terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)




Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 /CART 2410 (1969/70) > Saídas para o mato. Fotos de Armindo Batata (que esteve em Guileje como Alf Mil do Pel Caç Nat 51, no tempo da CART 2410, de Jun 1969/Mar 1970) (1).

Fotos: © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Direitos reservados.



1. Texto de Hugo Guerra, enviada a 25 de Janeiro de 2008, e dedicado aos "caro Luís e camaradas que um dia destes vão passar neste local"... O Hugo Guerra foi Alf Mil (sendo hoje hoje Coronel DFA, na reforma). Comandou os Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70) (2):



Estórias de Guileje > A minha 1ª ida ao Corredor da Morte (Gandembel-Guileje) (3)




Mal tinha acabado de chegar a Gandembel (que me parecia uma Praça de Touros, vista de cima), e já estava à pega brincalhando claro, com o Alferes Artilheiro com quem tinha estado em Vendas Novas.

Achei estranho que ele tivesse um obus municiado e colocado na horizontal para a mata. Ele lá devia saber porquê e se todos os outros camaradas achavam bem, quem era eu para comentar. Mas quis saber o que ele queria fazer.

Foi-me dito então que a rapaziada já estava farta de levar porrada, com tanta precisão que era lógico pensar que o PAIGC teria por ali perto um ponto de observação e comunicação com as bases deles, para se servirem à vontade.

Era mesmo verdade. Nessa manhã a rapaziada que fazia limpeza de capim no exterior dos arames farpados, tinha descoberto um balcão de 1ª onde o IN se instalava e que dominava todo o perímetro do aquartelamento. Era uma alegria... Para eles, claro!

A aposta era se o Artilheiro conseguia ou não deitar a árvore abaixo à primeira obusada. Mais sabia eu que sim, mas como estava em jogo uma garrafa de uísque e eu sempre tinha que lerpar com uma por ter acabado de chegar, acabei por apostar contra e perdi mesmo... A árvore foi mesmo parar ao chão. E nessa noite Gandembel não foi flagelado.

Feita a apresentação da praxe ao Cap Pára Mário Pinto e, porque além de estar a escurecer, o meu Pel Caç Nat 55 estava em Ponte Balana, foi considerado mais oportuno só ir pra aí no dia seguinte e .......Vivós copos!!! E, como nem arma tinha distribuída, o Cmdt convidou-me para dormir no abrigo dele e de rajada perguntou-me se na madrugada seguinte não queria ir com eles (Páras) ao Corredor ?!.

Meio acagaçado, e perante o ar de gozo daqueles velhinhos todos, pensei que podia despachar aquilo mais depressa (com sorte, ficava ferido) e lá disse destemidamente ao Cap que estava no ir. Possivelmente com receio que eu me desenfiasse, convidou-me para dormir no abrigo dele que o Reis já mostrou em foto no Blogue e que tinha ligação directa ao morteiro 81 (4).



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Foto 217 > "O Comandante da Companhia pernoitava junto a este morteiro 81. O seu guarda-costas, Albino Melo, está atento. O fio ligava-se ao posto-rádio, ali bem perto".


Foto e legenda: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.


De madrugada, e sem qualquer respeito pelas visitas, atiraram-me para cima um camuflado de Pára-quedista e em menos de cinco minutos já estávamos formados e prontos a seguir. Eu só sabia que tinha que ser a sombra do Cap, não fosse perder-me e lá fomos mata fora no mais completo silêncio até atingirmos um carreiro bastante largo que era o famoso corredor.

Porque já havia luz da madrugada e a nossa missão não era o contacto, inflectimos para a esquerda até encontrarmos a Estrada que vinha do Guileje. O corredor seguia em frente e vim a saber que mais à frente se internava na Guiné - Conacri.

O que nos levara ali nessa operação era tentarmos descobrir os cabos de transmissão e trazê-los de volta a Gandembel. Encontrá-los não foi difícil porque estavam à vista e corriam ao lado da fantasmagórica estrada que ligara em tempos Guilege e Gandembel.

As crateras dos fornilhos eram enormes e muitas delas ainda tinham lá dentro uma ou mais viaturas carbonizada…. Pobres rapazes da 2317 (4)...

Resumindo: voltámos ao aquartelamento pela hora de almoço e carregados com umas centenas de quilos de cabo telefónico……Nos dias que se seguiram, passámos a usar os capacetes da 2ª Guerra Mundial até mesmo dentro do arame farpado. Não fosse o Diabo tecê-las….


Hugo Guerra (5)

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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 28 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCX: Ex- Alferes Miliciano Batata (Guileje e Cufar, 1969/70): Pel Caç Nat 51, presente!

(...) De início foi um grande esforço para esquecer o mais rapidamente possível. Agora é a sensação das memórias que se vão esbatendo. Fui Alferes Miliciano Atirador de Artilharia. Estive em Guileje (de Janeiro de 1969 a Janeiro de 1970) e em Cufar (de Janeiro de 1970 a Dezembro de 1970), comandando o Pel Caç Nat 51 (...).

(2) Vd. postes anteriores do Hugo Guerra:

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2415: Uma guerra entregue aos milicianos: onde estavam (estão) os nossos comandantes ? (Hugo Guerra, Coronel, DFA, na reforma)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70)

(3) Corredor de Guileje (Ou de Guiledje)... Corredor da morte, para os soldados portugueses... Caminho do Povo e Caminho da Liberdade, para o PAIGC... Estendia-se de Kandjafra, Simbel e Tarsaiá (Guiné-Conacri) a Gandembel, Balana, Salancaur e Unal (Guiné-Bissau). Para a guerrilha do PAIGC, constituiu o maior e mais importante corredor de infiltração e de abastecimento durante guerra. Sabe-que que a sua manutenção teve um elevado custo em vidas humanas e perdas materiais que acarretou.

Este corredor passou a ter uma importância, a partir do momento em que, depois da batalha do Como (Janeiro/Março de 1964), o PAIGC foi obrigado a abandonar o eixo Canafá-Quitafine-Cassumba-Canamina e Cubucaré.

Através do Corredor de Guileje, foi possível ao PAIGC - apesar das linhas de defesa e da contra-ofensiva das tropas portugueses - garantir, de maneira praticamente contínua, desde 1964 a 1974, a realização de colunas logísticas que levavam o armamento, as munições e outro material indispensáveis à prossecução da luta no interior da Guiné.

(4) Vd. poste de 2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras


(5) Vd. postes anteriores desta série Estórias de Guileje:

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

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