terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2420: Notas de leitura (6): Amílcar Cabral, um lusófono fazedor de utopias (António Rosinha)

1. Texto do nosso amigo Antonio Rosinha (1):

Luis e co-editores,

Custa-me a entender como não surgiu ainda, nenhum de nós, tertulianos, a falar algo sobre esta biografia da figura mais importante, para muitos, tanto para a política nacional daquele tempo, como pessoalmente para muitos de nós, e principalmente para milhões de Africanos e Luso-africanos, muitos destes circulando hoje no meio de nós. Se alguem já se debruçou sobre o assunto, não me apercebi (2).

Mas eu não resisto, a pronunciar-me sobre o que mais me marcou no que o autor escreve, documentado, e que, tirando uma outra novidade para mim, susbscrevo na integra, porque mesmo sem documentos, só naquela de "se queres acreditar, acredita", eu vivi e senti ao vivo, desde 1957 a 1997 (40 anos) em que vivi nos trópicos a sul do paralelo do Funchal:

Nos primeiros capítulos o que me chamou mais à atenção, foi a análise das diversas contradições e injustiças da colonização portuguesa, que ajudariam A. Cabral a decidir-se por uma tomada de posição. E o contrassenso de um país atrasado e com tanto analfabetismo colonizar aqueles territórios. Até aqui, praticamente sempre ouvi desde que cheguei a Angola, a brancos que se arrogavam de 2ª, mestiços e a alguns pretos, tanto colegas nos diversos serviços onde trabalhei, como superiores hierárquicos, bem como no curso de sargentos milicianos em 1959 em Nova Lisboa, onde senti mais o sentimento anticolonial. Evidentemente, mais tarde ouvi a Nino Vieira, Luis Cabral coisas semelhantes e até na Ilha da Madeira, onde andei a fazer túneis, ouvi no Chão da Lagoa a Alberto J. Jardim, coisas semelhantes. Sem falar na TV Globo, periodicamente, no Brasil onde tambem permaneci 4 anos.

Em seguida, o que chamou mais a atenção, foi sem dúvida a capacidade diplomática e a inteligência de A. Cabral, para praticamente sozinho, no caso da Guiné, conseguir conjugar a seu favor as forças mais antagónicas: Fidel Castro/Igreja, CIA/KGB, Senghor/Sekou Touré, e até em Bissau conseguiu anular qualquer movimento que se lhe opusesse. Mas mais impressionante foi juntar aquilo que se continua ainda hoje a considerar um projecto incompreensível, ou seja a UNIDADE GUINÉ-CABO VERDE.

Ainda, sobre Cabo Verde, o autor observa, para a maioria dos Caboverdianos, o ideal não seria a independência, mas um estatuto semelhante aos Açores e Madeira. É uma observação que, assino por baixo, pois imensos colegas e amigos de diversas ilhas, que viviam em Angola, sempre frisavam, e é com muita satisfação que eu vejo, hoje, aquele povo a lutar por se aproximar do nivel dos seus vizinhos Açoreanos, Madeirenses e Canarinos. E estão a demonstrar que têm imensa capacidade e inteligência para o fazer. E Portugal penso que está a colaborar com eles.

Uma coisa que se estranha, ao ler o livro, é que o autor, não consegue entrevistas de Guineenses relevantes, apenas com as irmãs de A. Cabral. Entra então na parte negativa do PAIGC, ou seja as coisas que, pelo menos em Bissau, se falam com frequência, quer sejam os assassinatos entre os membros do partido, dos comandos africanos e de civis, claro que se subentende que seriam coisas tão graves, que o autor se atreve a perguntar, se foi justo fazer o povo Guineense sofrer o que sofreu.

Sobre a morte de A. Cabral, há suspeitos no livro que vão desde Spinola, Nino, Sekou Touré, que, digo eu, talvez todos os detectives dos policiais do nosso Beja Santos não descobririam o responsável.

Luis Graça, se algo me está a motivar a escrever isto tudo, que acabo de escrever, e até de ter lido o livro, é principalmente, para transcrever uma frase do autor que atribui a um pensamento de Adriano Moreira, aquando de ter sido ministro do Ultramar(pag.141), que é a seguinte: A sua crença mais profunda era a de que uma comunidade de países que falavam a mesma lingua haveria certamente de sobreviver ao fim do império.

Para quem conheceu o Ultramar antes de 1960, principalmente Angola, sabe que uma independência naquela altura, da presença portuguesa, nesta altura existia tanto, como existe em Caxemira ou Ceilão ou Goa. Nem os vizinhos nem as potências grandes permitiam que sobrasse nada.

Um abraço,

António Rosinha

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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

Vd. outros posts do autor:

17 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2274: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (6): Luís Cabral, os assimilados e os indígenas (António Rosinha)


11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1358: Nostalgias (1): No cais do Xime, dois velhos Unimog pedindo boleia a algum barco (António Rosinha, ex-topógrafo da TECNIL)

(2) Vd. posts de:

21 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2292: Bibliografia de uma guerra (25): Amílcar Cabral, fazedor de utopias: uma biografia escrita pelo angolano António Tomás

22 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2297: Notas de leitura (2): Biografia de Amílcar Cabral (João Tunes)

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