Capa do segundo livro do Beja Santos, Diário da Guiné, 1969/70: O Tigre Vadio. Lisboa: Círculo de Leitores / Temas e Debates. 2008.
Foto: Cortesia da editora.
O Mário já nos tinha antecipadamente, em 10 de Outubro passado, enviado o programa das festas do lançamento:
"É só para confirmar que o Tigre Vadio tem lançamento marcado para 11 de Novembro. Nessa data, serão apresentados ao público [, no Museu da Farmácia,] 3 novos núcleos museológicos que tem a ver com a nossa guerra: Os medicamentos do Laboratório Militar, os equipamentos das enfermeiras pára-quedistas e os primeiros socorros dos aparelhos da Força Aérea que iam levar e trazer os nossos feridos.
"Nesse dia, haverá visitas guiadas ao Museu da Farmácia, único à escala dos museus que têm a ver com o combate ao sofrimento humano. O livro será apresentado pelo general Lemos Pires e pelo escritor António Valdemar. Fico receptivo a organizar um almoço baratinho, caso a malta pretenda fazer uma assembleia-geral do blogue até às 16.30, hora que começam as cerimónias no Museu, com a presença do Chefe de Estado Maior da Força Aérea. Um abraço do Mário".
1. Mensagem de Beja Santos, com data de 30 de Outubro de 2008, para a jornalista Natacha Narciso (*) e conhecimento ao nosso blogue:
Assunto: Respostas ao questionário sobre o livro "O Tigre Vadio"
Prezada Natacha Narciso, Obrigado pelo seu email. Vou procurar responder ao seu questionário, de modo sintético. Se precisar de mais elementos, não hesite em escrever-me ou telefonar-me (213564686). Receba os cordiais cumprimentos do Mário Beja Santos.
Creio que este é um segundo volume de memórias. Porque decidiu agora lançá-los?
Conforme expliquei no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/ ), onde estas narrativas foram inicialmente publicadas, tinha o propósito de escrever todo o diário da minha comissão na Guiné entre 1968 e 1970 (cerca de 25 meses) quando me reformasse. Ora o autor e editor do blogue, o meu camarada Luís Graça, apoiou a minha proposta de escrever um diário sob a forma de um episódio semanal, o que veio a acontecer entre 2006 e 2008.
Há quem se mostre surpreendido nos livros Na Terra dos Soncó e O Tigre Vadio (editados por Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2008) registar de forma inusitada o nome das localidades, dos militares e dos civis, os episódios trágicos e acontecimentos corriqueiros. Tive inúmeros suportes, a começar pelas centenas de aerogramas que enviei à minha namorada.
Foram sobretudo razões de pudor que me impediram de concretizar este projecto mais cedo: receei que toda esta descrição soasse a pretensiosismo, agora que o Beja Santos caminha para velho vamos ter o relato das suas façanhas, a existência heróica que levou na floresta profunda, rodeado de alguns dos soldados mais valentes do mundo.
Que idade tinha?
Combati na Guiné quando tinha entre 23 e 25 anos.
Que impacto é que teve na sua vida a participação naquela guerra?
A guerra, em toda a sua crueza e brutalidade, reforma a nossa existência pelas aprendizagens que exige. Como se escreve no 1º Vol. do diário:
“Era uma vez um menino alferes que chegou à Guiné e foi lançado no regulado do Cuor, no Leste, em 1968. A sua missão principal era proteger o rio Geba, garantindo a sua navegação, indispensável para continuação da guerra. Mas havia outras missões, para além de proteger o rio: emboscar, patrulhar, minar, atacar e defender, garantir um professor para as crianças, reconstruir os quartéis flagelados, levar os doentes ao médico, praticar a justiça com o régulo, um destemido Soncó. Era uma vez um alferes que aprendeu a trabalhar com um morteiro 81, a emboscar na calada da noite, a enterrar os mortos e levar os moribundos às costas”.
Quem teve esta experiência, teve de mudar. É uma aprendizagem radical: matar e ver morrer, ver desaparecer todos os bens consumidos pelo fogo, amar e considerar os seus soldados, aprender a cuidar dos outros. Muda-se para todo o sempre.
Trata-se de um trabalho autobiográfico?
Sim, tudo o que se escreve nestes 2 livros pode ser questionado mas é autobiográfico.
Entre os acontecimentos que relata, o que destaca?
A reconstrução de Missirá, que foi devorada pelas chamas e reconstruímos em tempo recorde, sem diminuir o esforço de guerra. Vivi uma gesta colectiva, limitei-me a puxar pelo ânimo dos meus soldados e dos civis. É muito belo ver uma povoação renascer das cinzas, com o esforço de quem faz a guerra, de quem sonha com a paz. Descrevo esta reconstrução no 1º livro.
No 2º livro há um episódio pungente, a operação Tigre Vadio, entrámos num santuário do PAIGC no pino do calor, no fim de Março de 1970, foi uma chacina. A retirada foi duríssima, com os soldados a morrer de sede.
Considera importante que quem participou nos eventos conte a sua própria história?
É indispensável, toda a guerra da Guiné precisa de ser contada, parcela por parcela. Há muitos episódios mistificados. Leio em quase todos os livros que a luta armada começou em Janeiro de 1963, desencadeada pelo PAIGC. É mentira, começou em 1961, começou a ser feita por uma força rival do PAIGC, no norte da Guiné. Há muitos episódios mistificados porque os relatos das operações não correspondem à verdade. É crucial que cumpramos este dever de memória, todos aqueles que combateram de ambos os lados.
Qual a sua opinião sobre a forma como tem sido contada a História da Guerra da Guiné? Há muita investigação ainda por fazer?
Há muito a fazer, a investigação sobre o princípio da luta armada, a forma como Salazar e o seu regime recusaram a solução política negociada, por exemplo. O trabalho que se está a fazer no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné é da maior importância. Mas os militares e civis que viveram aquela guerra não podem continuar a silenciar os factos.
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Nota de L.G.
(*) Mensagem de Natacha Narciso, de 30 de Outubro de 2008:
Assunto: Questões Livro
Bom dia Dr. Beja Santos:
O meu nome é Natacha e trabalho na Gazeta das Caldas. Gostaria de lhe colocar algumas questões sobre o seu livro, que será lançado a 11 de Novembro, de modo a produzir um artigo para este semanário.
Tomo a liberdade de lhe enviar algumas perguntas.
1. Creio que este é um segundo volume de memórias. Porque decidiu agora lançá-los?
2. Que idade tinha?
3. Que impacto é que teve na sua vida a participação naquela guerra?
4. Trata-se de um trabalho autobiográfico?
5. Entre os acontecimentos que relata, o que destaca?
6. Considera importante que quem participou nos eventos conte a sua própria história?
7. Qual a sua opinião sobre a forma como tem sido contada a História da Guerra da Guiné? Há muita investigação ainda por fazer?
Agradeço antecipadamente a sua colaboração.
Com os melhores cumprimentos,
Natacha Narciso
Jornalista
Gazeta das Caldas
Tel.: 262 870 050
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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