A espingarda automática FN, de origem belga [produzida pela Fabrique Nationale]
A pistola-metralhadora UZI, de origem israelita
A espingarda automática G-3, de origem alemã.
1. Mensagem do Santos Oliveira (1), de 20 do corrente, dirigida ao Mário Dias, com conhecimento aos editores do blogue:
Amigo caríssimo Mário:
Afinal, parece que sou bem mais azelha que o que pensava, pois não conseguia comunicar contigo devido a um simples til.
Mas, já agora, acerca do assunto em esclarecimento (das estrias da G3), não há um Camarada ilustre, o Victor Condeço, que era Mecânico de Armamento? Suponho que é dos anos seguintes aos nossos, mas deve ter documentação mais completa que a minha e da minha curiosidade daquela época me ter guiado para o fresado. Mas, cá vai o que sei e o que penso estar certo.
Mais uma vez, mil perdões por interferir.
Um imenso abraço, do
Santos Oliveira
2. Mensagem enviada ao Mário Dias e ao Virgínio Briote:
Caros Amigos:
Sem criar polémicas, entendo que é um mau exemplo o meu Alferes ter, um dia, transportado a arma naquela posição (2). Eu pregar-lhe-ia uma porrada se fosse da minha competência. Razão, muita razão tinha o nosso Furriel em condenar e censurar.
O Mário Dias ouviu, certamente, o meu desabafo acerca dos equipamentos com que ambos os lados iniciaram a Guerra. Eu disse que a nossa G3 (FBP) não conseguia fazer tiro útil, em determinadas condições de terreno, como, por exemplo, se se molhassem; mas também afirmei que a minha G3 (original Mauser) nunca se encravou.
O ponto de que o Mário fala, as estrias, é o ponto fulcral. Efectivamente só haviam 4 estrias longitudinais, mas cuja diferença era, tão-somente, o tipo de fresado que as diferenciava. Enquanto que o fresado das originais (da minha, por ex.) tinha um ângulo de uns 30 graus (??) as de origem em Braço de Prata eram perpendiculares (90 graus), o que facilitava a acumulação de poeiras e pólvora, que depois de humedecida…
De resto a minha G3 e a minha UZI foram fabulosas, embora a minha função não fosse igual, nem semelhante, àquela que vocês tiveram.
Essa G3, eu também defendo. Ainda deve estar aí para as curvas…
No manual que vos anexo, não há nenhuma referência às estrias do cartucho. Na época, também não se sabia qual arma que viria ser aprovada (se a G3 ou se a FN) e por isso a sua produção, em Portugal, nem sequer era equacionada (3).
Espero ter dado o meu contributo.
A ambos, com admiração, o meu abraço
Santos Oliveira
_____________
Notas dos editores
(1) Vd. poste de 24 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2301: Tabanca Grande (41): Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil de Armas Pesadas Inf (Como, Cufar e Tite, 1964/66)
(2) vd.postes de:
19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2458: Os sulcos... e as estrias da G3 (Mário Dias / Virgínio Briote)
17 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)
(3) Sobre armamento usado pelo Exército Português no início da guerra colonial / guerra do ultramar, vd. sítio do Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra
(...)
Espingardas: O desencadear das hostilidades revelou, logo de início, em qualquer dos três teatros, a falta de uma arma automática de base: em Angola, os ataques em massa não podiam ser eficazmente contrariados com espingardas de repetição; na Guiné e em Moçambique, os guerrilheiros dispuseram, desde o princípio, de armas automáticas que lhes davam nítida vantagem sobre algumas das tropas portuguesas (caso das unidades de guarnição normal).
Assim, a prioridade, em 1961, foi a obtenção imediata de armas automáticas, mas tendo em atenção a necessidade de garantir o fluxo de abastecimento de munições e sobressalentes, o que só poderia ser plenamente conseguido através do fabrico nacional. Duas armas pareciam corresponder aos desideratos operacionais então formulados: a FN, de origem belga, e a G-3, de origem alemã. Quanto às munições, não havia problema, porquanto o cartucho de 7,62 mm era já fabricado em Portugal e exportado em larga escala, sobretudo para a RFA [República Federqal Alemã].
