e do outro?
Também não lhe chamaram Guerra Civil, porquê?Portanto acho para ser mais consensual será Guerra de África , ou do Ultramar, se quisermos incluir a invasão de Goa.
Vou tentar escrever sobre cada um dos assuntos que foram tratados no debate.
É a minha opinião que é tão válida como outra qualquer.
Luís, já que tens tido a paciência de nos aturar e a perseverança de manter esta chama, venho pedir um favor: Não podes lançar em CD os documentário e filmes que se produziram durante o nosso tempo de luta?
Um abraço amigo do
Paulo
Paulo Lage Raposo
Alf Mil Inf
BCAÇ 2852 / CCAÇ 2405
Guiné 68/70
Tel 266898240
Herdade da Ameira
7050 Montemor O Novo
2. Comentário de L.G.:
Paulo:
É bom saber de ti e de voltar a partilhar o teu gosto pela análise geoestratégica. Aqui fica a tua posição sobre a questão (que não é meramente semântica) do nome a dar à nossa guerra: Colonial ? Civil ? Do Ultramar ? De Libertação ? De África ? Como eu tenho aqui defendido, na nossa caserna virtual, a terminologia fica ao gosto do freguês, ou seja, de cada um... Eu não tenho qualquer direito de te impor o meu ponto de vista, e vice-versa.... Não é preciso repetir, até à exaustão, que somos uma tertúlia plural e tolerante... O que nos une não é a ideologia, mas a camaradagem...
Tenho no entanto a obrigação (editorial) de chamar a atenção por o facto (histórico) de que houve, por parte do Estado Novo, uma clara mudança de terminologia em 1951, face à percepção dos novos ventos da história: (i) recorde-se que o Acto Colonial (sic) é o primeiro documento constitucional do Estado Novo, promulgado a 8 de Julho de 1930, pelo Decreto n.º 18 570, numa altura em que Oliveira Salazar assume as funções de Ministro Interino das Colónias; (ii) o termo colónias sempre foi usado tanto pela Monarquia como pela I República; (iii) a II Guerra Mundial e as primeiras independências de antigas colónias britânicas (por exemplo, a Indía, em 1947) vão obrigar o Estado Novo a revogar o Acto Colonial, na revisão da Constituição de 1933 feita em 1951 (3).
Quanto ao teu pedido, não sei se estarei em condições de satisfazê-lo... O material audiovisual sobre a nossa guerra está disperso, o mais importante estando nas mãos da RTP e do exército... Eu acho que a nossa geração, que combateu na Guiné, em Angola e em Moçambique, tem direito a visionar esses documentários e filmes... Vamos estar atentos à série A Guerra, que começou a ser apresentada pela RTP... Quanto a nós, vamos estar atentos aos documentários que nos chegarem às mãos ou ao nosso conhecimento... Ainda há umas semanas atrás, o Carlos Marques dos Santos me mandou alguns pequenos filmes do ex-Alf Mil Cardoso, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69)...Houve malta nossa que fez, na Guiné, pequenos filmes em 8 mm... Esse material pode ser hoje recuperado... Aqui fica, pois, o teu e o meu apelo.
Daqui vai , de Lisboa até à tua querida Ameira, aquele quebra-ossos... Para o Almansor de Montemor, com a amizade e a camaradagem do Luís.
_____________
Notas de L.G.:
(1) Paulo Raposo: ex-Alf Mil Inf, com a especialidade de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 2405, pertencente ao BCAÇ 2852 > Guiné, Zona Leste, Sector L1, Bambadinca, 1968/70 > Galomaro e Dulombi).
Vd. post de 10 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1060: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (19): regresso a Lisboa e à vida civil (fim)
(2) Vd. post de 17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2184: A Guerra do Ultramar no programa Prós e Contras (RTP1, 15 de Outubro de 2007): o debate dos generais (Inácio Silva)
(3) Acto colonial 1930. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2007. [Consult. 2007-10-28].Disponível em http://www.infopedia.pt/$acto-colonial-1930.
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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