sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3420: História da CCAÇ 2679 (6): Piche, novamente (José Manuel Dinis)



1. Mensagem do nosso camarada José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 6 de Novembro de 2008, com mais um capítulo da História da CCAÇ 2679.

Carlos,

Volto a dar-te trabalho. Aqui vai um novo conteúdo da 2679, basicamente do 2º. pelotão, na medida em que a minha memória não é tão abrangente quanto gostaria, e, por outro lado, não tenho tido a colaboração desejada sobre os restantes. Ainda assim, porfiando, pode ser que outros venham a terreiro.

Para o pessoal da Tabanca Grande e, para ti em especial, aquele abraço.
José Dinis

Piche, novamente.

O Guerra avisou-me de que faríamos a emboscada nocturna, para compensar outro pelotão que saíra duas noites consecutivas. Logo hoje, pensei, que tivemos uma coluna chata, cansativa, e tinha estado nos copos na expectativa de um resto de dia tranquilo. Como se naquela circunstância fosse possível planear os dias. Não era. O almoço, por tardio, consistia no resto da bianda com estilhaços, e não fora convidativo, pelo que, no bar, tomei uma lata de leite condensado, de origem holandesa, que fazia pof a cair no estômago, e, a seguir, para compensar aquela doçura excessiva, emborquei um whisky duplo. Depois, na conversa, bebi mais um bocado do destilado escocês, vulgo, scotish. Quase não comera durante o dia. Já um pouco enebriado pela acção etilizadora, fui avisar o pessoal na caserna, e pedi que antes da saída fossem ao meu quarto acordar-me, pois ainda tencionava aproveitar uma horita de sono.

Era assim, naquele tempo glorioso da Guiné. A alimentação era má e, por vezes dispensável. Cada um safava-se, ou esperava pela próxima refeição, a ver se compensava. Em contrapartida, em Piche, a qualquer hora do dia dispúnhamos de variadas e boas bebidas, tudo em doses de fartura. O que o governo fazia para nos apaziguar os espíritos.

Quando acordei o dia declinava e achei estranho não ter sido acordado. Pior ainda, pensei que o pessoal tivesse ignorado a saída, e isso representaria uma bronca com o Drácula, sempre pronto para a distribuição de porradas. Nestas dúvidas preparei-me para a noitada, sempre o mais ligeiro possível, apenas com as cartucheiras no cinto, a prender a camisa dentro das calças. Agarrei o quico e a espingarda, fui à parada, onde não havia sinais do pelotão.

Fui à caserna, e informaram-me que tinham saído. Cabrões, abalaram sem me dizer nada, cismei enquanto me dirigia à porta de armas. Aí indicaram-me que o pessoal seguira pela estrada de Buruntuma, e teriam saído um bocado antes.

Fiz-me pela estrada fora à procura de sinais, sem saber se teriam tomado alguma outra direcção a partir da estrada. Em passo apressado, porque a noite anunciava-se iminente, em breve detectei o cagaçal alegre do Foxtrot, e quando me juntei a eles, tratando-os com a elegância de quem se sentia traído por não ter sido acordado, o Guerra lembrou-me que devia estar agradecido por isso, e que só um tonto se metia à estrada quando podia ficar no bem-bom. Se queria outra consideração, que não me embebedasse, que ninguém se esquecera de mim. E que tivesse calma, que havia muita guerra para me distrair.

Futebóis

Um belo dia participei num jogo de futebol. A coisa deve ter corrido bem, pois o pessoal apreciou as minhas qualidades. Logo o major comandante de operações, o tal que frequentava a Praia da Rainha em Cascais, designou-me para capitão de uma equipa, enquanto ele capitaneava a outra, e assim, aos domingos, muito cedo, passámos a praticar entusiásticas partidas de futebol, com início, parece-me, pelas seis da manhã, que às nove horas já a elevada temperatura debilitava as forças.

Por causa disso, quando me calhava fazer emboscadas nocturnas nas noites de véspera, o Foxtrot estava autorizado a regressar mais cedo ao aquartelamento, para que fosse assíduo e não atrasasse os jogos. Aconteceu uma vez ou duas, ora pela rotação da escala, ora por não ter poiso certo na área do Sector. As renhidas partidas, onde pontuavam caceteiros, trapalhões, esgazeados, e alguns habilidosos, empolgavam os participantes, apesar da falta de prémios de jogo, ou outras compensações, apesar da escassez de público apoiante e gerador de entusiasmos, já que a hora matutina mais aconselhava cama, do que ver os galfarros em correrias desconexas, perseguindo a maltratada bola nas direcções mais inesperadas.

