segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3395: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (9): Tempo de Gandembel...(Alberto Branquinho)



Alberto Branquinho

ex-alf mil
CArt 1689
1967/69

Outra forma de falar

GANDEMBEL

Sangue
fome
suor
sede sede
urina
sono sono
cansaço
fezes
medo medo medo
medo e pó.

Gandembel
um homem dissolve-se no tempo que não passa
na merda
na esperança no pó no fumo
e ficam só cabeças em suspensão
a sede mata sorrisos
pedaços de corpos fecundam a terra
ávida de sangue de sangue e água
prenhe de chumbo e cinza.

Gandembel
o tempo não passa não anda
o tempo espera pelo tempo
espera espera espera
amanhã amanhã depois de amanhã
coração-detonador
estilhaçado de saudade
de raiva e de tempo parado.

Gandembel
tempo de sangue
tempo de morte
tempo de espera
tempo de sono
tempo de sede e fome
tempo sem amanhã
tempo de raiva
tempo de medo e de pó.
________________________

in “SobreVivências” (Espólio de guerra) -2004
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Notas: artigo da série em

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3368: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (8): Navegações...

1 comentário:

Luís Graça disse...

Bravo, Alberto! Não te conhecia essa faceta de poeta. Estás a ser uma revelação. Aliás, é para isso que serve o nosso blogue, para nos conhecermo-nos melhor e para nos darmos a conhecer aos outros...

Passei, em tempo de paz, por Gandembel, há uns vezes atrás, mas - esquisito! - senti o mesmo que tu, que lá estiveste em tempo de guerra:

Gandembel (...)terra
ávida de sangue de sangue e água
prenhe de chumbo e cinza.

Obrigado, camarada!

Luís