terça-feira, 4 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3400: Histórias engraçadas (António Matos) (1): A fábrica de Mafra ou como se fazia um militar

1. Mensagem de 2 de Novembro, enviada pelo António Matos, ex-Alf Mil, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72 (*):

O ser humano, quando transformado em militar, mesmo que à força, adquire características ímpares que lhe permitem graus de sobrevivência excelentes ainda que, para alcançar esse estádio, passe por situações e provações complicadas mas, por vezes, hilariantes.

Desde os bancos da escola (leia-se recruta) que nos habituámos a chafurdar em charcos nauseabundos e a sermos obrigados, ao chegar ao quartel, a apresentarmo-nos 10 minutos depois lavados, penteados, barba feita, fardados a preceito e, calcule-se, com aquelas botas engraxadas e a brilharem !!!

E não é que todos conseguíamos a façanha ?

Desde miúdo de tenra idade que, em minha casa, eu era obrigado ( felizmente !!) a fazer a minha cama antes de sair para a escola. Essa especialização deu-me a facilidade para na tropa não ter essa função como um quebra-cabeças em oposição a alguns camaradas que não tinham como hábito aquela arte de bem esticar lençóis sem deixar ruga que os levava a cumprir 100 flexões!

Em minha casa havia a célebre expressão do saudoso Pai que dizia Aqui não há não gosto!, e com isso tudo o que caía no prato era devorado com prazer. Em oposição, na tropa, todos vimos camaradas a revirarem as tripas quando eram confrontados com a necessidade de enfardarem com aquelas comidas enlatadas que, para eles, eram intragáveis.

Aliás cheguei a fazer verdadeiros banquetes com os pitéus que alguns desprezavam ...

Na tropa, muitos fomos barbeiros de ocasião na tentativa de safar o camarada que se descuidara e não cortara a trunfa o suficiente que lhe permitisse gozar o fim de semana.

Também o fui e, de tesoura em riste, aparei a guedelha ao Teófilo Leite, em Mafra, ao fim de cuja operação de estética, ele ganhou o fim de semana e eu habilitei-me à forca ! Qualquer semelhança da cabeça dele com um parafuso sextavado, não era pura coincidência !

Eu assentei praça em Mafra. A complexidade arquitectónica do Convento transformado em quartel dava-nos durante a 1ª semana uma certa condescendência da parte dos instrutores para pequenos atrasos à formatura pois não raras eram as vezes em que um tipo se perdia nos corredores e primeiro que desse com a saída ....

Eu vivia em Guimarães, de onde me deslocava todos os fins de semana para uma verdadeira transformação física e psicológica bem ao jeito da Laranja Mecânica. Nessa altura, um dos meus camaradas de viagens e de pelotão era o Abreu.

O Abreu usufruía do beliche de cima (1º dtº), do par de beliches ao lado do meu, sendo que eu habitava o rés-do-chão esquerdo. Certa madrugada, o Abreu terá sofrido duma violenta diarreia e começou a chamar pelo camarada do 1º esqº (o Barbosa, pegador de touros ) do qual pretendia que lhe indicasse onde raio eram os sanitários. As altas horas dessa madrugada não permitiram que o Barbosa acordasse daquele sono rônquico e, entretanto, o Abreu continuava a chamá-lo na tentativa de o acordar.

O Abreu acaba por se calar no preciso momento em que o Barbosa despertou virando-se para ele:
- Eh pá o que foi ? o que queres ?

Com cara de desesperado, o Abreu apenas lhe disse:
- Nada ! Já me caguei!

Um abraço,
António Matos

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)

2 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3392: Blogoterapia (67): Homenagem aos que choram (António Matos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Duas histórias(ou estórias)bem
"esgalhadas"Ao Cabral,segue-se o António Matos,que um dia também
foi barbeiro no "calhau"e a continuar assim esperemos que
também chegue às 40...pelo menos
Abraço
P.Santiago