1. O nosso Fermero José Teixeira enviou-nos em 23 de Maio mais uma das suas estórias.
Caros amigos editores.
Do sótão das minhas memórias, retirei mais uma estória verdadeira, com algo de caricato.
Fraternal abraço
J.Teixeira
Esquilo Sorridente
Um aborto e o porco
Por José Teixeira
Manhã cedo, batem à porta da enfermaria. Era uma bonita bajuda, creio que era conhecida por Zéza. Morava mesmo ao lado da oficina auto do Quartel, muito perto da casa da Domingas, a lavandera de muitos dos militares estacionados em Empada.
Um respirar acelarado, de quem tinha vindo a correr. Lágrimas nos olhos, sufocada.
Apanhou-me, quando me preparava para ir tomar o pequeno almoço.
- Fermero vem depressa, minha mãe tem doença, sangue, manga di sangue. Ela na vai mori.
Hesitei em mandá-la esperar um pouco, enquanto eu ia ao mata bicho, ou seguir de imediato a jovem até sua casa, ver o que se passava com a mãe, que a trazia tão aflita.
Optei pela segunda opção. Bolsa de enfermagem ao ombro e lá vou eu.
A mãe, de etnia Manjaco, era uma viúva recente di home garandi lá de Empada. Entrou em aventuras sexuais e sofreu as consequências naturais dessa atitude, engravidou. O aborto, foi a solução encontrada com o apoio de uma curiosa, tal como cá, ainda hoje, infelizmente, acontece em muitos casos.
Deparei com uma mulher exaurida, sem forças, sequer para falar, diria que quase em estado de choque e profundamente envergonhada, deitada num velho e sujo colchão de palha. Será que merece este nome? Não sei.
O sangue vazou para o chão térreo, fazendo pequenas poças, onde chapinei sem me aperceber.
Que fazer num caso destes, tão longe de um hospital sem médico por perto, sem meios adequados e sobretudo sem conhecimentos que me permitissem, salvar aquela vida.
Comecei por solicitar a um colega que fosse junto do Comandante, apelar para que se pedisse uma evacuação urgente.
Uma Zimema K, o único anti-coagolante que trazíamos connosco no mato, talvez desse algum jeito, mas o mas importante era colocá-la a soro e esperar que a avioneta ou o hélio pedidos para a levarem para o Hospital em Bissau, chegasse. Podia demorar uma hora ou um dia, nunca se sabe.
Aqui começou a minha luta. Encontrar uma veia, que me permitisse pôr o soro a correr para o seu organismo. A perda de sangue e a dureza da pele, eram factores a considerar, as veias erma coisas que já não se viam nem se sentiam na apalpação e a pele, característica dos povos que não usam sal na comida, por não haver, têm a pele muito rija e seca. (E nós cá no mundo ocidental, a fazer campanhas contínuas a combater o uso de sal em demasia, pois provoca graves doenças) que paradoxo!
Primeira tentativa, infrutífera. Segunda tentativa, de resultado idêntico.
A ânsia e o desespero, apossavam-se de mim, tal a urgência em conseguir resultados positivos para salvar aquela vida.
Há que insistir com paciência. Vamos lá a mais uma tentativa!
De repente, um porco que, suponho, dormia debaixo da cama, acordou e assustado com o reboliço, arranca por ali fora, tropeça nas minhas pernas e foge porta fora a grunhir ruidosamente.
Mais uma tentativa se foi e minha luta continuou, até a agulha, cansada de tanto trabalhar se partiu.
Por fim, lá consegui, com a ajuda do Lemos, o camarada enfermeiro que veio em meu auxílio a pôr a senhora a soro e deste modo, creio, salvar-lhe a vida.
O Héli chegou a tempo de a enviar para o hospital em Bissau e segundo me disse a filha, antes de eu dizer adeus à Guiné, tinha recuperado e estava pronta para outra.
Nesse dia fiquei sem pequeno almoço.
Zé Teixeira
Na foto José Teixeira, de costas, transportando a maca
Foto e legenda: © José Teixeira (2008). Direitos reservados.
_____________
Nota de CV:
(1) - Vd. último poste da série de 26 de março de 2008 > Guiné 63/74 - P2685: Estórias do Zé Teixeira (28): Trágico enamoramento (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)
1 comentário:
Caro Camarada Teixeira. É com prazer que leio o teu testemunho na passagem pela Guiné. Desconhecia que por completo um individuo que conheci na Mosteiro Igreja S.Bento da Vitória e depois no CNE, tivesse passado também e por mero acaso perto por onde andei. Pais caro amigo, estive em Binar (entre Nov. 68 a Fev/70), se não estou em erro. Digo-te que é por mero acaso que te encotro nestas páginas. Nós nos conhecemos sim é do tempo em que eu, passei pelo CNE-S.Nicolau.29-Mafamude.390.
Será que te lembras de mim. Chefe Teixeira.
Espero que possamos falar um pouco mais, pois da minha comp. Caç. 2404 nada sei.
Com as minhas saudações fraternas de
lobocastanho
Enviar um comentário