À falta de uma comissão de árbitros, a tarefa da arbitragem era superiormente desempenhada por um valoroso cabo da CCS, homem judicioso e nada intimidável, que cortava a direito, conforme o seu ponto de vista. Apreciei-o, como sempre apreciei quem assumia esse papel, pois concitava inúmeros ódios e provocações, minimizando-os com a parcimónia do uso do apito.

Em certa partida, daquelas em que uma das equipes não consegue distinguir-se da outra através do resultado, com o pessoal empenhado na consecussão da vitória, um dos meus adversários, lançado em corrida desenfreada, entrou com os pés e o resto do corpo, por um dos elementos da minha equipa, que volteou em caprichoso contorcionismo e, por via disso, perdeu o complicado domínio do esférico. Nem esperei pelo apito do árbitro. Arreganhei a dentuça e dirigi-me ao agressor, disposto a esclarecer e empatar a jogada com picardia. Do outro lado do campo, o defesa central, que jogava durinho e estimulava os companheiros com umas entradas que, se passava a bola, não passava o inimigo, despojado dos galões, não conteve a calma perante o meu ar determinado, e gritou-me:
- Oh Dinis, olha que isto não é a guerra!

Pronto no controle da situação, com voz firme e decisiva, o excelente árbitro dirigiu-se-lhe com autoridade:
- Oh major, aqui quem manda sou eu!

Do resultado não reza a história, resta apenas a lembraça de momentos magníficos de camaradagem, pois, independentemente dos resultados e dos intervenientes, os jogos acabavam sempre bem.

Foto de duas equipas de futebol de cinco (?), onde sou o único da 2679, e não aparece o major

O Ribeira Brava

O Virgílio de Sousa era oriundo da Ribeira Brava, pelo que, assim associado, ficou alcunhado pelo nome terra atravessada pela ribeira, que, durante as chuvas intensas, fazia deslocar furiosos caudais, em turbilhão por estreitas margens alcantiladas, onde confluiam inúmeras linhas de água com origem nas encostas da serra , e contribuíam para evidenciar a violência dos elementos, que o homem nem sempre pode controlar. Ali fora às sortes que ditariam a mobilização.

O Virgílio não rejeitava as características da ribeira, mas era muito bem educado, sem subserviência, e dedicado ao serviço, condições refinadas pela profissão de empregado de mesa, com aspirações a desenvolver para singrar. Pensava emigrar para exercer esse mister com melhor proveito. Complementava essas qualidades com a instrução escolar obrigatória, que o habilitava na ajuda da troca de correspondência que os camaradas menos afortunados mantinham com familiares.

Entroncado, disponível e bem disposto, tornou-se um dos elementos-chave para a coesão entre o Foxtrot. Não revelava grande iniciativa, mas não virava a cara aos diferentes afazeres, e sempre se mostrou intuitivo e determinado nas acções militares, pelo que granjeou a confiança de todos.

Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgílio Sousa
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Nota de CV

Vd. último poste da série de > 27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3362: História da CCAÇ 2679 (5): Canquelifá, duas histórias e um ataque frustrado (José Manuel Dinis)

2 comentários:

Anónimo disse...

Fui Op. de TRASNMissoes do BART 2857 en Piche so queria deixar aqui,algumas rectificaçoes sobre o que escreveu o amigo José Manuel Dinis.Osegundo CMT. Major Gaspena jà nao existia Tinha levado 20 dias diciplinar agravado e levado para Bissau pelo Sr Spinola;o levantamento das minas junto ao rio corubal ,foi feita pelos sapadores daccs que as tinhao colocado là no inicio da comissao e portanto tinhao uma planta do local levantamento feito pelo Furriel SAP. Girao .a planta nao era feita num pacote de cigarros como foi dito.à mais umas coizitas mas em Geral esta correcto.

Anónimo disse...

Olá Companheiro!
Obrigado pela intervenção, no sentido de me ajudar ao alcance dos factos. Todavia, esse major que refere, não cheguei a conhecer, pois a C.Caç.2679 chegou a Piche em 21 de Fevereiro, e o major já tinha deixado o BArt.
Quanto ao furriel Girão, obrigado por me ter lembrado o nome, no pouco tempo de convívio que tivémos, deixou-me muito boa impressão, pela simpatia e camaradagem. Referi que a tomada de notas fora num maço de tabaco, porque comtaram-me assim, e registei. Acredito, que no aquartelamento, tenham esboçado em carta o campo de minas montado. De qualquer modo, deve ter-se cuidados especiais da parte de quem manda, e o Girão terá sido surpreendido para executar a ordem.
Mas, também não posso ser rigoroso, não assisti a isso.
Já agora, havia dois furriéis na área de transmissões, um, era o Branco da Silva, e o outro, que foi o técnico da emissora RVFM, como se chamava?
Um abraço
Dinis