Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fiofioli > Março de 1969 > Operação Lança Afiada. O Alf Mil Paulo Raposo, da CCAÇ 2405, junto a um dos helicópteros.
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados
1. Mensagem , de 25 de Outubro, do Rui Felício que, juntamente com o Paulo Raposo, o Victor David e o Jorge Rijo, faz(ia) parte dos famosos baixinhos de Dulombi, os quatro alferes milicianos da CCAÇ 2405 (1)
Lisboa, 25 de Outubro de 2007
Meu Caro Luis Graça,
PREÂMBULO
Como sabes, de cada vez que te escrevo, conto pequenos episódios que se passaram durante a minha passagem pela Guiné, procurando fazê-lo numa linguagem e estilo despretenciosos, leves e o mais possível acessíveis à imediata compreensão (2).
Salvo uma ou outra excepção, tenho escolhido o lado picaresco e às vezes cómico dessas situações e não me canso de te agradecer a honra de publicação que lhe tens concedido. Porventura imerecidamente...mas que me desvanece.
Tal não significa que não esteja atento ao lado sério da guerra que levou a nossa geração a África e que indelevelmente a marcou até ao fim das nossas existências.
Mas tenho preferido não entrar no debate, às vezes polémico, que num ou noutro caso se acende em torno dos mais diversos temas relacionados com a origem, condução e termo dessa guerra.
O espaço do teu blogue, tão participado, activo e bem documentado, tem qualidades que não encontro noutros, de similares objectivos, e esse mérito a ti pertence, pelo sacrifício, trabalho e competência que com a sua organização e condução tens tido.
O PROGRAMA PRÓS E CONTRAS E O PAULO RAPOSO
Vem isto a propósito de, hoje, infringindo essa regra que a mim próprio me impus, te vir falar de assunto mais sério.
Tem a ver com a série do Joaquim Furtado e do Programa Prós e Contras que antecedeu a passagem na RTP do 1º episódio dessa série de documentários [A Guerra, argumento e realização de Joauqim Furtado].
Li nos dias seguintes alguns mails que o Paulo Raposo te enviou (2) e de que me deu conhecimento, tecendo comentários acerca do referido programa televisivo.
Julgo conhecer bem o Paulo Raposo a quem reconheço e garanto, entre muitas outras, duas excelentes qualidades que o caracterizam e se destacam na sua personalidade:
- Uma extrema simpatia e educação, com que fácil e rapidamente estabelece laços de amizade com quem se relaciona;
- Um conhecimento da história contemporânea e uma cultura geral acima da média, predicados que se preocupa em não exibir, o que bem demonstra o seu carácter. Só as pessoas que estão seguras do seu conhecimento resistem à tentação de, por mero exibicionismo, o evidenciarem...
Tenho procurado, sem êxito, no teu blogue, alguma referência a esses mails do Raposo.
Bem sei que os critérios de edição dos textos são da tua exclusiva competência. Nem de outro modo deveria ser.
Mas esperava vê-los divulgados porque as teses do Paulo Raposo neles defendidas revelam uma perspectiva diferente e interessante quanto às causas remotas da guerra e aos motivos e estranhas coincidências que aparentemente, e quem sabe propositadamente, terão originado o seu arrastamento durante vários anos, mantendo uma situação que desaguou na revolução de Abril de 1974.
UMA PERPSECTIVA DIFERENTE DA GUERRA
Foi nessa altura do 25 de Abril que os seus autores definiram e estabeleceram os argumentos “politicamente correctos” que ainda hoje, como no citado programa Prós e Contras, são defendidos a outrance exactamente por muitos daqueles que, por força da sua natureza de militares profissionais, maiores responsabilidades tiveram nesse arrastamento da guerra e na forma ignominiosa como lhe foi posto fim.
Que não se veja neste meu reparo qualquer intransigência na defesa de qualquer tese específica sobre a guerra de África, mas o que me custa aceitar é que nunca seja feito o confronto e o contraponto às teses correntes que é comum ouvir naquele tipo de programas.
Começa a angustiar que os intervenientes nestes debates sejam sempre os mesmos e conhecidos militares que a todo o preço pretendem convencer-nos da sua heroicidade, do seu profissionalismo ( ... foi ali dito por um militar de Abril: “ nós não perdemos a guerra”... ) da sua resistência política ao anterior regime, como se alguma má consciência os obrigue a constantemente se autoelogiarem.
Por tudo isto, considero que as teses explanadas pelo Paulo Raposo deveriam ser debatidas. Daí, certamente muita da luz que tem estado oculta pudesse vir iluminar as consciências...ou pelo menos dar-lhes uma perspectiva diferente e, quiçá, mais verdadeira das razões da guerra.
Não esquecerei nunca o que ouvi da boca do nosso camarada Junqueira que, no almoço da herdade da Ameira, afirmou com orgulho e sem qualquer preconceito aquilo que não se ouve nunca nestes debates televisivos.
Se bem te lembras, ele estava emigrado em França e de motu proprio regressou a Portugal para ser mobilizado para a guerra de África, porque esse era o seu dever (4)...
Bem poderia ele ter ficado em França e ter escapado a esse sacrifício, à semelhança de tantos que a ela fugiram e que agora têm o desplante de se considerarem heróis por terem tido essa coragem de fugir...
Mas o Junqueira era um homem de carácter.. E essa é a diferença... E quantos “Junqueiras” não haverá ?
No Prós e Contras não me lembro de ter sido convidado nenhum . Ou se o foi, não foi ouvido...
Desculpa a crescente azia que a minha escrita revela, mas fi-lo ao sabor do sentimento, sem reconsiderar nas palavras que fui deixando deslizar...
Um abraço do teu camarada e amigo
Rui Felício
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi (Rui Felício)
(2) As deliciosas e picarescas Estórias de Dulombi > vd. posts de:
30 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2073: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (8): O Fula, a galinha e o vestido
8 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1352: Estórias de Dulombi (7): Perigos vários, a divisa dos Baixinhos de Dulombi (Rui Felício)
27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1217: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (6): Sinchã Lomá, o Spínola e o alferes que não era parvo de todo
18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1085: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (5): O improvisado fato de banho do Alferes Parrot na piscina do QG
5 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1046: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (4): a portuguesíssima arte do desenrascanço
19 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXL: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (3): O dia em que o homem foi à lua
14 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXVII: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (2): O voo incandescente do Jagudi sobre Madina Xaquili
9 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXIX: Estórias de Dulombi (Rui Felício, CCAÇ 2405) (1): O nosso vagomestre Cabral
(3) Vd. post de 28 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2227: Questões politicamente (in)correctas (34): RTP: Guerra Colonial, do Ultramar, de Libertação ou de África ? (Paulo Raposo)
(4) Vd. post de 31 de Outubro de 2006> Guiné 63/74 - P1224: Blogue: não ao politicamente correcto (Vitor Junqueira)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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