Foram assim adquiridas (com dificuldades, como veremos), dois lotes destas duas armas:
- FN: 3835 sem bipé (s/b) e 970 com bipé (c/b);
- G-3: 2400 sem bipé (s/b) e 425 com bipé (c/b).
Estas armas foram testadas em operações, “a quente”, tendo-se concluído, de modo genérico, que as FN eram de mais fácil transporte, mas o sistema de regulação de gases levantava problemas com pessoal pouco instruído; quanto às G-3, tinham mais precisão, mas o sistema de travamento de roletes revelava tendência para quebrar. No entanto, ambas foram consideradas como satisfazendo os requisitos operacionais. (...)
Sobre as dificuldades de abastecimento com que se deparou o Exército Português no início da década de 1960, no quadro da guerra colonial / guerra do ultramar:
(...) Na época, qualquer fornecimento de material militar a Portugal era extremamente melindroso, não sendo de admirar as dificuldades encontradas. No tocante ao fabrico, a decisão tenderia naturalmente para a opção alemã, mais que não fosse pelo grande volume de transacções já existente entre a RFA e Portugal (dezenas de milhões de cartuchos 7,62 e centenas de milhares de granadas de artilharia eram fabricadas nas FBP [Fábrica Braço de Prata] e FNMAL [Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras ] e vendidas à Alemanha). O fabrico nacional ficou decidido ainda em 1961, saindo as primeiras armas 15 meses depois (fins de 1962), para o que foi determinante a transferência de tecnologia e a assistência à produção, que permitiram, a partir de 1962, o fabrico de canos e carregadores.
Para acorrer às necessidades imediatas, a RFA [República Federal Alemã] prontificou-se a ceder, dos seus stocks, 15 000 espingardas FN usadas, sem restrições de emprego, que deveriam ser devolvidas depois de beneficiadas e à medida que fossem fabricadas as G-3. De facto, foram recebidas 14 867 FN por esta via, mas quanto à devolução, parece não ter havido pressa, porquanto, em 1965, havia já cerca de 140 000 G-3 de fabrico nacional e estas FN continuavam em Portugal.
Ainda quanto às espingardas FN, foram também adquiridas directamente à fábrica, ou através de outros utilizadores (África do Sul). Mais concretamente, dado o carácter de urgência, houve um lote de armas cedido por este país dos seus próprios stocks, posteriormente repostos pela fábrica belga. No total seriam fornecidas cerca de 12 500 destas armas.
Antes da adopção da G-3, a distribuição prevista de armas automáticas era a de FN para Moçambique e de G-3 para Angola, mas problemas políticos levaram a que, em certo período, a G-3 fosse mantida “fora de vistas” nesta última. O total de armas adquiridas, antes do fabrico nacional, foi de 8000 G-3, 12 500 FN belgas e de 14 500 FN alemãs, repartidas pela metrópole, Guiné, Angola, Moçambique e Timor.
A produção julgada necessária em Junho de 1961 era de 105 000 armas, sendo 75 000 para a metrópole e 30 000 para o ultramar. O conceito inicial era de manter na metrópole o número de armas destinadas à instrução e ter em depósito as necessárias para equipar as unidades mobilizadas, mas o futuro se encarregaria de inverter esta distribuição. É curioso notar que só por despacho de 18/9/65 do CEMGFA a G-3 foi considerada “arma regulamentar”. (...)
Quanto às pistolas-metralhadoras (PM):
(...) a orgânica anterior a 1960, as pistolas-metralhadoras (PM) tinham uma distribuição relativamente elevada (uma por secção de atiradores). Existia mesmo uma PM de concepção nacional, a FBP de 9 mm m/947, que tinha o inconveniente de só fazer tiro automático, problema resolvido com o novo modelo (m/961), que podia fazer também tiro semi-automático.
A adopção de uma espingarda automática relegou as PM para segundo plano, porquanto obrigavam a dois calibres nas unidades elementares e identificavam os comandantes a quem estavam normalmente distribuídas. Apesar disso, foram adquiridas PM, quer importadas (UZI de concepção israelita), quer de produção nacional (FBP m/961), empregues essencialmente na defesa de instalações e nas forças de segurança e de autodefesa. (...)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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